Fotão, a partícula luminosa - Sociedade Portuguesa de Física

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artigo geral
VOL.
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n. 1 / 2
Fotão, a partícula luminosa
José Tito Mendonça
Aqui vos quero falar do fotão, a partícula da luz,
e das suas inusitadas propriedades. O fotão pertence à classe dos bosões, ou seja, das partículas
que carregam um campo. Neste caso, é o campo
electromagnético. Ele possui interessantes propriedades, que iremos revelar, como sejam, a transversalidade, a polarização, a ausência de massa e de
carga eléctrica, a rapidez, e por último, a vorticidade. Ele traz-nos informação de todo o universo,
desde o Sol e a Lua até às galáxias distantes. Ele
também nos permite criar feixes de luz chamados
lasers, ligar o tempo com o espaço, e de caminho,
estudar a estrutura das células. O fotão é como uma
janela aberta para o mundo.
1. Um fotão é um bosão
No meu tempo de liceu, tinha um colega muito bonzão, que se chamava Julião. Uma vez perguntei-lhe:
“És Bonzão, oh Julião?”. Ele não gostou da piada,
e passou a evitar-me. Eu então virei-me para a Fatinha, que era muito Boazinha. Isto para dizer que, tal
como as pessoas, as partículas também podem ter
dois nomes. O fotão é pois um bosão e eu explico.
O fotão transporta o campo electromagnético, que
está na origem da luz. A luz é um campo que se
propaga e essa propagação é veiculada pelos fotões. Os fotões são o campo em acção. Ou dizendo
de outro modo, o campo é um exército e os fotões
os seus soldados.
Ora existem outros campos físicos, os campos nucleares (forte e fraco) e o campo gravítico. Cada tipo
de campo tem os seus soldados. Os bosões são os
transportadores do campo e, deste modo, estabelecem a relação entre as partículas materiais. As
partículas com massa (como o electrão, o protão ou
o neutrão) são fermiões. Aliás, o protão e o neutrão
não são partículas elementares, pois são compostas
Fig. 1 - O Fotão é transversal, o Homem também.
de quarks, que são eles próprios também fermiões. Os fermiões têm spin semi-inteiro, enquanto que os bosões têm
spin inteiro. Mas não me perguntem agora o que é o spin.
Usando uma analogia feliz, o mundo é uma casa, onde os
tijolos são fermiões e os bosões a argamassa que os une.
Essa argamassa é feita de uma mistura de três campos (ou
cimentos) que são o electromagnético, os nucleares e o gravítico. Cada campo tem os seus próprios bosões. Todos já
foram identificados através de experiências, excepto o gravitão, que é o bosão do campo gravítico e cuja existência é
apenas teórica. Assim, podemos dizer, sem forçar muito
a analogia, que os fotões fazem parte da argamassa que
aglutina o mundo e lhe dá a forma.
2. A transversalidade
O que eu mais aprecio nas pessoas é a sua verticalidade. Não gosto nada de nhé-nhé-nhés, tá-tá-tás, gosto de
Para os físicos e amigos da física.
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conversas limpas e atitudes claras. Já no fotão, o que eu
mais aprecio é a sua transversalidade. Parece diferente, mas
é quase o mesmo. As pessoas deslocam-se na horizontal,
e o seu corpo está situado na vertical. Ou seja, as pessoas
movimentam-se de forma transversal. Nisso distinguem-se
(infelizmente, não todas) dos vermes, cujo corpo se orienta
no sentido da marcha, ou seja, na horizontal. Há também
boa gente que tem feito carreira na horizontal, mas isso tem
outra conotação e outro picante.
Mas voltemos ao fotão. Ele é como as pessoas, move-se numa direcção (digamos, na horizontal) e o seu campo
eléctrico aponta numa direcção transversal ao movimento (digamos, na vertical). Assim, por muito estranho que
pareça, os fotões movem-se como os homens, com o seu
campo (ou o seu corpo) orientado numa direcção transversal ao movimento.
As coisas não são, no entanto, tão simples. Quando o
fotão se propaga em certos meios materiais, o seu campo
eléctrico pode inclinar-se, tal como um velhinho cuja penosa
marcha o obriga a inclinar-se para a frente. Ou uma pessoa
saudável a subir uma encosta. De facto é quase o mesmo,
o velhinho sobe a encosta do tempo. E, se o meio material
contiver cargas eléctricas livres, aparece mesmo uma outra
espécie de fotões, chamados plasmões, que rastejam como
um verme. Ou seja, têm o campo eléctrico na direcção de
propagação.
3. A polarização
A paixão é uma polarização. Nós estamos vidrados numa
pessoa, ou em qualquer assunto, e não pensamos noutra
coisa. “Eu só penso nela!” Mas “ela” tanto quer dizer uma
mocinha como a teoria da gravitação quântica. Há paixões
para todos os gostos. Ou seja, a paixão polariza, orienta o
pensamento numa direcção bem definida, de forma obsessiva. De modo que não podemos desviar o pensamento
noutra direcção.
O mesmo acontece com o fotão. Apesar de não ser emotivo, o fotão tem características próprias que orientam o
seu campo eléctrico numa direcção bem definida. Essa é
uma característica de cada fotão, a sua polarização não se
modifica.
Já tínhamos visto que o campo eléctrico era transversal,
mas o plano transversal tem duas direcções ortogonais
(digamos os eixos Ox e Oy). De maneira que certos fotões
preferem orientar-se na direcção Ox e outro na direcção Oy.
Numa experiência que ficou célebre, os físicos franceses
Fresnel e Arago demonstraram no início do século XIX que
dois feixes luminosos com polarizações ortogonais (ou seja,
um na direcção Ox, e o outro na direcção Oy) nunca interferem entre si. As suas paixões diferem.
4. A massa e a carga
Numa fria noite de inverno sabe bem aconchegar a pança.
Comer um cozido à portuguesa, acompanhado de vinho
tinto, seguido de uma alegre fatia de toucinho do céu, para
acabar com um cálice de licor ou uma aguardente. Com
isto, o nosso corpo tende a aumentar a massa e ficamos
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Para os físicos e amigos da física.
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Fig. 2 - Fotão torcido: o campo eléctrico tem uma forma helicoidal (imagem cortesia de Jorge Vieira, IPFN/IST ).
mais pesados. A massa mede a nossa capacidade para nos deslocarmos, quando nos queremos
levantar da cama, ou do sofá, ou quando somos
empurrados.
Já a carga eléctrica pode ser associada à nossa
capacidade de interagir com os outros. Com o
vinho e o licor, tendemos a ficar mais comunicativos,
ou mesmo mais conflituosos. Por vezes dá-se o
contrário, e a seguir ao jantar caímos na modorra.
De qualquer modo, embora o nosso corpo seja
electricamente neutro e em geral não possua carga,
o nosso carácter tem essa irritante propriedade
de implicar (ou não) com os outros, que se parece
muito com uma carga eléctrica. Por isso se diz às
vezes: “Parece que estás eléctrico!”
Contrariamente ao indivíduo, o fotão tem massa
nula e também carga eléctrica nula. Faz lembrar o
caso limite de um Inglês, muito fleumático e muito
magrinho. Se ele pudesse ficar fleumático e magrinho até ao infinito, ficaria como o fotão. Ou seja,
infinitamente leve e infinitamente fleumático. Por
serem tão leves, os fotões podem viajar à velocidade máxima possível, que é a velocidade da luz no
vazio, c, cerca de 300 mil quilómetros por segundo.
Por não terem carga eléctrica eles não se atraem
nem repelem e podem cruzar-se no vazio sem se
desviar da trajectória.
5. A velocidade
O que dizer dos gémeos. O seu paradoxo foi terem
nascido iguais e (quase) ao mesmo tempo. E, apesar disso, poderem seguir vidas e carreiras muito
distintas. Quando eu andava a estudar no Técnico,
encontrei um colega no meio da rua. Cumprimentei-o cordialmente e, ao contrário do que esperava,
ele olhou para mim com um olhar ausente e não me
retribuiu o cumprimento. Vim mais tarde a saber que
era um irmão gémeo do primeiro, que andava em
Medicina.
Mas a invariância da velocidade da luz impôs aos
gémeos um outro género de paradoxo, um paradoxo relativístico. Segunda a Teoria da Relatividade, a
velocidade da luz no vazio é igual em todos os sis-
temas de referência não acelerados (os chamados
referenciais de inércia). Essa é também a velocidade
máxima possível. Assim, se nós estivermos parados numa estação a ver passar um comboio, e se
alguém de dentro de uma carruagem nos fizer um
sinal luminoso com uma lanterna, quando o comboio se aproxima, a velocidade com que nos chega
a luz não é igual à soma da velocidade da luz com a
velocidade do comboio. Isto porque, de acordo com
a lei relativista da soma das velocidades, somar a
velocidade da luz com outra velocidade dá sempre a
velocidade da luz. É como somar um número infinito
com outro finito, dá sempre infinito.
Esta propriedade magnífica significa que nós nunca
poderemos andar mais depressa do que a luz, ou
seja, nunca poderemos ultrapassá-la. Pior do que
isso, dado que temos uma massa finita e o fotão não
tem nenhuma, nunca poderemos sequer atingi-la.
José Tito Mendonça é profes-
sor catedrático aposentado do Instituto
Superior Técnico e antigo presidente
do Departamento de Física, do Centro
de Física de Plasmas e do Centro de
Fusão Nuclear deste Instituto. É também
professor convidado da Universidade de
São Paulo, no Brasil, e da Universidade
de Strathclyde, em Glasgow, Reino Unido. Tem
um doutoramento de estado pela Universidade de Paris-Sud
Orsay e foi conselheiro científico do director do projecto Europeu JET, em Oxford. Foi ainda responsável pela introdução
de duas novas áreas de investigação em Portugal, a Fusão
Nuclear e os Lasers Intensos. É actualmente responsável
pela investigação em átomos frios e plasmas quânticos no
Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear.
Mas há uma outra consequência ainda mais drástica dessa lei relativista, que é a mudança do ritmo
do tempo. Quando comparamos um relógio parado
com outro que se está a mover, verificamos que o
tempo no relógio parado passa mais depressa. É
como se andar fizesse bem à saúde, pois o tempo passa mais devagar para quem se desloca.
Isso parece um paradoxo, pois cada relógio está a
andar em relação ao outro, basta trocar o sistema
de referência a que chamamos fixo para inverter a
situação.
Assim, o paradoxo dos gémeos pode ser posto nos
seguintes termos. Se um gémeo ficar na Terra, e o
outro embarcar numa nave espacial que se afasta a
grande velocidade da Terra, o que viajou vai chegar
mais novo.
Mas o paradoxo é só aparente, pois a situação não
é completamente simétrica: o gémeo que viajou tem
que inverter a marcha, a certa altura, se quiser regressar. Enquanto que o outro ficou na sua, ou seja,
na nossa (Terra). Assim, a invariância da velocidade
da luz tramou os gémeos.
6. A vorticidade
Num carrossel ou numa dança, percebemos bem
o que é a vorticidade. É essa propriedade que nos
faz rodar no espaço, em torno de um eixo (caso do
carrossel) ou de uma pessoa (caso da valsa).
Até há poucos anos, pensava-se que os fotões não
gostavam de rodar sobre si próprios, não apreciavam valsas nem carrosséis. Eram umas partículas
bem empertigadas, que não torciam a espinha. Hoje
sabe-se porém que os fotões se podem enroscar
em torno do seu eixo, como um rabinho de porco.
Chamam-se a esses fotões que se enroscam, os
fotões torcidos. Esta é uma área nova do estudo da
luz, que ainda tem muito para dar.
Por opção pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo
Ortográfico.
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