TIPO: UM CONECTIVO COMPARATIVO? THOMPSON, Heloise Vasconcellos Gomes (UFRJ-IC) A língua está em constante mudança, no entanto, esse processo não se reflete no uso cristalizado e que se pode encontrar ao se consultarem os compêndios gramaticais utilizados em sala de aula. Na maioria das vezes, esses apresentam meras prescrições acerca do “correto” uso da língua. Tendo em vista tal constatação, torna-se necessário descrever o real funcionamento da língua; afinal, é o uso que transforma a língua e não a língua o uso. Sendo assim, propõe-se o estudo do comportamento do vocábulo tipo como conjunção subordinativa comparativa com base em dados efetivamente produzidos em Português. Segundo Rodrigues (2001), a classificação do introdutor das orações comparativas não é consensual nem entre gramáticos e nem entre linguistas. Em seu trabalho, a autora encontrou itens diferentes da conjunção comparativa prototípica como. Dentre esses destacam-se igual, quanto, tanto, que nem, assim como, tal e qual como, tanto quanto, tão como, tal qual, feito. No que tange ao tratamento dispensado às conjunções comparativas no âmbito tradicional, percebe-se que há divergências entre os itens por elas enumerados e aqueles que têm sido usados pelos falantes em contextos comunicativos reais. Tomando por base cinco gramáticos normativos — Bechara (1975), Cunha & Cintra (2007), Kury (1987), Luft (2002) e Rocha Lima (2006) —, reforça-se a necessidade de reformulação do quadro de conjunções subordinativas comparativas apresentado pela tradição gramatical, porque esse se mostra incompatível com o uso adotado pelos falantes em situações comunicativas, inclusive da modalidade escrita. Bechara (1975:162) divide a comparação em assimilativa ou quantitativa. No caso da comparação assimilativa, as conjunções listadas são como e qual. Um dos exemplos apresentados pelo autor é: 1. A ignorância, QUAL outro Faetonte, ousa muito e se precipita COMO ele. (Marquês de Maricá) O exemplo de Bechara (1975) ilustra o emprego da conjunção qual correlacionada ao item como para veicular a ideia de comparação, destacandose, sobretudo, pelo fato de caracterizar situações linguísticas mais formais. Cunha & Cintra (2007:588), diferentemente de Bechara (1975), estendem a enumeração desses vocábulos, priorizando seu emprego em textos literários. Assim, um item com o mesmo comportamento de tipo — substantivo que assume valor de conjunção comparativa —, por exemplo, não aparece em sua listagem. Esses autores enumeram as palavras que, do que (depois de mais, menos, maior, menor, melhor, pior), qual (depois de tal), quanto (depois de tanto), como, assim como, bem como, como se, que nem, para ilustrar tal possibilidade. Kury (1987:91) afirma que como é a conjunção comparativa assimilativa típica e que qual, tal, como, assim como e itens semelhantes a esses também podem introduzir uma oração comparativa. Luft (2002:154), por sua vez, considera conjunção comparativa assimilativa apenas como. Rocha Lima (2006:279) chama de orações comparativas assimilativas aquelas cuja apresentação se faz com a conjunção ‘como’, equivalente a ‘do mesmo modo que’. A possibilidade de em Português tipo poder ligar uma oração subordinada adverbial comparativa à oração principal intensifica a necessidade de se rever o quadro de conjunções comparativas das cinco gramáticas antes comentadas. Sendo assim, tenta-se implementar uma descrição que seja mais compatível com usos linguísticos contextualmente situados. Para tanto, recorre-se ao aporte teórico do Funcionalismo, segundo o qual a gramática de uma língua é resultado da regularização de estratégias recorrentes e utilizadas pelos falantes na interação comunicativa. Em outras palavras, tal teoria sustenta que a gramática toma forma a partir do uso que se faz dela. A fim de comprovar a hipótese de que tipo muda de categoria passando de substantivo à conjunção subordinativa comparativa, adota-se o conceito de gramaticalização — um dos princípios teóricos do Funcionalismo. Levando-se em conta a gramaticalização, os usuários podem utilizar meios já existentes em uma determinada língua para desempenhar novas funções. Nesse sentido, acredita-se que esse processo envolva mudança, já que o uso linguístico tende a se modificar, segundo um percurso que vai do discurso para a gramática e/ou da gramática para o discurso. Entende-se, pois, por gramaticalização o processo pelo qual um item ou uma construção migra de uma categoria gramatical para outra, podendo adquirir novo status gramatical ou se tornar ainda mais gramatical. Sendo assim, pode-se defender a tese de que tipo, incluído na categoria primária de substantivo, tenha sofrido um processo de gramaticalização e se tornado mais gramatical, passando a desempenhar uma nova função — a de conjunção subordinativa comparativa. Para o Funcionalismo, a palavra função possui significado um pouco diferente daquele que se costuma utilizar na maioria dos estudos linguísticos. De acordo com essa teoria, o conceito de função está diretamente relacionado à finalidade com que uma entidade linguística é utilizada na língua e o papel que ela exerce na interação. Desta forma, ao se dizer que tipo sofreu um processo de gramaticalização e passou a desempenhar uma nova função, significa afirmar que tal item adquiriu um novo papel dentro do contexto comunicativo. Barreto (1999), à luz do conceito de gramaticalização, descreve a evolução de 136 (cento e trinta e seis) itens conjuncionais do Latim ao Português. A autora afirma que (quase) todas as conjunções portuguesas são oriundas da reinterpretação de outras classes gramaticais, ocorrida, ainda no latim ou já na própria língua portuguesa. Com base na assertiva de Barreto (1999:22), portanto, pode-se atestar que a gramaticalização é um processo contínuo na história e na estruturação dos itens conjuncionais em Português. Mesmo não tendo encontrado em seu corpus ocorrências de tipo, a autora menciona em seu estudo o uso deste item como conjunção subordinativa comparativa. A esses processos formadores, pode-se ainda acrescentar o emprego de uma forma verbal ou de um substantivo isolados como conjunção: feito, tipo (conjunções comparativas). Esses dois últimos itens conjuncionais, entretanto, não ocorreram no corpus. (Barreto, 1999:488) Gonçalves et alii (2007) assinalam, também, apoiando-se no processo de gramaticalização, a possibilidade de novos itens passarem a exercer o papel de conjunção. Por isso, segundo eles, a formação de novas palavras dessa classe tem se mostrado um campo de estudo bastante profícuo. Justifica-se isso pelo fato de constituírem uma categoria que sofreu alterações ao longo da história de várias línguas. Mateus et alii (2003:732), embora não sejam funcionalistas, em nota de pé-de-página, constatam que há expressões linguísticas que estabelecem comparação, mas não são incluíveis nas construções comparativas canônicas, citando como exemplo a seguinte estrutura: 2. Ele é [IGUAL ao pai.] Observe-se que o exemplo 2 utilizando igual apresenta comportamento similar ao dos casos em que tipo ocorreu. Aqui houve a gramaticalização de um adjetivo que adquiriu o comportamento de conjunção subordinativa comparativa. Para melhor compreender a semelhança entre o(s) uso(s) de igual e tipo, seguem-se possíveis reescrituras do período de Mateus et alii (2003:732): 2’. Ele é [TIPO o pai.] 2’’. Ele é [COMO o pai]. Como se vê, as reescrituras antes mostradas permitem a alocação de igual e tipo entre as conjunções subordinativas comparativas da Língua Portuguesa, ratificando a hipótese deste trabalho. Assim, focaliza-se, neste estudo, a descrição do(s) uso(s) de tipo que, em construções como a seguinte, assume o valor de conjunção subordinativa comparativa e, portanto, liga a oração subordinada adverbial comparativa à oração principal: 3. Após repassado com caneta nanquim preta, pinte-o por trás com canetinha e lápis pastel é um lápis [TIPO lápis de cera,] mas o nome é pastel e custa mas caro que o de cera. (Informante 28, 14 anos, relato de procedimento, modalidade escrita) No exemplo 3, tipo conecta duas orações que fazem parte de um período composto por subordinação. O item aparece encabeçando o segundo membro da comparação (TIPO lápis de cera (é)), em que há elipse verbal e que se encontra posposto à oração principal. As características explicitadas para descrever a estrutura em análise são as mesmas utilizadas para analisar as orações subordinadas adverbiais comparativas canônicas. Desta maneira, é possível reescrever a construção da seguinte forma: 3’. Após repassado com caneta nanquim preta, pinte-o por trás com canetinha e lápis pastel é um lápis [COMO lápis de cera], mas o nome é pastel e custa mas caro que o de cera. A ocorrência de tipo destacada no exemplo 3 confirma umas das motivações para que se empreendesse esse estudo, isto é, a de que essa forma seja recorrente no uso cotidiano dos jovens adolescentes em centros urbanos (cf. Casseb-Galvão e Lima-Hernades, 2007:166). Note-se que, ao final da transcrição do exemplo 3, indicam-se faixa etária do informante, gênero textual utilizado por ele e a modalidade linguística em que o texto foi produzido. Percebe-se, ainda, com essa indicação, um aspecto que contraria a expectativa de esse uso caracterizar, sobretudo, a modalidade falada da língua, porque, conforme se observou, integra um corpus de língua escrita. Assim, confirma-se, mais uma vez, que tipo se enquadra no processo de gramaticalização e já é estratégia usada por falantes da língua, inclusive na escrita, modalidade que “consagra” ou “fixa” usos considerados padrão. Nesse momento, um questionamento se impõe: já que há dados que demonstram a existência de tipo introduzindo orações subordinadas adverbiais comparativas até na escrita, por que, então, não inseri-lo no âmbito das conjunções subordinativas comparativas do Português? Ainda com base em análise de exemplos como esse, pode-se defender o postulado de que tipo se tornou mais gramatical, ou seja, gramaticalizou-se, porque, nesse caso, não detém mais a função de substantivo, enfraquecendose, pois, sua categorização como nome. Em outras palavras, tipo adquire posição mais fixa na sentença — uma das propriedades das conjunções —, perdendo, assim, seu caráter representacional para o mundo biossocial — uma das propriedades da classe dos substantivos. Outro argumento que se pode acrescentar aos já elucidados e que também ajuda a reforçar a defesa do processo de gramaticalização relacionado ao item tipo é o fato de este, ao introduzir orações subordinadas adverbiais comparativas, não admitir flexão. Observe: 4. ele passa pra frente do altar... e se/ e::... se coloca ( ) no lugar da cátedra... cátedra é [TIPO um trono de um rei...] (Informante 10, descrição, modalidade oral) No exemplo 4, tipo introduz uma oração comparativa e se comporta como conjunção (TIPO um trono de um rei), não mais como nome; aparece no início da oração, tendo, portanto, posição mais fixa na sentença; não apresenta mobilidade (*um trono de um rei TIPO); permite leitura comparativa e introduz uma oração que admite a elipse verbal (cátedra é TIPO um trono de um rei (é)). Todavia, é inviável flexioná-lo quanto ao número, visto que perdeu seu status de substantivo, solidificou-se. Desta maneira, a estrutura seguinte é agramatical: 4’ * ele passa pra frente do altar... e se/ e::... se coloca ( ) no lugar da cátedra... cátedra é [TIPOS um trono de um rei...] O mesmo raciocínio se aplica ao grau diminutivo ou aumentativo. Quando tipo desempenha o papel de conjunção comparativa, a derivação de grau torna a estrutura agramatical. Observe o exemplo 5, que se segue, em contraste com o outro a ele relacionado - exemplo 5’, com aplicação do grau diminutivo: 5. você bota o... esmalte incolor nas pétalas das flores e joga o glíter por cima... mas é bem simples... aí por trás você coloca uma folha de/ eh... fina... [TIPO de papel de pipa...] (Informante 28, 14 anos, relato de procedimento, modalidade oral) 5’ * você bota o... esmalte incolor nas pétalas das flores e joga o glíter por cima... mas é bem simples... aí por trás você coloca uma folha de/ eh... fina... [TIPINHO de papel de pipa...] O comentário a respeito do exemplo 5 sustenta-se baseado nas orientações de Camara Jr. (1985:83) que, ao criticar a inserção do grau no âmbito da flexão nominal pela gramática normativa, postula que Na realidade, o que se tem com os superlativos é uma derivação possível em muitos adjetivos, como para os substantivos há a possibilidade dos diminutivos e para alguns (não muitos) a dos aumentativos. Anote-se a propósito que o conceito semântico de grau abrange tanto os superlativos como os aumentativos e os diminutivos. (Camara Jr., 1985:83) A defesa do grau como um processo derivacional e não flexional pelo autor torna-se mais enfática ainda no excerto transcrito a seguir: A expressão de grau não é um processo flexional em português, porque não é um mecanismo obrigatório e coerente, e não estabelece paradigmas exaustivos e de termos exclusivos entre si. A sua inclusão na flexão nominal decorreu da transposição pouco inteligente de um aspecto da gramática latina para a nossa gramática. (Camara Jr., 1985:83) As considerações apontadas até aqui, com base nos preceitos funcionalistas, partiram do pressuposto de que o item tipo, em princípio, um substantivo (palavra lexical plena), sofreu um processo de gramaticalização e, em decorrência disso, passou, também, a se comportar como conjunção comparativa (palavra gramatical). Assim, devido a pressões de uso, tipo, item que antes exercia prioritariamente o papel de substantivo, adquiriu um novo status gramatical — o de conjunção. A descrição desse(s) uso(s) de tipo possibilita retomar o entendimento de gramaticalização como um processo de mudança que parte do léxico para a gramática. Assinale-se, contudo, que léxico e gramática não são categorias discretas, há um continuum — substantivos, verbos plenos, morfemas lexicais e adjetivos, por exemplo, pertencem ao léxico; preposições, conjunções, morfemas gramaticais, artigo, verbo auxiliar, verbo de ligação, por sua vez, pertencem à gramática. Pronomes e advérbios não foram incluídos nem no léxico e nem na gramática, porque ora preenchem os quesitos de uma, ora o de outra dessas categorias, evidenciando a noção de continuum. Esta noção é influenciada pelo contexto linguístico que, muitas vezes, contribui para a atribuição de significado às formas. Preposição e conjunção são exemplos de formas em que o contexto confere significado ao uso. Alguns dos exemplos analisados foram copiados das gramáticas tradicionais consultadas e outros, constituem dados que integram uma amostra representativa de usos linguísticos efetivos tanto na modalidade escrita quanto na falada. Tal opção metodológica justifica-se à medida que a pesquisa desenvolvida até o momento insere-se na perspectiva funcionalista, conforme já foi assinalado. As orações comparativas iniciadas por tipo foram coletadas de três diferentes corpora: o corpus D&G, disponível pelo site http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/; o corpus do Projeto VARPORT, disponível pelo site www.letras.ufrj.br/varport, e o corpus constituído por jornais e boletins da ADUFRJ-SSind, disponível em CD-ROM. O corpus do Projeto VARPORT constitui-se de 1384 (um mil trezentos e oitenta quatro) textos retirados tanto do Português Brasileiro quanto do Português Europeu, considerando as modalidades linguísticas — fala e escrita —, a divisão por séculos — XIX e XX — e a distribuição por gêneros textuais — anúncios, editoriais, notícias e entrevistas. O corpus D&G engloba depoimentos de 131 (cento e trinta e um) informantes de 5 (cinco) diferentes cidades — Juiz de Fora, Rio Grande, Natal, Niterói e Rio de Janeiro — e se compõe de variados tipos e gêneros de texto: narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada, descrição de local, relato de procedimento e relato de opinião. No que tange aos informantes especificamente, ressalte-se que, após produzirem seus textos oralmente, o fazem, também, por escrito. O corpus formado por jornais e boletins da ADUFRJ-SSind — Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro — Seção Sindical — contém textos escritos de diferentes tipos e gêneros, produzidos de 26 de abril de 1979, data de criação da ADUFRJ, a julho de 2001. Nesse caso, a contagem ocorreu por número de exemplares — 554 (quinhentos e cinquenta e quatro) jornais e boletins, tendo, em média, 8 (oito) páginas cada um — e não por número de textos, tendo em vista a disparidade e irregularidade no que concerne ao quantitativo de textos por eles publicados. Após a análise dos textos que constituem os corpora, foram encontrados 13 (treze) casos de orações subordinadas adverbiais comparativas introduzidas pelo item tipo. O gráfico 1, a seguir, permite mostrar a distribuição dos dados encontrados em cada corpus tendo em vista a modalidade linguística a que pertencem: 7 6 5 4 ORALIDADE 3 ESCRITA 2 1 0 VARPORT D&G ADUFRJ Gráfico 1: Distribuição dos corpora pelas modalidades linguísticas Apesar do número exíguo de dados coletados até o momento, uma descrição do fenômeno da mudança de função de tipo justifica-se, principalmente, se se leva em conta a perspectiva funcionalista, que prioriza a língua em uso. Assim, embora haja uma limitação quanto ao número de dados, isso não constitui um empecilho para a feitura de um estudo de cunho qualitativo baseado nos preceitos funcionalistas e, muito menos, para a constatação de seus efeitos de uso na estrutura da língua. Sendo assim, os aspectos que nortearam a análise dos dados dos corpora precisam ser explicitados. Os casos de tipo analisados ocorrem em períodos compostos por subordinação e apresentam características de conjunção subordinativa com conteúdo semântico de comparação, em conformidade com as diretrizes veiculadas pela prescrição gramatical. Além de as estruturas comparativas introduzidas por tipo inserirem-se tanto na modalidade escrita quanto na modalidade oral da língua, separaramse os textos em que elas ocorreram, à luz da teoria dos gêneros, em matéria, aula, entrevista, conferência, editorial, diálogo, notícia, anúncios etc. As orações começadas por tipo, assim como aquelas iniciadas por como, podem ter seu verbo expresso ou elíptico, o que levou a distingui-las em oracionais ou elípticas. São oracionais as construções que apresentam núcleo verbal explícito e elípticas aquelas que têm seu núcleo verbal implícito, ou seja, que pode ser retomado por meio de inferência. A forma da comparativa foi outro quesito verificado. Sendo assim, há orações desenvolvidas e reduzidas; estas, por sua vez, dividem-se em reduzidas de infinitivo, particípio e gerúndio. Há que se mencionar, ainda, a possibilidade de as comparativas envolverem elipse do verbo. Em geral, as chamadas subordinadas adverbiais podem assumir posição anteposta, quando vem antes da oração principal, ou posição posposta, quando vem depois da oração principal. As conjunções subordinativas, de certo modo, contribuem para a maior ou menor fixidez da comparativa. Além dos argumentos até aqui explicitados para a inclusão de tipo no rol das conjunções subordinativas comparativas, cabe esclarecer o emprego do vocábulo conectivo ao invés de conjunção no título deste trabalho. Dubois (1973:139), em seu dicionário, define conectivo como nome genérico que estabelece conexão: pronomes, advérbios relativos, conjunções coordenativas e subordinativas, preposições. Considerando-se a abrangência do que seja conectivo e a especificidade do conceito de conjunção — palavra invariável que liga duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração —, optou-se por utilizar o vocábulo conectivo no título, tendo em vista que tipo é um nome (substantivo) que pode estabelecer ligação, isto é, funcionar como conectivo. Cunha & Cintra (2007:579) confirmam esse uso mais restrito das conjunções ao defini-las como vocábulos gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração (...) que iniciam uma oração que encerra o segundo membro de uma comparação, de um confronto. (...). São conjunções comparativas que, do que (depois de mais, menos, maior, menor, melhor, pior), qual (depois de tal), quanto (depois de tanto), como assim, como, bem como, como se, que nem. (Cunha & Cintra, 2007:579) Assim, ao discriminar nomes que podem estabelecer articulação, Dubois (1973) possibilita a inserção de outras classes — a dos substantivos, por exemplo. Logo, pode-se considerar tipo um conectivo, quando introduzindo orações subordinadas adverbiais comparativas, já que conjunção subordinativa é uma das formas de se estabelecer conexão, conforme indica a assertiva do desse autor. Com base na proposta funcionalista, o foco deste estudo — o item tipo — insere-se no processo de gramaticalização, ou seja, “migração” em função da força de uso. Migração esta que pode se dar em sentido stricto ou lato sensu. O primeiro caso ocorre quando um determinado item “migra” do léxico para a gramática e o segundo, quando um item, já gramatical, muda de função dentro da própria gramática. Segundo afirma Martelotta (1996), a gramaticalização é um processo de mudança unidirecional, segundo o qual elementos lexicais e construções passam a desempenhar funções gramaticais, tendendo, com a continuidade do processo, a assumir novas funções gramaticais. Com a gramaticalização, o elemento tende a se tornar mais regular e previsível em termos de uso, pois perde a liberdade sintática característica dos itens lexicais, quando “penetra” na estrutura tipicamente restritiva da gramática. (Martelotta,1996:192) Por meio desta pesquisa, fundamentada na teoria funcionalista, que estuda a relação existente entre a estrutura gramatical das línguas e os contextos comunicativos de seu uso, partindo do pressuposto de que a linguagem é uma atividade sociocultural e que as gramáticas são emergentes, ou seja, estão em constante transformação (cf. Givón:1995), investigou(aram)se o(s) uso(s) de tipo. A descrição desse(s) uso(s) já indicia e/ou indica que tipo tem sido usado não só por falantes do português popular, mas também por falantes do português culto, tanto na modalidade falada quanto na modalidade escrita. Em decorrência dessa constatação, não se pode acatar a ideia de que seja um caso de “desvio aos padrões”; trata-se, na verdade, de mais uma renovação da própria língua por meio do(s) uso(s) que os falantes/usuários fazem dela. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO, Therezinha Maria Mello. Gramaticalização das conjunções na história do português. Salvador: UFBa, 1999. Tese de Doutorado. 2 vol. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 19. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1985. CASSEB-GALVÃO, Vânia Cristina & LIMA-HERNANDES, Maria Célia. Gramaticalização e ensino. In: GONÇALVES, Sebastião Carlos Leite et alii (org.). Introdução à gramaticalização. 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CURRÍCULO Heloise Vasconcellos Gomes Thompson Aluna do sexto período do curso de graduação em Letras-Português/Inglês, auxiliar de pesquisa no projeto Usos(s) de conjunções e combinação hipotática de cláusulas, sem bolsa, sob a orientação da professora doutora Violeta Virginia Rodrigues, desde o primeiro semestre de 2008. ENDEREÇO ELETRÔNICO: [email protected]