pde: a educação pode melhorar? - Prefeitura Municipal de Belo

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PDE: A EDUCAÇÃO PODE MELHORAR?
TADEU RODRIGO RIBEIRO*
No dia 24 de abril passado, foi anunciado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que pretende melhorar a qualidade da educação no Brasil, incluindo desde as creches e educação infantil até o ensino superior.
O PDE teve na origem a tentativa de estabelecer parcerias público-privadas, cujo fruto mais efetivo
foi o ProUni, programa de bolsas para estudantes de
escolas públicas estudarem em faculdades particulares. Outra parceria de impacto foi o compromisso "Todos pela Educação", aliança da sociedade civil com a
elite empresarial brasileira e gestores públicos, em 2005.
O Plano prevê 47 medidas para atingir, em 2022,
o índice dos países desenvolvidos, nota mínima de 6 no
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb),
que combina o desempenho dos alunos nas avaliações
Prova Brasil e Sistema Nacional de Avaliação Básica
(Saeb) com os dados de repetência e abandono de cada
escola. A nota brasileira hoje é 3,8.
Quatro dessas medidas são estruturais. A primeira é o plano de metas, que pretende incorporar dois
valores: responsabilidade no gasto e prestação de contas, mobilizando a comunidade escolar para acompanhar e participar do desenvolvimento da escola. A segunda é a reformulação do Brasil Alfabetizado, capacitando o professor de 1ª e 2ª séries para dar aulas de
alfabetização para jovens e adultos. Pretende-se, também, a criação de unidades de educação profissional e
tecnológica em quatro anos, com cursos tecnológicos
de nível superior e mestrado e doutorado profissionais
em 150 municípios pólos e, ainda, a duplicação das vagas nas universidades públicas federais até 2010, com
investimento de R$8 bilhões em quatro anos, sendo R$
1 bilhão já em 2007.
Dentre as 47 medidas do PDE, chamam a atenção o piso salarial nacional de R$850 para os professores em regime de 40 horas. Insuficiente para muitos
educadores, mas acima da média nacional, o principal
problema, para o ex-ministro Christovam Buarque, por
exemplo, é não prever que daqui a cinco anos o salário
médio poderia chegar a R$3 mil e corrigir a falta de
infra-estrutura de trabalho e de preparo dos professores. No Congresso, tramita um plano de carreira que
deve dispor sobre a remuneração além do piso. E, para
atingir metas como essa, o País precisaria ir além dos
4% do PIB. A conta chegaria à aplicação de 6% do
PIB na educação, como sugere o atual ministro.
*
8
Outra medida polêmica, mas interessante, é um
programa de incentivos com a cobrança de resultados
combinado com recompensas para as escolas que cumprirem os objetivos. O governo busca, assim, para políticas públicas educacionais a mesma eficiência com
que as empresas privadas trabalham. Nessa linha, o
PDE inclui o programa Dinheiro Direto na Escola, que
dará um bônus de 50% a mais para as unidades que
cumprirem o Ideb previsto. Para sanar problemas
emergenciais, presentes em estabelecimentos rurais,
haverá o repasse imediato, independentemente de metas e contrapartidas. A prioridade é fazer chegar a energia elétrica a todas as escolas. Já o transporte escolar
terá linhas de financiamento especiais para estados e
municípios.
Há, entretanto, desafios a serem vencidos, como
a burocracia tanto do MEC, para gerar recursos e programas num país continental, quanto dos gestores de
muitos municípios que não sabem formatar projetos e,
por isso, deixam de recebê-los. O Ministério usa o seu
portal para dar notícia de projetos, enquanto há escolas sem energia elétrica e prefeituras sem a cultura do
acesso à internet.
A formação de profissionais da educação é outro desafio. O PDE prevê para a formação inicial de
professores sem graduação superior - o que significa
atender a milhares de professores-, e para a formação
continuada de quase dois milhões de profissionais, um
sistema nacional de educação a distância, com a participação de instituições públicas e em parceria com
estados e municípios. Essa ação está ligada a outra: o
aumento de vagas nas universidades públicas, com
novos modelos acadêmicos. Só para acertar tudo isso,
muitas horas de reunião serão gastas.
A avaliação geral que se pode fazer do Plano de
Desenvolvimento da Educação é boa. Há detalhes que
merecem ser aperfeiçoados, como um plano de carreira docente que incentive a formação de professores e a sua permanência na carreira. Mas a sua principal virtude será não deixar apagar a chama de compromisso da administração federal, envolvendo a sociedade, no sentido de sanar uma dívida histórica em 15
anos. Poucos países conseguiram isso. E este País,
que, em 500 anos de história, 400 foram de escravidão, merece a emancipação cidadã de todos os brasileiros por via da educação.
Assessor pedagógico no Gabinete da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte.
Pensar BH/Política Social
Junho/Agosto de 2007
Política Social
RESUMO
PARA UMA POLÍTICA SOCIAL INSURGENTE
um convite à espaço-reflexividade1
RICARDO CARDOSO*
No contexto da cidade
como construção sócio-espacial, e advogando pelo reforço do
papel do espaço como categoria
analítica, as políticas sociais tomam a forma de políticas públicas de intervenção urbana. Ou
seja, os profissionais por elas
responsáveis assumem o papel
de agentes ativos na transformação espacial da cidade. No seguimento deste convite à espaço-reflexividade, o presente artigo propõe um modo de ação
marcadamente espaço-temporal
e explicitamente insurgente para
os profissionais responsáveis
pelo desenvolvimento de políticas sociais urbanas e caracteriza um conjunto de tipologias de
ação.
Comissão Local do Programa BH Cidadadania da Regional Noroeste
Introdução: Política Social, reflexividade
e espacialização
As políticas sociais de uma cidade dependem
das suas redes institucionais e dos agentes e organizações que as constituem. Desde os primeiros passos da
sua elaboração ao acompanhamento e monitorização
da sua implementação, elas envolvem responsáveis
políticos e beneficiários, bem como quadros técnicoadministrativos e profissionais especializados. Ocupando uma posição única entre estado local e sociedade
urbana, estes últimos desempenham um papel crucial
no desenvolvimento dessas políticas e na articulação
das redes institucionais que as suportam. Como tal,
mostra-se fundamental que os profissionais responsáveis pelo desenvolvimento de políticas sociais ao nível
das cidades reflictam sobre os processos de transformação urbana em que estão indubitavelmente envolvidos, utilizando os resultados das suas reflexões para
moldar as redes institucionais em que se inserem e influenciar esses mesmos processos de transformação.
Assim, o objectivo primordial deste artigo é o de estimular a capacidade auto-reflexiva2 de profissionais
responsáveis por políticas sociais urbanas.
No contexto da cidade como construção socio-
espacial, e advogando pelo reforço do papel do espaço
como categoria analítica3, as políticas sociais tomam a
forma de políticas públicas de intervenção urbana. Ou
seja, os profissionais por elas responsáveis assumem o
papel de agentes activos na transformação espacial da
cidade. Como tal, o primeiro passo no sentido do
encorajamento da auto-reflexividade passa por uma breve análise crítica das formulações espaciais da
contemporaneidade urbana. No seguimento deste convite à espaço-reflexividade4, o presente artigo propõe um modo de acção marcadamente espaço-temporal e explicitamente insurgente para os profissionais responsáveis pelo desenvolvimento de políticas sociais urbanas e caracteriza um conjunto de tipologias de acção.
A contemporaneidade urbana (e o papel
dos profissionais)
A contemporaneidade urbana pode ser interpretada de diferentes formas. Sendo a cidade um produto
de actividades que são essencialmente políticas, tais
formulações interpretativas relacionam-se com o
posicionamento teórico-ideológico de quem as produz5.
Assim, enquanto os racionalistas interpretam a realidade urbana como sendo incapaz de traduzir a razão
instrumental e objectiva na satisfação daquele que
*
Investigador do Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
Este texto resulta das minhas próprias interpretações de uma reflexão colectiva em que participa um conjunto de pessoas a quem quero
agradecer pela inspiração conceptual: Chris Jasko, Julie Crespin, Jordi Sanchez-Cuenca, Melissa Belló e em especial Nasser Abou-Rahme.
2
No seguimento do trabalho de Schön (1991) sobre o profissional reflexivo, mas também do incitamento de Bourdieu (1992) à sociologia
reflexiva.
3
Tal como é defendido por Soja (1989) ou Harvey (2000).
4
No sentido em que se sugere o espaço da cidade como categoria fundamental de reflexão.
5
Para uma análise das "abordagens concorrentes" no contexto Brasileiro, ver Souza (2003, Parte II).
N. E: O texto foi mantido com a redação original, conforme a grafia do Português de Portugal.
1
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Política Social
consideram ser o interesse público, os neoliberais preferem denunciar o modo como essa mesma realidade
se constitui como um obstáculo às forças económicas
e ao funcionamento do mercado como mecanismo
distributivo. Do lado das perspectivas críticas, os pósmodernistas olham para as cidades como entidades
complexas caracterizadas por uma enorme diversidade de interpretações e apropriações do urbano, enquanto os economistas políticos percebem esse mesmo urbano como um dos principais palcos do conflito de classes e o seu desenvolvimento como perpetuador das
desigualdades que sustentam a ordem social vigente e
os interesses do capital.
Tendo em conta a enorme diversidade de formulações interpretativas, aquela que me parece constituir a característica mais relevante da contemporaneidade
urbana é definida pela que muito provavelmente será
a única leitura comum entre economistas políticos e
neoliberais. Ou seja, a noção de que o actual contexto
urbano é fundamentalmente definido pela força
globalizante do capitalismo de mercado. De facto, a
perseverança da experiência urbana capitalista é inegável. À medida que o capitalismo e as lógicas de acumulação que o suportam se vão consolidando e
institucionalizando nacional e internacionalmente, comunidades e profissionais envolvidos em políticas públicas de intervenção urbana ficam cada vez mais sujeitos às dinâmicas e tendências desta ordem políticoeconómica.
Conseqüentemente, a multiplicidade de
vivências urbanas identificada (e apaixonadamente
defendida) pelos pós-modernistas vai sendo gradualmente moldada pela experiência urbana capitalista, com
os efeitos profundamente nocivos que se lhe conhecem. A acumulação de capital sem precedentes é
acompanhada pelo aumento da alienação económica
e à medida que os níveis de urbanização vão também
eles aumentando, as desigualdades socioespaciais agravam-se exponencialmente6.
Como agentes activos na transformação espacial da cidade, os profissionais responsáveis pelo desenvolvimento de políticas sociais urbanas são detentores de um leque alargado de capacidades e poderes.
Tirando partido dos privilégios inerentes ao seu
posicionamento institucional e do potencial transfor-
mador das políticas sociais urbanas, estes profissionais
podem e devem desempenhar um papel essencial na
mudança à ordem social vigente. Para isso, terão que
agir dialecticamente na definição de trajectórias de
desenvolvimento urbano fortemente enraizadas nas possibilidades do presente. Esta forma de utopianismo
dialéctico7 sugere a adopção de um modo de acção
marcadamente insurgente8. Desta forma, os profissionais implicados no desenvolvimento urbano poderão
contribuir determinantemente para reverter as estruturas de poder que suportam os processos de acumulação capitalista e assumir-se como agentes de transformação socioespacial progressista.
Tipologias de acção insurgente em
contexto urbano
Importa então discernir de que modo podem os
profissionais insurgentes intervir nos processos de desenvolvimento urbano. Posicionando-me moral e politicamente em relação ao universo das actividades profissionais implicadas nestes processos, eu defendo9 que
a justiça social deve constituir o princípio normativo
universal dos diferentes modos de intervenção na cidade.
Ao realçar a importância de definir um ideal de
cidade justa, pretendo de alguma forma demarcar-me
do relativismo característico do pós-modernismo e rejeitar por completo as recomendações procedimentais
de grande parte da sua literatura. Embora reconheça
méritos nos modos de acção comunicativa, o papel único de mediador desempenhado pelos seus proponentes parece-me ser manifestamente insuficiente. Com
efeito, ao concentrarem as suas preocupações nas qualidades intersubjectivas das deliberações públicas, os
defensores dos diferentes modos de acção comunicativa tendem a depreciar a importância do contexto político-económico em que se dão os processos de desenvolvimento urbano, bem como o conteúdo e resultados materiais dessas deliberações10.
Não pretendo com isto denegrir a relevância dos
processos de negociação no desenvolvimento de políticas urbanas. Procuro apenas rejeitar o pressuposto
idealista de que através da ética discursiva se conseguem transformar relações de poder e atingir consensos deliberativos. A meu ver, não existe verdadeira
transformação social sem conflito e lutas de poder. As
6
Para uma análise das desigualdades socioespaciais no mundo contemporâneo ver o retrato crítico que Davis (2006) faz do "planeta de
favelas".
7
Sugerida por Harvey (2000) como uma forma de pensamento utópico explicitamente espaço-temporal.
8
Inspirado fundamentalmente na formulação dada por Harvey (2000) ao "trabalho do arquitecto insurgente", mas também nas "práticas de
planejamento insurgentes" preconizadas por Sandercock (1998).
9
Conjuntamente com economistas políticos como Harvey (2000) ou Fainstein (2003).
10
Para uma análise crítica às abordagens comunicativas, ver Cardoso 2005.
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Política Social
mudanças estruturais necessárias à construção da cidade justa dependem muito mais do poder social mobilizado do que da força relativa dos argumentos em debate. Argumentos e idéias podem, isso sim, estimular
consciências urbanas e mobilizar poder transformativo.
Como tal, é na libertação da imaginação urba11
na que reside o potencial insurgente dos profissionais responsáveis pelo desenvolvimento de políticas
sociais ao nível da cidade. Isto requer capacidade reflexiva e espírito crítico na construção de um ideal de
cidade justa que se oponha ao projecto neoliberal e
mobilize poder social para a necessária reorganização
da sociedade urbana.
Deste modo, em termos de tipologias de acção,
os profissionais insurgentes são antes de mais, defensores acérrimos de uma ordem social alternativa. Para
tal, devem articular uma visão programática da cidade
justa que traduz um olhar crítico e reflexivo sobre o
contexto urbano em que pretende ser aplicada, e se
traduz num forte estímulo à mobilização social e à acção
colectiva nesse mesmo contexto. Centrando-se no
conteúdo das intervenções urbanas, esta visão deve
resistir a quaisquer esquemas que aprofundem a acumulação de capital em detrimento de cidadãos comuns
e consubstanciar-se num conjunto coeso de princípios
justos que fomentem mudanças estruturais na substância económica das cidades e preconizem um modelo igualitário de relações sócio-espaciais12.
Ao mesmo tempo, e como já foi referido, é na
articulação desta visão que se podem agitar consciências urbanas e mobilizar poder social para a mudança.
Para que tal aconteça, é fundamental que os profissionais insurgentes desmistifiquem o seu próprio papel no
desenvolvimento da cidade e sejam capazes de interpretar e traduzir os vários conhecimentos, incertezas e
aspirações políticas (incluindo as suas próprias) relevantes no contexto institucional em que se inserem13.
Este exercício criativo de tradução interactiva e inclusiva deverá servir para definir pontos comuns entre os
diferentes grupos envolvidos e estimular formas
colectivas de acção.
Conclusão
O convite à espaço-reflexividade lançado neste
artigo aos profissionais responsáveis pelo desenvolvimento de políticas sociais ao nível da cidade sugere
um modo de acção insurgente que passa pela definição de um ideal normativo de cidade justa e a sua articulação numa variedade de palcos institucionais. Ideal
esse que se deverá constituir naquela que Slavoj Žižek
vê como a "única via de saída deste beco"14. Ou seja,
na "reafirmação de uma crítica virulenta, fortemente
intolerante, da civilização capitalista global"15.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, Loic. An Invitation to Reflexive
Sociology. Cambridge: Polity Press, 1992.
CARDOSO, Ricardo. Context and Power in Contemporary Planning:
Towards Reflexive Planning Analytics. London: Development
Planning Unit (UCL), 2005.
DAVIS, Mike. Planet of Slums. London and New York: Verso, 2006.
FAINSTEIN, Susan. New Directions in Planning Theory. In S. Fainstein;
S. Campbell. Readings in Planning Theory. Malden and Oxford:
Blackwell, 2003.
HARVEY, David. Spaces of Hope. Edinburgh: Edinburgh University
Press, 2000.
SCHÖN, Donald. The Reflective Practitioner: How Professionals
Think in Action. Avebury: Aldershot, 1991.
SANDERCOCK, Leonie. Towards Cosmopolis: Planning for
Multicultural Cities. Chichester; John Wiley and Sons, 1998.
SOJA, Edward. Postmodern Geographies: The Reassertion of Space
in Critical Social Theory. London: Verso, 1989.
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade: Uma Introdução
Crítica ao Planejamento e à Gestão Urbanos. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2003.
ŽIŽEK, Slavoj. Elogio da Intolerância. Lisboa, Relógio D'Água,
2006.
ABSTRACT
In the city context as socio-space construction, and
advocating for the reinforcement of the space role like analytic
category, the social policies turn into public policies of urban
intervention. That is, the professionals responsible for the public
policies assume the role of active agents in the spatial
transformation of the city. Following this invitation to the spacereflectivity, the present article proposes an action way
emphatically time-space and explicitly rebel to the professionals
responsible for the development of the urban social policies
and characterizes a set of action typologies.
11
Tal como é preconizada pelo INURA, a Rede Internacional de Investigação e Acção Urbana, na sua declaração para um mundo urbano
alternativo, ver em http://www.inura.org.
12
Ver o trabalho de Fainstein (2003) para um maior aprofundamento das características fundamentais da cidade justa.
13
No seguimento da argumentação de Schön (1991) em relação aos limites do conhecimento científico e da necessidade de tradução entre os
diferentes "teatros de actividade insurgente" de Harvey (2000).
14
Žižek 2006, p. 19. O beco de que Žižek fala é o do "postulado da neutralização política da economia" e por arrasto dos diferentes modos de
intervenção urbana.
15
Ibid. (ênfase no original).
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