Médicos divergem sobre distribuição de medicamento contra nova gripe Governo mudou três vezes orientação sobre antiviral. Para procurador do MPF de SP, mudanças confundem médicos. A distribuição do antiviral Tamiflu, principal medicamento para tratamento da nova gripe, é tema de controvérsia entre especialistas consultados pelo G1. Alguns pedem que a distribuição seja ampliada e outros consideram que é preciso cautela, uma vez que o vírus pode criar resistência ao medicamento e tornar o combate à doença ainda mais complexo. O Ministério da Saúde alterou três vezes a orientação sobre quem tem a palavra final na hora de receitar o remédio. Agora, qualquer médico pode prescrever o Tamiflu, quando achar necessário. Até o início desta semana, a distribuição do antiviral era responsabilidade exclusiva dos hospitais de referência, da rede ambulatorial, de unidades básicas de saúde ou de centros ligados ao Programa Saúde da Família (PSF) – o que já era uma suavização da diretriz anterior, pela qual só as unidades de referência tinham o poder de ministrar o medicamento (e, ainda assim, somente a pacientes com sinais de agravamento ou de grupos de risco). Na terça (4), a Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro protocolou uma ação civil pública na Justiça Federal do Rio de Janeiro pedindo que o Ministério da Saúde disponibilize em toda rede privada e pública do país o antiviral Tamiflu para quaisquer casos suspeitos da nova gripe, não somente os graves. A Defensoria também pede que o medicamento seja vendido no varejo em todo país. Até esta quarta (5), a Justiça ainda não havia tomado uma decisão. O risco de a doença adquirir resistência ao medicamento é o que preocupa tanto o Ministério da Saúde quanto os médicos que defendem um controle maior. A obstetra Vera Fonseca, vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), acredita que a má administração da medicação pode atrapalhar no combate à doença. “O antiviral pode criar uma resistência do vírus. Por isso esses cuidados são comuns. Antes de receber o medicamento, o paciente precisa estar bem avaliado e com os sintomas diagnosticados.” O também obstetra Salvador Vieira de Souza concorda. “Se você libera o uso do medicamento a toda população, você acaba tendo um tratamento inadequado." Contra o controle Na avaliação de Jorge Darze, do Sindicato dos Médicos do Rio, o argumento sobre a resistência não é mais importante do que salvar vidas. "Estamos falando de uma doença grave que tem vitimado dezenas de pessoas e que demonstra uma evolução que pode colocar em risco uma parcela da população. Estamos advogando que o medicamento seja dado a todos. O que a gente não pode fazer é que a hipótese de a doença criar resistência faça a gente deixar de dar remédio para quem não tem possibilidade de fazer o exame." Darze avalia que não deveria haver nenhuma restrição para os médicos receitarem o Tamiflu. "A restrição estabelece cerceamento ao livre exercício do médico. O governo não pode tomar conta do estoque do medicamento porque isso fere princípios constitucionais." O médico José Teófilo Saraiva, que atua no Hospital Municipal Lourenço Jorge, do Rio, concorda. "O paciente com sintomas da nova gripe não deveria esperar dias para conseguir o medicamento", diz. Mudança no protocolo Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal de São Paulo Jefferson Aparecido Dias, há indícios de falha na gestão da doença por parte do Ministério da Saúde. Na semana passada, ele enviou pedido de informações ao ministério sobre a distribuição do Tamiflu e a realização de testes. "A sensação que tenho, eu que estou mantendo contato com base (médicos), com regionais, é que as idas e vindas [do Ministério da Saúde] têm causado confusão enorme para quem tem que executar o protocolo. É um problema grande de gestão. O ministério não está tendo condições de combater com eficiência", afirmou o procurador. Dias afirmou que está em contato com médicos e hospitais para averiguar como os pacientes têm sido orientados corretamente. A intenção, segundo o procurador, é verificar se há contradição nas orientações. "Devo chegar a uma conclusão até o fim da semana e esperar as respostas do ministério da saúde. Depois, se houver contradição, posso determinar que sejam tomadas providências." A médica Nancy Bellei, especialista em gripe da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também afirma que há falha na orientação “da base” de médicos que faz o primeiro atendimento à população. “Faltou e ainda falta um treinamento da rede primária. Há um grande despreparo. Eu acabei de receber uma ligação de uma médica pedindo orientações, por que ela não sabia como fazer”, afirma. O Ministério da Saúde informou que "todos os protocolos do Ministério da Saúde têm como base as recomendações da OMS [Organização Mundial de Saúde] e da comunidade científica". "Os protocolos estabelecem, de forma clara e objetiva, os critérios, por exemplo, para indicação de tratamento com o medicamento específico (oseltamivir), internações, realização de exames laboratoriais." Médicos ouvidos pelo G1 disseram não ver problemas com as mudanças no protocolo. "Tem de ser assim. Uma pandemia é uma coisa extremamente dinâmica. Primeiro tomamos as decisões baseados no que sabíamos sobre o vírus da gripe sazonal e sobre epidemias anteriores. À medida que tivemos um conhecimento mais específico, tivemos de mudar", afirma David Uip. Para Caio Rosenthal, infectologista do Hospital Emílio Ribas, é preciso ponderar que o próprio remédio, "ao que tudo indica", tem benefícios limitados. O medicamento, que também é usado no tratamento da gripe aviária e em casos graves da gripe comum, age apenas reduzindo a multiplicação dos vírus dentro do organismo do paciente. "Só diminui o período em que a pessoa fica doente em um ou dois dias, no máximo", afirma. "Não é aquela maravilha que gostaríamos que fosse, mas pode ser usado de acordo com a avaliação do médico." Para Nancy Bellei, especialista em gripe da Unifesp, o Tamiflu deve ser receitado por reduzir a infecção e a transmissão do vírus. "O uso desse remédio não é para tratar sintomas. É para controlar a disseminação da doença. Nossa maior preocupação, no momento, é evitar uma maior disseminação da doença e reduzir o número de complicações", afirma.