Marketing social e gestão social

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Marketing social e gestão social: uma convergência possível?
Social marketing and social management: a possible convergence?
Marcos Luís Procópio
Mestre em Administração
Professor Efetivo
Universidade do Estado de Mato Grosso – Campus de Sinop
Av. dos Ingás, 3001, Jardim Imperial, CEP: 78555-000
Sinop – MT
[email protected]
Airton Cardoso Cançado
Doutor em Administração
Professor Adjunto
Universidade Federal do Tocantins – Campus de Palmas
ALC NO 14 (109 Norte), Av. NS 15, s/n
Caixa Postal 114 – CEP: 77001-090
Palmas – TO
[email protected]
José Roberto Pereira
Doutor em Sociologia
Professor Associado, Coordenador da INCUBACOOP – UFLA e Pesquisador Mineiro pela
FAPEMIG
Universidade Federal de Lavras
Diretoria de Contratos e Convênios – DICON
Prédio da Reitoria
CEP: 37.200-000
Lavras – MG
[email protected]
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Resumo
Este texto tem como objetivo analisar, através de uma pesquisa bibliográfica, a trajetória do
conceito de marketing social e discutir suas perspectivas. Este esforço tem como base uma
análise histórico-teórica do conceito de marketing social, análise esta que, ao final, nos
apresenta um possível caminho de convergência com o conceito de gestão social na
perspectiva de Fernando Tenório (2008a; 2008b; 2010). Para ilustrar a análise históricoteórica do conceito de marketing social foi utilizada a metáfora de Alan Andreasen (2003) das
fases do crescimento humano (infância, adolescência, vida adulta). Tal autor argumenta que o
marketing social, por ser um campo ainda muito novo, mal adentrou a vida adulta e ainda tem
muito que crescer. A título de consideração final, o principal resultado encontrado foi a
possibilidade da operacionalização do marketing social “adulto” por meio da gestão social, o
que abre novos horizontes para o marketing social em um momento crucial de seu
desenvolvimento. Por outro lado, a gestão social tem no marketing social “adulto” novas
possibilidades teóricas e empíricas de avançar enquanto conceito e prática.
Palavras-Chave: marketing comercial, marketing social, gestão social.
Abstract
This paper aims to analyze, through a bibliographical research, the trajectory of the social
marketing concept and discuss its perspectives. This effort is based on a historical and
theoretical analysis of the social marketing concept, analysis that, by the end, presents us a
possible path of convergence with the social management concept in the perspective of
Fernando Tenório (2008a; 2008b; 2010). To illustrate the historical and theoretical analysis of
the social marketing concept it‟s been used the Alan Andreasen‟s (2003) metaphor of human
growth stages (childhood, adolescence, adulthood). This author argues that social marketing,
because it is a field still very young, barely entered adulthood and still have a lot to grow. As
conclusions, the main result found was the possibility of operationalization of “adult” social
marketing by means of social management, which opens new horizons for the social
marketing at a crucial moment in its development. Also, the social management has in “adult”
social marketing new possibilities of theoretical and empirical progress both as a concept and
as a practice.
Keywords: commercial marketing, social marketing, social management.
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1. Introdução
Este texto tem como objetivo analisar a trajetória do conceito de marketing social e
discutir suas perspectivas. Tal esforço teórico tem como base uma análise histórico-teórica do
marketing social que, ao final, revela uma possível confluência na direção da gestão social na
perspectiva de Fernando Tenório (2008a; 2008b; 2010). A metodologia utilizada foi a
pesquisa bibliográfica que incluiu tanto material que versa sobre o marketing social quanto
sobre a gestão social.
O marketing social é um campo relativamente novo na Administração. Pouco mais de
40 anos se passaram desde a sua “fundação acadêmica”, em 1971, com um texto de Philip
Kotler e Gerald Zaltman intitulado Social Marketing: an approach to planned social change.
Desde então o marketing social vem se desenvolvendo e se mostrando como um campo
bastante promissor no sentido da promoção do bem-estar social.
Os crescentes problemas econômicos, sociais e ecológicos que atingem muitas nações,
exigem da Administração novos modos de pensar, para não se dizer uma completa renovação
das suas bases (AKTOUF, 1996; GUERREIRO RAMOS, 1981), no sentido da promoção do
bem-estar social e do interesse público. No Brasil, a Reforma do Estado iniciada na década de
1990 transferiu grande parte das responsabilidades sociais do governo para a sociedade civil
organizada (BRESSER-PEREIRA, 2006; SOCZEK, 2002). O interesse pela questão do bemestar social difundiu-se pelos segundo e terceiro setores. Isso deu bastante evidência ao campo
do marketing social, acarretando a difusão das suas idéias e princípios (ARAÚJO, 2001).
A evolução do marketing social, como será apresentada adiante, mostra um
afastamento progressivo deste conceito em relação ao conceito de marketing comercial e,
paralelamente, uma aproximação dialógica entre o “agente” de marketing e seu “públicoalvo”. Este movimento tende a reforçar as diferenças entre estes dois tipos de marketing mas,
ao mesmo tempo, faz com que o marketing social necessite de outros aportes teóricos
desconhecidos pelo marketing comercial.
Este trabalho está estruturado da seguinte forma: esta introdução é seguida por uma
segunda seção onde serão tratadas as origens, evolução e controvérsias acerca do conceito de
marketing social. Depois, há uma terceira seção onde será apresentada a gestão social como
possível perspectiva teórica confluente com o marketing social. Finalmente, há uma quarta
seção onde serão feitas algumas considerações.
2. A trajetória histórico-teórica do marketing social
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A discussão histórico-teórica do conceito de marketing social vale-se da metáfora de
Alan Andreasen (2003) que se utiliza das fases do crescimento humano (infância,
adolescência, vida adulta, etc..) para explicar a evolução do marketing social. O autor
argumenta que o marketing social, por ser um campo ainda muito novo, mal adentrou a vida
adulta e ainda tem muito que crescer.
No Brasil, tal como alerta Araújo (2001), a difusão das idéias e princípios do
marketing social não se deu de modo unívoco. Dado o grande frenesi que desperta em todos
aqueles que se interessam pelas questões ligas ao bem-estar social, além do Estado, o
marketing social sofre distorções e deturpações diversas a ponto de ser perigosamente
confundido com outras propostas de intervenção social existentes no universo das
organizações, tais como a responsabilidade social, o marketing de causa social e o marketing
social corporativo.
Cabe ressaltar que a diferenciação do marketing social diante de todas as outras
propostas corporativas de intervenção social foi debatida no Brasil por vários autores como
Higuchi e Vieira (2007), Vieira e outros (2007), Araújo (2001) e não constitui objeto de
discussão no presente artigo. Porém, apenas a título de esclarecimento, pode-se dizer que esta
diferenciação pode ser verificada, ao menos inicialmente, no nível teleológico: diferentemente
do marketing social que tem na busca pelo bem-estar social e pelo interesse público seu fim
último, as demais propostas que se confundem com ele se justificam a partir dos benefícios
que trazem às organizações promotoras. Dito de modo mais direto, enquanto o marketing
social tem como finalidade última promover o bem-estar social e o interesse público, as
demais propostas que se confundem com ele visam à obtenção de vantagens estratégicas
ulteriores – tais como maior lucratividade (no caso das empresas privadas), maior aceitação
popular (no caso das empresas públicas) ou maior poder de atuação (no caso das organizações
do terceiro setor) – em troca da busca (real ou simulada) pelo bem-estar social.
Uma vez que vários autores como Andreasen (2003), Peattie e Peattie (2003) e Araújo
(2001), dentre outros, concordam com o fato de que o marketing social encontra-se em uma
fase “crítica” de evolução e que, por isso, seu futuro ainda está por ser definido, esta parece
ser uma boa oportunidade para apresentação e discussão de uma proposta acerca do que
poderia ser sua próxima fase evolutiva. Afinal, como afirmam Peattie e Peattie (2003, p. 383)
ao parafrasearem Andreasen, “[...] o marketing social está agora em uma grande encruzilhada
que [...] cria um momento apropriado para se reconsiderar o que esta disciplina necessita para
seu futuro desenvolvimento”.
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Dada a grande complexidade e imprecisão da matéria, a presente discussão se foca em
torno de sete noções elementares que perpassam toda a evolução do marketing social, desde
sua “infância” até sua recente entrada na vida “adulta”. São elas: (1) “necessidade”, (2)
“produto”, (3) “comunicação”, (4) “transação”, (5) “orientação para o „cliente‟”, (6)
“administração de marketing” e (7) grau de dependência do marketing social em relação ao
marketing comercial. Para efeito metodológico, essas noções referenciais serão doravante
chamadas de “indicadores comparativos” ou simplesmente “indicadores”.
Na teoria ortodoxa de Marketing (PEATTIE e PEATTIE, 2003; CHAUVEL, 1999), a
necessidade é um estado individual de insatisfação que, por tirar o indivíduo do equilíbrio,
exige uma compensação. Essa compensação é normalmente realizada via consumo de um
produto ou serviço minimamente tangível adquirido em uma transação controlada onde o
indivíduo fornece algo (como tempo, dinheiro, esforço ou todos) em troca. A necessidade
está, então, no âmago da motivação dos indivíduos que realizam a transação de marketing.
Porém, para que o indivíduo possa efetivar a transação e consumir o produto que trará a
satisfação da sua necessidade, é preciso antes que a existência de tal produto lhe seja
comunicada por alguém; ou seja, o produto precisa ser anunciado para que possa ser
conhecido e desejado. A transação é entendida, então, como uma relação social a partir da
qual as necessidades serão satisfeitas ou como uma relação social a partir da qual a troca é
realizada. A orientação para o “cliente” expressa o grau de esforço necessário para se
compreender as diversas necessidades existentes na vida do consumidor (ou do possível
consumidor) de certo produto e como tais necessidades podem ser satisfeitas. A administração
de marketing representa todo o (eventual) processo de planejamento, implementação e
controle das transações (ou programas de transações) voltadas para a satisfação mutua das
necessidades dos indivíduos. Nela estão presentes, inclusive, as decisões sobre o produto.
Embora todas essas noções tenham pertencido primeiramente ao campo do marketing
comercial, elas foram apropriadas pelo marketing social. O presente texto revelará, no seu
decorrer, como cada um desses sete indicadores mudou historicamente dentro de cada uma
das fases do crescimento do marketing social (“infância”, “adolescência” e vida “adulta”).
Nesse sentido, ao se analisar o crescimento do marketing social, analisar-se-á, também, a
variação do seu grau de dependência em relação ao marketing comercial.
Grosso modo, a idéia de marketing que se fazia presente no mundo empresarial na
ocasião do surgimento do marketing social era a de que o marketing consistia em uma
tecnologia gerencial voltada para a busca da satisfação das necessidades do cliente enquanto
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indivíduo e, ao mesmo tempo, busca da satisfação das necessidades da organização, através
da realização de transações planejadas e controladas. A despeito da evidente preocupação com
o cliente e com sua satisfação, Peattie e Peattie (2003) observam que por trás do argumento
do “ganha-ganha” (ganha o cliente, ganha a empresa, simultaneamente) o que de fato sempre
dominou o debate acadêmico no âmbito do marketing comercial foi uma forte preocupação
com a obtenção de vantagem competitiva, ganho de confiança dos stakeholders e
administração de riscos de mercado por parte das empresas. Ou seja, embora o “ganha-ganha”
seja professado conceitualmente, são as necessidades da empresa que primeiro contam no
marketing comercial, o que implica, em última instância, suas necessidades de lucro.
Ainda nos anos 1950, G. D. Wiebe questionou, nos EUA, a possibilidade de se aplicar
as mesmas técnicas e ferramentas de Marketing utilizadas para se “vender” produtos
industrializados à “venda” de “causas sociais” (KOTLER e ZALTMAN, 1971). As primeiras
iniciativas de marketing social ocorreram no seio de organizações estatais, como agências
públicas promotoras de programas de saúde, campanhas antitabagistas, campanhas de
controle de natalidade, etc., e não no seio das empresas privadas que visavam melhorar seu
desempenho comercial a partir da adoção de uma “causa” social (MENDES, 2009;
ANDREASEN, 2003; ARAÚJO, 2001; KOTLER e ZALTMAN, 1971). Nem todas as
técnicas e ferramentas de marketing comercial puderam ser transpostas para o marketing
social, devido às diferenças que existiam (e ainda existem) entre as iniciativas comerciais de
promoção de vendas e as iniciativas sociais de promoção de mudança de comportamento
(KOTLER e ZALTMAN, 1971), bem como devido às diferenças que existem entre os dois
contextos onde tais iniciativas são propostas (PEATTIE e PEATTIE, 2003).
Como observa Andreasen (2003), enquanto as campanhas sociais eram organizadas
em torno da distribuição de produtos como preservativos, panfletos impressos e/ou remédios,
pouca mudança era necessária na ocasião da apropriação da tecnologia do marketing
comercial. Por isso, “não é surpreendente que os primeiros passos de bebê do marketing
social envolveram produtos relativamente simples, onde as principais ferramentas de
marketing utilizadas foram a promoção e distribuição convencionais” (ANDREASEN, 2003,
p. 294).
“Produto”, “preço”, “ponto” e “promoção”, os consagrados quatro “Ps” do marketing
comercial estão presentes no campo do marketing social em sua fase “infantil”, mesmo que
alguns deles estejam presentes metaforicamente para que possam ser aplicados ao novo
contexto (PEATTIE e PEATTIE, 2003). Isso vale especialmente para o “produto” e para o
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“preço”. Uma vez que o marketing social muitas vezes lida com produtos intangíveis tais
como idéias e/ou comportamentos, o termo “produto” adquire nele uma conotação bem
diferente daquele que existe no marketing comercial. Da mesma forma, dado que as
transações no marketing social se deram inicialmente entre Estado e cidadão (e não entre
vendedor e cliente), em ocasiões onde a busca pelo lucro econômico não se fazia
necessariamente presente, o termo “preço” faz muito mais sentido quando pensado como o
custo (monetário ou não) que o cidadão deve enfrentar para poder se envolver em tais
transações (PEATTIE e PEATTIE, 2003; ANDREASEN, 1995; KOTLER e ZALTMAN,
1971). Isso é o que Peattie e Peattie (2003, p. 382) chamam de “custo de envolvimento”.
Todavia, o paralelo entre o marketing social e o marketing comercial ainda é tão grande aqui
que Kotler e Zaltman (1971, p. 10), ao conceituá-lo formalmente, expõem que “marketing
social é o desenho, implementação e controle de programas calculados para influenciar a
aceitação de idéias sociais e que envolvem considerações sobre planejamento de produto,
precificação, comunicação, distribuição e pesquisa de marketing”. Segundo Andreasen (2003,
1995) essa definição inicial de marketing social é pouco explícita e frequentemente acarreta
muitas confusões.
Na fase infantil do marketing social, as necessidades do público-alvo são vistas como
demandas conhecidas e consensuais na sociedade, que apenas necessitam de uma
oportunidade para que possam ser adequadamente sanadas. Nas palavras de Kotler e Zaltman
(1971), trata-se de necessidades que precisam ser “canalizadas”. Por exemplo, a demanda por
controle de natalidade em sociedades perigosamente populosas, a demanda pelo não-consumo
de tabaco e a demanda por práticas sexuais que evitem a transmissão de doenças venérias
seriam, dentro dessa perspectiva, latentes na sociedade. Uma vez que as necessidades existem
e uma vez que são relativamente consensuais, as transações entre o Estado e o cidadão seriam
bem simples e precisas, e consistiriam, por exemplo, em trocas de mais saúde por
preservativos, mais saúde por adesivos de nicotina ou mais espaço e conforto nas grandes
cidades por vasectomias. O produto a ser transacionado ainda é visto aqui sob o ângulo do
marketing comercial ortodoxo, ou seja, como algo acabado e relativamente tangível
(preservativos, panfletos, remédios, etc.) que é oferecido pelo agente de marketing, ou por sua
organização, ao “público-alvo”. A comunicação aqui é essencialmente unilateral e meramente
instrutiva, partindo do agente de marketing na direção daqueles que compõem o público-alvo
da campanha. De modo mais preciso, trata-se de uma forma de comunicação eminentemente
funcional, aos moldes daquela prevista na teoria das organizações formais, tal como descrita
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por Chester Barnard (1979). O Estado promove uma campanha para informar os cidadãosalvo sobre os riscos do sexo sem preservativo e sobre onde eles podem ir e o que devem fazer
para obter algum. O “produto” preservativo é trocado pelo comportamento sexualmente
seguro e essa transação, imagina-se, ocorre sem resistência e/ou questionamentos uma vez
que representa uma “vantagem” óbvia para todos. Com efeito, para Kotler e Zaltman (1971)
todo o problema que envolve as transações no marketing social (infantil) se resume a análise
custo-benefício realizada pelo indivíduo que compõe o “público-alvo” da campanha.
Percebe-se, então, que a transação é entendida de modo behaviorista, quase como uma
transação econômica vista sob o ângulo neoclássico, e que ocorre “verticalmente” entre o
agente de marketing e o indivíduo que compõe o público-alvo da campanha, cabendo a este
último apenas o papel de “consumidor” que busca por “vantagens”, a exemplo do que
acontece no marketing comercial ortodoxo. Da Psicologia Behaviorista, o marketing social
infantil herdou a concepção passiva de indivíduo cuja motivação depende exclusivamente de
um estímulo externo. Da Economia Neoclássica, o marketing social infantil herdou o cálculo
utilitário de consequências como razão única para a ação humana. Assim, no marketing social
infantil os indivíduos são vistos como seres essencialmente passivos, porém interesseiros na
medida em que se encontram dispostos a se envolver em transações somente mediante
estímulos exteriores que façam tais transações lhe parecerem úteis ou vantajosas. Trata-se de
transações do tipo “faça isso e receberá aquilo”, tais como criticamente estudadas – tanto no
ambiente de trabalho quanto no ambiente escolar e, também, no ambiente familiar na
sociedade contemporânea – pelo cientista do comportamento Kohn Alfie (1996) sob o rótulo
apropriado de “behaviorismo pop”.
Uma vez que supostamente exista grande conhecimento e consenso sobre as
necessidades da população, cabe pouco esforço por parte do Estado no sentido de investigálas e compreende-las. Por conseguinte, a orientação para o cliente aqui é mínima e se restringe
as questões relacionadas a como comunicar a campanha, onde dispor os produtos, como gerir
a logística, etc.. Assim, cabe ao Estado tão somente o papel de “canalizar” a satisfação da
necessidade de um modo que ela se mantenha sempre vantajosa na avaliação custo-benefício
realizada pelo cliente-cidadão.
Isso tudo leva ao modo como a administração de marketing é vista na fase infantil do
marketing social. Nessa fase, todo o desenho, planejamento, implementação e controle das
ações de marketing cabe a um único agente (ou poucos agentes), que atua(m) de modo
autocrático, neste caso, representando o Estado. Esta abordagem definitivamente se
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caracteriza pela pouca “voz” daqueles que são “alvo” dos programas, ou seja, na medida em
que lhes resta pouco a falar sobre suas próprias necessidades. São os especialistas de
marketing que legitimariam as campanhas (PEATTIE e PEATTIE, 2003).
Durante sua “infância” o marketing social esteve paradoxalmente muito próximo e ao
mesmo tempo muito distante do seu “pai”, o marketing comercial. Próximo porque herdou
quase que integralmente sua visão behaviorista e utilitarista de transação e, também, porque
poucas mudanças tecnológicas foram feitas em termos das ferramentas e técnicas do
marketing comercial na ocasião da sua aplicação às “causas sociais”. Distante porque o
nascimento do marketing social ocorreu em um ambiente até então estranho para marketing
comercial, ou seja, o ambiente da administração pública. É importante frisar, então, que logo
no seu “nascimento” o marketing social já se diferenciava do marketing comercial em função
do contexto organizacional onde era praticado. Isso certamente diz muito sobre sua natureza
e, quiçá, sobre seu futuro. Entretanto, como houve pouca mudança em termos da visão de
transação e da tecnologia empregada, o grau de dependência do marketing social em relação
ao marketing comercial permaneceu ainda muito elevado durante sua infância.
Mudanças substanciais vão caracterizar a passagem do marketing social da “infância”
para a “adolescência”. De acordo com Andreasen (2003) foi apenas nos anos 1990 que o
marketing social reconheceu sua verdadeira natureza. Isso aconteceu, sustenta o autor, “[...]
quando um número significativo de líderes acadêmicos e líderes executivos entendeu que sua
essência não era mudar idéias, mas sim, mudar comportamentos” (ANDREASEN, 2003, p.
296). Assim sendo, nos últimos anos do século XX, uma nova definição de marketing social
começou a circular no campo da Administração:
marketing social é a aplicação das tecnologias do marketing comercial para a análise,
planejamento, execução e avaliação de programas desenhados para influenciar o
comportamento voluntário da audiência-alvo no sentido de melhorar seu bem-estar e o
bem-estar da sociedade da qual ela é uma parte (Journal of Public Policy & Marketing,
1999 citado por ANDREASEN, 2003, p. 296).
As mudanças são bem relevantes. Em primeiro lugar, um fim último é fixado para toda
e qualquer atividade de marketing social, a saber, o bem-estar de indivíduos e da sociedade.
Muito embora ainda reste saber em que consiste, especificamente, esse bem-estar e interesse
público (isso será debatido mais adiante ainda nesta seção), essa mudança já afasta
significativamente o marketing social do marketing comercial. Este último tinha, dada sua
natureza, a “vantagem” ou simplesmente o lucro da empresa como fim último de todas suas
ações, mesmo que de um modo não explícito ou declarado. Isso não significa, em hipótese
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alguma, que o marketing social se restringe somente às organizações que não visam lucro. É
nesta sua fase adolescente, mais do que na antiga fase infantil, que o marketing social se
mostra capaz de “servir” em uma gama maior de organizações, perpassando tanto o Estado,
quanto o mercado e a sociedade civil organizada. Com efeito, enquanto o marketing social
infantil era praticado quase que exclusivamente no contexto das organizações públicas, ou em
parceria com elas (VIEIRA e outros, 2007), o marketing social adolescente já pode ser
também encontrado tanto nas organizações privadas quanto nas ONGs. Araújo (2001) chega a
esta mesma conclusão ao realizar uma revisão de literatura sobre o conceito. De acordo com
esse autor, o marketing social pode ser encarado “[...] como estratégia de mudanças
comportamentais e atitudinais, podendo ser utilizado em qualquer tipo de organização seja
pública ou privada, lucrativa ou não, desde que tenha uma meta final de produção de
transformações e impactos sociais” (ARAÚJO, 2001, p. 15). Por outro lado, essa relativa
“universalização” do marketing social, e especialmente sua adoção por organizações
empresariais lucrativas, trazem novos problemas e desafios analíticos para sua correta
diferenciação frente a outras práticas corporativas de intervenção social. No Brasil, de acordo
com Araújo (2001), a confusão conceitual ainda é grande. Embora o marketing social possa
ser utilizado por diferentes tipos de organização, como reconhece o próprio autor, “[...] há
uma tendência em associar o termo marketing social as estratégias de agregar valor social a
produtos e melhorar a imagem de empresas privadas” (ARAÚJO, 2001, p. 12). Nesse sentido,
alerta o autor, “[...] as ações sociais promovidas pelas empresas, classificadas como de
responsabilidade social ou qualquer outro termo, na maioria das vezes não utilizam estratégias
de marketing social, mas sim apenas de promoção social utilizando-se de marketing
comercial” (ARAÚJO, 2001, p. 12)
Em segundo lugar, essa nova definição assume o “comportamento social” como objeto
de estudo e intervenção do marketing social, ao invés de se ater às “idéias sociais”. Mais do
que isso, foca o “comportamento social voluntário”, ou seja, aquele que não pode ser
“produzido” sem o mínimo de participação ou consentimento daqueles para os quais a ação de
marketing é direcionada. A opção pelo “comportamento social voluntário” traz implicações
sérias para o marketing social, especialmente, no que diz respeito ao questionamento da visão
behaviorista e utilitarista de transação.
Em terceiro lugar, de acordo com Andreasen (2003), essa nova definição de marketing
social efetivamente contribui para sua diferenciação diante de outras áreas e/ou atividades
planejadas de intervenção social que antes (na sua fase de “infância”) eram facilmente
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confundidas com ele, a saber: a educação (que segundo esse autor atua no universo das
“idéias” e espera que o comportamento social propriamente dito seja influenciado em função
da aceitação delas) e o direito (que segundo esse autor influencia o comportamento social por
meio de leis e proibições que funcionam independentemente do consentimento dos indivíduos
a elas submetidos).
Por outro lado, a concepção “adolescente” do marketing social ainda deixa intactas
algumas das suas características “infantis”. Em primeiro lugar, ainda não estão claras quais
ferramentas do “mix de marketing” podem ser utilizadas no âmbito do marketing social e
quais não podem. Nesse sentido, os problemas que dizem respeito à adequação (real ou
metafórica) dos quatro “Ps” ao contexto social permanecem sem resposta. Para simplificar,
melhor seria dizer que eles poderão ou não ser aplicados, a depender da natureza da campanha
apreciada caso a caso. De qualquer modo, “a raiz das controvérsias que periodicamente
emergem dentro do campo do marketing social parece ser a falta da sua própria e única teoria
e vocabulário” (PEATTIE e PEATTIE, 2003, p. 382).
Em segundo lugar, e ainda mais importante, a “nova” concepção de marketing social
persiste como uma “abordagem guiada por especialistas” (PEATTIE e PEATTIE, 2003).
Nesse sentido, ela ainda está baseada na separação entre “especialistas” e “público-alvo”,
“idealizadores” e “beneficiários” dos programas sociais. Por conseguinte, deve caber a algum
“especialista”, e não propriamente aos “beneficiários” da ação de marketing, decidir sobre
aquilo que significa (ou não) bem-estar. É exatamente aqui que a concepção adolescente do
Marketing Social é verdadeiramente desafiada. Como bem observam Peattie e Peattie (2003,
p. 379),
agir deliberadamente no sentido de mudar o comportamento dos indivíduos em uma
sociedade democrática instantaneamente levanta questões sobre quem decide que
comportamentos precisam ser mudados, com base em que devem ser mudados, que meios
serão usados para concretizar as mudanças e quem prestará contas sobre todos esses atos.
Diferentemente do que acontecia na fase infantil do marketing social, ocasião onde as
necessidades do público-alvo eram vistas como demandas já conhecidas e consensuais na
sociedade, prontas para serem canalizadas, nesta sua nova fase de desenvolvimento as
necessidades por mudanças no comportamento social são bem mais complexas e muitas vezes
não são plenamente conhecidas e muito menos compartilhadas pelos membros da sociedade
ou segmento social em questão. Adicionalmente, a satisfação dessas necessidades dificilmente
é uma questão de “vantagem” óbvia para todos os envolvidos como acontecia na fase infantil.
Aqui é amplamente reconhecido que a campanha de marketing social tem que “competir”
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diretamente com interesses dos próprios beneficiários que são muitas vezes totalmente
opostos aos seus objetivos. Ao invés de “concorrer” com outras campanhas que oferecem
benefícios similares, a competição na campanha de marketing social acontece, na maioria das
vezes, contra o comportamento atual ou preferido do próprio público-alvo (Kotler e outros,
2002 apud PEATTIE e PEATTIE, 2003). Trata-se aqui da diferença entre “satisfação” e
“bem-estar” enquanto fins do marketing social. Segundo Chauvel (1999), o termo
“satisfação” (utilizado no vocabulário corrente do marketing comercial para se referir a
“satisfação do cliente”) possui um significado imediatista e tende a ser confundido com o
termo “desejo”. Nesse sentido, Mendes (2009, p. 3) acertadamente ressalva que “longe do
marketing social favorecer a satisfação de um indivíduo ou uma população, se preocupa com
seu bem-estar, que pode ser avesso àquilo que os indivíduos concebem como satisfação”, ao
menos naquele momento específico. Por isso, como colocam Peattie e Peattie (2003, p. 337),
“[...] um risco enfrentado pelo marketing social reside na sua super ênfase sobre o
comportamento dos indivíduos e sua necessidade de mudança, sem entender e considerar
propriamente o contexto social que modela esse comportamento”.
Todas essas novas questões envolvendo o indicador comparativo “necessidade”,
questões essas que ao longe transcendem a visão behaviorista-utilitarista de comportamento
humano presente no marketing social infantil, trazem importantes implicações para os outros
indicadores. Algumas delas dizem respeito às transações. Segundo Peattie e Peattie (2003), a
própria palavra “transação”, tão cara à disciplina de Marketing de forma geral (KOTLER e
ZALTMAN, 1971), carrega consigo um significado restrito às trocas racional-utilitárias,
significado esse que precisa ser urgentemente revisto no âmbito do marketing social. Assim,
tal como sugerem os autores, ao invés de “transação”, “o que é fundamental para o marketing
social é a conceituação mais abrangente de „interação‟” (PEATTIE E PEATTIE, 2003, p.
370).
Pode até existir um elemento de transação direto dentro da campanha – por exemplo,
quando recompensas são oferecidas em troca de visitas a clínicas. De qualquer forma, na
maioria das campanhas a oferta de coisas como informação ou itens promocionais pelo
agente do marketing social é feita com a intenção de mudar comportamentos e não „na
troca‟ por mudança de comportamentos (PEATTIE E PEATTIE, 2003, p. 369).
Essa importante observação demonstra que na sua fase adolescente o marketing social
está mais interessado em transações de significados e entendimentos, essencialmente não
behavioristas e bem diferentes daquelas transações utilitaristas do tipo “faça isso e receberá
aquilo” (KOHN, 1996). Trata-se, pois, de transações envolvendo “produtos” essencialmente
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intangíveis que têm como objetivo estimular a motivação intrínseca dos indivíduos rumo a
uma nova e duradoura atitude, e não simplesmente cooptar suas ações no curto prazo (KOHN,
1996). Observa-se, então, que uma atitude ativa dos “beneficiários” da campanha de
marketing social, atitude essa capaz de transcender a mera busca calculista por “vantagens”, é
essencial para o sucesso dessa campanha.
Adicionalmente, uma vez que nem todos aqueles que compõem o publico alvo
compartilham conhecem as ditas necessidades de mudança de comportamento, transações ou
trocas preliminares de sentido precisam ser realizadas no interior do grupo social antes que as
transações “verticais” possam ser realizadas entre os membros do grupo social e o agente de
marketing. Em outras palavras, as transações “horizontais” são tão ou mais importantes do
que as próprias transações “verticais”, se o efeito desejado é uma mudança efetiva do
comportamento social. Dito de outra maneira, há um necessário envolvimento do públicoalvo consigo mesmo, enquanto uma “comunidade”, no processo de mudança de
comportamento.
Todas essas mudanças ocorridas no indicador “transações” implicam, por sua vez,
mudanças igualmente importantes em termos do indicador “produto”. O produto passa a ser
entendido aqui como o resultado final das diversas transações de significados e entendimentos
(tanto horizontais quanto verticais) realizadas durante todo o processo de mudança de
comportamento. Tais transações implicam, por si mesmas, mudanças comportamentais e
atitudinais dentro do grupo social em questão. Dito de forma mais direta, o produto passa a
ser, em última análise, a própria mudança no comportamento social.
Em termos de comunicação, esta não é mais essencialmente unilateral e meramente
instrutiva. Não se trata apenas de informar e esperar que o público-alvo informado passe a
agir de modo distinto. Essa concepção antiga de comunicação, presente na fase infantil do
Marketing Social, é aqui superada por outra mais moderna onde a comunicação é entendida
como um processo social de interação, envolvimento e compartilhamento de entendimentos.
Deste modo, percebe-se que, assim como deve existir diálogo entre os indivíduos que
compõem o público-alvo, o diálogo também deve ser estabelecido entre o agente do
marketing social e o beneficiário da campanha em questão para que esta progrida
adequadamente. Tal diálogo pressupõe que os agentes do marketing social não são os “donos
da verdade” em termos de conhecimento sobre o comportamento do público-alvo, bem como
sobre suas necessidades de mudança. Sem diálogo, o entendimento e o reconhecimento
mútuos das reais necessidades de mudança de comportamento não acontecem. Não há
13
comprometimento e, consequentemente, o produto final, “mudança de comportamento”, não
ocorre. Isso significa dizer que muito daquilo que o agente do marketing social irá propor em
termos de mudança do comportamento dos beneficiários da campanha não depende da sua
condição de “especialista”, mas sim, depende de todo esse processo coletivo de entendimento.
Tal como o “produto”, a “comunicação” no marketing social adolescente é vista como algo
socialmente construído.
Uma vez que os comportamentos sociais que serão influenciados são vistos como
ações minimamente voluntárias e não como ações meramente mecânicas, ou seja, uma vez
que necessitam de um mínimo de consentimento por parte dos indivíduos que compõem o
“público-alvo” para que possam, efetivamente, acontecer, o indicador “orientação para o
„cliente‟” deve revelar também um esforço maior por parte dos proponentes das ações de
marketing no sentido de conhecer melhor o público-alvo.
No que diz respeito a todo o processo de administração de marketing, este processo
deve ser urgentemente revisto com base nessas novas considerações. Embora as ações de
marketing social (adolescente) ainda possam ser desenhadas e planejadas por agentes
“especialistas” que estão “acima” do público-alvo, sua efetividade certamente depende do
consentimento coletivo. O “público-alvo” não é mais visto, neste caso, como agente passivo e
interesseiro, a espera de uma “solução” acabada e vantajosa para seus problemas. Uma vez
que no marketing social adolescente as transações não são meramente behavioristautilitaristas e uma vez que os produtos não são coisas acabadas (fornecidas pelo agente de
marketing ou por sua organização) que vão diretamente ao encontro das necessidades do
público-alvo, é necessário que as pessoas encontrem algum sentido em agir da maneira que
lhes foi “comunicada” ou, melhor dizendo, da maneira que foi acordada coletivamente. Nesse
sentido, percebe-se que a abordagem adolescente do marketing social dá mais “voz” aos
beneficiários dos programas de marketing do que a abordagem infantil.
Certamente, os desafios enfrentados pelo marketing social adolescente, especialmente
aqueles desafios que giram em torno da definição do que é bem-estar social e de qual é a
importância e o papel do especialista de marketing no processo de mudança comportamental,
parecem indicar que o futuro do marketing social está no reconhecimento de que a
administração de marketing trata, na realidade, de um processo de gestão mais participativo
do que autocrático, pautado no livre entendimento. Entretanto, a gestão baseada no livre
entendimento ainda não se consolidou no marketing social adolescente. Na sua adolescência
14
tudo que o marketing social fez, nesse sentido, foi indicar sutilmente uma preferência por esse
caminho.
Isto tudo traz algumas questões: como uma eventual radicalização da orientação para o
cliente, ou seja, como a colocação incondicional do cliente em primeiro lugar no marketing
social, impactaria o papel do especialista ou agente de marketing? Será que essa radicalização
implicaria finalmente reconhecer que o verdadeiro especialista seria o próprio cliente e não o
agente de marketing? Paralelamente, também é possível perguntar: será que o agente de
marketing, ao invés de atuar como especialista, destacado verticalmente do público-alvo, não
poderia atuar horizontalmente como um facilitador ou catalisador do processo de melhoria
social que o marketing social tem a pretensão de promover? Ainda caberia finalmente
perguntar: será que as necessidades que envolvem as transações de marketing não poderiam
ser definidas pelos próprios beneficiários do marketing social, eventualmente, com a ajuda
desse facilitador? Tais questões podem dar boas pistas sobre quais caminhos o marketing
social pode seguir para alcançar sua maturidade.
No que diz respeito ao grau de dependência do marketing social em relação ao
marketing comercial, pode-se dizer que na fase adolescente ele ainda é mediano, porém, com
fortes indícios de distanciamento. Todavia, o maior distanciamento não ocorre propriamente
com a maior atenção e “voz” dadas aos beneficiários no marketing social “adolescente” em
relação ao marketing social “infantil”, pois o marketing comercial ortodoxo, também coloca
seu público-alvo sempre em “primeiro lugar”, embora não de um modo incondicional,
estudando-o, ouvindo-o e compreendendo-o (PEATTIE e PEATTIE, 2003). Ao se comparar o
marketing social com o marketing comercial não se deve esquecer que o segundo também
evoluiu e se sofisticou. Então, diferenças significativas também não vão ser encontradas
propriamente no modo mais interativo de se desenhar, planejar, implementar e controlar as
ações de marketing, uma vez que tal interação existe e tende a crescer em ambos os casos.
Todavia, o marketing social adolescente foi capaz de delimitar claramente seu campo de
atuação e seu objetivo: a busca pelo bem-estar social. Nesse sentido, ele se afastou bastante
do marketing comercial que possui outras finalidades. Além disso, colocou claramente em
questão muitas das ferramentas e técnicas herdadas do marketing comercial (destacadamente
aquelas ligadas às noções de “produto” e “preço”) que, para que não fossem totalmente
abandonadas, passaram a ser empregadas somente metaforicamente. Todavia, mudanças mais
radicais ocorreram no nível das transações, não só no reconhecimento da importância das
transações horizontais para o sucesso das iniciativas de marketing social como também no
15
modo de ver a motivação humana por trás das transações. Enquanto que no marketing social
infantil os membros da sociedade eram vistos como seres puramente racional-utilitários, no
marketing social adolescente essa visão foi relativizada em proveito de uma visão mais
abrangente do comportamento humano. Por certo, há uma tendência para que essas diferenças
se acentuem ainda mais com a chegada do marketing social à sua plena maturidade.
Alan Andreasen (2003) toma como base o evidente crescimento quantitativo e
qualitativo das atividades no campo do marketing social – tanto na academia quanto no
mundo gerencial de forma ampla – para sustentar que este campo está, ao que tudo indica,
abandonando sua adolescência e adentrando sua vida adulta. Nessa fase as decisões mais
importantes sobre a conquista da maturidade do marketing social devem ser tomadas.
Segundo Peattie e Peattie (2003, p. 382) “[...] o desenvolvimento da teoria e da prática do
marketing social nos últimos 20 anos se baseou no ofuscamento das diferenças entre os dois
campos [marketing social e marketing comercial], ao invés da vontade de confrontá-los e
entender suas implicações”. Para esses autores, que explicitamente defendem a emancipação
definitiva do marketing social em relação ao marketing comercial, “[...] o marketing social
precisa desenvolver seu próprio vocabulário, idéias e ferramentas distintos” (PEATTIE e
PEATTIE, 2003, p. 365).
Nesse sentido, uma das características que mais aproximaram o marketing social do
marketing comercial, tanto em sua fase infantil quanto em sua fase adolescente, foi a
perduração do mesmo “mix de marketing” em ambos. Entretanto, Andreasen (2003, 1995) e
Peattie e Peattie (2003) indicam que há sérias restrições ligadas a “importação” cega dos
quatro “Ps” do marketing comercial, sendo as mais evidentes aquelas que giram em torno das
idéias convencionais de produto e preço. Frente a essas contradições, típicas de um campo
jovem, ainda em desenvolvimento, “entender a atuação do marketing na área social, com suas
técnicas advindas do mercado, ainda é um desafio [...]” (ARAÚJO, 2001, p. 06). Entretanto,
será que o marketing social está eternamente fadado a conviver com os quatro “Ps”, ou será
que seu futuro pode ser promissor sem eles? Afinal, como ficariam os quatro “Ps” no
marketing social do futuro, amadurecido e emancipado em relação ao marketing comercial?
De acordo com Peattie e Peattie (2003, p. 382), “é difícil escapar à conclusão de que
um dos mais importantes passos que o marketing social, como campo, poderia dar adiante
seria finalmente abandonar os quatro „Ps‟ que, ao que parece, criam mais problemas do que
resolvem”. Para Peattie e Peattie (2003) a tentativa de se empregar metaforicamente as noções
do marketing comercial no marketing social deve ser entendida como algo artificial e
16
“forçado”, algo que revela a grande dependência e submissão do segundo campo frente ao
primeiro.
Certamente, não são apenas as noções do “mix de marketing” que perdem sentido no
marketing social amadurecido e emancipado do futuro. Como já foi visto, a noção central de
“transação”, inicialmente entendida como troca racional-utilitária de “produtos”, é alargada
para compreender a troca de significados e entendimentos ou, mais simplesmente, a própria
idéia de interação social. Ao que tudo indica, o sucesso das ações do marketing social vêm
historicamente dependendo cada vez mais da comunicação plurilateral, da livre interação
social e do entendimento mútuo em torno dos problemas e necessidades de mudança do
comportamento social. Sendo assim, as relações de troca de significado e entendimento que
ocorrem no contexto do marketing social, fundamentais para a compreensão dos problemas
comportamentais ligados ao bem-estar e, por conseguinte, para a mudança do comportamento
social, vão muito além das trocas realizadas no contexto do mercado onde opera o marketing
comercial. Torna-se cada vez mais difícil imaginar que os proponentes das ações de mudança
comportamental são “vendedores” e que os beneficiários de tais ações são “compradores”,
“clientes” ou mesmo “consumidores”.
Na fase “adulta” do marketing social também não fará mais sentido se falar em
“público-alvo”. Com efeito, o termo “alvo” remete à idéia de passividade de alguém diante da
ação deliberada de outrem. E, definitivamente, a verticalização ou hierarquização das relações
sociais não é uma tendência no marketing social do futuro.
Em sua análise crítica sobre a dependência do marketing social em relação ao
marketing comercial, Peattie e Peattie (2003) chegam inclusive ao ponto de questionar se a
própria palavra “marketing” é realmente adequada para elucidar a natureza e o propósito do
marketing social. Tal como contundentemente argumentam os autores, mesmo que esta
palavra seja utilizada também metaforicamente, seu sentido ainda nos remete às relações
comerciais. Paradoxalmente, no marketing social, a inexistência de compradores, vendedores,
transações comerciais e produtos, podem fazer desta uma forma de marketing totalmente
“livre de mercado” (PEATTIE e PEATTIE, 2003).
Diante de tudo isso, faz-se necessário resgatar a verdadeira vocação do marketing
social a fim de evitar que a disciplina se perca totalmente ao invés de amadurecer. Ao que
tudo indica, a vocação do marketing social está ligada a busca pela mudança sustentável do
comportamento social com vista ao bem-estar e ao interesse público. De acordo com
Andreasen (2003), esta vocação só se tornou realmente clara na fase adolescente do marketing
17
social, apenas nos últimos anos do século XX. Todavia, ela parece já estar suficientemente
consolidada a ponto de diferenciar e justificar a importância do marketing social no contexto
atual do século XXI.
A título de ilustração, o marketing social “adulto” poderia ser entendido, genérica e
provisoriamente, como o processo dialógico de proposição, adoção e manutenção de
comportamentos sociais que objetivam o interesse público e a melhoria no bem-estar social.
Esta definição, embora meramente ilustrativa, traz algumas inovações.
Primeiramente, ela reforça a finalidade última do marketing social que é o interesse
público e a busca pelo bem-estar social. Mas vai ainda além. Aqui não é apenas dito que o
bem-estar é o fim último de todas as atividades de marketing social, como já se afirmava na
sua fase adolescente (ANDREASEN, 2003). É também dito como se chega a conhecê-lo: a
partir da comunicação voltada para o entendimento. Cabe aos próprios beneficiários das ações
de marketing, e não necessariamente aos especialistas, analisar conjuntamente seus problemas
e suas necessidades de mudança de comportamento. O gestor das ações de marketing social,
por sua vez, torna-se um facilitador ou catalisador nesse processo dialógico, tal como
evidencia Paulo Freire (1987, 1996, 2001) em seu conceito de educação dialógica. O
conhecimento sobre quais comportamentos precisam ser mudados e como devem ser
mudados acontece por meio da interação do facilitador junto com todos os outros envolvidos
no processo. Em suma, o papel do especialista é “horizontalizado”, mas não eliminado. Seu
conhecimento e experiência singulares irão certamente ajudar o grupo, assim como o farão o
conhecimento e a experiência singulares dos demais membros; eis o novo papel do
“especialista”.
Em segundo lugar, trata-se de um processo contínuo de melhorias sociais, ou seja, um
processo contínuo de melhoria do bem-estar social. O bem-estar social e o interesse público,
embora figurem como fins últimos das atividades do marketing social, não são vistos como
meros objetivos operacionais que podem ser terminantemente atingidos. Nesse sentido, a
mudança do comportamento que visa o bem-estar social deve ser sustentável no tempo, porém
dificilmente será definitiva. A deliberação sobre a perenidade de um novo comportamento, ou
sobre uma nova necessidade de mudança cabe à coletividade ou aos próprios beneficiários das
ações (denominados, anteriormente, como “público-alvo”).
A tecnologia tradicional de marketing (especialmente os quatro “Ps”) já não figura
mais como ferramental obrigatório, sendo seu uso (parcial ou total) regulado pela
especificidade e ocasião. Mais uma vez, por se tratar de um processo participativo e dialógico,
18
as decisões quanto ao uso ou não de tal ferramental cabem aos beneficiários das ações de
marketing social.
Em termos de necessidades, o marketing social adulto está preparado para lidar com
aquelas mais complexas, ambíguas e desconexas, características do século XXI. Essas
necessidades são “descobertas” coletivamente pelos próprios beneficiários das ações do
marketing social adulto, com a (eventual) ajuda de um facilitador/catalisador, anteriormente
conhecido como “especialista”. De nada servirá sua opinião isolada, ele terá de participar da
construção coletiva do entendimento acerca de tais necessidades.
Nesse sentido, comunicação e transação chegam a se confundir enquanto atividades
dialógicas horizontalizadas de troca de significados e entendimentos. Certamente, a
comunicação horizontal e dialógica está sempre presente em todos os momentos no marketing
social adulto, quer seja na descoberta coletiva dos problemas e necessidades de mudança do
comportamento social, quer seja na elaboração de planos ou programas de ação que visam
equacioná-los rumo ao bem-estar. No marketing social adulto a transação e a comunicação
horizontais imperam uma vez que nem os planos ou programas de ação nem mesmo as
necessidades que os motivam podem ser tomados como “óbvios” e passíveis de mera
“canalização”.
Assim como as necessidades de mudança do comportamento social são “construídas”
coletivamente através dos processos dialógicos, o mesmo vale para todas as demais atividades
de planejamento, implementação e controle da administração de marketing. As tendências
evolutivas reveladas por esse indicador comparativo (“administração de marketing) apontam
para uma forte diferenciação do marketing social adulto em relação ao marketing comercial,
bem como em relação ao marketing social corporativo e a responsabilidade social, além
daquela diferenciação no nível teleológico (ligada aos seus fins últimos), já discutida na
introdução. Trata-se, agora, de uma diferença substancial nos “meios” através dos quais se dá
a administração de marketing. Enquanto no marketing comercial e nas demais formas de
intervenção social corporativa que não têm o bem-estar social como finalidade última as
decisões que envolvem a administração de marketing são tomadas mantendo-se um nível
mínimo de autocracia, a tendência no marketing social adulto é a de que tais decisões sejam
tomadas coletivamente, por meio de um processo efetivamente fundado no entendimento
mútuo. Essa nova concepção de administração de marketing aproxima-se da Gestão Social,
como será discutido na próxima seção.
19
Em termos de “produto”, esse definitivamente assume a feição do resultado prático
dos processos anteriores, ou seja, “materializa-se” na própria mudança do comportamento
social, guiado pela busca por bem-estar social, oriunda da construção dialógica dos
entendimentos que se fazem necessários durante todo o processo. Assim sendo, o “produto”
nunca poderá ser “produzido” antes de percorridos os processos dialógicos, pois nunca poderse-á conhecer de início as reais necessidades de mudança do comportamento social e muito
menos a forma de atendê-las.
Especificamente no que diz respeito ao indicador “orientação para o “cliente‟”, podese dizer que ele não se aplica à nova realidade do marketing social adulto, dado que todos os
envolvidos precisam se compreender mutuamente, o mais profundamente possível, e dado
que as interações sociais são as mais horizontalizadas possíveis. Na verdade, tal como
sugeriram Peattie e Peattie (2003), no marketing social adulto a orientação para o “cliente”
perde o sentido de ser quando a própria idéia de “cliente” perde seu sentido.
Finalmente, no que diz respeito ao grau de dependência do marketing social em
relação ao marketing comercial pode-se dizer que aqui ele é mínimo. Isso não somente devido
ao fato de não haverem relações de troca propriamente comerciais (PEATTIE e PEATTIE,
2003), mas, também, porque as relações baseadas no entendimento mútuo vão muito além
daquelas racional-utilitárias presentes no “faça isso e receberá aquilo”. Nesse sentido, a
motivação humana que tende a imperar nessa nova fase do marketing social é a motivação
intrínseca e não a extrínseca (KOHN, 1998). Nela, a iniciativa de todos os envolvidos no
processo é presumível, bem como é presumível que tal iniciativa transcenda a mera busca por
vantagens egoístas e atinja as questões de cultura e de identidade do grupo.
O Quadro 1 apresenta uma síntese da discussão acerca da evolução do marketing
social frente aos sete indicadores comparativos debatidos no texto.
Indicador
comparativo
1) Necessidade
2) Produto
3) Comunicação
“Infância”
Concreta, conhecida e
consensual
Idéias preconcebidas sobre
novos comportamentos
sociais “vantajosos”
associadas a produtos
acabados e minimamente
tangíveis (como
preservativos panfletos e
remédios)
Unilateral, funcional e
predominantemente vertical
“Adolescência”
“Vida Adulta”
Abstrata, não plenamente
conhecida e muito menos
consensual
Novos comportamentos
sociais “desejáveis” que
favorecem o bem-estar
social
Socialmente “construída”
Parcialmente horizontal e
interativa, porém,
predominantemente
Dialógica e interativa,
predominantemente
horizontal
Novos comportamentos
sociais livremente negociados
que favorecem o bem-estar
social
20
4) Transação
Simples e precisa (racionalutilitária), de orientação
predominantemente vertical,
envolvendo idéias e coisas
relativamente acabadas
funcional e vertical
Complexa de orientação
horizontal e depois vertical
envolvendo significados e
entendimentos acerca de
novos comportamentos
“desejáveis”
5) Orientação
para o “cliente”
6) Administração
de marketing
Baixa
Média
Autocrática
7) Grau de
dependência com
o marketing
comercial
Alto
Participativa, já que sua
efetividade depende de
algum consentimento do
“público-alvo”, porém
ainda hierarquizada
Mediano
Complexa e de orientação
predominantemente
horizontal, envolvendo
significados e entendimentos
acerca de novos
comportamentos que podem
favorecer o bem-estar social
Não se aplica
Gestão Social
Mínimo
Quadro 1 – Síntese da evolução do marketing social.
Fonte: elaboração própria.
3. Marketing social “adulto” e gestão social: o entendimento como base para a ação
No Brasil, o termo gestão social encontra-se ainda em fase de construção (FISCHER,
2002), sendo sua difusão relativamente recente no País. Mesmo assim, a gestão social tem se
consolidado enquanto prática, sem ainda desfrutar de um consenso sobre o conceito (PINHO,
2010). A partir do início deste século, a temática vem tomando um formato mais definido,
mas ainda não acabado. Tânia Fischer (2002, p. 29) apresenta o campo da gestão social (que
ela também denomina de “gestão do desenvolvimento social”) como “reflexivo das práticas e
do conhecimento constituído por múltiplas disciplinas”. A gestão social, segundo a autora,
seria ainda uma “proposta pré-paradigmática” que vem recebendo a atenção de muitos centros
de pesquisa no Brasil e no exterior, além de outras organizações que atuam no
desenvolvimento local.
Embora existam outras abordagens teóricas complementares para a gestão social,
como a de França Filho (2008) e a de Fischer (2002), a abordagem de Fernando Tenório
(2008a; 2008b; 2010), que é baseada em Habermas, se apresenta como a mais
conceitualmente avançada. A despeito do seu avanço conceitual, tal abordagem está sujeita a
algumas críticas. Uma delas está relacionada à própria nomenclatura do campo, que poderia
ser denotado “gestão emancipadora” (PINHO, 2010).
A abordagem de Tenório (2008a, 2008b) parte de uma inquietação relacionada ao
status quo da Administração, despertada, segundo o autor, pela leitura da obra de Guerreiro
21
Ramos.1 Segundo Tenório, a gestão social poderia ser considerada como uma “linha de fuga”
em relação à hegemonia da tradição positivista centrada na racionalidade utilitária do
pensamento administrativo. Baseando-se então em Guerreiro Ramos, e também na Escola de
Frankfurt (Horkheimer, Marcuse, Adorno e posteriormente na sua “segunda geração” com
Jürgen Habermas), Tenório constrói seu conceito de gestão social.
Nesse contexto, a esfera pública (conceito habermasiano) seria o espaço de
intermediação entre Estado, sociedade e mercado, bem como a cidadania deliberativa seria o
processo participativo de decisão baseado essencialmente no entendimento (e não no
convencimento ou negociação) entre as partes (TENÓRIO, 2008a, 2008b). Assim sendo, “o
procedimento da prática da cidadania deliberativa na esfera pública é a participação”
(TENÓRIO, 2008b, p. 171).
Diferente de um processo centralizador, tecnoburocrático, elaborado em gabinetes, em que
o conhecimento técnico é o principal argumento da decisão, sob uma perspectiva
descentralizadora, de concepção dialógica, a esfera pública deve identificar, compreender,
problematizar e propor as soluções dos problemas da sociedade, a ponto de serem
assumidas como políticas públicas pelo contexto parlamentar e executadas pelo aparato
administrativo de governo (TENÓRIO, 2008b, p. 162).
Outro elemento essencial para a construção do conceito de gestão social na perspectiva
de Tenório é o agir comunicativo de Habermas. Para Tenório a gestão social se baseia no
entendimento, estreitamente vinculado com a linguagem, pois “no processo de gestão social
[...] a verdade é a promessa de consenso racional, [...] não é uma relação entre o indivíduo e a
sua percepção de mundo, mas sim um acordo alcançado por meio da discussão crítica, da
apreciação intersubjetiva” (TENÓRIO, 2008b, p. 27).
Assim, para Tenório (2008b, p. 158) a gestão social é entendida
como processo gerencial dialógico em que a autoridade decisória é compartilhada entre os
participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público,
privado ou de organizações não-governamentais). O adjetivo social qualificando o
substantivo gestão será entendido como o espaço privilegiado de relações sociais no qual
todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação.
Sintetizando, as características da gestão social, baseadas em Tenório (2008a; 2008b;
2010), seriam: (1) o entendimento como princípio, (2) a dialogicidade enquanto processo e (3)
a possibilidade de ocorrência em qualquer tipo de sistema social. Cabe ressaltar que estas
características podem ser consideradas como partes de um tipo ideal weberiano, pois as
1
Autor também citado por Fischer (2002) e França Filho (2008).
22
relações de poder, desigualdades sociais e culturais podem facilmente levar a crer que tais
condições são impossíveis de se verificar na prática, fora de um estado ideal.
Resgatando o conceito provisório de marketing social “adulto”, anteriormente
debatido neste texto, a saber, “o processo dialógico de proposição, adoção e manutenção de
comportamentos sociais que objetivam o interesse público e a melhoria no bem-estar social”,
torna-se agora evidente o quanto tal conceito se aproxima do conceito de gestão social na
perspectiva de Tenório (2008a; 2008b; 2010).
A primeira congruência pode ser encontrada na dialogicidade, subjacente em ambos os
processos, dialogicidade sem a qual nem o marketing social “adulto”, nem a gestão social na
perspectiva de Tenório poderiam existir. Uma segunda congruência pode ser encontrada
quando se pensa no contexto dentro do qual o marketing social “adulto” e a gestão social
acontecem. Assim como o marketing social “adulto”, que já ultrapassou as fronteiras das
organizações públicas desde sua fase “adolescente” e, por isso, pode se fazer presente em
organizações tanto do setor privado quanto da sociedade civil, a gestão social, segundo
Tenório (2008b), também pode ser aplicada em organizações do setor público, privado e em
organizações da sociedade civil. Finalmente, tanto a gestão social de Tenório (2008a; 2008b;
2010) quanto o marketing social “adulto” operam na perspectiva do entendimento
compartilhado, “socialmente construído”, não apenas das necessidades sociais existentes em
uma comunidade, mas também dos comportamentos que precisam ser adotados e mantidos
por seus membros para que tais necessidades sejam supridas. Desse modo, ambos os
conceitos pressupõem a ação comunicativa habermasiana como modelo de ação social e
refutam o modelo racional-utilitário do “faça isso e receberá aquilo” presente nos primeiros
anos de vida do marketing social.
Por outro lado, o objetivo final da gestão social, ao contrário do que ocorre com o
marketing social “adulto”, não fica explícito na presente comparação. Poderia ser a própria
emancipação dos participantes, como aponta Tenório (2008b). Nesse caso, a participação
poderia levar a um aumento no nível de consciência das pessoas e, consequentemente, à sua
própria emancipação (ou quebra da cultura do silêncio), tal como entende Freire (2001).
Todavia, a emancipação pode ser também considerada um resultado prático e mesmo
necessário da gestão social, sem ser, necessariamente, um fim fixo dela. Nesse sentido, a
gestão social figuraria como um processo (ou conjunto de premissas, princípios e técnicas)
através do qual torna-se possível gerenciar sem que para isso seja necessária a existência de
uma finalidade predeterminada. O fim da gestão social poderia variar de acordo com a
23
ocasião, desde que o entendimento mútuo se fizesse sempre presente nas comunicações
humanas.
Diante das características da gestão social ora apresentadas, pode-se argumentar ainda
que o interesse público e o bem-estar social estariam sempre implícitos neste processo,
mesmo não figurando como fins explícitos como acontece no caso do marketing social
“adulto”. De qualquer modo, independentemente de qual seja o fim último da gestão social, o
modo como o indicador comparativo “administração de marketing” evoluiu é suficiente para
demonstrar que o marketing social “adulto” não apenas está bem próximo dela como também
pode ser operacionalizado por meio dela.
4. Algumas considerações
O presente texto não se encerra com as tradicionais “considerações finais” ou com a
prescritiva “conclusão”, haja vista o ponto de elaboração no qual o presente debate ainda se
encontra. Serão feitas, no entanto, algumas considerações...
A principal constatação aqui apontada gira em torno da possibilidade de
operacionalização do marketing social “adulto” por meio da gestão social, possibilidade essa
que abre novos horizontes para o marketing social em um momento crucial de seu
desenvolvimento. Por outro lado, a gestão social tem nesse marketing social maduro novas
possibilidades teóricas e empíricas que podem ajudá-la a avançar enquanto conceito e prática.
Para além deste texto existe ainda o perigo da banalização dos conceitos de marketing
social e gestão social, como já aconteceu antes com outros conceitos inovadores que surgiram
no campo da Administração. A fim de minimizar esse risco, os pesquisadores precisam
realizar um esforço teórico e empírico no sentido de sedimentar e difundir tais conceitos sem
perder de vista sua história e o contexto social dentro do qual eles foram e são utilizados.
Especificamente no que diz respeito ao marketing social, a literatura consultada revela que
esse conceito está constantemente arriscado a ser cooptado pelo marketing comercial. Essa
cooptação, por sua vez, reduz drasticamente as possibilidades dialógicas do marketing social e
remete-o de volta para suas fases iniciais de vida.
Tanto a gestão social como o marketing social adulto são baseados no mútuo
entendimento e no processo coletivo de construção de idéias e ações. Porém, como se sabe,
esses processos coletivos de construção são lentos e muitas vezes necessitam de vontade e
apoio político para que possam ser estabelecidos, de um lado por meio da educação da
população e de outro por meio do papel dos gestores públicos que devem entender os novos
24
“tempos”. Sem que haja o mínimo de educação e de cidadania tais processos dificilmente
poderão aflorar na sociedade.
Cabe à academia estar sempre atenta a essas colocações e perceber que, por mais
difícil e lento que possa ser um processo coletivo de tomada de decisão, ele é, em si,
emancipador, como tão bem compreendeu Paulo Freire. O processo dialógico traz em si um
crescimento humano e social, crescimento esse que aproxima as pessoas da “cidadania
deliberativa” proposta por Tenório (2008b) como um caminho fundamental para a construção
coletiva da gestão social. Inversamente, a cidadania passa pela educação e pela participação
em espaços como o da gestão social e do marketing social maduro. E quando se fala em
educação não se pode ter em mente apenas a educação formal, pois “ninguém educa ninguém,
ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”
(FREIRE, 1987, p. 68).
Como sugestão para novos estudos fica a proposição de pesquisas empíricas que
mostrem a complementaridade dos conceitos de marketing social e gestão social, o que pode
levar a ajustes e avanços na teoria. Sugere-se, ainda, um maior aprofundamento da presente
discussão teórica, aprofundamento esse que pode ser conseguido a partir da busca e diálogo
com conceitos auxiliares como o de autogestão, por exemplo.
5. Referências
AKTOUF, Omar. A Administração entre a tradição e a renovação. São Paulo: Atlas, 1996.
ANDREASEN, Alan R. The life trajectory of social marketing: some implications.
Marketing Theory, v 3, n 3, p. 293-303, Sage, 2003.
______. Marketing social Change: changing behavior to promote health, social development
and the environment. São Francisco: Jossey-Bass Publications, 1995.
ARAÚJO, Edgilson Tavares de. Estão “assassinando” o marketing social? Uma reflexão
sobre a aplicabilidade deste conceito no Brasil. REAd, Porto Alegre, v. 07, n. 05, set./out.
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