FEITO: VERBO OU CONJUNÇÃO? BIJANI, Marcella Pimentel (UFRJ - bolsista IC) A maneira como os estudos em linguagem analisam o sistema mudou bastante ao longo do tempo. Hoje, a língua não é vista simplesmente como um produto pronto e imóvel, que serve apenas como instrumento de comunicação; ao contrário, ela é caracterizada como um processo, em que o coletivo interfere, estando, o sistema linguístico, desse modo, em constante mudança. Sendo assim, tais estudiosos acreditam que as palavras e as frases adquirem seus significados tanto dentro de um contexto extralinguístico — social, cultural, etc. — quanto dentro de um co-texto linguístico — o texto propriamente dito. Essa postura é adotada, por exemplo, pelos teóricos funcionalistas, que postulam que a língua não é suficiente em si mesma e deve ser estudada em uma situação comunicativa específica e de uso, focalizando o falante e suas necessidades de comunicação e interação. No âmbito da teoria Funcionalista, a gramaticalização pode ser entendida como o processo que preconiza que o uso da língua em situações reais de interação pode transformar elementos linguísticos ao longo do tempo, levando-os do discurso à gramática. Assim, tanto o Funcionalismo quanto um de seus princípios - a gramaticalização — constituem-se em arcabouço teórico fundamental para o desenvolvimento deste trabalho, que parte da hipótese de que feito - particípio passado do verbo fazer — por influência do processo de gramaticalização - adquire status de conjunção subordinativa comparativa. A motivação para essa pesquisa provém da leitura de Gonçalves et alii (2007). Esses autores abordam a gramaticalização das conjunções logo, assim e porém, constituídas a partir de usos adverbiais; depois, investigam a gramaticalização das construções quer dizer e foi fez (pouco estudada no Português Brasileiro); por último, tratam dos processos de combinação de orações completivas de verbos causativos e perceptivos, e das diferentes orações que exprimem semântica temporal. Gonçalves et alii (2007), além de apresentarem os caminhos percorridos no processo de gramaticalização por alguns itens, construções ou orações, também, oferecem uma reflexão teórica sobre os trabalhos apresentados. Desde modo, constituem uma importante contribuição para os estudos sobre gramaticalização. Apesar de pesquisas semelhantes as que Gonçalves et alii (2007) relatam ainda não serem tão frequentes em Português, a possibilidade de gramaticalização de um item verbal como feito, transformando-se em conjunção subordinativa comparativa, suscitou bastante interesse. Não só o processo de gramaticalização de feito serviu como motivação para o início deste trabalho, mas também a maneira como as conjunções subordinativas comparativas estão listadas em cinco gramáticas tradicionais — as de Bechara (1987), Cunha & Cintra (2007), Kury (1987), Luft (2002) e Rocha Lima (2006) — e descritas em termos de uso(s) em cotejo com aquelas que, de fato, os falantes empregam em situações reais de comunicação. Percebe-se, assim, que o item feito, embora já seja utilizado como conjunção comparativa por falantes de Português, ainda não é abarcado por nenhuma dessas gramáticas tradicionais antes enumeradas. Evidencia-se, desse modo, então, um hiato entre o que é realmente usado pelos falantes no momento da interação linguística e o que está previsto idealmente pelas gramáticas de cunho tradicional. Bechara (1987, p.162) considera conjunção subordinativa comparativa aquela que inicia uma oração que exprime o outro membro da comparação. O autor destaca que existem orações subordinadas adverbiais comparativas assimilativas e quantitativas — sendo, as últimas, subdivididas em quantitativas de igualdade, de superioridade e de inferioridade. Bechara (1987) lista como conjunções comparativas assimilativas como ou qual. Um dos exemplos dessa possibilidade de uso verifica-se em Os governos tendem à monarquia [COMO os corpos gravitam para o centro da terra] em que como os corpos gravitam para o centro da terra é estrutura comparativa encabeçada por como. De acordo com Cunha & Cintra (2007, p.579), as conjunções são os vocábulos gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração. Para esses gramáticos, as conjunções subordinativas comparativas são aquelas que iniciam uma oração que encerra o segundo membro de uma comparação, de um confronto. Segundo os autores, são conjunções comparativas que, do que (depois de mais, menos, maior, menor, melhor, pior), qual (depois de tal), quanto (depois de tanto), como assim, como, bem como, como se, que nem. Um dos exemplos elencados por Cunha & Cintra (2007, p.606) como de oração subordinada comparativa é que nem uma louca em Começaste a correr / que nem uma louca. Segundo Rocha Lima (2006:184), conjunções são palavras que relacionam entre si: a) dois elementos da mesma natureza (substantivo + substantivo, adjetivo + adjetivo, advérbio + advérbio, oração + oração, etc.); b) duas orações de natureza diversa, das quais a que começa pela conjunção completa a outra ou lhe junta uma determinação. As conjunções do primeiro tipo chamam-se coordenativas; e as do segundo, subordinativas. (Rocha Lima, 2006, p.184) O autor, ao abordar as orações subordinadas adverbiais comparativas, as separa em assimilativas e quantitativas. As assimilativas são aquelas cuja apresentação se faz com uma conjunção ‘como’, equivalente a ‘do mesmo modo que’. A sentença como uma cascavel que se enroscava em ‘Como uma cascavel que se enroscava, / A cidade dos lázaros dormia... ilustra tal caso. Kury (1987, p.91) também separa as orações subordinadas adverbiais comparativas em assimilativas e quantitativas ou intensivas. As assimilativas, estreitamente relacionadas ao foco deste trabalho, são definidas como aquelas usadas para apontar semelhança entre elementos. Neste caso, a conjunção típica é como. Depreende-se, com base nos itens apontados pelas gramáticas tradicionais que, no tocante às conjunções subordinativas comparativas, nem todos os usos possíveis aos falantes em situações reais de comunicação são descritos. Portanto, os gramáticos não só deixam de atentar para um possível aumento na listagem das conjunções subordinativas comparativas, como também não atestam o uso de feito como introdutor de estruturas subordinadas adverbiais comparativas. Desta forma, adotando ao pressupostos teóricos do Funcionalismo, faz-se necessária uma reformulação no quadro das conjunções subordinativas comparativas das gramáticas tradicionais, uma vez que itens diferentes dos previstos começam a ser usados pelos falantes do Português. Em oposição ao Estruturalismo e ao Gerativismo — que priorizam os aspectos estruturais ou formais da sentença — surge o Funcionalismo, corrente linguística que prioriza o estudo da relação entre as estruturas gramaticais das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas estão inseridas. Os teóricos funcionalistas veem a língua como instrumento de interação social; sendo assim, os domínios da sintaxe, da pragmática e da semântica estão intimamente relacionados, por isso, interdependentes. Desta maneira, a estrutura gramatical é motivada pelo uso interativo da língua, sendo, portanto, os usos linguísticos que, com o passar do tempo, influenciam a organização interna do sistema linguístico e não o inverso. No Funcionalismo, os princípios da iconicidade, marcação, transitividade, informatividade e dos planos discursivos são centrais para a análise linguística bem como o processo de gramaticalização (objeto deste estudo) e a discursivização. Por meio do princípio da iconicidade apreende-se a correlação entre forma e função, ou seja, a correspondência entre o código linguístico e seu significado. Por meio do princípio de marcação faz-se o contraste entre dois elementos de uma mesma categoria linguística (sintática, fonológica, ou morfológica). Deste modo, quando se opõem dois elementos, aquele considerado marcado exibe uma propriedade ausente no outro elemento — o não-marcado. Em se tratando da transitividade e dos planos discursivos, podese dizer que a primeira se refere a uma propriedade característica dos verbos e que é concebida, dentro do Funcionalismo, como uma noção contínua e escalar. Os planos discursivos demonstram que a maneira como o falante organiza seu discurso não é arbitrária, isto é, o falante constrói seu enunciado a partir de seus objetivos comunicativos, mostrando ao receptor o que é central e o que é periférico. O princípio da informatividade centra-se no conhecimento partilhado, ou supostamente partilhado, que existe entre os falantes no momento da interação verbal. No que concerne aos fenômenos associados aos processos de regularização do uso da língua — a gramaticalização e a discursivização — considera-se que a gramática é um organismo vivo e maleável, que está em constante mudança e que se adapta às necessidades comunicativas dos falantes, ou seja, a gramática é emergente (Cf. Givon, 1995). Desta forma, quando algum elemento linguístico do discurso, passa a ocorrer de forma previsível e estável, devido ao uso frequente ao longo do tempo, diz-se que este saiu do discurso para entrar na gramática — houve, por conseguinte, um caso de gramaticalização. Percebe-se, assim, que a gramaticalização caracteriza um processo unidirecional (da esquerda para a direita), no qual itens e expressões muito frequentes, em determinados contextos, começam a adquirir novas funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais. Como a gramaticalização só ocorre com itens muito usados na língua, esses termos tendem a sofrer um desbotamento semântico, perdendo, então, expressividade. Por isso, que, quanto mais gramaticalizadas forem as formas, mais sólidas e menos flexíveis elas se tornarão, isto é, estarão mais integradas a outras formas, por imposição dos conteúdos construídos. Logo, a gramaticalização tende a fixar classes de sintagmas específicas em determinadas posições sintáticas de modo a sintatizar o discurso. Segundo afirma Martelotta (1996), a gramaticalização é um processo de mudança unidirecional, segundo o qual elementos lexicais e construções passam a desempenhar funções gramaticais, tendendo, com a continuidade do processo, a assumir novas funções gramaticais. Com a gramaticalização, o elemento tende a se tornar mais regular e previsível em termos de uso, pois perde a liberdade sintática característica dos itens lexicais, quando “penetra” na estrutura tipicamente restritiva da gramática. (Martelotta, 1996, p.192) De acordo com os funcionalistas, o conceito de função não deve ser tomado como similar ao de função sintática (objeto direto, objeto indireto, sujeito, etc.) e nem como representativo das relações que as palavras contraem na oração, conforme diretrizes de outras teorias linguísticas. No Funcionalismo, o termo função refere-se ao papel ou ao comportamento exercido, desempenhado pela forma linguística em uso pelo falante no momento do ato comunicativo ou da interação linguística. Levando-se em conta que o processo de gramaticalização implica mudança por influência do(s) uso(s) linguísticos, se um fenômeno discursivo, que estava na gramática, passa a ter comportamento casuístico, ou seja, seu uso deixa de apresentar regularidade, em termos de regras selecionais, diz-se que tal elemento saiu da gramática e retornou ao discurso, caracterizando, portanto, um caso de discursivização. Ambos os processos — gramaticalização e discursivização —, como demonstra o quadro a seguir, apontam que o discurso é visto como ponto de partida da gramática e é, também, seu ponto de chegada. DISCURSO > GRAMÁTICA > DISCURSO Deste modo, adotando os pressupostos teóricos do Funcionalismo e, em especial, o processo de gramaticalização, pode-se explicar e classificar estruturas como as seguintes – que antes eram deixadas à parte pelos estudos tradicionais: a) ...olha... viagem eu gosto até porque... eu gosto de fazer... mas acontece... eu gosto de viajar... mas a estrada me bota assim um pouco nervosa... eu... quando a gente viaja... se é de carro eu vou do lado do meu marido [FEITO co-piloto] (Oc-B-9C-2f-002) b) I: aí eu não podia dizer que tinha sido eu que tinha trancado ele ... né ... que foi que eu fiz ... joguei a chave no lixo ... e saí [FEITO uma louca] ... na escola ... procurando o diretor ... procurando o supervisor ... procurando o porteiro ... alguém que tivesse a chave pra abrir a porta ... aí ninguém tinha a chave ... porque a chave eu tinha jogado fora ... (Informante 2, 31 anos, parte oral, experiência pessoal) Nota-se, tanto em a) quanto em b), que feito se comporta como conjunção subordinativa comparativa, porque serve como conector entre duas orações (eu vou do lado do meu marido com feito co-piloto em a) e em b), saí com feito uma louca). Além disso, as orações destacadas entre colchetes, em cada um dos períodos, indicam a circunstância de comparação, estão pospostas à oração principal e apresentam elipse dos verbos ir (feito co-piloto [vai]) e sair (feito uma louca [sai]), respectivamente. Assim, tais construções podem ser facilmente reescritas como a’) e b’): a’) olha... viagem eu gosto até porque... eu gosto de fazer... mas acontece... eu gosto de viajar... mas a estrada me bota assim um pouco nervosa... eu... quando a gente viaja... se é de carro eu vou do lado do meu marido [COMO co-piloto] (vai) b’) I: aí eu não podia dizer que tinha sido eu que tinha trancado ele ... né ... que foi que eu fiz ... joguei a chave no lixo ... e saí [COMO uma louca] (sai) ... na escola ... procurando o diretor ... procurando o supervisor ... procurando o porteiro ... alguém que tivesse a chave pra abrir a porta ... aí ninguém tinha a chave ... porque a chave eu tinha jogado fora ... Observa-se, pelas reescrituras a’) e b’), em que se utiliza o conectivo prototípico como previsto nas gramáticas tradicionais, que os exemplos veiculam o mesmo conteúdo semântico das estruturas a) e b), qual seja, o de comparação. Com base na análise desses exemplos, pode-se afirmar, ainda, que o item feito tornou-se mais gramatical, já que adquiriu posição mais fixa na sentença e, em tais contextos, não aceita qualquer tipo de flexão. Em outras palavras, quando o item feito encabeça uma oração comparativa, não permite nem flexão de número, nem de pessoa. Retomando os exemplos a) e b), uma possível tentativa de reescrevê-los, com qualquer tipo de flexão, os tornaria agramaticais, como se verifica a seguir: a’’) *... olha... viagem eu gosto até porque... eu gosto de fazer... mas acontece... eu gosto de viajar... mas a estrada me bota assim um pouco nervosa... eu... quando a gente viaja... se é de carro eu vamos do lado do meu marido [FEITOS co-pilotos] a’’’) * ... olha... viagem eu gosto até porque... eu gosto de fazer... mas acontece... eu gosto de viajar... mas a estrada me bota assim um pouco nervosa... eu... quando a gente viaja... se é de carro eu vou do lado do meu marido [FEITA co-piloto] b’’) * I: aí eu não podia dizer que tinha sido eu que tinha trancado ele ... né ... que foi que eu fiz ... joguei a chave no lixo ... e saí [FEITA uma louca] ... na escola ... procurando o diretor ... procurando o supervisor ... procurando o porteiro ... alguém que tivesse a chave pra abrir a porta ... aí ninguém tinha a chave ... porque a chave eu tinha jogado fora ... b’’’) * I: aí eu não podia dizer que tinha sido eu que tinha trancado ele ... né ... que foi que eu fiz ... joguei a chave no lixo ... e saímos [FEITOS umas loucas] ... na escola ... procurando o diretor ... procurando o supervisor ... procurando o porteiro ... alguém que tivesse a chave pra abrir a porta ... aí ninguém tinha a chave ... porque a chave eu tinha jogado fora ... Por meio da análise dos exemplos à luz da teoria funcionalista, feito — particípio passado do verbo fazer (palavra lexical plena) — sofreu um processo de gramaticalização e passou a se comportar como conjunção comparativa (palavra gramatical) em determinados contextos, devido a pressões de novos usos por parte dos falantes da língua. Em decorrência disso, feito passa a apresentar características específicas, como esvaziamento semântico e posição mais rígida na sentença, ao exercer o papel de conjunção subordinativa comparativa. A fim de que se comprovasse o novo status gramatical de feito, a partir do aporte teórico funcionalista, fez-se necessária a análise de três corpora distintos e representativos de usos reais da Língua Portuguesa: o corpus D&G, disponível no site http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br; o corpus do Projeto VARPORT, disponível no site www.letras.ufrj.br/varport, e o corpus formado por jornais e boletins da ADUFRJ-SSind, disponível em CD-ROM. O corpus D&G constitui-se de amostras de língua falada e de língua escrita, abrangendo relatos de informantes dos sexos masculino e feminino, e de diferentes graus de escolaridade. Analisaram-se 655 (seiscentos e cinquenta e cinco) textos divididos em narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada, descrição de local, relato de procedimento e relato de opinião. O corpus do projeto VARPORT também abarca as modalidades escrita e falada da língua. A amostra da modalidade escrita contem anúncios, editoriais e notícias do Português Brasileiro e Europeu dos séculos XIX e XX — e a amostra de fala, tanto do Português Brasileiro quanto do Português Europeu, envolve informantes de diversos níveis de escolaridade e de ambos os gêneros (masculino e feminino), inseridos nas décadas de 70 (setenta) e 90 (noventa), totalizando 1384 (um mil trezentos e oitenta e quatro) textos. O corpus formado por jornais e boletins da ADUFRJ-SSind - Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Seção Sindical constitui-se de textos escritos de diferentes tipos e gêneros, produzidos de 26 de abril de 1979, data de criação da ADUFRJ, a julho de 2001. Devido a falta de homogeneização quanto ao número de textos publicados em cada exemplar dos jornais e boletins desse corpus, a contagem priorizou a quantidade de exemplares e não de textos. Sendo assim, coletaram-se dados de feito em 554 (quinhentos e cinquenta e quatro) exemplares de jornais e boletins, que, em média, continham 8 (oito) páginas cada um. Após a análise desses corpora, encontraram-se um total de 5 (cinco) casos de orações comparativas introduzidas por feito. Os dados foram coletados partindo-se do pressuposto de que os períodos compostos por subordinação em que as orações introduzidas por feito veiculam o conteúdo semântico de comparação apresentam uma conjunção subordinativa. O comportamento do item foi norteado, além disso, pelo controle da modalidade linguística, do gênero textual, do tipo de estrutura, da forma da oração e da posição da estrutura. A modalidade linguística caracteriza a distinção entre escrita e fala, com o objetivo de verificar se o fenômeno restringe-se a uma delas, conforme sugerem Casseb-Galvão e Lima-Hernandes (2007, p.166). Visto que é impossível existir comunicação, a não ser por meio de algum gênero textual – seja o telefonema, o telegrama, a carta, o bate papo na internet, etc., observou-se a distribuição dos textos analisados pelos gêneros matéria, aula, entrevista, conferência, editorial, diálogo, notícia, anúncio etc. O tipo da estrutura foi empregado para distinguir as estruturas oracionais, com verbo explícito, das elípticas, cujo verbo é recuperado por inferência. A forma da oração permitiu que se separasse as orações em reduzida de particípio, infinitivo, gerúndio - e desenvolvida. Além disso, mencionem-se, ainda, os casos envolvendo a elipse verbal. A posição da estrutura relaciona-se à possível mobilidade das comparativas e, nesse caso, abarcaria a anteposição ou posposição desta à oração principal. Embora este estudo não tenha um caráter eminentemente quantitativo, mas sim, qualitativo, ao se utilizarem dados, ainda que em número exíguo, pretendia-se, com isso, conferir mais credibilidade à abordagem empreendida. Por isso, uma ponderação se impõe: a análise é mais qualitativa e se justifica, porque, nesse caso, mais importante do que a frequência dos itens é a influência que esse(s), como uso(s), apresentam para a língua, tendo em vista seu co-texto e contexto comunicativo. Portanto, independentemente da quantidade de dados coletada, pode-se notar que o item feito, antes usado somente como verbo, passou, graças a um processo de gramaticalização, a exercer, também, outro papel em Língua Portuguesa, o de conjunção subordinativa comparativa. Além dos subsídios teóricos funcionalistas de uma forma mais abrangente, contribuíram, também, para uma melhor descrição e compreensão do objeto de estudo deste trabalho, autores como Barreto (1999) e Rodrigues (2001). Enquanto a primeira aborda os processos de gramaticalização experimentados por 136 (cento e trinta e seis) itens conjuncionais do Latim ao Português, muitos deles, comparativos, a segunda descreve as estruturas comparativas em Língua Portuguesa, propondo que a correlação seja considerada um procedimento sintático envolvido em seus uso(s). Barreto (1999), ao tratar da gramaticalização das conjunções portuguesas oriundas do Latim, adverte que essas conjunções, uma vez inseridas na Língua Portuguesa, sofreram novos processos de mudança. A autora menciona o emprego do item feito como conjunção subordinativa comparativa. A esses processos formadores, pode-se ainda acrescentar o emprego de uma forma verbal ou de um substantivo isolados como conjunção: feito, tipo (conjunções comparativas). Esses dois últimos itens conjuncionais, entretanto, não ocorreram no corpus. (Barreto, 1999, p.488) Segundo Rodrigues (2001), não há consenso na classificação das conjunções subordinativas comparativas, nem entre gramáticos tradicionais, nem entre os linguistas. Durante sua pesquisa, a autora encontrou outros itens conjuncionais diferentes daqueles normalmente prescritos pelas gramáticas normativas, dentre eles, o objeto de estudo deste trabalho - feito. Deste modo, tanto Barreto (1999) quanto Rodrigues (2001) auxiliam na confirmação da hipótese antes esboçada. A teoria funcionalista que subsidiou este estudo parte do pressuposto de que a linguagem é uma atividade sociocultural e que as gramáticas são emergentes, isto é, estão em constante transformação (cf. Givón: 1995). Levando-se em conta a premissa funcionalista de que a gramática toma forma a partir dos usos que os usuários fazem da língua em situações comunicativas reais, pôde-se entender melhor o comportamento de feito como conjunção subordinativa comparativa. A fim de preencher determinados vazios comunicativos, o falante utiliza-se de “velhas” estruturas para estabelecer uma nova função em termos de usos linguísticos, implementando a gramaticalização. Entende-se, pois, por gramaticalização o processo pelo qual um item lexical ou uma construção migra de uma categoria para outra, podendo adquirir novo status como item gramatical ou se tornar, ainda, mais gramatical. Em outras palavras, o item lexical passa a assumir posições cada vez mais fixas dentro de uma sentença, perdendo significado no mundo biossocial e ganhando significação dentro da gramática. O estudo de feito evidencia tal migração no âmbito da gramática – ele tinha como “função primária” a de particípio passado do verbo fazer e passa a funcionar como conjunção subordinativa comparativa. Assim, com base na análise qualitativa de 5 (cinco) dados reais de Língua Portuguesa, pode-se reiterar o processo de gramaticalização sofrido pelo item feito – vocábulo que, originalmente, se inclui na classe de palavras dos verbos e que passa a funcionar como conjunção subordinativa comparativa em determinados contextos comunicativos. O uso de feito como conjunção, mesmo que esteja mais circunscrito ao âmbito da modalidade falada, serve para que se chame atenção para o fato de a escola, no ensino de Língua Portuguesa, ater-se somente ao que é prescrito pelas gramáticas tradicionais e não se ocupar em descrever o que é produzido pelos falantes em situações reais de comunicação. Tal metodologia de ensino tem se mostrado insuficiente, sobretudo, se se considera a língua como um instrumento de interação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEREDO, José Carlos de. Iniciação à sintaxe do português. 9. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987. BARRETO, Therezinha Maria Mello. Gramaticalização das conjunções na história do português. Salvador: UFBa, 1999. Tese de Doutorado. 2 Vol. CASSEB-GALVÃO, Vânia Cristina & LIMA-HERNANDES, Maria Célia. Gramaticalização e ensino. In: GONÇALVEZ, Sebastião Carlos Leite et alii (org.). Introdução à gramaticalização. São Paulo: Parábola, 2007. p. 157-195. CUNHA, Celso Ferreira da & CINTRA, Lindley. A Nova Gramática do Português Contemporâneo. 3. ed., Rio de Janeiro: Lexicon, 2007. CUNHA, M. A., OLIVEIRA, M. R. & MARTELOTTA, M. (org.). Linguística funcional – teoria e prática. Rio de Janeiro: DP & A, 2003. GIVÓN, T. On Understanding Grammar. 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