75 artigo geral VOL. 39 - n. 1 / 2 Fotão, a partícula luminosa José Tito Mendonça Aqui vos quero falar do fotão, a partícula da luz, e das suas inusitadas propriedades. O fotão pertence à classe dos bosões, ou seja, das partículas que carregam um campo. Neste caso, é o campo electromagnético. Ele possui interessantes propriedades, que iremos revelar, como sejam, a transversalidade, a polarização, a ausência de massa e de carga eléctrica, a rapidez, e por último, a vorticidade. Ele traz-nos informação de todo o universo, desde o Sol e a Lua até às galáxias distantes. Ele também nos permite criar feixes de luz chamados lasers, ligar o tempo com o espaço, e de caminho, estudar a estrutura das células. O fotão é como uma janela aberta para o mundo. 1. Um fotão é um bosão No meu tempo de liceu, tinha um colega muito bonzão, que se chamava Julião. Uma vez perguntei-lhe: “És Bonzão, oh Julião?”. Ele não gostou da piada, e passou a evitar-me. Eu então virei-me para a Fatinha, que era muito Boazinha. Isto para dizer que, tal como as pessoas, as partículas também podem ter dois nomes. O fotão é pois um bosão e eu explico. O fotão transporta o campo electromagnético, que está na origem da luz. A luz é um campo que se propaga e essa propagação é veiculada pelos fotões. Os fotões são o campo em acção. Ou dizendo de outro modo, o campo é um exército e os fotões os seus soldados. Ora existem outros campos físicos, os campos nucleares (forte e fraco) e o campo gravítico. Cada tipo de campo tem os seus soldados. Os bosões são os transportadores do campo e, deste modo, estabelecem a relação entre as partículas materiais. As partículas com massa (como o electrão, o protão ou o neutrão) são fermiões. Aliás, o protão e o neutrão não são partículas elementares, pois são compostas Fig. 1 - O Fotão é transversal, o Homem também. de quarks, que são eles próprios também fermiões. Os fermiões têm spin semi-inteiro, enquanto que os bosões têm spin inteiro. Mas não me perguntem agora o que é o spin. Usando uma analogia feliz, o mundo é uma casa, onde os tijolos são fermiões e os bosões a argamassa que os une. Essa argamassa é feita de uma mistura de três campos (ou cimentos) que são o electromagnético, os nucleares e o gravítico. Cada campo tem os seus próprios bosões. Todos já foram identificados através de experiências, excepto o gravitão, que é o bosão do campo gravítico e cuja existência é apenas teórica. Assim, podemos dizer, sem forçar muito a analogia, que os fotões fazem parte da argamassa que aglutina o mundo e lhe dá a forma. 2. A transversalidade O que eu mais aprecio nas pessoas é a sua verticalidade. Não gosto nada de nhé-nhé-nhés, tá-tá-tás, gosto de Para os físicos e amigos da física. w w w . g a z e t a d E f i s i c a . s p f. p t conversas limpas e atitudes claras. Já no fotão, o que eu mais aprecio é a sua transversalidade. Parece diferente, mas é quase o mesmo. As pessoas deslocam-se na horizontal, e o seu corpo está situado na vertical. Ou seja, as pessoas movimentam-se de forma transversal. Nisso distinguem-se (infelizmente, não todas) dos vermes, cujo corpo se orienta no sentido da marcha, ou seja, na horizontal. Há também boa gente que tem feito carreira na horizontal, mas isso tem outra conotação e outro picante. Mas voltemos ao fotão. Ele é como as pessoas, move-se numa direcção (digamos, na horizontal) e o seu campo eléctrico aponta numa direcção transversal ao movimento (digamos, na vertical). Assim, por muito estranho que pareça, os fotões movem-se como os homens, com o seu campo (ou o seu corpo) orientado numa direcção transversal ao movimento. As coisas não são, no entanto, tão simples. Quando o fotão se propaga em certos meios materiais, o seu campo eléctrico pode inclinar-se, tal como um velhinho cuja penosa marcha o obriga a inclinar-se para a frente. Ou uma pessoa saudável a subir uma encosta. De facto é quase o mesmo, o velhinho sobe a encosta do tempo. E, se o meio material contiver cargas eléctricas livres, aparece mesmo uma outra espécie de fotões, chamados plasmões, que rastejam como um verme. Ou seja, têm o campo eléctrico na direcção de propagação. 3. A polarização A paixão é uma polarização. Nós estamos vidrados numa pessoa, ou em qualquer assunto, e não pensamos noutra coisa. “Eu só penso nela!” Mas “ela” tanto quer dizer uma mocinha como a teoria da gravitação quântica. Há paixões para todos os gostos. Ou seja, a paixão polariza, orienta o pensamento numa direcção bem definida, de forma obsessiva. De modo que não podemos desviar o pensamento noutra direcção. O mesmo acontece com o fotão. Apesar de não ser emotivo, o fotão tem características próprias que orientam o seu campo eléctrico numa direcção bem definida. Essa é uma característica de cada fotão, a sua polarização não se modifica. Já tínhamos visto que o campo eléctrico era transversal, mas o plano transversal tem duas direcções ortogonais (digamos os eixos Ox e Oy). De maneira que certos fotões preferem orientar-se na direcção Ox e outro na direcção Oy. Numa experiência que ficou célebre, os físicos franceses Fresnel e Arago demonstraram no início do século XIX que dois feixes luminosos com polarizações ortogonais (ou seja, um na direcção Ox, e o outro na direcção Oy) nunca interferem entre si. As suas paixões diferem. 4. A massa e a carga Numa fria noite de inverno sabe bem aconchegar a pança. Comer um cozido à portuguesa, acompanhado de vinho tinto, seguido de uma alegre fatia de toucinho do céu, para acabar com um cálice de licor ou uma aguardente. Com isto, o nosso corpo tende a aumentar a massa e ficamos 76 Para os físicos e amigos da física. w w w . g a z e t a d E f i s i c a . s p f. p t Fig. 2 - Fotão torcido: o campo eléctrico tem uma forma helicoidal (imagem cortesia de Jorge Vieira, IPFN/IST ). mais pesados. A massa mede a nossa capacidade para nos deslocarmos, quando nos queremos levantar da cama, ou do sofá, ou quando somos empurrados. Já a carga eléctrica pode ser associada à nossa capacidade de interagir com os outros. Com o vinho e o licor, tendemos a ficar mais comunicativos, ou mesmo mais conflituosos. Por vezes dá-se o contrário, e a seguir ao jantar caímos na modorra. De qualquer modo, embora o nosso corpo seja electricamente neutro e em geral não possua carga, o nosso carácter tem essa irritante propriedade de implicar (ou não) com os outros, que se parece muito com uma carga eléctrica. Por isso se diz às vezes: “Parece que estás eléctrico!” Contrariamente ao indivíduo, o fotão tem massa nula e também carga eléctrica nula. Faz lembrar o caso limite de um Inglês, muito fleumático e muito magrinho. Se ele pudesse ficar fleumático e magrinho até ao infinito, ficaria como o fotão. Ou seja, infinitamente leve e infinitamente fleumático. Por serem tão leves, os fotões podem viajar à velocidade máxima possível, que é a velocidade da luz no vazio, c, cerca de 300 mil quilómetros por segundo. Por não terem carga eléctrica eles não se atraem nem repelem e podem cruzar-se no vazio sem se desviar da trajectória. 5. A velocidade O que dizer dos gémeos. O seu paradoxo foi terem nascido iguais e (quase) ao mesmo tempo. E, apesar disso, poderem seguir vidas e carreiras muito distintas. Quando eu andava a estudar no Técnico, encontrei um colega no meio da rua. Cumprimentei-o cordialmente e, ao contrário do que esperava, ele olhou para mim com um olhar ausente e não me retribuiu o cumprimento. Vim mais tarde a saber que era um irmão gémeo do primeiro, que andava em Medicina. Mas a invariância da velocidade da luz impôs aos gémeos um outro género de paradoxo, um paradoxo relativístico. Segunda a Teoria da Relatividade, a velocidade da luz no vazio é igual em todos os sis- temas de referência não acelerados (os chamados referenciais de inércia). Essa é também a velocidade máxima possível. Assim, se nós estivermos parados numa estação a ver passar um comboio, e se alguém de dentro de uma carruagem nos fizer um sinal luminoso com uma lanterna, quando o comboio se aproxima, a velocidade com que nos chega a luz não é igual à soma da velocidade da luz com a velocidade do comboio. Isto porque, de acordo com a lei relativista da soma das velocidades, somar a velocidade da luz com outra velocidade dá sempre a velocidade da luz. É como somar um número infinito com outro finito, dá sempre infinito. Esta propriedade magnífica significa que nós nunca poderemos andar mais depressa do que a luz, ou seja, nunca poderemos ultrapassá-la. Pior do que isso, dado que temos uma massa finita e o fotão não tem nenhuma, nunca poderemos sequer atingi-la. José Tito Mendonça é profes- sor catedrático aposentado do Instituto Superior Técnico e antigo presidente do Departamento de Física, do Centro de Física de Plasmas e do Centro de Fusão Nuclear deste Instituto. É também professor convidado da Universidade de São Paulo, no Brasil, e da Universidade de Strathclyde, em Glasgow, Reino Unido. Tem um doutoramento de estado pela Universidade de Paris-Sud Orsay e foi conselheiro científico do director do projecto Europeu JET, em Oxford. Foi ainda responsável pela introdução de duas novas áreas de investigação em Portugal, a Fusão Nuclear e os Lasers Intensos. É actualmente responsável pela investigação em átomos frios e plasmas quânticos no Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear. Mas há uma outra consequência ainda mais drástica dessa lei relativista, que é a mudança do ritmo do tempo. Quando comparamos um relógio parado com outro que se está a mover, verificamos que o tempo no relógio parado passa mais depressa. É como se andar fizesse bem à saúde, pois o tempo passa mais devagar para quem se desloca. Isso parece um paradoxo, pois cada relógio está a andar em relação ao outro, basta trocar o sistema de referência a que chamamos fixo para inverter a situação. Assim, o paradoxo dos gémeos pode ser posto nos seguintes termos. Se um gémeo ficar na Terra, e o outro embarcar numa nave espacial que se afasta a grande velocidade da Terra, o que viajou vai chegar mais novo. Mas o paradoxo é só aparente, pois a situação não é completamente simétrica: o gémeo que viajou tem que inverter a marcha, a certa altura, se quiser regressar. Enquanto que o outro ficou na sua, ou seja, na nossa (Terra). Assim, a invariância da velocidade da luz tramou os gémeos. 6. A vorticidade Num carrossel ou numa dança, percebemos bem o que é a vorticidade. É essa propriedade que nos faz rodar no espaço, em torno de um eixo (caso do carrossel) ou de uma pessoa (caso da valsa). Até há poucos anos, pensava-se que os fotões não gostavam de rodar sobre si próprios, não apreciavam valsas nem carrosséis. Eram umas partículas bem empertigadas, que não torciam a espinha. Hoje sabe-se porém que os fotões se podem enroscar em torno do seu eixo, como um rabinho de porco. Chamam-se a esses fotões que se enroscam, os fotões torcidos. Esta é uma área nova do estudo da luz, que ainda tem muito para dar. Por opção pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico. Para os físicos e amigos da física. w w w . g a z e t a d E f i s i c a . s p f. p t 77