PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE CONSELHEIROS NACIONAIS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA ESPECIALIZAÇÃO EM DEMOCRACIA PARTICIPATIVA, REPÚBLICA E MOVIMENTOS SOCIAIS O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS, NO MUNICÍPIO DE PARAOPEBA / MG Luciene Alves Santiago Belo Horizonte/2010 Luciene Alves Santiago O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS, NO MUNICÍPIO DE PARAOPEBA / MG Monografia de conclusão de curso apresentado ao Programa de Formação de Conselheiros Nacionais do Departamento de Ciência Política, da Universidade Federal de Minas Gerais, como um dos requisitos parciais para obtenção do título de Especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais. Orientadora: Eleonora Schettini M. Cunha Tutor: Felipe Nunes Belo Horizonte/2010 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, bem como ao Programa de Formação de Conselheiros Nacionais, à Universidade Federal de Minas Gerais e aos meus dois filhos, incansáveis na tolerância e apoio para a realização de meu aprimoramento profissional. “O ideal de justiça está vivo em cada um de nós, que busca uma convivência mais harmoniosa entre os que a natureza fez nascer iguais, nus e chorando, mas que as estruturas fazem diferentes”. (Karl Marx). RESUMO A Constituição Federal de 1988 atribuiu um novo arranjo institucional para a democracia brasileira, estabelecendo uma nova relação entre Estado e Sociedade Civil, ampliando o caráter democrático e participativo na condução das políticas públicas. A nova Constituição brasileira também legitimou a Assistência Social como política pública, incorporando-a à Seguridade Social, ao lado da Previdência e da Saúde. O cumprimento a tal exigência constitucional fomentou a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, a qual responsabiliza os três entes federados pela operacionalização da assistência social, enquanto direito do cidadão e dever do estado. Após dez anos de promulgação da LOAS, visando fortalecer, elucidar e aprimorar sua regulamentação, foram elaboradas legislações complementares, que passaram a nortear a formulação da Assistência Social em todo o território nacional, a saber: a Política Nacional de Assistência Social – PNAS/04, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS/05 e a Norma Operacional Básica - NOB/05. Descrever e analisar o processo de implantação e implementação do SUAS no município mineiro de Paraopeba foi o foco desse trabalho. Foi possível verificar que o SUAS ocasionou alterações significativas, principalmente na organização e na operacionalização da Política Municipal de Assistência Social. Palavras-chave: Constituição, seguridade social, assistência social, participação, políticas públicas e Paraopeba. LISTA DE ABREVIATURAS CEPAL - Centro de Estudos para a América Latina CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas CMAS - Conselho Municipal de Assistência Social CRAS - Centro de Referência da Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social CRESS - Conselho Regional de Serviço Social FJP - Fundação João Pinheiro FMAS - Fundo Municipal de Assistência Social IDH - Índice de Desenvolvimento Humano IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LOAS - Lei Orgânica de Assistência Social MDS - Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome NOB - Norma Operacional Básica PNAS - Política Nacional de Assistência Social SUAS - Sistema Único de Assistência Social SUMÁRIO 1 - Introdução ................................................................................................................ 08 2 - Capítulo I - A Política Pública de Assistência Social..............................................................................................................................11 2.1 - Assistência Social: Um Breve Resgate Histórico..........................................................................................................................11 2.2 – O Sistema Único de Assistência Social – SUAS ...................................................20 3 – Capítulo II – O Sistema Único de Assistência Social – SUAS, no município de Paraopeba/MG ................................. ..............................................................................27 3.1- O Processo de Implantação e Implementação do SUAS em Paraopeba..................27 4 – Considerações Finais ................................................................................................38 5 - Referências Bibliográficas ........................................................................................40 8 1 - INTRODUÇÃO A Constituição de 1988 incorporou a Assistência Social à Seguridade Social, ao lado da Saúde e Previdência, demarcando um novo tempo histórico para essa política pública. Após cinco anos de sua promulgação pela Carta Magna, a Assistência Social foi regulamentada, por meio da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, em 07 de dezembro de 1993. Todavia ao completar dez anos de vigência, a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS/93, apresentava ainda grandes desafios para sua efetivação. Alguns de seus artigos demonstraram-se insuficientes para orientar como se daria de fato, a implantação e implementação da Política de Assistência Social no território nacional, a partir das ações dos três entes federados. Por isso, a IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada no ano de 2003, deliberou a construção de novos mecanismos para complementar e fortalecer a LOAS, como a Política Nacional de Assistência Social – PNAS/04, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS e uma nova Norma Operacional Básica – NOB/05, buscando enfrentar o duplo desafio de consolidar o arranjo institucional democrático e o reordenamento da recente política de Assistência Social. O SUAS é constituído de eixos estruturantes como a territorialização, a intersetorialidade, a centralidade na família, o monitoramento e a avaliação, que orientam a organização do Sistema, nos três níveis de governo. Tais eixos vêm fortalecer o processo da municipalização, atribuindo mais autonomia e protagonismo aos municípios na condução da política de Assistência Social. O ano de 2005 foi considerado como ano de transição para que os municípios pudessem definir acerca de sua adesão ao SUAS,dada a não obrigatoriedade de sua integração ao Sistema, cuja expectativa é de sua efetivação no prazo de dez anos, com metas para curto prazo (dois anos), médio (seis anos) e longo prazo (dez anos). Descrever e avaliar o processo de implantação e implementação do SUAS no município de Paraopeba/MG, é o principal objetivo desse estudo, pois compreende-se 9 que a consolidação da política de Assistência Social exige a conjugação da vontade política daqueles que estão envolvidos na área e do saber fazer política pública, teórica e tecnicamente. Nessa perspectiva, são muitos os atores e sujeitos envolvidos na consolidação do SUAS, que inclui os usuários, os profissionais, operadores da política de Assistência Social; a sociedade civil, enquanto rede complementar na prestação de serviços dessa área, os sujeitos nos espaços de controle como conselhos e fóruns; os gestores públicos, chefes do Poder Executivo e outras instâncias do Estado, como o Poder Legislativo, o Ministério Público e o Poder Judiciário. Sob esse enfoque, o segundo capítulo apresentará uma breve reflexão sobre o mais novo marco na política de Assistência Social no Brasil – o SUAS - e suas estratégias de operacionalização, reconhecendo seus limites na consolidação dos direitos sociais. No capítulo seguinte, já num campo mais específico, serão apresentadas algumas considerações e reflexões relativas à implantação e à implementação do SUAS no município de Paraopeba/MG. Nesse capítulo pretendemos visualizar e compreender as estratégias utilizadas pelo município, enfatizando a adesão dos governos locais ao SUAS, manifesta na vontade política e na previsão orçamentária de recursos para a assistência social. No quarto e último capítulo são apresentadas as considerações finais elaboradas a partir do estudo realizado em Paraopeba/MG, que mostram as implicações do SUAS na Política Municipal de Assistência Social. O estudo da implantação e da implementação do SUAS em Paraopeba/MG, baseou-se na revisão bibliográfica acerca do tema e no levantamento documental ( relatórios, leis municipais e Organogramas). Essa análise foi complementada pela observação assistemática, mas cotidiana do processo, decorrente da nossa proximidade com a assistência social, visto que sou assistente social e técnica da Secretaria Municipal de Assistência Social – SMAS, desde 1999. Esse estudo pretende contribuir com o debate da consolidação dos direitos sociais, especificamente os socioassistenciais, o que significa disputar espaços em uma arena de conflitos e forças. Reforço que é o direcionamento da assistência social como uma 10 política de direitos que instiga a discussão sobre as perspectivas de consolidação do SUAS em Paraopeba/MG , segundo os princípios da descentralização e da participação, assim como conteúdo, funções, fluxo e competências quanto a buscar e efetivar eqüidade, justiça social e garantir a proteção social, eliminando a distância entre os direitos propugnados nas legislações e sua efetivação, concretizando-os como direito de cidadania. 11 2 - CAPÍTULO I: A POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL O presente capítulo visa resgatar algumas considerações acerca da trajetória da política de Assistência Social no Brasil, enfatizando seu marco histórico a partir da Constituição Federal de 1988, bem como da regulamentação da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS/93 e do Sistema Único de Assistência Social - SUAS/05. 2.1 - Assistência Social no Brasil: Um breve Resgate Histórico A Seguridade Social1 configura-se com o advento do capitalismo e a formação dos Estados nacionais, a partir da constatação da necessidade de proteção social2 daqueles que não conseguem fazê-lo por seus próprios meios ou com o apoio da sociedade. Nesse sentido Boschetti (1998a) afirma que, inicialmente, a Seguridade se resumia a um conjunto de serviços e ações com o objetivo de reproduzir socialmente os indivíduos. A pobreza, encarada como uma fragilidade individual dos despossuídos, era tratada por meio de ações assistencialistas e atos de caridade, tanto por parte do Estado, quanto pela sociedade. No entanto, no capitalismo moderno a pobreza pode ser interpretada como expressão de um “fenômeno estrutural”, isto é, como conseqüência do modo capitalista de produção, um sistema gerador de desigualdades e injustiças sociais. Para analisar a natureza do Estado moderno e a especificidade das políticas sociais no sistema capitalista foram formuladas, a partir dos anos 1950, vários debates teóricos. Coimbra (apud Vasconcelos, 1989) em sua análise sobre as políticas sociais, fundamenta que as mesmas são intrínsecas ao capitalismo, sendo, portanto, necessário 1 O termo “seguridade social” designa um conjunto de programas e serviços sociais que visam a proteger os cidadãos das consequências econômicas e sociais advindas das ações do mercado. O alcance da péseguridade difere entre os países conforme as suas especificidades históricas, mas tem ao menos os seguintes elementos: seguro social (ou previdência), assistência médica e auxílios assistenciais. No Brasil, o sistema de seguridade social inclui as políticas de previdência, saúde e assistência social (BOSCHETTI, 2003a). 2 Segundo Sposati, a “política de proteção social compõe o conjunto de direitos de civilização de uma sociedade ou o elenco das manifestações e das decisões de solidariedade de uma sociedade para com todos os seus membros. Ela é uma política estabelecida para a preservação, a segurança e a dignidade a todos os cidadãos” (1997, p. 41). 12 discutir os padrões do capitalismo para entender a origem das políticas sociais em cada contexto. Sendo assim, em cada país as políticas sociais são condicionadas pela forma que o capitalismo – periférico ou central – assume. Baseando em Coimbra, Vasconcelos (1989) caracterizou o capitalismo periférico como sendo tardio – não apenas do ponto de vista cronológico – mas também, heterogêneo e dependente. A acumulação capitalista nos países periféricos ocorre sob constante relação de dominação e exploração. Dessa forma, as características da acumulação periférica fazem com que esses países formem sistemas desiguais e heterogêneos de políticas sociais. Foi somente no capitalismo contemporâneo mediante tensões e contradições, que a Seguridade Social experimentou um desenvolvimento institucional, ainda que o conteúdo das políticas e as estruturas responsáveis pela sua implementação tenham variado significativamente nos diferentes países. Os constantes conflitos entre a burguesia e o proletariado, o avanço socialista e as crises sofridas pelo capitalismo desde o seu surgimento, exigiram uma redefinição quanto às formas de dominação e exploração pela classe dominante, bem como novas ações e medidas governamentais. A crise de 1929 pode ser citada como a mais marcante e expressiva para o capitalismo global e teve como causa predominante a liberdade de mercado e a não intervenção do Estado na economia. A partir desse contexto, o Estado, para manter sua hegemonia, cedeu espaço para atender os interesses de classes e a classe dominante, para manter sua posição, alterou suas bases econômicas e políticas. A Seguridade Social foi utilizada como um dos mecanismos para esse rearranjo, apresentado à classe trabalhadora como uma nova proposta nas relações e interações entre Estado, mercado e sociedade. Assim, segundo Boschetti (1998b), foi através de um pacto entre capitalistas, Estado e classe trabalhadora que a Seguridade Social se constituiu mais especificamente, no qual a proteção social é estendida a toda uma população de determinado Estado, através de políticas sociais3. 3 Nesse trabalho conceituaremos políticas públicas como um conjunto de serviços sociais disponibilizados pelo Estado, objetivando a distribuição da riqueza do país e a reprodução social da população. As políticas públicas caracterizam o Estado em ação, tem caráter universal e origem no Legislativo (Zauli, 2003) 13 Como exemplo, podemos citar os governos social-democratas da Europa, reconhecendo as variações entre eles, que executaram políticas como a Previdência Social e o Seguro Desemprego, a fim de enfrentar a crise de 1930. Para tanto, esses governos embasaramse nos pressupostos da teoria keynesiana que articula capitalismo e eqüidade social, através de um mercado “institucionalmente regulado”, originando dessa forma, com variações, conforme as contingências históricas, o Welfare State, ou Estado Providência. Para Oliveira, o Welfare State consiste num processo dinâmico e contraditório, (...) onde, a partir de regras universais e pactuadas, o fundo público em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação do Capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos sociais (Oliveira apud Raichelis, 1998,p.55). No Welfare State ou Estado Providência, as políticas públicas de seguridade se expressam como direitos sociais e ocasionam uma melhora significativa nas condições de vida da população. Entretanto, a Seguridade Social não se expressa da mesma forma nos diferentes países, dependendo da forma como os conflitos distributivos se estruturam e são processados pelas instituições políticas. Em alguns países capitalistas assume a forma de Estado Providência e em outros,como o Brasil, assume a forma de Estado Assistencial, onde a pobreza é banalizada, recebendo um trato compensatório. Conforme (Sposati, 1986) no Brasil, até a década de 1930, a pobreza não era entendida enquanto expressão da questão social4 e, quando a responsabilidade do Estado era mencionada, tornava-se logo um “caso de polícia”. Os pobres eram considerados sob a ótica de necessitados e doentes. Somente a partir da crise do capitalismo mundial de Pós 1929, é que o Estado mudou sua posição perante a sociedade, interferindo na relação capital / trabalho, passando a assumir responsabilidade pelas condições de vida da população. Se, por um lado, essa 4 A questão social é entendida como um fenômeno socialmente produzido e estreitamente relacionado às fases de instalação e desenvolvimento do capitalismo, expressando-se nas consequências da inserção precária ou da exclusão de pessoas e grupos na produção e/ou no usufruto de bens e serviços necessários à sua própria reprodução e constituindo-se num conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos (POLANYI, 1989 apud CUNHA, 2009). 14 ação do Estado interessava à classe trabalhadora por garantir-lhe condições de trabalho pelas quais vinha lutando sistematicamente, por outro lado também interessava aos que detinham o capital, pois viabilizava a acumulação sob novas bases. No Brasil, em 1923, a Lei Eloy Chaves propiciou a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensão dos ferroviários – CAPS, inserindo o Estado na questão previdenciária, sendo que a assistência social, nesse contexto, ficou restrita à iniciativa privada. Em 1930, foi criado o Ministério dos Negócios, da Educação e Saúde Pública, cuja atribuição consistia no encaminhamento dos assuntos relacionados ao Ensino, à Saúde e à Assistência Social, primeira estrutura institucional de nível federal responsável pela assistência social. O período do Estado Novo (1937 / 1945) caracteriza-se como aquele em que ocorreu a consolidação das principais medidas relativas tanto à política econômica quanto à política social que vinha se apresentando desde 1930. Nesse período, por exemplo, foi promulgada a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que regulamentou as relações entre capital e trabalho no país e assegurou direitos sociais aos trabalhadores. No entanto, para Sposati (1986b), o que se vê na história da assistência social no Brasil é que essa área era contemplada como mais uma forma de sustentar a relação populista entre Estado e Sociedade. Se, por um lado, a ação do Estado possibilitava a incorporação das demandas da classe trabalhadora que possuía carteira assinada e filiação sindical, a chamada “cidadania regulada” de Santos (1979), por outro lado, a mantinha subordinada aos interesses do capital. Assim, as políticas sociais por parte do Estado enfatizavam, até o final da década de 1930, a dimensão da previdência. Contudo, essa perspectiva de atuação se alterou na década posterior. Em 1942 foi criada a primeira instituição reconhecida como órgão de colaboração com o Estado, a Legião Brasileira de Assistência – LBA, que tinha por objetivo prestar assistência às famílias brasileiras dos pracinhas que lutavam na Segunda Guerra Mundial. Essa medida representou uma mudança importante na área da assistência social, transformado-a em uma modalidade de ação do Estado, com características que influenciariam a área de política nas décadas seguintes. 15 Raichelis (1998) afirma que após a Segunda Guerra Mundial, especialmente na década de 1950, a teoria desenvolvimentista imposta por organismos internacionais, como o Centro de Estudos para a América Latina – CEPAL, que tinha por objetivo superar o atraso dos países periféricos da América Latina e conter o avanço socialista, reforçou a centralidade do Estado como protagonista do projeto de industrialização na era da modernidade capitalista. Para a autora supracitada, o projeto desenvolvimentista brasileiro levou não só ao protagonismo do Estado no que diz respeito à regulação da economia, mas também o estabeleceu como produtor de mercadorias e serviços. Por isso, as instituições criadas pelo Estado desde a década de 1930, tornaram-se a base de sustentação das políticas de desenvolvimento dos anos de 1950 a 1980. Tais políticas, no entanto, revelaram-se seletivas e excludentes, não conseguindo amenizar, de fato, a situação dos mais vulnerabilizados pela “questão social”. Como afirma Fleury O Sistema de Seguridade Social dos países pioneiros em sua implantação na América Latina, dentre os quais o Brasil, tornam-se peculiar pela combinação da cidadania regulada com cidadania invertida em um padrão de proteção social em que a estratificação é a lógica organizadora do sistema escalonado de privilégios e concessões (Fleury apud Raichelis, 1998, p. 87) . A assistência social nos governos populistas e militares que vigoraram no país entre os anos de 1930 e 1980 era vista apenas sob a ótica eleitoral, ficando bastante distante do seu reconhecimento como um direito do cidadão. O golpe militar de 1964 reforçou ainda mais o caráter assistencial do Estado, recriando os programas assistenciais com a intenção de obter apoio ao regime militar e despolitizar as organizações dos trabalhadores, passando a tratar a questão social através da articulação “repressão – assistencial”, como bem afirma Iamamoto Os programas assistenciais definidos de forma autoritária e centralizada pelo Estado Pós-64, são intensificados para atender a duplo objetivo: como campo de investimento do capital privado, de 16 um lado, e como mecanismos reguladores do conflito social, alimentando o processo de normatização da ordem social, sob a égide da ideologia da Segurança Nacional (Iamamoto apud Raichelis, 1998, p. 90) . Contudo, no período do regime militar, a cobertura da Seguridade Social estendeu-se a novos segmentos sociais, os quais foram incorporados através de programas e instituições voltados para os grupos mais atingidos pelas desigualdades sociais. A proteção social, no período militar, sofre transformações radicais no que se refere ao desenho institucional das políticas sociais, consolidando ações nacionais de Saúde, Educação, Habitação e Assistência Social, reguladas pelo Estado. Tais medidas tinham a intenção de desarticular a estrutura do período populista anterior que, em 1930, regulamentou a relação capital – trabalho, através da CLT e adotara uma proteção social no período de 1945 a 1964, baseada na seletividade, heterogeneidade e na fragmentação. O enfraquecimento do regime militar e a reorganização da sociedade civil, a partir dos meados dos anos 1970 e início dos anos 1980, geraram o processo de redemocratização e expressaram a incapacidade do regime militar em manter a supressão dos direitos políticos e civis, bem como a “crise fiscal” do Estado causado – segundo a ideologia neoliberal – pelos princípios Keynesianos. A redemocratização trouxe consigo a construção de uma nova Carta Constitucional. Conforme Arretche (1999a), a Constituição de 1988 buscou resgatar o caráter federativo do Estado brasileiro, atribuindo às esferas subnacionais (estados e municípios) autonomia político-administrativa. Para tanto, preconiza a descentralização das ações e decisões da União, objetivando dar fim à tradição centralizadora da gestão pública federal, iniciando o processo de descentralização política e administrativa do país. No desenvolvimento desse estudo, recorrendo ainda a Arretche (1999b), cabe mencionar que as alterações das relações entre os entes federativos, estabelece novos arranjos institucionais, ocasionando impactos decisivos no processo de descentralização da área social. 17 Desde 1990, têm sido implantados programas e sistemas de descentralização das políticas públicas, como a Saúde, Educação e Assistência Social. Entretanto, existe significativa variação no grau de descentralização entre cada uma dessas políticas, bem como significativa variação na forma de suas gerências entre os estados e municípios brasileiros. Isto porque, para fomentar as transferências de competências, a União vem utilizando mecanismos de recompensas e sanções, buscando induzir maior adesão dos municípios a assumir responsabilidade pela proteção social (Arretche, 1999c). Todavia, é preciso enfatizar, que em um país historicamente caracterizado por profundas desigualdades econômicas, políticas e sociais, o grau de descentralização das políticas dependerá da capacidade dos governos locais da gestão de políticas públicas, relacionada à sua capacidade fiscal e administrativa, e da cultura cívica da comunidade5. A Assistência Social, que historicamente pautava-se na caridade e na filantropia, embasada por uma relação de favor, alçou nova condição a partir da Carta constitucional. E, através de uma nova organização e gestão, ou seja, de um novo arranjo institucional, a Assistência Social foi incorporada pela Constituição Federal e inserida ao “tripé” da Seguridade Social, ao lado da Previdência e Saúde. Em seus artigos 203 e 204, a assistência social é propugnada como um direito de todo cidadão brasileiro e um dever do Estado, cuja gestão deve ocorrer de forma descentralizada e com a participação da sociedade civil. Contemplando as reivindicações da sociedade civil e a exigência ao cumprimento dos preceitos constitucionais, a Assistência Social foi regulamentada através da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS – Lei nº 8742, em 1993. A LOAS representa um marco na área da Assistência Social, pois regula essa política como direito do cidadão e dever do Estado, ou seja, como um direito social constitutivo da cidadania. Hoje, é a LOAS que garante a formulação e o controle da política de Assistência Social. Sua implantação deve seguir diretrizes da descentralização, da participação popular e da primazia do Estado sobre a sua condução, tendo como 5 Conforme Faria (2000), a participação ou cultura cívica pressupõe o reconhecimento de que a democracia deve estar amparada em um conjunto de valores e práticas mediante a dinâmica societária, criando uma cultura política responsável em concretizar os sentidos da democracia em sua arena institucional. 18 principais mecanismos de execução o Conselho, o Plano e o Fundo, nos três níveis de governo. Portanto, cabe ressaltar que, para que a LOAS se consolidasse como conquista da cidadania brasileira e fosse implementada, foi necessário um “reordenamento institucional” bem como um “reordenamento da própria assistência social”, a fim de viabilizar sua articulação com os demais áreas das políticas públicas. Construir a institucionalidade nesse novo contexto descentralizado torna–se o duplo desafio a ser superado pela política pública de Assistência Social no país. No entanto, cabe ressaltar que a consolidação da Assistência Social ocorre no período da reestruturação produtiva, iniciada no mundo nos anos 1970, mas que só tem expressão significativa no Brasil nos anos 1990. Em conseqüência, no campo político-administrativo exige-se o reordenamento da relação Estado/Mercado através de reformas, como a liberação comercial e financeira, a abertura das exportações, a desregulamentação do setor privado, a flexibilização do mercado de trabalho, a privatização, enfim, todo um conjunto de mudanças que transferem as responsabilidades públicas para a iniciativa privada, ou do Estado para o mercado, dando início a uma nova fase de insegurança social. De acordo com Rifkin (1995), a criação de um mercado disponível e garantido ao setor privado está relacionada à existência de camadas populares cada vez mais desprotegidas pelas políticas sociais e públicas e ao simultâneo sucateamento dos serviços públicos prestados, que faz com que a própria população passe a demandar serviços e benefícios privados. Neste sentido, o Estado assume o papel de garantir o destino do mercado ao tornar o processo de privatização socialmente aceito. Sob esse ponto de vista, a idéia de se gerir políticas públicas de proteção social extensivas a todo cidadão enquanto direito passa a ser descartada, pois os objetivos do projeto neoliberal implicam na mercantilização dos bens sociais, na diminuição dos gastos públicos e na eliminação de direitos sociais, pois esses oneram o Estado. Dessa forma, a atuação do Estado no âmbito social passa a ser restrita ao atendimento mínimo 19 daqueles que não conseguem sobreviver no livre mercado, por meio de programas com características assistencialistas. O contexto mundial, hoje fortemente marcado pela globalização, apresenta tendências contraditórias, tanto para os países periféricos e semi-periféricos, quanto para os países centrais. Ao mesmo tempo que se avança na questão da alta tecnologia, do conhecimento e da informação, esse processo gera desemprego, exclusão social, vulnerabilidade. Além do mais, o desenvolvimento brasileiro, caracterizado pela transição de um país oligárquico para um país competitivo, sem alterar as estruturas socioeconômicas da sociedade, propiciou profundas desigualdades sociais, tendo o país um dos mais altos coeficientes de Gini do mundo, situado em 0,576 (IBGE / 2000). O atual modelo econômico do país enfraquece as políticas de Seguridade Social, sobretudo, a política pública de Assistência Social, conforme Carvalho expressivo o contingente de trabalhadores informais e desempregados, para os quais não há acesso aos benefícios previdenciários ou à proteção social decorrente da sociedade salarial e que, por isso, estão a demandar um tipo mais amplo de proteção social, que será não contributiva e incondicional, como os direitos contemplados pela Assistência Social (Carvalho, 2006, p. 13). A Assistência Social, que deve ser ofertada a quem dela necessitar, vem fomentando o redesenho de programas e projetos sociais focalizados e seletivos, que atentam contra o caráter universal, trazendo efeitos adversos, como expressivas restrições dos critérios de elegibilidade. Realizar o direito à assistência social pressupõe conceber a política social que o implementa, em suas diferentes dimensões, envolvendo seus objetivos; a natureza e tipologia dos benefícios, serviços, programas e projetos determinados legalmente; as modalidades de usuários; os requisitos fundamentais para estabelecer a relação direitosdeveres visando superar o tradicional caráter filantrópico atribuido à assistência social. 20 A assistência social precisa ser analisada como parte de um sistema de proteção social que deve ser contínuo, sistemático, planejado, articulado, com recursos garantidos no orçamento público e com ações complementares entre si, evitando o paralelismo, a fragmentação e a dispersão de recursos. Efetivar a Assistência Social enquanto política pública implica numa nova forma de gestão e operacionalização dessa política. Por isso a IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em 2003, deliberou a elaboração de uma Política Nacional de Assistência Social – PNAS e a construção do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. 2.2 O Sistema Único de Assistência Social - SUAS. Como apresentado anteriormente, a Assistência Social no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, está legitimada como política pública (Art. 194 e 195) e com diretrizes para seu funcionamento (Art. 203 e 204). Essas determinações passaram a significar a possibilidade de um novo tempo do direito e a perspectiva de ruptura com a prática do favor e do clientelismo, que se constituem em marcas profundas na trajetória da Assistência Social no país. Esse novo tempo vem se estruturando por meio da Lei Orgânica de Assistência Social (nº 8.742/93) – LOAS; da Política Nacional de Assistência Social (Resolução nº 145/04; do Conselho Nacional de Assistência Social) (Dec. Nº 5.074/04) – PNAS/2004; da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social – NOB/SUAS/05, que constituem as medidas legais que visam garantir a normatização e a organicidade dessa política pública, compondo-se de um conjunto de serviços, programas, projetos, benefícios, sendo esses de caráter permanente ou eventual, na condição de proteção social básica e especial. Conforme preconiza a NOB/SUAS/2005, Ao completar 10 anos de vigência da LOAS [...] a IV Conferência Nacional de Assistência Social, (dezembro de 2003) afirma o modelo 21 “SUAS”, como um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo que tem por função a gestão do conteúdo específico da assistência social no campo da proteção social brasileira. A regulação da dinâmica do SUAS é socialmente orientada: pela ação pública territorializada e democraticamente construída, com definição de competências específicas de cada esfera governamental; pela valorização do impacto social das diversas políticas estruturais e pelo desenvolvimento social sustentável (NOB/SUAS/2005). A eficácia do processo de implantação e implementação do SUAS pauta-se nos princípios e diretrizes do processo de descentralização, dependendo, portanto, das relações inter-governamentais coordenadas e da indução aos municípios à protagonizarem a responsabilidade pela Assistência Social no seu nível de governo. A proteção social contemplada pela Assistência Social deve garantir as seguranças de sobrevivência, acolhida e convívio familiar e comunitário 6 aos usuários dessa política, que vivem em situação de vulnerabilidade, seja em decorrência da pobreza, dos ciclos de vida, da privação, da fragilização dos vínculos familiares, deficiências ou discriminações. A proteção social deve ser prestada conforme níveis de complexidades e caracteriza-se como Proteção Social Básica e Proteção Social Especial. A primeira desenvolve o protagonismo das famílias e dos indivíduos, no sentido da prevenção de riscos, desenvolvimento de suas potencialidade e superação de suas condições de vulnerabilidade, e são ações desse tipo de proteção, o Programa de Atenção às Famílias – PAIF7; o Benefício de Prestação Continuada – BPC8 e os Benefícios Eventuais9. A Proteção Social Especial pode ser de Média ou de Alta Complexidade e deve prestar atendimento às famílias e aos indivíduos que já tiveram seus direitos violados, com vínculos familiares e comunitários rompidos ou não. O SUAS atribui nova nomenclatura aos serviços socioassistenciais da política, bem como organiza e regulamenta um Sistema Único e descentralizado da Assistência 6 A segurança da sobrevivência implica em garantir a autonomia e a renda das famílias em situação de vulnerabilidade social; a segurança da acolhida significa o direito ao tratamento digno e sigiloso dos usuários da política pública; a segurança do convívio familiar e comunitário deve assegurar o protagonismo das famílias e o fortalecimento dos vínculos familiares e afetivos. 7 O PAIF é um Programa Federal desenvolvido em parceria com os municípios, com o objetivo de fortalecer os vínculos familiares e afetivos das famílias em situação de vulnerabilidade social, inseridas na área de abrangência do Programa. 8 O BPC é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso acima de sessenta e cinco anos e que comprovem possuir renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo vigente no país. 9 Os Benefícios Eventuais visam o pagamento de auxílio natalidade, auxílio funeral ou qualquer outro benefício que visa atender necessidade advinda de vulnerabilidade temporária 22 Social. Também elege o CRAS – Centro de Referência da Assistência Social (equipamento e serviço de proteção social básica localizado em territórios de vulnerabilidade social), como a porta de entrada do Sistema. O SUAS materializa os preceitos da LOAS/93, e baseia-se em onze eixos estruturantes, a saber: precedência da gestão pública da política, alcance dos direitos socioassistenciais pelo usuários, matricialidade sociofamiliar, territorialização,descentralização político-administrativa, financiamento partilhado entre os entes federados, fortalecimento da relação democrática entre Estado e sociedade civil, valorização da presença do controle social, participação popular/cidadão usuário, qualificação de recurso humanos, informação, monitoramento, avaliação e sistematização de resultados. Para melhor organizar a gestão da assistência social, a PNAS, classifica os municípios brasileiros conforme seu porte populacional: Municípios pequeno porte nível I: com população até 20.000 habitantes. Municípios pequeno porte nível II: com população entre 20.001 a 50.000 habitantes. Municípios médios: com população entre 50.001 a 100.000 habitantes. Municípios grandes: com população entre 100.001 a 900.000 habitantes. Metrópoles: com população superior a 900.000 habitantes. O porte populacional dos municípios é o primeiro indicador para a gestão do SUAS no território. Conforme o Atlas do Desenvolvimento Humano (2002) o Brasil tem cerca 5.500 municípios. Destes, cerca de 5.000 são classificados de pequeno porte nível I e nível II e representam 20% da população brasileira. As metrópoles, 16 ao todo, também possuem 20% da população. Os municípios de pequeno porte devem protagonizar a proteção social básica e os demais, a proteção social básica e a especial. Para regulamentar a gestão do SUAS entre os níveis federativos (União, Estados e Municípios) foi aprovada, em julho de 2005, a nova Norma Operacional Básica – NOB/05. A NOB/05 estabelece não só o caráter do SUAS, mas também clareia as funções da Assistência Social, as instâncias de articulação, pactuação e deliberação 23 componentes do processo de implantação e implementação do SUAS, bem como atribui níveis de gestão aos municípios. No caso da gestão municipal, existem três níveis de gestão: Inicial, Básica e Plena. A classificação quanto ao nível de gestão do município irá depender da organização, dos serviços socioassistenciais disponibilizados e várias outras exigências, preconizado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. De acordo com a NOB/05, os municípios devem aderir ao Sistema ( sua participação não é compulsória) e para pleitear a Gestão Inicial, o município necessita contemplar alguns requisitos e responsabilidades básicas, como atender os preceitos do artigo 30 da LOAS/9310, alocar e executar recursos próprios para as ações de Proteção Social Básica, municiar e manter atualizadas as bases de dados dos subsistemas e aplicativos da REDE SUAS11, componentes do Sistema Nacional de Informação, inserir no Cadastro Único as famílias em situação de maior vulnerabilidade social e risco, conforme critérios do Programa Bolsa Família, preencher o plano de ação no sistema SUASweb 12 e apresentar o relatório de gestão como forma de prestação de contas. O pleito à Gestão Básica demanda que os municípios contemplem, além dos eixos e das responsabilidades da Gestão Inicial, as seguintes exigências: manter estrutura para recepção, identificação, encaminhamento, orientação e acompanhamento dos beneficiários do BPC e dos Benefícios Eventuais, com equipe profissional composta no mínimo por um assistente social, apresentar Plano de Inserção e Acompanhamento de beneficiários de BPC, conforme sua capacidade de gestão, contendo ações, prazos e metas a serem executadas, articulando-os à Assistência Social e às demais políticas públicas, garantir a prioridade de acesso nos serviços de Proteção Social Básica, realizar diagnóstico das áreas de risco e vulnerabilidade social, ter o Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA e o Conselho Tutelar – CT em funcionamento, ter como 10 Esse artigo determina as condições de repasse dos recursos federais, aos municípios, aos estados e ao Distrito Federal, a saber: Plano de Assistência Social, Conselho de Assistência Social e Fundo de Assistência Social, cada qual pertinente a sua esfera de governo. 11 REDE SUAS é um sistema de informação que tem a função de responder as novas necessidades de comunicação no âmbito do SUAS. 12 O SUASweb é uma importante ferramenta via internet, criada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate á Fome – MDS, para agilizar a transferência regular e automática dos recursos financeiros oriundos do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS, para os fundos estaduais, municipais e do Distrito Federal. 24 responsável pela Secretaria Executiva do CMAS, um profissional de nível superior, participar da gestão do BPC, participar das ações regionais e estaduais, pactuadas no âmbito SUAS, visando assegurar aos usuários da Assistência Social o acesso aos serviços de média e/ou alta complexidade, instituir Plano de Acompanhamento, Monitoramento e Avaliação das ações de Proteção Social na Rede Municipal de Assistência Social, identificar e reconhecer as entidades inscritas no CMAS que atendem os requisitos para estabelecimento do vínculo SUAS e estruturar os Centros de Referência da Assistência Social – CRAS, de acordo com o porte do município, em áreas de maior vulnerabilidade social, para gerenciar e executar ações de Proteção Social Básica no território referenciado, conforme critério abaixo: Porte I: mínimo de um CRAS para até 2.500 famílias referenciadas. Porte II: mínimo de um CRAS para até 3.500 famílias referenciadas. Médio Porte: mínimo de dois CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas. Grande Porte: mínimo de quatro CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas. Metrópoles: mínimo de oito CRAS, cada um para até 5.000 famílias referenciadas. O pleito municipal à Gestão Plena, em consonância com a NOB/SUAS/05, demanda além dos requisitos e responsabilidades contemplados para pleito à Gestão Inicial e Básica, os seguintes: cumprir pactos de resultados, com base em indicadores sociais comuns previamente estabelecidos, garantir prioridade de acesso nos serviços da Proteção Social Básica e/ou Especial, visando assegurar aos usuários da Assistência Social o acesso aos serviços de média e/ou alta complexidade, instalar e coordenar o Sistema de Monitoramento e Avaliação das ações de Assistência Social, em articulação com o Sistema Estadual e validado pelo Sistema Federal, elaborar e executar a política de recursos humanos, ampliar o atendimento atual dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, implantar, em consonância com a União e os Estados, programa de capacitação de gestores, profissionais, conselheiros e 25 prestadores de serviços da área de Assistência Social, prestar serviços de Proteção Social Especial. Em 2006, aproximadamente 95% dos municípios brasileiros já tinham aderido ao SUAS (Carvalho, 2006). Como meio de indução à adesão, a União está utilizando mecanismos de recompensas e sanções, nos moldes já adotados nas Políticas de Educação e Saúde. O SUAS representa um avanço para a política de Assistência Social, mas também representa sérios desafios e restrições à sua própria operacionalização, sobretudo para gestores municipais, como demonstra Sposati, que considera que Uma primeira restrição encontra-se no fato de que o SUAS propõe uma regulamentação voltada para a padronização dos serviços sócioassistenciais no território nacional, não favorece o pacto federativo pela via de uma nova cultura política de gestão pautada em autonomias partilhadas entre esferas de governo (Sposati, 2006, p. 126). Além disso, a repartição dos recursos entre os entes federados apresenta sinais de iniqüidade, uma vez que conforme afirma Carvalho Nosso pacto federativo funciona de forma truncada: a União fica com 59%, os estados com 24,9% e municípios com 16,1% do bolo tributário nacional (cerca de 36% do PIB). As unidades federativas estão administrando um pequeno comércio varejista, de atendimento rotineiro às demandas da micropolítica (2006, p. 127). Nossos pequenos municípios (73% do total dos municípios brasileiros), na sua maioria, padecem da ausência de recursos próprios para dar conta de políticas de desenvolvimento e são absolutamente dependentes de transferências federais e estaduais (Carvalho, 2006). Dessa forma, o contexto institucional e organizacional atual do país é caracterizado por complexidades e variações entre as políticas públicas e por problemas de coordenação nas relações inter-governamentais. Para diversos autores, como Faria (2000), Inácio (2006) e Souza (2004) as dificuldades da implementação têm sido o insucesso na 26 efetivação das políticas públicas, por meio do monitoramento e da avaliação é possível identificar e superar as dificuldades encontradas na sua implementação. Tais dificuldades, muitas vezes, estão associadas à capacidade institucional, política e técnica dos órgãos implementadores e dos mecanismos de controle social. Silva (2000) argumenta que a implementação está vinculada às formas de governança, às regras do jogo, que podem, ou não, promover sustentabilidade, cooperação, coordenação e negociação entre os agentes governamentais e não-governamentais, ou seja, à rede de implementadores. A partir daí, compreende-se que a implementação deve ser entendida como um processo contínuo, mas não necessariamente linear, envolvendo diversos atores e vínculos, sendo permeado de interesses e incertezas. Sob este enfoque, descrever e avaliar a implantação e a implementação do SUAS, em um município de pequeno porte nível II, como Paraopeba, é a proposta do capítulo a seguir. 27 3 – CAPÍTULO II - O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS, NO MUNICÍPIO DE PARAOPEBA/MG O terceiro capítulo desse estudo, busca apresentar o perfil municipal, a revisão bibliográfica, a coleta e a análise de dados, bem como suas implicações referente à implantação e a implementação do SUAS, em Paraopeba/MG. 3.1 - O Processo de Implantação e Implementação do SUAS em Paraopeba/MG O período que se segue à promulgação da Constituição Federal de 1988 vem sendo caracterizado pela construção de espaços institucionalizados de participação, seja com o objetivo de ampliar o debate acerca dos temas de relevância pública e aproximar os cidadãos dos governantes, como por exemplo, os Fóruns, as Câmaras Setoriais e as Audiências Públicas, seja com o objetivo de democratizar a gestão do Estado, através dos Conselhos de Políticas e de Direitos, Orçamentos Participativos e Conferências de Políticas Públicas (Avritzer, 2000; Dagnino, 2002; Faria, 2000). Todavia, vale ressaltar que o intenso processo de redemocratização iniciado nas últimas décadas nos países da América Latina, sobretudo no Brasil, coincidiu com o processo de nova forma de acumulação capitalista, a reestruturação produtiva, associada à ideologia neoliberal. A reestruturação produtiva beneficiou-se do avanço da tecnologia, que possibilitou o aumento dos fluxos de informações e produziu profundas mudanças no mundo do trabalho, como a precarização das relações de trabalho, o desemprego estrutural e o subemprego. O acirramento das desigualdades sociais e a defesa de um “Estado Mínimo”, preconizado pelo neoliberalismo, vem impactando negativamente na capacidade de mobilização e organização da sociedade civil e, consequentemente no processo de consolidação da Democracia Participativa e dos direitos sociais (Souza, 2006). Nesse contexto, a densidade da participação e a pluralidade dos novos atores sociais passam a ser estudadas e valorizadas por vários autores. Tocqueville (1977) já enfatizava que a participação, por meio das instituições secundárias (escolas, 28 associações de bairro, igrejas), educa os indivíduos, formando uma consciência cívica, menos individualista e mais aberta às diferenças. Habermas (1996) por sua vez, elabora o conceito de esfera pública, na qual as instituições intermediárias reforçam a participação e colocam em público questões que antes ficavam restritas ao Mundo da Vida. Essas instituições, que formam a sociedade civil, atuam na esfera pública e visam influenciar o Sistema Político, através da intermediação entre o Mundo da Vida e os Sistemas Econômico e Político. Ao analisar a efetividade democrática da participação, no Brasil, Faria (2006a) enfatiza que essa torna-se possível mediante a participação cívica. Essa, por sua vez, pressupõe o reconhecimento de que a democracia deve estar amparada em um conjunto de valores e práticas, inseridos na dinâmica societária, criando uma cultura política responsável em concretizar os sentidos da democracia e sua arena constitucional. Faria (2006b) denota que a consolidação da Democracia Participativa no processo de formulação das políticas públicas, pressupõe a capacidade real de inclusão política, econômica e social dos novos espaços de participação, inclusive os não legitimados como as passeatas, as marchas, os bloqueios, entre outros. Assim, atentar para a potencialidade dos novos espaços públicos de participação institucionalizada requer conhecer as conseqüências do neoliberalismo e seus efeitos diversos nos diferentes territórios, bem como perceber as múltiplas relações entre Estado e Sociedade nessas novas formas de participação. A capacidade inclusiva dos cidadãos nas novas formas de participação, ou seja, no exercício efetivo da articulação entre representação e participação, conforme Faria (2006c) vai depender das seguintes variáveis: perfil associativo dos municípios, tipo de política envolvida, vontade e/ou envolvimento político do gestor e capacidade financeira dos municípios. Para o estudo da implantação do SUAS no município de Paraopeba/MG, duas variáveis foram definidas como fundamentais: adesão dos governos locais (expressa na vontade e/ou envolvimento político do gestor e na previsão orçamentária) e o tipo de política envolvida. 29 A vontade e/ou envolvimento do gestor é fundamental no processo de consolidação dos direitos sociais e da participação na condução das políticas públicas, asseguradas na Constituição de 1988. Como exemplo, podemos citar os municípios onde os prefeitos eleitos são oriundos do Partido dos Trabalhadores – PT. Os gestores de tais cidades, geralmente optam pela prática de fomentar e institucionalizar novas formas de participação, sendo a mais expressiva a implantação dos Orçamentos Participativos – OPs. As experiências mais bem sucedidas de OPs ocorrem nos municípios onde os gestores reconhecem que a participação é imprescindível para a qualidade das políticas públicas e dos serviços sociais ofertados à população e não um mero cumprimento das formalidades constitucionais (Faria, 2006d). Outra determinante a se destacar no processo da efetividade democrática da participação social é o tipo de política envolvida. Algumas políticas públicas como a de Saúde, que já possuía em seu processo de construção alguma militância social e politização dos seus atores sociais, encontram-se em situação bem mais avançada tanto no que se refere a capacidade real de inclusão de seus novos espaços institucionalizados de participação, quanto na adesão dos municípios brasileiros aos seus novos formatos institucionais. Nesse sentido, vale destacar que, de acordo com Souza (2004, p. 168) Em contraste com o que aconteceu com as políticas de Saneamento, Habitação e Assistência Social, os governos locais responderam positivamente aos incentivos à municipalização da Saúde e da Educação. Isto pode ser creditado, no primeiro caso, à injeção de recursos nos cofres locais e, no segundo à penalidade para o município que não aumentar as matrículas para as escolas municipais. Todavia, a implantação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS/05, cuja construção é semelhante ao Sistema Único de Saúde – SUS, inclusive na relação da União com os Municípios, através de mecanismos de recompensas e sanções – conta com a adesão de 95% dos municípios brasileiros e vem ocasionando avanços significativos na consolidação dessa política pública. Vale lembrar que o SUAS foi deliberado durante a realização da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em 2003, um dos espaços de participação social mais expressivo da política pública de Assistência Social. 30 De acordo com a Política Nacional de Assistência Social - PNAS/04, o município de Paraopeba/MG é classificado como de pequeno porte nível II, por possuir cerca de 20.383 habitantes (IBGE-2000). O crescimento da população total do município é nítido nas últimas décadas, devido, principalmente, ao incremento da população urbana, já que a população da área rural tem se mantido estável. A população economicamente ativa do município encontra-se principalmente nas atividades industriais, podendo destacar a têxtil, a mineração de areia e de ardósia e a cooperativa de leite. As culturas agrícolas predominantes são a de milho, arroz, feijão e hortaliças. Os latifúndios (estabelecimentos rurais com área superior a 500 ha) ocupam cerca de 57% da área agrária, correspondendo a apenas 14,4% do número total de propriedades, o que denota uma forte concentração de terras na mão de poucos proprietários. A Prefeitura Municipal tem um total de 1.019 contribuintes inscritos, sendo 313 pessoas físicas e 706 pessoas jurídicas. A média da arrecadação anual é de aproximadamente R$1.073.654,70 (Setor Municipal de Tributação de Paraopeba/07). O município ocupa a 184ª posição no ranking mineiro (num total de 853 municípios) no que se refere ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, com pontuação em 0,767. Seu coeficiente de GINI situa-se em 0,55 (FJP/2000). Uma medida do grau de vontade/envolvimento do gestor que será utilizada nesse trabalho é o percentual anual da receita orçamentária alocada no Fundo Municipal de Assistência Social – FMAS13, em Paraopeba. 13 O FMAS é uma unidade orçamentária onde devem ser alocados os recursos próprios e os advindos dos demais entes federados e doações e que constituem a receita que irá cobrir os gastos relativos à assistência social. O Fundo é instituído por lei municipal, que estabelece as fontes de receita e as possibilidades de despesa. 31 Gráfico 1 - Percentual orçamentário anual destinado à Assistência Social em Paraopeba 2006 Exercício de 2006 120 100 100 80 60 40 20 3,38 0 Total Orçamento Percentual Assistência Social Fonte: Secretaria Municipal de Fazenda/2010 Gráfico 2 - Percentual orçamentário anual destinado à Assistência Social em Paraopeba 2007 Exercício de 2007 120 100 100 80 60 40 20 3,06 0 Total Orçamento Percentual Assistência Social Fonte: Secretaria Municipal de Fazenda/2010 32 Gráfico 3 - Percentual orçamentário anual destinado à Assistência Social em Paraopeba 2008 Exercício de 2008 120 100 100 80 60 40 20 3,49 0 Total Orçamento Percentual Assistência Social Fonte: Secretaria Municipal de Fazenda/2010 Como se verifica nos gráficos acima não há variação significativa na alocação de recursos do FMAS, principalmente ao tomar como referência a mobilização nacional, que visa destinar o mínimo de 5% da receita orçamentária anual para esse fim. Contudo, é importante ressaltar que no exercício de 2005, em Paraopeba, o FMAS era caracterizado como subunidade orçamentária e subordinado ao Fundo Municipal de Saúde – FMS. Era necessário ao FMAS constituir-se como unidade orçamentária, sendo esse um dos requisitos a serem contemplados pelos municípios para pleitear a Gestão Básica de Assistência Social, conforme orientação da Norma Operacional Básica NOB/05. Por isso, no mesmo ano, sem grandes interferências, ocorreu a transformação do FMAS em unidade orçamentária. Sem dotação orçamentária obrigatória, como nas políticas públicas de Saúde e Educação, a política de Assistência Social, não deixa de ser, de certa forma, nos três entes federativos, “opção de governo”, ou seja, corresponde à adesão dos governos locais e a vontade/envolvimento político do gestor. Outras medidas a serem mensuradas no campo da vontade/envolvimento do gestor são a infraestrutura, a intersetorialidade e a complexidade da rede de assistência social. Nesse sentido, verificam-se algumas mudanças expressivas provenientes das exigências legais ao cumprimento da NOB/05. Em Paraopeba, foi nomeado funcionário de nível superior 33 para a função de secretário executivo do Conselho Municipal de Assistência Social CMAS. Contudo, não foram proporcionadas as estruturas necessárias à implantação da secretaria executiva, o que é de responsabilidade do gestor. Vale ressaltar aqui, que todo processo de habilitação do pleito à gestão básica do município de Paraopeba/MG, contou com significativo apoio do Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS, na prontidão na realização das reuniões, no estudo da Norma Operacional Básica – NOB/05 e na reivindicação junto ao prefeito municipal para implantação da secretaria executiva. Na cidade de Paraopeba, a área de assistência social foi, por um longo período, administrada pelos Secretários Municipais de Saúde, apesar dos questionamentos dos conselheiros municipais de assistência social e deliberações em contrário, realizadas pelas Conferências Municipais. Em abril de 2006, contudo, foi aprovada junto ao Legislativo, uma nova estrutura organizacional da Prefeitura e com isso, a criação da Secretaria Municipal de Assistência Social – SMAS, conforme organograma da Prefeitura Municipal, abaixo. 34 Lei Complementar nº 034/06 GABINETE DO PREFEITO ÓRGÃOS DE ATIVIDADES DE ASSESSORAMENTO DIRETO E IMEDIATO AO PREFEITO SECRETARIA MUNICIPAL DE GOVERNO PROCURADORIA JURÍDICA ÓRGÃOS DE ATIVIDADES MEIO SECRETARIA MUNICIPAL DE ADM. E RECURSOS HUMANOS SECRETARIA MUNICIPAL DA FAZENDA ÓRGÃOS DE SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, CULTURA E ESPORTE SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE ATIVIDADES -FINS SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SECRETARIA MUNICIPAL AGRIC., COM., IND., TURISMO E MEIO AMBIENTE SECRETARIA MUNICIPAL OBRAS E SERVIÇOS PÚBLICOS ORGANOGRAMA: SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE PARAOPEBA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DEPARTAMENTO DE DIREÇÃO E SUPORTE À ASSISTÊNCIA SOCIAL DIVISÃO DE SUPORTE SOCIAL 35 Todavia, até outubro de 2008 o cargo de Secretário Municipal de Assistência Social ficou vago e quem respondia por esta pasta era o Diretor de Assistência Social. Quando foi sancionada a Lei Federal que proibia o nepotismo, o Diretor de Departamento, que era cônjuge de vereador, teve que ser nomeado Secretário Municipal de Assistência Social. Como se pode verificar, foi também a exigência de cumprimento legal o motivo impulsionador desta conquista. Apesar do porte populacional do município de Paraopeba, o orçamento destinado ao FMAS propicia o financiamento de uma Rede Municipal de Assistência Social complexa, contemplando basicamente todos os níveis de proteção dentro do SUAS: a básica e a especial, de alta e de média complexidade. Para tanto, utiliza–se de forma proveitosa a Rede Privada de Assistência social, estabelecendo parcerias e subvenções a todas as entidades cadastradas no Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS. Rede Pública Municipal de Assistência Social 36 Rede Privada Municipal de Assistência Social Entidade Associação Beneficente Paulo de Tarso Asilo Padre Augusto Horta Associação Beneficente Nova Vida – Abrigo Lar Nova Vida Associação Ação Resgate – Medidas Socioeducativas de LA e PSC Associação Beneficente Nova Vida – Parceria com a Pastoral da Criança Associação Comunitária Champ’s Elysees Conselho de Desenvolvimento Rural da Pontinha Grupo de Congado Nossa Senhora do Rosário do Retiro Ação Resgate – Projeto Jovem Aprendiz Associação dos Artesãos de Paraopeba e Região Valor do Convênio Municipal 77.300,00 75.000,00 60.000,00 Tipo de Proteção Especial Especial Especial 35.000,00 Especial 20.900,00 Básica 22.400,00 13.100,00 9.900,00 Básica Básica Básica 76.600,00 6.000,00 Básica Básica Ao tratar da assistência social e seu novo modelo de gestão, o SUAS, como foco investigativo, considerando-se os avanços, os desafios e seus princípios norteadores, já mencionados anteriormente, pretende-se elucidar que é preciso que as diretrizes para organização e gestão da assistência social implicam em atribuir caráter de direito às ações que concretizam, envolvendo a reorganização e a reordenação das instituições que o efetivam, bem como a reconstrução das relações sociais que o formulam, que o reivindicam, que o fiscalizam e que o executam. Assim, realizar o direito à assistência social pressupõe conceber a política pública que o implementa, em suas diferentes dimensões, envolvendo seus objetivos; a natureza e tipologia dos benefícios, serviços, programas e projetos determinados legalmente; as modalidades de usuários; os requisitos fundamentais para estabelecer a relação direitosdeveres visando superar o tradicional caráter filantrópico atribuindo à assistência social. Também é preciso discutir e considerar a assistência social como política de inclusão social, o que demanda qualificar qual é o tipo e o processo de inclusão que esta é capaz e está apta a provocar. E ainda é preciso entender a articulação da assistência às demais políticas públicas e econômicas, tendo como perspectiva a inclusão dos cidadãos nos bens e serviços prestados pelas demais políticas sociais. 37 A intersetorialidade da Assistência Social com as demais políticas públicas apresentouse incipiente, pois mesmo desenvolvendo alguns projetos em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e a Secretaria Municipal de Educação, não foram encontradas evidências de que tal processo de articulação seja suficiente. A reflexão acerca dos dados e indicadores, encontrados nessa pesquisa preliminar, referente à Assistência Social e seu Sistema Único na cidade de Paraopeba, aponta para o reconhecimnento de que apesar de ser um sistema extremamente novo e de certa forma, ainda em construção, é possível afirmar que o SUAS proporcionou melhor organização e operacionalização da Política Municipal de Assistência Social, bem como mais respeitabilidade e compromisso dos seus governantes e de seus mecanismos de controle social. Isso é verificável pela reorganização do órgão gestor, pela garantia do FMAS como unidade orçamentária, pela destinação regular de percentual do orçamento municipal para a área (ainda que não seja o suficiente ou desejável), pela garantia de recursos humanos para o CMAS. A regulamentação do SUAS tem sido um importante fator para que essas mudanças ocorram, na medida em que seu descumprimento implica em sanções, o que diminui as incertezas decorrentes da possibilidade de que a efetivação da assistência social dependa, única e exclusivamente, da vontade política do gestor. 38 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao concluir esse estudo, é possível afirmar que profundas modificações societárias ocorreram no Brasil, ocasionando um novo arranjo institucional. A Constituição Federal de 1988 responsabilizou o Estado brasileiro pela garantia dos direitos mínimos de sobrevivência, ou seja, à Proteção Social. Para tanto, o Estado necessitou alterar o desenho institucional e a forma de gestão dos campos das políticas públicas que asseguram essa proteção, como a assistência social, descentralizando suas ações, e criando mecanismos de controle e participação popular. Nesse contexto, surgem diversos movimentos de atores sociais envolvidos com o processo de efetivação da assistência social enquanto política pública, preconizando a construção do SUAS, estabelecendo uma nova forma de gestão e operacionalização dessa política em todo o território nacional, reconhecendo as diferenças regionais do país. O SUAS, novo marco histórico da assistência social, fomenta a realização de ações que devem ser compreendidas, assimiladas e incorporadas por todos os atores sociais e sujeitos coletivos vinculados à assistência social. Foi nessa perspectiva que se buscou melhor conhecer alguns dos aspectos do processo de implantação e implementação do SUAS no município de Paraopeba/MG, o tema e o foco desse estudo. Cabe mencionar que a realização da proposta supracitada propiciou tecer considerações relevantes acerca do objetivo do estudo proposto, podendo essas contribuirem na mensuração da eficiência e da eficácia no processo de implementação do SUAS, vislumbrando sua efetivação até 2015. A exigência constitucional da Assistência Social, sem sua dotação orçamentária anual mínima obrigatória, a torna mais frágil e incipiente comparativamente às políticas públicas, como a Saúde e a Educação. Pode-se observar que, em Paraopeba, a dotação orçamentária anual destinada a assistência social não sofre grandes alterações, mesmo após a implantação do SUAS. 39 Pode-se afirmar também, que a vontade/envolvimento político do gestor do município é fundamental para a consolidação da política pública de assistência social. Entretanto, enfatiza-se que a assistência social precisa ser analisada como parte de um sistema de proteção social que deve ser contínuo, sistemático, planejado, articulado, com recursos garantidos no orçamento público e com ações complementares entre si, evitando o paralelismo, a fragmentação e a dispersão de recursos, uma vez que em O Plano Municipal tem operado mais como condição para cumprir um requisito formal da habilitação de gestão, não valorizado pelo seu conteúdo prepositivo e mobilizador. Inexiste uma cadeia de transmissão de força ascendente que energize o processo descentralizado e participativo na gestão da assistência social. Construir um Plano Municipal de Assistência Social de modo participativo ou não, parece ser mais opção do gestor local do que condição exigida e incorporada pela gestão ao Sistema Único de Assistência Social (Campos, 2003, p. 19). Com esse estudo foi possível verificar que a intersetorialidade da assistência social em Paraopeba é existente, mas sem condições efetivas de avaliação de impacto social. Também foi possível perceber que a rede municipal de assistência social é complexa, contemplando a proteção social básica e a especial, mesmo com a orientação da NOB/05 de que os municípios de pequeno porte devem protagonizar apenas a proteção básica. Para finalizar, conclui-se que apesar dos avanços, Paraopeba/MG ainda precisa percorrer um longo caminho na concretização dos direitos sociais, em especial os socioassistenciais. Por isso, “enquanto o direito for meio e a cidadania andar pela metade, a gente segue na luta por inteiro” (CRESS 6ª- Região, 2007). 40 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARRETCHE, Marta. Políticas Sociais no Brasil: Descentralização em um Estado Federativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14, n. 40, p. 111-141, 1999. AVRITZER, Leonardo e SANTOS, Boaventura de Sousa. 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