Odontologia na Primeira Infância: Sugestões para a

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REVISÃO DA LITERATURA
Odontologia na Primeira Infância:
Sugestões para a Clínica do Dia-a-dia
Dentistry for Infants: Literature Review and Suggestions for a Day-toDay Practice
Fabiola GALBIATTI*
Carla Maria Melleiro GIMENEZ**
Antônio Bento Alves de MORAES***
GALBIATTI, F.; GIMENEZ, C.M.M.; MORAES, A.B.A. de. Odontologia na primeira infância: sugestões para a clínica do dia-a-dia. J Bras Odontopediatr Odontol Bebê, Curitiba, v.5, n.28, p.512-517, nov./dez. 2002.
Durante o período de 0 a 36 meses de idade, que se refere à primeira infância, observa-se acentuado
crescimento e significativo desenvolvimento, de acordo com os padrões de normalidade. Nesta fase, a
dentadura decídua instala-se e o risco de ocorrência de cáries, de instituição de hábitos deletérios e de
maloclusões é real e presente já nesses primeiros meses de vida, o que justifica a abordagem clínica.
São de fundamental importância, além do atendimento para bebês, a educação e assistência aos pais e
responsáveis para que se desenvolva uma atitude positiva de promoção de saúde e conscientização. O
presente trabalho tem a proposição de discorrer sobre as diretrizes do atendimento direcionado à primeira infância, descrevendo o exame do bebê para diagnóstico, a rotina de procedimentos preventivos
e o aconselhamento e orientação aos pais quanto à higiene bucal, importância do tipo de aleitamento,
qualidade da dieta e postura em relação aos hábitos inadequados.
PALAVRAS-CHAVE: Odontopediatria; Cárie/prevenção e controle; Cuidado do lactente.
*Cirurgiã-dentista do CEPAE – FOP-UNICAMP; Rua Cel. Irineu de Castro, 278/181, Tatuapé – CEP 03333-050, São Paulo, SP;
e-mail [email protected]
** Cirurgiã-dentista do CEPAE – FOP-UNICAMP
A Odontopediatria possui campo de ação dinâmico, que abrange a prevenção, o atendimento propriamente dito e a manutenção da saúde bucal (CAMARGO & BAUSSELS, 1997). A Odontologia para
bebês, visando aos cuidados na primeira infância Atendimento a Pacientes Especiais (CEPAE), pre(crianças de 0 a 36 meses de idade), é um seg- sente na Faculdade de Odontologia de Piracicaba
mento em destaque atualmente, fundamentado – UNICAMP, baseia-se no atendimento aos bebês e
na promoção de saúde bucal e prevenção e tendo conscientização das gestantes e responsáveis em
como meta as condições ideais para o correto de- relação à prevenção e manutenção da saúde, tensenvolvimento de todo o sistema estomatognático do como objetivo a completa assistência durante
os primeiros anos de vida quanto às orientações
da criança.
Pereira, em 1929, enfatizou a necessidade de necessárias para a amamentação, higiene, hábitos
despertar o interesse da família para a saúde da bucais e prevenção da doença cárie. Busca-se uma
criança, ressaltando que os dentes que merecem abordagem divertida, incentivadora e motivadora
os maiores cuidados são os primeiros a erupcionar para os pequenos pacientes fazerem dos bons
na cavidade bucal, cuja limpeza com gaze este- hábitos um costume rotineiro.
Ferreira & Guedes-Pinto, em 1997, relatam
rilizada embebida em solução de bicarbonato de
que a educação dos pacientes é um dos principais
sódio já preconizava.
Walter et al., em 1996, com seu trabalho pio- componentes de filosofia preventiva; donde se
neiro na Clínica de Bebês da Universidade Estadual poderia dizer que prevenção é basicamente edude Londrina, fundamenta-se em orientações às cação, levando os indivíduos a adotarem práticas
gestantes, medidas de higienização e controle de indispensáveis e a assumirem responsabilidade
placa. Do mesmo modo, o Centro de Pesquisa e
***
Professor Doutor/Faculdade de Odontologia de Piracicaba – UNICAMP; Coordenador do CEPAE – Centro de Pesquisa e Atendi
mento a Pacientes Especiais
INTRODUÇÃO
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Odontologia na Primeira Infância: Sugestões para a Clínica do Dia-a-dia
frente à manutenção de sua saúde bucal e a de
seus familiares.
Segundo Wanderley et al., em 1998, o esclarecimento dos pais e do paciente em relação à
manutenção da saúde bucal proporciona melhores
condições para o desenvolvimento da criança, conduzindo-a a uma dentadura permanente saudável
e adequado desenvolvimento.
Tendo em vista a importância dos principais
cuidados e medidas preventivas que devem ser
observados em cada fase do desenvolvimento,
serão apresentadas algumas sugestões para a
clínica do dia-a-dia.
Anamnese, aconselhamento e
conscientização: o primeiro passo para
uma abordagem
bem-sucedida
Os cuidados odontológicos idealmente deveriam preceder a chegada do bebê, ou seja, enquanto a mãe ainda estivesse grávida ou anteriormente
à erupção dentária, visto que a formação dos dentes inicia-se na sexta semana de vida intra-uterina
(TEN CATE, 1988).
Nesta primeira etapa, o Cirurgião-dentista
deve conscientizar os pais a respeito do seu papel
na prevenção e manutenção da saúde bucal do
bebê. O aconselhamento preventivo deve incluir:
1- a responsabilidade dos pais pela higiene
bucal, explicando como e quando realizá-la;
2- a importância da amamentação natural;
3- a influência dos hábitos alimentares;
4- a importância de uma alimentação adequada, rica em nutrientes essenciais e com redução
da sacarose para as gestantes e bebês;
5- esclarecimento sobre o uso do flúor.
Salientando, ainda, que quanto mais cedo
forem adquiridos conhecimentos relacionados aos
hábitos de higiene, normas de conduta e dieta,
menor será o risco da instalação de futuros problemas bucais.
O Cirurgião-dentista deve obter informações
prévias sobre a história da criança em relação aos
hábitos familiares e sua condição social; dados
natais, pré-natais e neonatais; desenvolvimento
e estado de saúde geral e bucal (GOEPFERD &
PINKHAM, 1996).
Os pais devem ser orientados quanto à importância e benefícios da amamentação natural.
Sob o ponto de vista emocional, a amamentação
promove o primeiro contato social do bebê e representa um fator psicológico significativo (GIRON,
1988). Quanto ao aspecto nutricional, até os seis
meses de idade o leite materno é tudo o que o
bebê precisa para estar bem nutrido, sendo rico
em vitaminas e minerais (cálcio, fósforo, zinco,
vitaminas B6, B12, C e D) (CRESPIN, 1979;
AMAURY, 1988). O papel imunológico correlaciona-se à presença de IgA secretória, lisozimas,
prolactina, mucinas, lactoferrinas, ácido siálico,
oligossacarídeos complexos, ácidos graxos poliinsaturados e lactobacilos bífidos que conferem
imunidade ao bebê (CRESPIN, 1979; MARTINS,
1987; AMAURY, 1988; WALTER et al., 1996).
O aspecto funcional é o mais importante para a
Odontologia, pois com o movimento de ordenha
(abaixamento, protrusão, retrusão e levantamento
da mandíbula) realizado durante a amamentação
ocorre desenvolvimento e tonificação dos músculos mastigatórios, ligamentos articulares e ATM,
prevenindo muito precocemente o risco de DTM,
dificuldade de fonação, hipofunção dos músculos,
respiração bucal, maloclusões, deglutição atípica,
patologias do sistema respiratório e hábitos deletérios (QUELUZ & GIMENEZ, 1999). Já com o uso
da mamadeira, ocorre o trabalho de dois grupos
musculares: o orbicular dos lábios e bucinador, ao
invés de trabalho sincronizado de todos os músculos mastigatórios (pterigóideo, masseter, temporal,
supra e infra-hióideo), ocorrendo menor estímulo
ao desenvolvimento e promovendo pressões excessivas sobre a maxila, o que pode levar a atresia
(FALTIN JR, 1994; PASTOR & MONTANA, 1994).
O bico da mamadeira e a área que o circunda
são diferentes do seio materno, não promovendo
vedamento labial adequado. Um fator importante
que deve ser alertado na orientação às mães, caso
seja realizado aleitamento artificial, é o de que o
furo do bico da mamadeira não deve ser aumentado para “facilitar” a mamada, pois aumentando o
volume de leite é diminuído o exercício muscular,
e isso contribui para a instalação da deglutição
atípica, porque para que a criança não se afogue a
língua trabalha como uma válvula, não realizando
os movimentos ondulatórios normais. Outra dica
importante é a preferência pelos bicos e chupetas
ortodônticos, caso forem realmente necessários.
A falta de amamentação natural pode contribuir para a instalação de hábitos de sucção
não-nutritivos, como chupeta e dedo (PAUNIO
et al., 1993). Isto ocorre porque no primeiro ano
de vida a boca é a região mais sensibilizada do
corpo e a sucção é uma resposta natural da própria
espécie, tendo como função básica a alimentação,
visando à ingestão do leite materno. Uma vez possível respeitar a livre demanda, ou seja, a criança
podendo mamar sempre que desejar, não se faz
necessário o uso de outros artifícios substitutos
para a maturação neurofisiológica do sistema
estomatognático (COSTA et al., 1993; DEGANO,
1993). Além do mais, a criança pode utilizar a
chupeta como “válvula de escape”, pois desde
cedo aprendeu a descarregar as suas tensões
fazendo o uso da mesma, criando o hábito.
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Deste modo, é importante explicar aos pais
que, dependendo da freqüência, duração, tipo e
intensidade do hábito, ocorrerão alterações morfológicas e funcionais no desenvolvimento (QUELUZ
& GIMENEZ, 1999) (Figura 1). Se a criança foi
muito bem estimulada, ou seja, mamou no peito
de maneira adequada, o início da retirada do hábito
de sucção não-nutritiva ocorrerá por volta dos 6 a 7
meses, no momento em que se inicia a erupção dos
primeiros dentes. Por volta de no máximo quatro
anos, os autores indicam que é a idade limite para
não haver comprometimento na forma das arcadas
dentárias, pois, na maioria das vezes, o crescimento ósseo se processa de maneira normal e, com
a remoção do hábito, observa-se a autocorreção
da maloclusão (ESTRIPEAUT et al., 1989). Porém,
verificando-se a persistência do hábito, o profissional deve intervir. As medidas superficiais, como
repreensões e mesmo punições, não contribuem,
apenas humilham a criança e agravam ainda mais
o problema. Não menos importante é a função dos
pais em casa, devendo reforçar o que foi dito pelo
profissional, de maneira que “todos falem a mesma
língua”, sendo também importante uma atitude
positiva em resposta às realizações dos filhos. Não
se obtendo sucesso e constatando envolvimento
psicológico acentuado e/ou alterações na fala e
postura da língua, é aconselhável que se recorra a
um trabalho conjunto entre odontopediatra, pais,
psicólogos e fonoaudiólogos.
O próximo passo seria a realização do exame
clínico, que, por motivos didáticos, é dividido em
duas modalidades: exame do bebê edêntulo e
exame do bebê com dentes.
EXAME DO BEBÊ EDÊNTULO
A realização do exame clínico pode ser efetuada na macri (WALTER et al., 1996), na posição
“joelho a joelho” (McDONALD, 1991) ou ainda na
FIGURA 1: Vista frontal de maloclusão classificada como
mordida aberta anterior e mordida cruzada unilateral direita,
instalada por hábitos de sucção não-nutritiva (chupeta).
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cadeira odontológica convencional (WANDERLEY
et al., 1998).
O exame é realizado observando-se a forma
e integridade dos roletes gengivais, a inserção dos
freios labial e lingual, a conformação do palato, as
faces internas das bochechas, o assoalho bucal
e a língua. Lembrando-se que o recém-nascido
apresenta normalmente a mandíbula retruída em
relação à maxila. Alguns desvios da normalidade
podem ser notados ainda na primeira infância,
como agenesias, presença de supranumerários,
nódulos de Bohn, cistos da lâmina dentária, pérolas
de Epstein, dentes natal e neonatal. É importante
também ficar atento à presença de anomalias,
malformações, problemas congênitos e manifestações bucais de desordens sistêmicas, orientando
os responsáveis adequadamente e, se necessário,
encaminhando o paciente para profissionais especializados. Não pode ser negligenciado o registro
sistemático da situação bucal e a monitorização
cuidadosa do desenvolvimento dentário, da oclusão
e da seqüência de erupção (FERREIRA & GUEDESPINTO, 1995).
A higienização deve ser iniciada o mais cedo
possível, de preferência antes da erupção dentária.
É realizada com gaze embebida em água filtrada,
limpando delicadamente o fundo de sulco, a língua
e os roletes gengivais, ao menos duas vezes ao dia,
principalmente antes de dormir. A mãe deve ser
informada que a introdução dos hábitos de higiene
antes da erupção dos primeiros dentes tem a função de condicionar a criança com a higienização e
familiarizá-la com o toque em sua cavidade oral,
além de auxiliar na remoção de restos alimentares
e bactérias, tornando o meio bucal mais adequado
para a chegada dos primeiros dentes (WANDERLEY
et al., 1998).
EXAME DO BEBÊ COM DENTES
O Cirurgião-dentista deve estabelecer um
vínculo com o bebê antes de introduzi-lo no tratamento. No caso de crianças que já apresentam
a dentição decídua praticamente completa, por
volta de dois anos, é importante mostrar-lhes o
ambiente, os equipamentos e os instrumentais
odontológicos, de acordo com o entendimento de
cada paciente, visando a familiarizá-lo e deixá-lo
seguro frente ao desafio do seu primeiro tratamento odontológico.
O exame clínico geralmente é o primeiro contato do bebê com a clínica. Deve ser observada a
seqüência de erupção (Tabela 1), pois os dentes
decíduos são importantes na mastigação, na pronúncia das palavras, no sorriso, no crescimento dos
ossos da face e guardam o espaço adequado para
a erupção dos dentes permanentes. A condição de
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saúde dos dentes, tecidos moles e gengiva, como
também a quantidade de placa e hábitos de dieta,
devem ser anotados para auxiliar na caracterização
do paciente como cárie-ativo ou sem atividade de
cárie. A evidenciação de placa é útil para motivar o
paciente e também para orientar e supervisionar a
técnica de escovação e controle de placa (Figura 2).
O profissional também deve examinar as funções
do sistema estomatognático (sucção, respiração,
deglutição, mastigação e fala), os movimentos
musculares e exercícios funcionais, igualmente
importantes na prevenção da maloclusão.
Para bebês sem atividade de cárie, a seguinte
orientação é sugerida como rotina:
1. Orientação e controle de dieta com solicitação de diário de dieta (Quadro 1).
2. Evidenciação da placa bacteriana: mostrar
para o responsável as áreas coradas, enfatizando
a necessidade de melhor escovação;
3. Treino de higienização e escovação: para a
limpeza das áreas sem dentes, indica-se a higienização com uma compressa de gaze embebida em
água filtrada. Já em dentes anteriores, utiliza-se
sendo nas demais vezes realizada sem dentifrício
ou com dentifrício sem flúor. O dentifrício mais indicado é o que possui menor concentração de flúor
(996 a 1108 ppm de flúor) (CURY, 1989).
Para bebês com atividade de cárie, ou cárie-ativos, são de grande importância também a
orientação da dieta, evidenciação e controle de
placa dental, motivação para escovação e uso de
fio dental. É necessário, ainda, diferenciar as lesões
de cárie ativas das inativas. As manchas brancas
rugosas e opacas no esmalte e o tecido dentinário
amolecido de cor marrom clara são características
de lesões ativas; já as manchas brancas lisas e
brilhantes em esmalte e tecido dentinário escuro
e duro caracterizam as lesões inativas.
A cárie de mamadeira é a modalidade mais
QUADRO 1: Registro de todos os alimentos ingeridos pela
criança determinando a quantidade, o horário do consumo,
a adição de açúcar, a forma de consumo (mamadeira, copo,
papinha, etc.) e medicamentos.
TABELA 1: Seqüência e cronologia de erupção dos dentes
decíduos (em meses).
DENTE
Incisivo central
Incisivo lateral
Primeiro molar
Canino
Segundo molar
INFERIOR
8
13
16
20
27
SUPERIOR
10
11
16
19
29
Tabela proposta por Logan e Kronfield e modificada por McCall & Schour
FIGURA 2: Evidenciação de placa bacteriana através de
fucsina: controle e motivação da higiene bucal.
escova dental de cabeça pequena e cerdas macias
com o mínimo de dentifrício fluoretado (com até
1000ppm de flúor), na quantidade do tamanho de
um grão de arroz. A partir do irrompimento dos
molares, a técnica de higienização deve ser feita
somente com escovas e o uso de dentifrícios fluoretados, uma ou no máximo duas vezes ao dia,
comum da cárie rampante, atingindo bebês precocemente. Sua etiologia é associada à dieta
cariogênica e à má higienização, principalmente
à amamentação noturna com sacarose e sem a
posterior limpeza dos dentes (MILNES, 1996; FEBRES et al., 1997). É uma doença de progressão
rápida e evolução aguda, destruindo toda a coroa
dental, podendo ocorrer envolvimento pulpar
(RIPA, 1988; BABEELY et al.; 1989; WALTER et al.,
1996). Ao exame clínico, quando se manifestam
somente lesões incipientes, observam-se manchas
brancas nas superfícies vestibulares e cervicais
dos incisivos superiores e, se este processo não
for interrompido, estas manchas evoluem para a
cavitação e os próximos dentes a serem afetados
serão os primeiros molares, de acordo com a seqüência de erupção (MILNES, 1996). A característica
patognomônica é a ausência de lesões nos incisivos
inferiores decíduos, talvez por sua proximidade
com os ductos das glândulas salivares, o que favoreceria a “auto-higienização salivar” (RIPA, 1988;
MILNES, 1996) (Figura 3).
Assim, para bebês que apresentam manchas
brancas (lesões ativas), deve-se realizar quatro
aplicações tópicas de flúor com intervalo de uma
semana entre cada uma delas. Pode ser utilizado
o verniz fluoretado, o qual possui facilidade de
aplicação e prolonga o tempo de contato entre o
flúor e a superfície do esmalte (SIMIONATO, 1987).
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Odontologia na Primeira Infância: Sugestões para a Clínica do Dia-a-dia
Pode ser realizada uma aplicação em todas as superfícies dentárias (considerando-se que, clinicamente, exista evidência da instalação da doença,
é provável que alterações em estágios estruturais
ou microscópicos existam também em outras
gências que possivelmente apareçam no cotidiano
da clínica odontopediátrica.
É preciso reforçar aos pais que nenhum
programa de prevenção é efetivo sem o controle
regular do paciente pelo dentista (WANDERLEY
et al., 1998). O retorno periódico permite visualização radiográfica da cárie dentária, aplicações
tópicas de flúor, quando necessário, e motivação
para a manutenção da saúde bucal. A freqüência
das revisões deve ser determinada pelo dentista
após a avaliação clínica de cada caso, reavaliando a atividade de cárie a cada retorno e, se
necessário, instituindo o tratamento adequado.
Desta maneira, os retornos periódicos e o acom-
FIGURA 3: Aspecto clínico de lesão causada por cárie de
mamadeira.
superfícies dentárias) e as aplicações restantes
(três) apenas sobre os dentes atingidos (VILLENA
& CORRÊA, 1998). O paciente deve retornar após
um mês para reavaliação e acompanhamento das
lesões, controle de placa e dieta, além de motivação para a higienização. Depois deste primeiro
retorno, caso sejam observados fatores positivos
(dieta, higiene), assim como ausência de atividade de cárie, o paciente poderá retornar após dois
meses e, posteriormente, três ou quatro meses
durante o ano.
Já nos casos de bebês com dentes cavitados,
deve-se realizar como primeiro passo a adequação
do meio bucal, através de profilaxia e curetagem
do tecido amolecido das cavitações, restaurandoas com ionômero de vidro. Nas quatro sessões
seguintes, é aconselhável realizar aplicação tópica
de flúor, seguindo as mesmas orientações dadas
para bebês com mancha branca; a abordagem
restauradora deverá ser iniciada na sessão seguinte ao término da adequação do meio, segundo o
plano de tratamento de cada caso em questão. No
planejamento da fase reabilitadora, deve-se levar
em consideração que o sorriso é muito importante
para a criança (WANDERLEY et al., 1998), sendo
sua forma mais espontânea de expressão. Entretanto, as prioridades são os dentes que estiverem
com “sensibilidade dolorosa”, as restaurações que
interferirem na mastigação, dimensão vertical e
manutenção de espaço para a erupção dos permanentes; em segundo plano, as restaurações
estéticas. Vale notar que devemos tentar condicionar o paciente ao ambiente, ao profissional e à
situação antes do atendimento curativo (porque
assim a criança estará confiante, confortável e
mais colaboradora) (Figura 4), exceção às emer516
FIGURA 4: Paciente
motivado e condicionado ao ambiente
odontológico.
panhamento em longo prazo do paciente têm a
finalidade de manter a saúde bucal, motivando
e instruindo os pais e o paciente quanto aos
hábitos saudáveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Odontologia para Bebês está fundamentada na educação e na prevenção, sendo a
conscientização dos pais a chave principal para
educar e motivar, devendo ela ser realizada
através de orientações sobre a importância da
boca, da dentição decídua, da amamentação natural, do conceito de cárie dentária como doença
e da existência de medidas preventivas eficazes.
Entretanto, ainda é necessário informar e orientar
a população a respeito dos benefícios da atenção
odontológica precoce, para que a criança adquira
hábitos saudáveis e de higiene desde bebê, alcançando a fase de dentadura permanente com
dentes hígidos e adequado desenvolvimento do
complexo craniofacial.
JBP – J Bras Odontopediatr Odontol Bebê, Curitiba, v.5, n.28, p.512-517, 2002
Odontologia na Primeira Infância: Sugestões para a Clínica do Dia-a-dia
there is an expressive development and growth
in infants. In this phase, the primary teeth erupt
and the risks of dental caries, deleterious habits,
and malocclusions appear. Therefore, early dental
attention is very important. Oral health education
During the period from 0 to 36 months of age, for parents and caretakers is also important for
positiveanoral
promotion.
The aim
this
article is to discuss infant dental assistance policies, a
describe
oralhealth
examination
procedure
for of
caries
diagnosis in babies, preventive routine methods, educative programs for parents on oral health, as well
as the importance of the kind of feeding and diet adopted, and their posture in relation to inadequate
habits.
GALBIATTI, F.; GIMENEZ, C.M.M.; MORAES, A.B.A. de. Dentistry for
infants: literature review and suggestions for a day-to-day practice. J
Bras Odontopediatr Odontol Bebê, Curitiba, v.5, n.28, p.512-517,
nov./dez. 2002.
KEYWORDS: Pediatric dentistry; Prevention and control; Infant care.
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