Vasconcelos et al. Consumo de Fe e Anemia em Mulheres Hipertensas Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):17-25 janeiro/fevereiro Consumo de Ferro e Anemia em Mulheres Hipertensas e/ou Diabéticas Artigo Original 1 Iron Intake and Anemia in Hypertensive and/or Diabetic Women Priscila Nunes de Vasconcelos1,2, Tatiana Maria Palmeira dos Santos1,3, Sandra Mary Lima Vasconcelos1,4 Resumo Abstract Fundamentos: A anemia constitui um fator agravante ou precipitante da insuficiência cardíaca, portanto torna-se fator prognóstico nos pacientes hipertensos e diabéticos. Objetivo: Avaliar a ingestão de ferro (Fe) e verificar a frequência de anemia em mulheres hipertensas e/ou diabéticas. Métodos: Estudo retrospectivo, incluindo 943 mulheres hipertensas e/ou diabéticas, do município de Maceió AL, realizado entre 2007 e 2009, estratificadas em dois grupos segundo recomendações dietéticas de ferro-RDFe: mulheres em idade fértil: 19-50 anos, RDFe: 8,1 mg e mulheres em fase de menopausa: >50 anos, RDFe: 5 mg. A ingestão de Fe foi avaliada: (1) analisando-se o percentual de inadequação vs. necessidades; e (2) pelo Fe biodisponível. Para a anemia, considerou-se hemoglobina capilar <12 g/dL. Foram aplicados os testes de correlação (Spearman e Pearson) e X2 (p≤0,05). Resultados: O consumo de Fe foi inadequado em 28,4% (>50 anos) e 37% (19-50 anos), com frequência de anemia de 27,5% e 30,5%, respectivamente. O consumo de Fe biodisponível estimado nas pacientes de 19-50 anos foi 0,75 mg e 0,56 mg naquelas >50 anos, valores inferiores à recomendação: mulheres em idade fértil 2,8 mg e na menopausa 0,9 mg. Já a ingestão de Fe dietético total foi 9,86±5,15 mg para mulheres de 19-50 anos e de 8,90±4,65 mg para >50 anos. Verificou-se uma forte correlação inversa entre Fe biodisponível e hemoglobina (Hb) capilar em >50 anos (r: -0,80), enquanto nas mulheres de 19-50 anos a correlação foi fraca e positiva (r: 0,011); a ingestão de Fe total e Hb, nas Background: As a precipitating or aggravating factor for heart failure, anemia becomes a prognostic factor for hypertensive and diabetic patients. Objective: To assess iron (Fe) intake and determine the frequency of anemia in hypertensive and/or diabetic women. Methods: A retrospective study of 943 hypertensive and/ or diabetic women was conducted in the city of Maceio, Alagoas State, Brazil, between 2007 and 2009, divided into two groups by the Recommended Dietary Allowance for iron: women of childbearing age: 19-50 years, RDA-Iron: 8.1 mg; and women in menopause: >50 years, RDA-Iron: 5 mg. The Fe intake was assessed by: (1) analyzing Fe inadequacy % vs needs; and (2) bioavailable Fe. Anemia was assessed by capillary hemoglobin <12 g/dL. Correlation tests (Spearman and Pearson) were run, as well as X2 (p ≤ 0.05). Results: Iron consumption was inadequate in 28.4% (>50 yrs old) and 37% (19-50 years old) with anemia rates of 27.5% and 30.5% respectively. The estimated bioavailable Fe intake among patients between 19-50 years old was 0.75 mg and 0.56 mg among women aged > 50 years old, below the recommended levels of 2.8 mg for women of childbearing age and 0.9 mg during menopause. The mean total dietary iron intake was 9.86±5.15 mg for women between 19-50 years old and 8.90±4.65 mg for those >50 years old. A strong inverse correlation was noted between bioavailable Fe and capillary hemoglobin (Hb) in the >50 years range (r: -0.80), with a weak positive correlation (r: 0.011) for 1 2 3 4 Laboratório de Nutrição em Cardiologia - Faculdade de Nutrição - Universidade Federal de Alagoas (UFAL) - Maceió, AL - Brasil Programa de Pós-graduação (Mestrado em Nutrição) - Departamento de Nutrição - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - Recife,PE - Brasil. Departamento de Nutrição - Universidade Tiradentes (UNIT) - Aracaju, SE - Brasil Programa de Pós-graduação (Mestrado em Nutrição) - Faculdade de Nutrição - Universidade Federal de Alagoas (UFAL) - Maceió, AL - Brasil Correspondência: Sandra Mary Lima Vasconcelos E-mail: [email protected] Faculdade de Nutrição - Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Campus A.C. Simões, BR 104 Norte, km 97 - Tabuleiro dos Martins - 57072-970 - Maceió, AL - Brasil Recebido em: 22/08/2012 | Aceito em: 30/10/2012 17 Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):17-25 janeiro/fevereiro Vasconcelos et al. Consumo de Fe e Anemia em Mulheres Hipertensas Artigo Original mulheres de 19-50 anos, apresentou correlação positiva fraca (r=0,265), porém sem significância estatística. Conclusão: A frequência de ingestão deficiente de Fe e de anemia foi elevada. those between 19-50 years old, although not statistically significant. Conclusion: The rate for insufficient Fe intake and anemia was high. Palavras-chave: Anemia ferropriva; Dieta; Hipertensão Keywords: Iron-deficiency anemia; Diet; Hypertension Introdução Portanto, a avaliação da frequência de anemia e da ingestão de Fe em uma população de mulheres portadoras HAS e/ou DM torna-se importante, pois a anemia representa um agravante ao risco cardiovascular, pela menor perfusão cardiocirculatória, sendo mais um fator interferente no prognóstico. Assim, foi investigada a frequência e os fatores que contribuem para a anemia nesta população. Anemia ferropriva, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é a condição na qual o conteúdo de hemoglobina do sangue está abaixo do normal 1, resultado da carência de ferro (Fe), o que limita a eritropoiese2. Com base em estudos populacionais, a OMS estima que 90% das anemias observadas na população sejam causadas por deficiência de Fe¹. A anemia por deficiência de Fe pode ocasionar fadiga, prejuízo no desempenho muscular, distúrbios comportamentais como irritabilidade, além de um aumento compensatório do débito cardíaco². Um perfeito sincronismo entre a absorção, utilização e estoque de Fe é essencial para a manutenção do seu equilíbrio no organismo 3 . O Fe utilizado pelo organismo é proveniente de duas fontes principais: dieta e hemácias senescentes3. O Fe proveniente da dieta pode ser na forma heme (ferroso, Fe2+), e não heme (férrico, Fe 3+ ), sendo o primeiro melhor absorvido. A absorção do Fe 3+ é limitada e sofre influência de fatores inibidores (taninos, fitatos, etc) e facilitadores como o ácido ascórbico, que pode reduzir Fe3+ a Fe2+, aumentando assim a sua absorção. As melhores fontes naturais de Fe são os alimentos de origem animal por possuírem 40% de Fe hemínico e 60% de Fe não heme4. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) e o diabetes mellitus (DM) foram apontados pelo estudo MESA (Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis) como os principais responsáveis pela insuficiência cardíaca (IC) em afrodescendentes5, e a anemia seja como causa/ precipitação seja como consequência de IC tem instigado estudos no sentido de compreender essa associação6. Mesmo que a relação entre consumo de Fe e frequência de anemia não seja do tipo causa e efeito imediato, a inadequação no seu consumo de forma crônica é fator contribuinte. No caso de mulheres, o consumo insuficiente torna-se importante, considerando-se as perdas fisiológicas devido à menstruação, pois na ausência de reservas de Fe pela ingestão insuficiente, a perda menstrual poderia agravar o quadro de anemia, já que ela é a expressão final da deficiência de Fe, após o esgotamento das reservas orgânicas. 18 Métodos Este estudo foi realizado utilizando o banco de dados da Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS), intitulada “Hábitos alimentares, ingestão de nutrientes e consumo de alimentos relacionados à proteção e risco cardiovascular em uma população de hipertensos do município de Maceió-AL” realizada em 2007-2009, com 1177 dos 6649 adultos portadores de HAS e/ou DM em acompanhamento e/ou cadastrados no sistema HIPERDIA de Maceió-AL, em janeiro de 2007. A amostra foi representativa dos sete distritos sanitários do município, considerando o número de pacientes e de unidades básicas de saúde (UBS) que alimentavam o HIPERDIA. A amostra foi selecionada desse banco de dados, formada pela totalidade das pacientes do sexo feminino (n=943) dentre os 1177 indivíduos da PPSUS, das quais haviam sido obtidos Inquéritos Dietéticos Recordatórios de 24H (IDR24H). As 943 mulheres foram estratificadas em dois grupos segundo recomendações dietéticas de ferro-RDFe: mulheres em idade fértil: 19-50 anos, RDFe=8,1 mg e mulheres em fase de menopausa: >50 anos, RDFe=5 mg. Os dados foram coletados em visitas domiciliares e/ou reuniões nas UBS dos respectivos distritos, por alunos do curso de nutrição da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), previamente treinados para aplicação de IDR24H, com auxílio de manuais de figuras de alimentos e medidas caseiras, e de kits de medidas caseiras. O IDR24H foi aplicado como primeira coleta a todos os pacientes, seguindo-se uma segunda coleta, em 20% da população, conforme estabelecido pelo método EAR (Estimated Average Requirement - necessidade média estimada) como ponto de corte aplicado a Vasconcelos et al. Consumo de Fe e Anemia em Mulheres Hipertensas Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):17-25 janeiro/fevereiro grupos 7, no sentido de diminuir a variabilidade intrapessoal da avaliação dietética. Foram calculadas a ingestão de (1) Fe dietético total e (2) Fe dietético biodisponível, com base nos alimentos consumidos, registrados nos IDR24H. A ingestão de Fe dietético total foi calculada com o auxílio do software NutWin®8 (Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, SP, Brasil), para subsequente análise através do método EAR como ponto de corte, em que se estabelece a probabilidade de inadequação (PDI) do consumo de Fe. Os dados dietéticos foram avaliados segundo adequação às DRI (Dietary Reference Intakes – ingestão dietética de referência) para mulheres, sendo 8,1 mg para aquelas entre 19-50 anos, e 5 mg para aquelas >50 anos. Para avaliação do consumo de Fe biodisponível foi utilizado o método de Monsen et al.9 que calcula o teor de Fe heme e não heme e considera os fatores facilitadores de sua absorção (vitamina C e proteínas). A taxa de absorção do Fe não heme varia conforme o grau de disponibilidade da refeição, ou seja, de acordo com os fatores facilitadores de sua absorção, presentes em cada refeição: as refeições são classificadas em baixa, média e alta disponibilidade, através da quantificação do conteúdo de CPA (carnes, peixes e aves) e vitamina C presentes, e a soma dos valores encontrados nas diferentes refeições do dia corresponde à quantidade diária de Fe biodisponível em condições fisiológicas. A recomendação de ingestão diária de Fe biodisponível, apresentada para adultos e idosos, é de 18% da EAR10. Para a avaliação da anemia, foi feita a dosagem de hemoglobina em sangue capilar, utilizando aparelho HemoCue® Hb 201+Analyser (Carolina do Norte, EUA), no momento da coleta do segundo IDR24H com 20,57% (n=194) das mulheres participantes deste estudo. O diagnóstico de anemia foi adotado considerando os níveis de hemoglobina (Hb) capilar <12 g/dL, e classificada segundo critérios da OMS em leve (Hb 11,9–10 g/dL), moderada (Hb <10 g/dL) e grave (Hb <7 g/dL). Os resultados, bem como orientações dietéticas básicas para aumentar o aporte de Fe na dieta para aqueles que apresentaram anemia, foram fornecidos aos pacientes logo após a realização do exame. Para avaliação do PDI do Fe dietético total, o banco de dados apresentou distribuição simétrica através do teste de assimetria de Kolmogorov-Smirnov. Para os demais dados foram aplicados o teste de assimetria, testes t de Student e correlação de Pearson e de Sperman. Em todos os testes a hipótese de nulidade foi rejeitada em 0,05 ou 5% (p≤0,05). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas – UFAL sob o nº 00135/2007-70. Os pacientes incluídos no estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Resultados A pesquisa foi realizada nos sete distritos sanitários de Maceió, verificando-se o predomínio do sexo feminino, população-alvo deste estudo, em todos os distritos (Tabela 1), tanto na primeira coleta ( I IDR24H), atingindo 80,12% (n=943/1.177) da população estudada, quanto na segunda coleta (II IDR24H + Hb capilar), representando 84,35% (n=194/230) dos pacientes reavaliados. Explica-se este fato por ser o atendimento das unidades de saúde de demanda espontânea e, conhecidamente, o sexo Tabela 1 Distribuição de hipertensos e diabéticos segundo sexo e segundo coleta de inquérito dietético recordatório 24 horas (IDR24H) por distrito sanitário de saúde de Maceió, AL DistritosI IDR24H (1ª coleta)II IDR24H (2ª coleta) n Sexo n (%) n MasculinoFeminino Sexo n (%) MasculinoFeminino I 146 38 (26,00) 108 (74,00) 30 6 (20,00) 24 (80,00) II 192 24 (12,50) 168 (87,50) 36 2 (5,55) 34 (64,45) III 131 26 (19,80) 105 (80,20) 28 2 (5,55) 26 (64,45) IV 258 78 (30,23) 180 (69,77) 49 12 (24,49) 37 (75,51) V 140 26 (18,57) 114 (81,43) 28 4 (14,28) 24 (85,71) VI 195 35 (17,94) 160 (82,05) 35 9 (25,71) 26 (74,28) VII Total 115 7 (6,08) 108 (93,91) 24 1 (4,17) 23 (94,83) 1177 234 (19,88) 943 (80,12) 230 36 (15,65) 194 (84,35) 19 Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):17-25 janeiro/fevereiro Vasconcelos et al. Consumo de Fe e Anemia em Mulheres Hipertensas Artigo Original feminino é o maior público atendido por ter maior cuidado com seu estado de saúde, além do fato de a população de Maceió ser predominantemente feminina11. Assim, foram estudadas 943 mulheres que responderam ao I IDR24H com média de idade de 56±12 anos. Destas, 194 participaram da segunda coleta, com média de idade 59±11 anos. As mulheres estudadas na segunda coleta (II IDR24H + Hb capilar) constituíram uma amostra de 20% da primeira, inclusive por distrito (Tabela 1). Em relação ao diagnóstico, pode-se observar na Figura 1 que a maioria das pacientes era hipertensa, tanto considerando o número inicial (74,69%) quanto considerando a amostra reavaliada (79,4%). A população estudada foi estratificada de acordo com as faixas etárias de recomendações nutricionais de Fe: na primeira coleta foram 278 mulheres com idade entre 19-50 anos e 665 mulheres >50 anos. Na segunda DM coleta, o maior número de mulheres >50 anos (n=153) se manteve, e 41 pacientes tinham entre 19-50 anos. Como pode ser observado na Tabela 2, tanto a probabilidade de inadequação (PDI) de ingestão quanto a frequência de anemia foi maior entre as mulheres mais jovens (19-50 anos); no entanto apenas a frequência de anemia apresentou diferença significativa. Ao comparar as frequências de anemia de acordo com a intensidade (Tabela 3), observa-se maior frequência de anemia de grau leve segundo os critérios da OMS, sendo esta maior nas mulheres >50 anos. Considerando o consumo, a ingestão média de Fe dietético total foi maior que os valores de recomendação em ambas as faixas etárias (Tabela 4 e Figura 2). Já o consumo de Fe biodisponível não atingiu o recomendado em ambas as faixas etárias, ou seja, tanto entre as mulheres em idade fértil quanto naquelas na faixa etária da menopausa (Tabela 4 e Figura 3). DM 8,80% HAS 74,90% 0 20 16,20% HAS + DM 16,25% HAS + DM 4,40% 40 60 80 HAS 79,40% 0 100 20 40 60 80 100 % % Frequência das mulheres estudadas em % Frequência das mulheres estudadas em % Figura 1 Distribuição das mulheres estudadas (em %) de acordo com o diagnóstico. Em A: na primeira coleta (n=943) Em B: na segunda coleta (n=194, 20,5% de A), Maceió, AL, 2008 DM=diabetes mellitus HAS=hipertensão arterial sistêmica Tabela 2 Avaliação do consumo de ferro dietético e frequência de anemia em mulheres hipertensas e/ou diabéticas de acordo com a faixa etária Faixa etária 19-50 anos Avaliação do consumo de ferro Fe total (médio) Fe biodisponível (médio) vs. Recom 1 (mg) vs. Recom 2 (mg) Frequência de anemia (%) PDI (%) 9,89 vs. 8,1 0,75 vs 2,80 37,00 30,57 8,90 vs. 5,0 0,56 vs 0,90 28,40 27,51 – – 0,083 0,034* (n=41) >50 anos (n=153) valor de p* PDI=probabilidade de inadequação Teste t de Student: *diferença significativa 20 Vasconcelos et al. Consumo de Fe e Anemia em Mulheres Hipertensas Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):17-25 janeiro/fevereiro Tabela 3 Frequência de anemia segundo níveis de concentração de hemoglobina capilar, por faixa etária Faixa etária Frequência de anemia (em %) Leve² Hb 11,9 – 10 g/dL Moderada² Hb <10 g/dL Grave² Hb <7 g/dL Total 19-50 anos (n=41) 22,23 8,34 – 30,57 >50 anos (n=153) 24,83 2,68 – 27,51 0,302 – valor de p 1 0,035* Hb=hemoglobina capilar 1 Teste t de Student: *diferença significante ² Critérios de classificação segundo a OMS 0,034* Tabela 4 Avaliação do consumo de ferro dietético total e biodisponível em mulheres hipertensas e/ou diabéticas de acordo com a faixa etária Faixa etária Ferro total (mg) 19-50 anos Ferro biodisponível (mg) Ingestão Média ± DP Mínima Recom 1 Máxima Ingestão Média ± DP Recom 2 Mínima Máxima 9,89 ± 5,15 0,85 30,87 8,1 0,75 ± 0,56 0,067 2,95 2,80 8,90 ± 4,65 0,66 32,60 5 0,56 ± 0,57 0,006 3,21 0,90 (n=41) >50 anos (n=153) Recom 1=recomendação segundo EAR (Estimated Average Requirement); Recom 2=recomendação segundo The essential guide to nutrient requirements: 18% da EAR; DP=desvio-padrão Figura 2 Distribuição das mulheres estudadas de acordo com a ingestão de ferro dietético total (mg/dia) por faixa etária versus recomendações de ingestão diária (Estimated Average Requirement - necessidade média estimada - EAR=8,1 mg/dia, 19-50 anos e EAR=5 mg/dia, >51 anos) sinalizadas na linha horizontal que atravessa o gráfico. A distribuição das pacientes por grupo, segundo a ingestão de Fe total (Figura 2) e biodisponível (Figura 3) frente à EAR por faixa etária, mostra que a grande maioria apresentou ingestão acima da recomendação, nos dias de coleta, a despeito da frequência de anemia, observada na Tabela 3. Quanto à correlação entre ingestão de Fe e anemia, verificou-se, através da correlação de Pearson, uma forte correlação inversa entre ingestão de Fe biodisponível (distribuição simétrica) e hemoglobina na faixa etária >50 anos (r= -0,80), enquanto que na faixa etária de 19-50 anos, a correlação de Spearman (ingestão com distribuição assimétrica) entre tais variáveis foi fraca e positiva (r=0,011). Já a ingestão de Fe total (distribuição simétrica) e concentração de hemoglobina apresentou correlação positiva e fraca, tanto nas mulheres de 19-50 anos (r= 0,265) quanto naquelas >50 anos (r=0,0001). No entanto, nenhum teste apresentou significância estatística. 21 Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):17-25 janeiro/fevereiro Vasconcelos et al. Consumo de Fe e Anemia em Mulheres Hipertensas Artigo Original Figura 3 Distribuição das mulheres estudadas de acordo com a ingestão de ferro dietético biodisponível (mg/dia) por faixa etária versus recomendações de ingestão diária (2,8 mg/dia= 19-50 anos e 0,9 mg/dia >51 anos), segundo DRI (Dietary Reference Intakes – ingestão dietética de referência) sinalizadas na linha horizontal que atravessa o gráfico, Maceió, AL, 2008. Discussão Estima-se que 40% da população mundial apresente deficiência de Fe, o que totaliza dois bilhões de pessoas. São várias as causas dessa alta prevalência, sendo o hábito alimentar e a dieta com baixa biodisponibilidade de Fe, as principais. As condições socioculturais, as doenças, o sexo e a idade também devem ser considerados¹,12. Vários estudos descrevem que a resposta fisiológica à anemia é um aumento compensatório no débito cardíaco, através de aumento no volume sistólico e na frequência cardíaca para perfusão dos tecidos, de modo a atender à demanda metabólica13. A anemia reduz a oferta de oxigênio aos tecidos, causando uma sucessão de respostas neuro-humorais, cardiovasculares e renais. A anemia causa isquemia tissular, provocando vasodilatação periférica e diminuição imediata da pressão arterial. Para aumentar a eficiência da perfusão, a própria queda da pressão arterial (PA) provoca ativação do sistema nervoso simpático que, por sua vez, promove elevação da PA, taquicardia reflexa e vasoconstrição generalizada, reduzindo o fluxo sanguíneo renal e ativando o sistema renina-angiotensina-aldosterona14. Como o rim é um órgão que está em relação direta com o funcionamento cardiovascular, a ativação neuro-humoral e inflamatória contribui para a progressiva perda da função renal, sendo formado um ciclo conhecido como síndrome anemia-cardiorrenal15. Essa tentativa de regulação do organismo se torna ainda mais preocupante em pacientes hipertensos e/ ou diabéticos, visto que eles já apresentam fatores de 22 risco cardiovascular e a anemia contribuiria negativamente na evolução clínica e na própria qualidade de vida desses pacientes. A anemia é considerada um fator precipitante da insuficiência cardíaca (IC), o que a torna uma condição particularmente grave num hipertenso e num diabético, população-alvo deste estudo. A HAS é a segunda maior causa de IC e a diabetes está entre a principal causa endócrina de IC, sendo o indivíduo diabético considerado de alto risco cardiovascular16. Estudo realizado por Lourenço et al.17 observou que a proporção de indivíduos com ingestão inadequada de Fe foi maior nas mulheres até 50 anos de idade, e os autores ressaltam que a deficiência de Fe pode conduzir à anemia, e que esta tem sido associada ao quadro de IC. A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher, realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), financiada com recursos do Ministério da Saúde18, encontrou uma prevalência de anemia de 39,1% entre as mulheres com idade entre 15-39 anos da região nordeste. Entre as mulheres com idade entre 19-50 anos do presente estudo foi observada frequência de 30,57% de anemia, faixa etária na qual os requerimentos de Fe são maiores, visto que estas mulheres apresentam perdas menstruais de Fe. Estudo realizado por Fabian et al.19 em que foram avaliadas 312 mulheres do município de São Leopoldo, RS, observou-se prevalência de anemia de 19,2%. Em relação à idade, as maiores prevalências de anemia foram entre as mulheres consideradas adultas jovens (20-29 anos) e ao final da vida reprodutiva (40-49 anos), Vasconcelos et al. Consumo de Fe e Anemia em Mulheres Hipertensas Artigo Original atingindo 22,1% e 26,4%, respectivamente. Esse estudo demonstra que a anemia não é um problema de saúde pública somente nas regiões mais carentes, atingindo também a região sul do país que apresenta melhores indicadores sociais. Segundo a OMS¹ a prevalência de anemia pode atingir diferentes níveis de importância como problema de saúde pública. É considerada normal uma prevalência ≤4,9%, leve entre 5-19,9%, moderada quando entre 20-39,9% e grave quando >40%. No presente estudo, a frequência de anemia foi 28,11%, sendo, portanto considerada pelos parâmetros da OMS um nível moderado de importância como problema de saúde pública. Este resultado é semelhante à pesquisa anteriormente citada realizada pelo CEBRAP18 na região nordeste, sendo considerado de nível moderado de importância, visto que a prevalência encontrada foi 39,1%. Prevalências menores foram observadas no estudo de Fabian et al.19, realizado na região sul, porém encontrando-se também no nível moderado de importância como problema de saúde pública, o que demonstra que a anemia é um processo carencial de grande magnitude, difusão geográfica e social. Atualmente existem várias medidas de intervenção para a correção da anemia por deficiência de Fe, entre elas: a fortificação das farinhas de trigo e milho, que se tornou compulsória no Brasil a partir de 2004 (42 mg de Fe em forma de sulfato ferroso/kg)20, o Programa Nacional de Suplementação de Fe, que tem o seu foco de ação na população mais suscetível à anemia ferropriva: crianças e gestantes. E, como medida de intervenção, destaca-se, também, a educação nutricional que deve ser realizada pelos profissionais de saúde que atuam na atenção básica, quando os pacientes devem ser orientados a prevenir a anemia ferropriva, escolhendo os alimentos fontes de Fe e conhecendo como podem aumentar ou diminuir a biodisponibilidade do Fe presente nos alimentos. A aplicação de modelos estatísticos durante a análise dos IDR24H, como é o caso do método da EAR como ponto de corte, utilizado neste estudo para avaliar a ingestão de Fe, aumenta a confiança nos valores encontrados, visto que uma abordagem estatística ajusta a distribuição das ingestões de nutrientes observadas e elimina ou “pelo menos atenua” o impacto das variações diárias, inter e intrapessoais. No entanto existem limitações para a utilização desse método, pois a abordagem estatística proposta não é aplicável a todos os nutrientes, porque ela assume distribuição normal do consumo e das necessidades. Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):17-25 janeiro/fevereiro Portanto, para os nutrientes com distribuição de necessidades assimétricas, a abordagem para o consumo não é adequada. No caso a necessidade de Fe para as mulheres que menstruam, o método apresenta limitações, pois a distribuição dos requerimentos para o nutriente é assimétrica, e as perdas de Fe na menstruação variam, o que leva a uma distribuição positivamente inclinada10. O Fe perdido no fluxo menstrual varia consideravelmente. A perda média de um mês foi estimada em 0,5 mg/dia, mas cerca de 5% das mulheres têm perdas em média de 1,4 mg/dia21. Isso significa que a distribuição das necessidades de Fe nas mulheres apresenta uma grande variação, pois existem mulheres que apresentam necessidade superior a 25% da média estabelecida para o grupo, e outras apresentam necessidades inferiores a 25% da média geral. Portanto mesmo existindo uma recomendação estabelecida para essa faixa etária, esse ponto limita a utilização do método, visto que a distribuição do requerimento de Fe para esse grupo é conhecidamente assimétrica10. Por outro lado, vale comentar que não existe um cálculo alternativo a ser utilizado nos casos em que a necessidade é assimétrica, como no caso da variação de Fe perdido no fluxo menstrual, o que permite apresentar os dados nessa perspectiva, no sentido de instigar discussões. Este estudo também revelou grande variabilidade de ingestão ( Ta b e l a 4), sendo principalmente acima do recomendado (Figura 2), dados obtidos de mais de mil IDR24H, o que reforça a complexidade da temática. Apesar das limitações discutidas, destaca-se que a maioria das mulheres estudadas se encontra na faixa etária >50 anos, faixa na qual a necessidade não é assimétrica, pois não há perda menstrual. Nesse grupo o comportamento foi similar tanto em termos de variabilidade quanto em termos de nível de ingestão vs. EAR, no que se refere ao Fe total. É interessante observar que a média de consumo de Fe biodisponível encontra-se abaixo do recomendado, consumo este calculado com base nas fontes de Fe presentes na dieta dessas mulheres, bem como na presença de fatores que potencializam a absorção do Fe total. E, mesmo não tendo sido verificada uma correlação com significância estatística, este achado merece especial atenção, visto que os dados de alta prevalência de anemia, denotando um nível moderado de magnitude em saúde pública, e a baixa biodisponibilidade do Fe presente na dieta dessas mulheres, parecem concordantes entre si. 23 Rev Bras Cardiol. 2013;26(1):17-25 janeiro/fevereiro Este estudo revela que além dos nutrientes já t r a d i c i o n a l m e n t e re c o n h e c i d o s n o c u i d a d o nutricional de hipertensos e diabéticos, o mineral Fe deve ser observado na dieta de seus portadores, com avaliação da biodisponibilidade desse mineral, visto que achados deste estudo demonstraram discrepância entre os valores de Fe total e o biodisponível. Estes achados revelam por fim, a necessidade do manejo dos alimentos que dificultam e que potencializam a absorção de Fe, na dieta de hipertensos e diabéticos, o que é decisivo para o seu aporte adequado. A abordagem da anemia neste grupo de pacientes desponta como um cuidado importante, por suas repercussões diretas sobre o sistema cardiocirculatório, constituindo um risco cardiovascular potencialmente relevante. Conclusão A amostra estudada apresenta ingestão deficiente de Fe e uma elevada frequência de anemia. Embora não tenha havido associação com significância estatística entre ingestão deficiente de Fe e anemia, há uma relevância clínica inquestionável, haja vista os mecanismos apresentados que repercutem diretamente na evolução e no prognóstico da HAS e DM, constituindo risco cardiovascular importante. Agradecimentos Às instituições de financiamento MS-DECIT-PPSUS/CNPq/ FAPEAL/SESAU-AL. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo foi financiado pelo MS-DECIT-PPSUS/ CNPq/FAPEAL/SESAU-AL. Vinculação acadêmica Este artigo representa o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de graduação em Nutrição de Priscila Nunes Vasconcelos, da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Alagoas. Referências 1. OMS/OPAS. Iron fortification: Guidelines and recommendations for Latin America and the Caribbean. Washington: OMS/OPAS; 2001. 24 Vasconcelos et al. Consumo de Fe e Anemia em Mulheres Hipertensas Artigo Original 2. Carvalho MC, Baracat ECE, Sgarbieri VC. Anemia ferropriva e anemia de doença crônica: distúrbios do m e t a b o l i s m o d e f e r ro . R e v S A N , C a m p i n a s . 2006;13(2):54-63. 3. Grotto HZW. Metabolismo do ferro: uma revisão sobre os principais mecanismos envolvidos em sua homeostase. Rev Bras Hematol Hemoter. 2008;30(5):390-7. 4. Moura NC, Canniatti-Brazaca SG. Avaliação da disponibilidade de ferro de feijão comum (Phaseolus vulgaris L.) em comparação com carne bovina. Cienc Tecnol Aliment, Campinas. 2006;26(2):270-6. 5. 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