Discursos na (Ciber) Mídia, Representações e Subjetividades

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Discursos na (Ciber) Mídia, Representações e Subjetividades:
Cultuando um corpo magro
Luana Martins de Brum1; Adriane Roso2
Resumo
Este estudo teórico-empírico envolve revisão bibliográfica não sistemática e
levantamento de discursos veiculados em blogs. Busca estabelecer relações entre os operadores
teóricos culto ao corpo, gênero e consumo. A perspectiva teórica norteadora é a Psicologia
Social Crítica, voltando sua atenção especialmente ao campo das representações sociais.
Conclui-se que o social enquanto relação está atrelado às representações em torno do corpo e
da busca pela perfeição. A busca pelas mulheres do corpo ideal faz jus às representações sobre
o corpo na atualidade e os discursos circulantes nos blogs denotam a carga de investimento
afetivo nesta busca.
Descritores: Internet, Corpo, Representações Sociais, Gênero
Introdução
Na atualidade, os padrões estéticos ditam regras sobre modos de viver, sendo o “corpo
magro” valorizado e reconhecido socialmente, em detrimento ao “corpo gordo”. O padrão
hegemônico de magreza mobiliza e incita algo nas pessoas, talvez mais marcadamente nas
mulheres. Esses padrões estéticos estão ligados aos modos como o corpo é representado em
cada sociedade. No caso de nossa sociedade, podemos interpretá-la como uma sociedade de
culto ao corpo, ou uma sociedade narcísica.
A insistente associação entre feminilidade e beleza contém modos de conceber e
produzir o embelezamento em constante transformação (SANT’ANNA, 2005), e compreender
essas transformações é fundamental para pensarmos a temática do culto ao corpo. As
1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM. Email:
[email protected]. Integrante do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão Saúde, Minorias Sociais e
Comunicação.
2
Profª Drª do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM. Email:
[email protected]. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
representações elaboradas e o conjunto de códigos culturais definem, no momento histórico, as
regras de uma determinada comunidade.
Todos nós representamos e sem o ato representacional não conseguiríamos dar sentido
aos eventos da vida e muito menos suportar as intempéries do cotidiano. Precisamos representar
para construir nossa trajetória de vida, constituir laços sociais e atribuir sentido aos objetos que
nos rodeiam (JOVCHELOVICH, 2008). As representações operam uma transformação do
sujeito e do objeto enquanto ambos são modificados no processo de elaboração do objeto
(ARRUDA, 2002).
Há uma conexão entre a mídia e a ciência, sendo o consumo a peça central nessa
interação. A estética e a medicina se atualizam constantemente no sentido de desenvolver novas
tecnologias para combater imperfeições e reverter sinais de envelhecimento, enquanto a mídia
cria e reproduz as modas do momento. Nesse quadro, o consumo se transforma em meio de
acesso ao corpo e a saúde perfeita.
É possível observar que a forma como os padrões estéticos são veiculados e consumidos
na atualidade se direcionam de forma mais intensa às mulheres. Podemos nos questionar a
respeito do maior enfoque no público mulheres, e nesse sentido, a categoria gênero é necessária
para pensarmos a questão do culto ao corpo.
Os aspectos ligados ao culto ao corpo, incluindo o ato de se vestir e praticar exercícios
físicos é, ao mesmo tempo, social e individual. A construção de um estilo, um modo próprio de
se apresentar, passa por elementos que estão inscritos na experiência social (CASTRO, 2007).
Sendo hoje uma preocupação geral que atravessa diversos setores, classes sociais e faixas
etárias, a forma como se opera dentro de cada grupo é variada. A escolha por dietas, academia,
danças, procedimentos cirúrgicos estão atrelados às representações. Seu consumo envolve
também o consumo de signos e imagens, e dessa forma o culto ao corpo se configura em um
território de modelação de identidades.
Circula no cotidiano das pessoas, na mídia, nas academias dentre outros espaços, a ideia
de que a pessoa é a única responsável pelo seu corpo. Nesse sentido, Dantas (2011) traz que o
culto ao corpo se mostra um possível instrumento ligado aos valores idealizados no que diz
respeito à estética, comportamento e estados de ânimo, sendo assim tido como um meio de nos
conduzir à desejada felicidade.
A expressão dos padrões estéticos e do culto ao corpo se dá através da busca pelo corpo
ideal, uma busca pelo corpo perfeito, quase inumano, inexequível. Dada essa impossibilidade,
pergunta-se: que subjetividades são engendradas a partir daí? Tomando esta questão como
disparadora, nesse texto, apresenta-se parte de uma pesquisa que visa tecer reflexões acerca da
estética na contemporaneidade, pensando na interação entre as representações sociais, padrões
estéticos e as subjetividades engendradas em uma sociedade de consumo marcada pelo culto ao
corpo. Aqui, as subjetividades são analisadas à luz do fenômeno representacional, como sugeriu
Serge Moscovici. Para esse autor, o sujeito social constitui sua subjetividade na dupla mediação
com o outro a partir da linguagem (apud SOUSA; NOVAES, 2013).
Métodos
Trata-se de um estudo teórico-empírico que, através de revisão bibliográfica não
sistemática e levantamento de discursos veiculados em blogs, não sistemático sustentado pelos
pressupostos da Psicologia Social Crítica. A Psicologia Social Crítica tem por objetivo
“conhecer o indivíduo no conjunto de suas relações sociais, tanto naquilo em que ele é a
manifestação grupal e social” (STREY, 2009, p.16) e propõem a construção de um espaço de
intersecção em que um implica o outro e vice-versa (IBIDEM).
Em um primeiro momento, buscou-se tomar como referenciais artigos científicos e
livros, que abordassem as temáticas do culto ao corpo na contemporaneidade, sempre
associando à categoria gênero. Em seguida, realizamos um ensaio de etnografia virtual (HINE,
2005) acompanhando discursos que circulam no espaço (ciber)midiático, mais precisamente de
blogs cujo mote é a díade emagrecimento/corpo.
Resultados
No primeiro momento de pesquisa, buscamos nos familiarizar com a temática
corpo/emagrecimento, buscando autores não apenas da psicologia social, mas autores de
diferentes campos disciplinares que pudessem iluminar nossas reflexões. Fizemos um
levantamento sistemático das produções no SciELO, encontrando mais de 17 artigos, que foram
lidos cuidadosamente. De modo intencional, também buscamos livros e capítulos de livros na
biblioteca da Universidade Federal de Santa Maria, assim como recorremos ao mecanismo de
busca do Google Academics. A leitura desses artigos, livros e capítulos formou a base teórica
para a elaboração de uma análise crítica sobre os discursos circulantes nos blogs. Em seguida,
analisamos os discursos que circulam no espaço (ciber)midiático, mais precisamente blogs cujo
mote é a díade emagrecimento/corpo.
Discussão
As representações sobre o corpo, principalmente o corpo das mulheres, interagem na
construção do que é belo e feio e dessa forma também se fazem presentes na forma como as
pessoas se relacionam com seus próprios corpos e os moldam, assujeitando-se ou não às normas
disseminadas na sociedade.
Guareschi e Roso (2014) trazem que as representações sociais não são estáticas, elas
carregam consigo contradições, dimensões críticas, que podem conduzir a mudanças e
transformações. Jovchelovich (2008) também mostra que a representação não é uma entidade
estática, tratando-a como um sistema construído. Guareschi e Roso (2014) falam do social
enquanto relação, como algo que não pode ser entendido sem outros, pois o social implica
outros em sua própria definição. Dessa forma, no contexto do culto ao corpo podemos pensar
que este, ao mesmo tempo que molda os corpos, é moldado através da fluidez das
representações, pois o corpo é um terreno cercado de significados de diversas ordens.
Em relação ao corpo ideal, desejado pelas mulheres que se engajam nessa busca, é
possível notar, através dos discursos circulantes nos blogs, que elas se utilizam das mais
variadas táticas para que o corpo belo seja alcançado. Hoje, as tecnologias fazem parte do nosso
cotidiano de forma bastante intensa; utilizamos a internet para uma miríade de fins. Em relação
ao culto ao corpo, a internet tem possibilitado que as pessoas tenham mais acesso a receitas,
novas tecnologias estéticas e até mesmo interagir com outras pessoas que de alguma forma
estejam buscando modificações corporais. Os blogs, dentre outros dispositivos como as redes
sociais, tem papel fundamental em mediar a interação entre as pessoas virtualmente, pois o
compartilhamento de experiências pode ser bastante rico neste espaço. A seguir, seguem alguns
trechos de relatos que se encontram em um desses blogs, o “blog da Mimis”3. Acompanhamos
este Blog por um período de 6 meses. A proposta do Blog é “compartilhar meus conhecimentos
em culinária saudável, atividade física e qualidade de vida”.
Métodos utilizados para o emagrecimento
Sabemos que há uma infinidade de métodos que as pessoas recorrem quando buscam
emagrecer, porém, é possível observar que no referido blog, os relatos contam experiências
falhas que as pessoas tiveram ao longo de suas vidas como “Emagreci muito em meses e depois
engordei tudo novamente, cortava carboidratos, fazia algumas dietas que só tomava sopa,
3
Localizado no endereço eletrônico “http://blogdamimis.com.br/”
chegava a desmaiar, outras davam um bafo horrível” (P.V) ou “a dieta do feijão branco, a
dieta da ração humana, tentava dietas que anunciavam na TV, tomou chás e comprimidos”
(trecho nas palavras da autora do blog, sobre um depoimento). Relatos como estes no blog têm
papel de passar a ideia de que dietas aleatórias e atitudes muito radicais não possibilitam os
resultados esperados além de serem prejudiciais à saúde. O que é colocado nos relatos como de
fato eficiente e gerador de bem estar e felicidade é a reeducação alimentar aliada ao exercício
físico, como mostram as falas a seguir: “Assim que resolveu mudar a alimentação, Raquel
entrou na academia. No começo ela lembra que foi muito difícil, mas que a meta que ela havia
estipulado junto com a alimentação ajudou bastante. Hoje ela não consegue ficar sem malhar.
Adora. Faz academia de segunda a sexta numa boa” ou “caminhada, corrida, musculação…
Além de terem me ajudado a mudar de vida me tornaram uma pessoa melhor e bem mais
disposta. Esses trechos mostram como o sentido de um corpo magro está aliado a um corpo
saudável, que apenas dessa forma é possível que as mudanças corporais sejam duradouras.
A busca pelas mulheres do corpo ideal faz jus às representações sobre o corpo na
atualidade e os discursos circulantes nos blogs denotam a carga de investimento afetivo nesta
busca, engendrando subjetividades.
Afetos e sentimentos envolvidos no processo de emagrecimento
Conquistar o corpo desejado é um processo no qual as pessoas investem tempo e
dedicação. Dessa forma, muitos afetos, sentimentos e emoções estão envolvidos, desde aquelas
que surgem antes do início deste processo, como “Eu sentia que cada vez mais eu deixava de
conseguir fazer as coisas mais básicas do dia a dia, sentia-me imensamente pesada e isso me
deixava triste” (R.S), também “Nada servia, nunca consegui me amar, não tinha jeito, era
insegura” (P.V). A insatisfação com o corpo acaba afetando o cotidiano das pessoas, pois se
sentem inadequadas, e quando tomam a decisão de realizarem mudanças visando o
emagrecimento, há outros sentimentos que são relatados, como este em que a autora do blog
fala da experiência de P.M: “Para fugir das tentações, P. conta que fingia que não gostava do
alimento. Aprendeu a dizer “não” e sempre pensava que com o passar do tempo iria agradecer
por não ter comido tal tentação.”e “Ninguém acreditava que eu fosse conseguir”(P.M). Relatos
como esses mostram que uma variedade de afetos estão associadas às representações do corpo
e isso mobiliza as pessoas. Muitas mulheres que se sentem acima do peso relatam sentimentos
de infelicidade e inferioridade, colocando no emagrecimento a chave para a felicidade e o
sucesso.
O papel dos outros
Enquanto seres humanos, vivemos sempre em relação. Quando alguém toma a decisão
de trazer algumas mudanças para sua rotina, isso acaba refletindo na vida de pessoas com quem
se compartilha o dia a dia. Nos depoimentos, há constantemente a presença de pessoas
importantes que de alguma forma se envolveram também no emagrecimento; seja uma amiga
para incentivar, mãe, companheiro, filhos, a presença de outras pessoas envolvidas no processo
de emagrecimento é constante, como em “R. é casada há 20 anos e conta que nunca recebeu
críticas do marido por conta do excesso de peso. Mas, assim que ela resolveu mudar ele foi
seu maior incentivador.”, ou “Além da minha força de vontade que veio com o tempo, a Ma
sempre me ajudou. Foi ela que me deu um acorda pra vida” (J.O). O modo como existimos e
nos relacionamos, são sempre singulares, e apenas podemos existir e nos desenvolver a partir
do outro, que contribui para que possamos nos tornar o que somos
Os relatos aqui trazidos e outros contidos no blog reiteram o que é trazido pelos estudos
científicos, que a magreza está associada à felicidade, ao sucesso, saúde e bem estar. É muito
presente nos relatos histórias de mulheres que se sentiam não adequadas e infelizes quando
estavam acima do peso, e como suas vidas melhoraram em diversos aspectos uma vez que
conquistaram o corpo magro desejado.
Conclusões
Em relação ao corpo ideal, desejado pelas mulheres que se engajam nessa busca, é
possível notar, através dos discursos circulantes nos blogs, que elas se utilizam das mais
variadas ações para que o corpo belo seja alcançado. A busca pelas mulheres do corpo ideal faz
jus às representações sobre o corpo na atualidade e os discursos circulantes nos blogs denotam
a carga de investimento afetivo nesta busca, engendrando subjetividades .
Dessa forma, é importante a problematizar sobre o modo como o social, enquanto
relação, está atrelado a esse desejo pela perfeição. Ainda, para a psicologia social crítica, podese recorrer aos blogs como ferramenta de pesquisa na busca da compreenção e interpretação
das relações eu-outro-sociedade.
Referências
ARRUDA, A. Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cadernos de Pesquisa,
Rio de Janeiro, n. 117, 2002.
CASTRO, Ana Lúcia. Culto ao corpo e sociedade: mídia, estilos de vida e cultura de consumo.
Annablume, 2007.
DANTAS, J. B. Um ensaio sobre o culto ao corpo na contemporaneidade. Estudos e Pesquisas
em Psicologia, Rio de Janeiro, 2011, v. 11, n. 3, p. 898-912.
GUARESCHI, P; ROSO, A. Teoria das Representações Sociais - sua história e seu potencial
crítico e transformador. In: CHAMON, E. M. Q. O.; GUARESCHI, P. A.; CAMPOS, P. H. F.
C. (Orgs.). Textos e debates em representação social. Porto Algre: EdiPUCRS, 2014.
HINE, C. (Ed.). Virtual methods. Issues in social research on the internet. New York: Berg,
2005.
JOVCHELOVITCH, S. Contextos do saber: Representações, comunidade e cultura.
Petrópolis: Vozes, 2008.
SOUSA, C. P. de & NOVAES, A. de O. A compreensão de subjetividade na obra de Moscovici.
In Ens, R. T., Bôas, L. P. S. V., Beherens, M. A. (orgs.), Representações sociais: fronteiras,
interfaces e conceitos, pp.21-36.
STREY, M. N. (2009). Introdução. In STREY, M. N at al. Psicologia Social Contemporânea
(12a ed., pp. 7-16). Petrópolis: Vozes.
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