UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS DEPARTAMENTO DE QUÍMICA UMA PROPOSTA DE ATIVIDADES DIDÁTICAS PARA O ENSINO DE ESTEREOQUÍMICA Aline Imaculada Pereira Ouro Preto 2015 1 UMA PROPOSTA DE ATIVIDADES DIDÁTICAS PARA O ENSINO DE ESTEREOQUÍMICA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal de Ouro Preto como requisito parcial para obtenção do título de licenciado em Química. Orientadora: Prof. Dra Flaviane Francisco Hilário Ouro Preto 2015 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS – ICEB DEPARTAMENTO DE QUÍMICA Monografia intitulada “UMA PROPOSTA DE ATIVIDADES DIDÁTICAS PARA O ENSINO DE ESTEREOQUÍMICA” de autoria da graduanda Aline Imaculada Pereira, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: _____________________________________________________________________________ Flaviane Francisco Hilário - DEQUI/UFOP - Orientadora _____________________________________________________________________ Clarissa Rodrigues- DEQUI/UFOP - Supervisora ______________________________________________________________________ Stefannie de Sá Ibraim – Professora examinadora Ouro Preto, 03 de julho de 2015 3 “Louvar-te-ei, Senhor, de todo o meu coração; contarei todas as suas maravilhas. Alegrar-me-ei e exultarei em ti; ao teu nome, ó Altíssimo, eu cantarei louvores. Pois, retrocederem os tropeçam somem-se e meus ao inimigos, da tua presença; porque sustentas o meu direito e a minha causa; no trono te assentas e julgas retamente”. Salmos 9: 1-4 4 Agradecimentos Primeiramente, agradeço a Deus por seu imenso amor e por estar sempre comigo. Agradeço à minha família por acreditar sempre em mim e ser meu alicerce. A todos os amigos que desde o início do curso estão comigo e àqueles que durante o percurso foram fazendo a diferença na minha vida acadêmica e pessoal. Em especial, aos meus amigos Núbia e Cristian pela amizade que levarei comigo para toda a vida. Agradeço a todos os educadores que participaram e contribuiram para minha vida acadêmica. Às irmãs da República Lisbella que sempre me apoiaram e me deram força a cada momento juntas. À minha orientadora Flaviane, o meu muito obrigada. Às professoras Nilmara Braga e Clarissa Rodrigues pelos ensinamentos e dedicação. A todos que me ajudaram nesta caminhada, o meu agradecimento. 5 Resumo Neste trabalho é apresentada uma proposta de atividades didáticas para auxiliar professores de Química Orgânica, do ensino superior, no processo ensino-aprendizagem do tema Estereoquímica. As atividades propostas trazem a Estereoquímica de forma contextualizada, envolvendo moléculas de fármacos e de outras substâncias de interesse na sociedade, e em uma abordagem CTS. O objetivo dessas atividades é favorecer a visualização tridimensional de moléculas e o ensino de conceitos básicos, que são essenciais para o ensino e o aprendizado do tema Estereoquímica. Pretende-se que, por meio dessas atividades, os professores consigam fazer com que os estudantes participem ativamente no processo ensinoaprendizagem e, assim, o conhecimento acerca da Estereoquímica seja ensinado e apreendido adequadamente. Palavras Chaves: Estereoquímica, fármacos quirais, CTS. 6 Sumário 1. Contextualização do trabalho ................................................................... 8 2. Introdução .................................................................................................. 8 2.1. Remédios, medicamentos e fármacos ................................................. 8 2.2. Abordagem CTS ................................................................................... 10 2.3. Estereoquímica .................................................................................... 15 2.4. Estereoisômeros e indústria farmacêutica ........................................ 16 3. Justificativa do tema.................................................................................. 21 4. Objetivo .................................................................................................... 22 5. Aspectos Metodológicos ........................................................................ 22 6. Proposta de atividades didáticas ........................................................... 23 1. Introdução ............................................................................................ 23 2. Objetivo.................................................................................................. 28 3. Atividades.............................................................................................. 28 4. Conclusões............................................................................................ 37 5. Referências Bibliográficas................................................................... 37 7. Conclusões .............................................................................................. 39 8. Referências Bibliográficas ...................................................................... 39 7 1. Contextualização do trabalho Nas aulas de Química Orgânica I, do curso de Licenciatura em Química, um dos temas abordados é a estereoquímica, o qual é considerado por muitos estudantes como um tema de difícil compreensão. Após cursar essa disciplina, percebi que um fator que dificulta a compreensão da estereoquímica é a pouca ou nenhuma visão espacial que os estudantes possuem. Imaginar a disposição espacial dos átomos de uma molécula e interpretar o seu significado não é uma tarefa elementar. A partir dessa inquietação, surgiu o meu interesse em trabalhar com conteúdos de estereoquímica no contexto de moléculas de fármacos e de outras substâncias de interesse na sociedade, como uma tentativa de compreender e dar maior significância a esses conteúdos. Por exemplo, muitos medicamentos usados pela sociedade são constituídos de fármacos que são misturas de estereoisômeros (FREITAS et al, 2010), nesse contexto o estudo da estereoquímica de moléculas de fármacos permite ao estudante associar os conteúdos de estereoquímica com o seu dia-a-dia. Então, neste trabalho proponho atividades para auxiliar o professor no ensino de conteúdos do tema Estereoquímica, de forma contextualizada e em uma abordagem CTS. Essa abordagem pressupõe um aprendizado dos conteúdos, por parte dos estudantes, associado à uma postura crítica, sendo questionadores e participativos no processo ensino-aprendizagem. 2. Introdução 2.1. Remédios, medicamentos e fármacos Desde a antiguidade, a humanidade utiliza as plantas como uma importante fonte de obtenção de remédios para a cura de doenças. O chá obtido a partir de plantas era muito utilizado como remédio, sendo ainda utilizado nos dias atuais (BARREIRO, 2001). 8 A palavra remédio, do latim remediare, significa remediar e não curar como conhecemos (BARREIRO, 2001). Remédio é tudo que alivia a dor ou combate uma doença ou enfermidade. O fundador da Farmácia, Galeno (129-199 aC), utilizava e divulgava os extratos vegetais para servirem de fonte de cura para diversos males, denominando-os como fórmulas galênicas. E, a partir do século XV, suas teorias foram altamente divulgadas através da descoberta da imprensa e os primeiros remédios de origem vegetal surgiram nessa época (GIOVANNI, 1980). Os alquimistas, na busca da fabricação de ouro e do elixir da vida eterna, produziram óleos e resinas que foram considerados, pela humanidade, os primeiros medicamentos (LIMA E SILVA, 2003). Os medicamentos são substâncias ou associações de substâncias químicas que possuem propriedades curativas ou preventivas de doenças em seres humanos (Ministério da Saúde, 2010). A partir das décadas de 20 e 30 do século XIX, os medicamentos começaram a ser produzidos pelas indústrias farmacêuticas que, desde então, vêm sofrendo grandes mudanças tecnológicas. Segundo Codetec (1991), com as indústrias produzindo medicamentos, foram desenvolvidos vários processos sintéticos e fermentativos para a obtenção de fármacos. A maioria das indústrias farmacêuticas, mundialmente, iniciou seu desenvolvimento no final do século XIX e início do século XX. A indústria farmacêutica é a grande responsável pela produção de medicamentos e também realiza atividades de pesquisa para o desenvolvimento de fármacos e medicamentos novos (BERMUDEZ & BONFIN, 1999). O processo de descoberta de um fármaco novo que resulte no desenvolvimento de um medicamento novo requer, em média, de 10 a 15 anos de investimento da indústria (BERMUDEZ, 1999). Segundo Giovanni (1980) o desenvolvimento da indústria farmacêutica deve-se também à Segunda Guerra Mundial, quando foram 9 descobertos e desenvolvidos novos fármacos, como antibióticos, antitérmicos e fármacos destinados a tratar doenças tropicais. O fármaco, do grego phármakon, que é designado tanto como veneno quanto medicamento, é a substância principal da formulação de um medicamento. Ele é o responsável pela ação terapêutica de um medicamento, podendo resultar em benefícios ou malefícios para a saúde (ANVISA, 2010). Há vários tipos diferentes de fármacos, provenientes de várias fontes como vegetais, minerais, animais, síntese e semi-síntese (ROMERO,1998). Uma síntese é o processo de obtenção de moléculas complexas, como por exemplo moléculas de fármacos, a partir de moléculas mais simples. A semisíntese é a obtenção de moléculas novas a partir da modificação química de moléculas provenientes de espécies vegetais ou animais. Os fármacos apresentam estruturas químicas diversificadas, o que lhes confere diferentes atividades terapêuticas como, por exemplo, os antibióticos, usados para o tratamento de infecções, e os analgésicos, empregados para o tratamento da dor. 2.2. Abordagem CTS Atualmente, vivemos em um mundo onde a tecnologia está inserida em tudo à nossa volta. O homem navega no espaço, investiga o universo, descobre novos materiais, manipula substâncias e desenvolve equipamentos para a sua segurança, conforto e lazer (SANTOS, 2010). Como nos exemplos apresentados, é possível observar facilmente a influência e a importância da ciência e da tecnologia no comportamento humano. Essa influência e importância foram citadas por BAZZO (1998): As sociedades modernas passaram a confiar na ciência e na tecnologia como se confia em uma divindade. A lógica do comportamento humano passou a ser a lógica da eficácia tecnológica e suas razões passaram a ser as da ciência. A partir dessa realidade, surgiram várias pesquisas e debates a cerca da influência da ciência e da tecnologia sobre a sociedade (BAZZO, 10 1998). Várias discussões a respeito de como a ciência e a tecnologia interferem no ambiente social e de ensino emergiram (BRIDGSTOCK et al., 1998). Assim, surgiu a necessidade de inserir os cidadãos no contexto da ciência e da tecnologia para que sejam capazes de tomarem suas próprias decisões quanto aos problemas sociais que os envolvem. A partir dessa necessidade, estabeleceu-se a proposta de um novo modelo de ensino, que tem como ênfase principal nos currículos institucionais uma abordagem CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) dos conteúdos a serem ensinados (ROBERTS, 1991). Pode-se dizer que o movimento CTS fortaleceu-se quando as sociedades em geral começaram a fazer questionamentos sobre problemas ambientais pós-guerra, questões éticas e a qualidade de vida de cada cidadão. A partir de questionamentos como esses, as sociedades perceberam que era necessário inserir a questão CTS nos contextos políticos e nas decisões públicas de forma a contribuir para os avanços econômicos e políticos da ciência (LÓPES e CEREZO, 1996). Conforme HOFSTEIN, AIKENHEAD E RIQUARTS (1988): “CTS pode ser caracterizado como o ensino do conteúdo de ciências no contexto autêntico do seu meio tecnológico e social, no qual os estudantes integram o conhecimento científico com a tecnologia e o mundo social de suas experiências do dia-a-dia”. Roberts (1991) observou que as ênfases CTS tratam das interrelações que abordam a explicação científica, o planejamento tecnológico, a solução de problemas e a tomada de decisão sobre temas de grande importância para a sociedade. Como, por exemplo, “a ciência como atividade humana que tenta controlar o ambiente e a nós mesmos, e que é intimamente relacionada à tecnologia e às questões sociais” (ROBERTS, 1991). No final do século XX, destacavam-se como principais objetivos da educação CTS: a promoção do interesse dos estudantes em relacionar a ciência com os aspectos tecnológicos e sociais; a discussão das implicações sociais e éticas relacionadas ao uso da ciência-tecnologia; a aquisição de uma 11 compreensão da natureza da ciência e do trabalho científico; a formação de cidadãos científica e tecnologicamente alfabetizados, capazes de tomarem decisões; e desenvolver o pensamento crítico e a independência intelectual (AIKENHEAD, 1987; YAGER e TAMIR, 1993; WAKS, 1994; ACEVEDO DÍAZ, 1995; CAAMAÑO, 1995). Apesar de todas as discussões acerca dos objetivos da educação CTS, desde o século XX até o início do século XXI, é possível verificar que esses objetivos não foram alterados ao longo do tempo. DÍAZ (2003) definiu como sendo os principais objetivos da educação CTS: Aumentar a interacia científica; criar maior interesse pela ciência e tecnologia; socializar o estudo da ciência por meio de relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade; e fornecer aos alunos meios para melhorar o pensamento crítico, a resolução criativa de problemas e a tomada de decisões. De forma geral, o movimento CTS propõe ao ensino de ciências uma abordagem diferenciada de conteúdos e de procedimentos de ensino, com bases nas orientações curriculares que incluem questões abrangendo tecnologia e sociedade, assim como, conceitos científicos e estratégias de ensino que promovam aprendizado aliado à construção de uma postura cidadã (SANTOS e MORTIMER, 2000; ACEVEDO, 1996b). Pode-se dizer que todo esse contexto favoreceu de forma explícita o desenvolvimento de estudos em CTS, propagando-se em três dimensões: Ao campo da investigação, como opção à reflexão tradicional sobre a ciência e a tecnologia, promovendo uma visão não essencialista e socialmente contextualizada da atividade científica; ao campo das políticas públicas, defendendo a criação de mecanismos democráticos facilitadores da abertura dos processos de tomada de decisão em questões relativas à política científico-tecnológica; ao campo da educação, com a introdução de programas e materiais em CTS no ensino, decorrentes da nova visão da C&T (SANTOS, 2010). Para alguns autores, como Santos e Mortimer (2000) e Auler (2002), o enfoque CTS abrange desde um entendimento que considera as interações 12 CTS como um fator de motivação para o ensino de ciências, ou seja, o ensino CTS é utilizado para despertar a curiosidade em relação aos conhecimentos científico e tecnológico, em um contexto social e do dia-a-dia dos estudantes; até um fator que seja essencial à compreensão científica, ou seja, agrega a educação científica e tecnológica com seu aspecto histórico, social e ético. Segundo Santos e Schnetzer (1997), em geral, o ensino CTS tem por objetivo desenvolver a capacidade de tomada de decisão. Santos e Mortimer (2000) ainda complementam que a tomada de decisão: ...relaciona-se à solução de problemas da vida real em seus aspectos sociais, tecnológicos, econômicos e políticos, o que significa preparar o indivíduo para participar ativamente na sociedade democrática... o que implica a necessidade de o aluno adquirir conhecimentos básicos sobre filosofia e história da ciência, para compreender as potencialidades e limitações do conhecimento científico. Em suma, o movimento CTS tem como alicerce a constatação de que “o desenvolvimento da ciência e da tecnologia não necessariamente apresenta uma relação linear e automática com o bem-estar social. Dessa forma, a ciência e a tecnologia tornaram-se alvos de um olhar mais crítico” (AULER e BAZZO, 2001). Assim, as implicações desse movimento no ensino de ciências poderão ser entendidas ao tomar por base uma proposta de incorporação e discussão sobre as relações mútuas entre ciência, tecnologia e sociedade no processo que envolva ensino-aprendizagem (SILVA, 2000). Desse modo, uma orientação CTS para o ensino das ciências ao interceder na obtenção de conhecimentos científicos e no desenvolvimento de capacidades de pensamento, de atitudes na abordagem de assuntos e problemas sociais que possam envolver a ciência e a tecnologia, institui condições para que as aprendizagens se tornem úteis no dia-a-dia. Não em uma perspectiva meramente instrumental, mas em uma perspectiva de ação (VIEIRA, 2005). 13 Uma abordagem CTS pode sugerir uma abordagem interdisciplinar, formando cidadãos críticos e participativos, com uma metodologia que visa temas ambientais, aquisição de habilidades e construção de valores. Dessa maneira, os estudantes participam ativamente das aulas e o professor, enquanto mediador, permite uma construção coletiva para a solução de problemas reais da sociedade. Como a abordagem CTS trata de assuntos reais e do cotidiano dos estudantes, ela se torna um elemento motivador para a aprendizagem (LEMOS, 2009). Para Pinheiro et al. (2007), o professor é o grande articulador para garantir a mobilização dos saberes, o desenvolvimento do processo e a realização de projetos, nos quais os estudantes estabeleçam conexões entre o conhecimento adquirido e o conhecimento pretendido. Tendo como finalidade a resolução de situações-problema, de acordo com suas condições intelectuais, emocionais e contextuais. O enfoque CTS inserido nos currículos é apenas um despertar inicial para o estudante com o intuito de que ele possa vir a assumir uma postura questionadora e crítica em um futuro próximo. Implicando dizer que a educação CTS ocorre não somente dentro da escola, mas, também, fora dela (OSÓRIO, 2002). Nessa perspectiva, a educação CTS se preocupa inteiramente com os problemas sociais, de aspectos científico e tecnológico, e valoriza a construção de valores e atitudes que possam facilitar aos cidadãos uma tomada de decisão em relação à sociedade onde estão inseridos (MARTINS e PAIXÃO, 2011). O ensino CTS abandona os modelos transmissivos e os de descoberta, baseia-se em problemáticas sociais técnico-científicas de elevado cunho social e se ajusta em uma perspectiva construtivista que visa à decisão consciente, preparando o estudante para assumir seu papel, que é ser dinâmico e ativo na sociedade (MARTINS e PAIXÃO, 2011). Segundo Díaz (2003) e Martins et al (2011), a educação CTS orienta uma participação mais ativa dos cidadãos dentro de uma sociedade. É 14 considerada atualmente como uma orientação que possibilita enfrentar os avanços tecnológicos e científicos, melhorando a compreensão da relação entre ciência, tecnologia e sociedade, e trazendo várias propostas para o ensino de ciências e de outras disciplinas. 2.3. Estereoquímica A estereoquímica é o campo responsável pelo estudo das diversas possibilidades de arranjo espacial das moléculas e suas consequências (LIMA, 1997). Os estereoisômeros são substâncias que possuem a mesma fórmula molecular, mas diferem quanto ao arranjo espacial de seus átomos (LIMA, 1997). Os estereoisômeros podem ser classificados como enantiômeros ou diastereoisômeros. Os enantiômeros são substâncias que apresentam uma relação objeto-imagem especular não sobreponível (Figura 1). Eles possuem pelo menos um carbono quiral, ou seja, um carbono que está ligado a quatro átomos e/ou grupos diferentes (Figura 1). Os carbonos quirais das estruturas químicas apresentadas nesse trabalho estão identificados com um asterisco (*). Os carbonos quirais de estereoisômeros recebem as designações R ou S seguindo o sistema de nomenclatura desenvolvido pelos químicos R. S. Cahn, C. K. Ingold e V. Prelog (1966) e adotado pela International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC). Os enantiômeros são moléculas quirais, assimétricas. Um par de enantiômeros apresenta uma única diferença entre si, a propriedade de desviar a luz plano polarizada, possuindo as demais propriedades físicas idênticas (COELHO, 2001). Segundo Ferreira et al. (1996), a mistura equimolar de um par de enantiômeros é chamada de mistura racêmica. 15 H3C H * * CH3 H I H3C I (S)-2-iodobutano H3C CH3 (R)-2-iodobutano H3C H CH3 * HO H * CH3 HO (R)-2-butanol (S)-2-butanol Figura 1 – Enantiômeros Os diastereoisômeros não guardam a relação objeto-imagem especular não sobreponível (Figura 2), diferentemente dos enantiômeros (Bagatin, Simplício, Santin e Filho, 2005). H CH3 OH * HO * H Cl Cl CH3 * H CH3 (2S,3R)-3-cloro-2-butanol CH3 I H * Cl CH3 H * (2R,3S)-3-cloro-2-butanol H CH3 HO H CH3 H I H Cl Cl CH3 * CH3 OH * * Cl CHH 3 Cl CH3 * H H (2R,3R)-3-cloro-2-butano (2S,3S)-3-cloro-2-butanol * * CH3 H * CH3 I * I CH3 H * * * H CH3 H Cl CH3 (2R,3S)-3-cloro-2-iodobutano (2S,3R)-3-cloro-2-iodobutano (2S,3S)-3-cloro-2-iodobutano (2R,3R)-3-cloro-2-iodobutano Figura 2 – Diastereoisômeros 2.4. Estereoisômeros e indústria farmacêutica O reconhecimento e o desenvolvimento de fármacos como estereoisômeros puros, ao invés de mistura racêmica, tornaram-se abordagens importantes para a indústria farmacêutica, após comprovado que diferentes estereoisômeros levam a diferentes atividades biológicas (Federsel, 1993). 16 Segundo Coelho (2001), após estudos e pesquisas, muitas empresas assumiram a postura de desenvolver fármacos como enantiômeros puros para a fabricação de medicamentos, visto que cada uma das moléculas de um par de enantiômeros exerce efeitos biológicos diferentes sobre o organismo humano. “O desenvolvimento de fármacos quirais passou a ter importância concreta a partir de novas diretrizes para registro de medicamentos adotadas desde 1992 pelo „Food and Drug Administration‟, órgão de controle dos E.U.A.” (STINSON, 1992). A introdução de medicamentos contendo fármacos quirais no mercado farmacêutico teve seu avanço devido ao fato de poderem ser produzidos em escala industrial e após a identificação de reações adversas decorrentes do uso de fármacos na forma de mistura racêmica como, por exemplo, no caso do fármaco talidomida (BERMUDEZ & BARRAGAT, 1996). A tragédia da talidomida (Figura 3) foi um acontecimento na história mundial que despertou a importância da identificação da atividade biológica e tóxica, sobre o organismo humano, de diferentes estereoisômeros de um fármaco. A talidomida é um fármaco anti-inflamatório, sedativo e hipnótico. O medicamento contendo a talidomida como princípio ativo foi lançado no mercado no ano de 1956 na Alemanha, seu país de origem. Era um medicamento popular inicialmente utilizado como antigripal, e que ao ser combinado com outras substâncias passou a ter indicação clínica para tratar tosse, asma, dor de cabeça e enjoo de gestantes (BRANDÃO, 2010). A talidomida era um fármaco considerado seguro e atóxico, sendo usado na época em mais de quarenta países. Os testes de toxicidade foram realizados em ratos, aves e camundongos e não demonstraram na época sua letalidade, mesmo em caso de superdosagem desse fármaco (Portal Educação, 2013). Após 1960, inúmeros casos de anomalias congênitas começaram a ocorrer em decorrência do uso da talidomida em gestantes (BORGES, 2010). As crianças que nasceram nessa época possuíam deformações nas estruturas físicas, ausência das extremidades superiores e inferiores. Essas deformações foram caracterizadas como focomelia. Ficaram conhecidas também como 17 amelia e oligodactilia, que são braços e/ou pernas e dedos com formação incompleta (BRANDÃO, 2010). Após a tragédia da talidomida, descobriu-se que esse fármaco era racêmico e seus enantiômeros S e R (Figura 3) apresentavam propriedades biológicas diferentes. O enantiômero S-(-) era responsável pelo efeito teratogênico da talidomida e o enantiômero R-(+) apresentava ação sedativa. Antes da descoberta do efeito teratogênico da talidomida, não se tinha conhecimento sobre a diferença de efeitos biológicos de fármacos enantioméricos, assim, não foi possível evitar o problema de teratogenicidade devido ao uso da talidomida, na forma de mistura racêmica, em gestantes. Após a descoberta do efeito teratogênico de um dos enantiômeros da talidomida, o uso desse fármaco foi proibido em gestantes e restringido a ambientes hospitalares (ORLANDO; GIL; STRINGHETTA, 2007). O O HN O NH * * O O O O O (R)-talidomida Sedativo e hipnótico (S)-talidomida Teratogênico Figura 3 – Par de enantiômeros da talidomida Estudos mostram os grandes avanços na área farmacêutica, incluindo a obtenção de fármacos como um estereoisômero puro (RAMACHANDRAN & SINGLA, 2002). A partir da constatação de que diferenças isoméricas podem dar origem a diferenças na atividade biológica, o 18 reconhecimento e a possibilidade de desenvolvimento de estereoisômeros isolados passaram a ser uma abordagem de a maior importância para a indústria farmacêutica (Federsel, 1993). Assim, iniciou-se uma intensa pesquisa relacionando propriedades biológicas com substâncias enantioméricas (BERMUDEZ & BARRAGAT, 1996). Fármacos enantioméricos recebem maior atenção em estudos farmacológicos devido à possibilidade dos enantiômeros apresentarem diferentes atividades biológicas. As vias sintéticas de fármacos quirais, em sua maioria, não são enantiosseletivas levando à formação de ambos os enantiômeros (ROMERO, 1998) que, em sua maioria, são de difícil separação, pois essa separação só é possível em ambientes quirais. Assim, a síntese quiral de fármacos é técnica e economicamente mais dispendiosa. Por esses motivos, fármacos enantioméricos são quase sempre comercializados na forma de misturas racêmicas (MARZO, 1993) como, por exemplo, os fármacos fluoxetina, dexverapamil, citalopram e ibuprofeno (Figura 4). O desenvolvimento do antidepressivo (-)-(R)-fluoxetina foi abandonado por causa da mudança do regime de dosagem mais alta que o enantiômero puro trouxe ao tratamento (MCCONATHY E OWENNS, 2003). A absorção, a distribuição, a eliminação e, principalmente, o metabolismo de enantiômeros podem ser altamente específicos, pois em muitos casos são realizados por proteínas com alto grau de enantiosseletividade (HYNECK et al., 1990; CALDWELL, 1995). O enantiômero R-(+) do dexverapamil, conhecido comercialmente como verapamil, apresenta atividade farmacológica menor que o enantiômero S-(-). O verapamil é indicado para o tratamento de arritmias cardíacas e hipertensão arterial, tendo outras indicações (CREMASCO, 2013). O enantiômero do citalopram biologicamente ativo é o S-(+), responsável pela atividade antidepressiva e ansiolítica. 19 Em 1960 foi lançado no mercado o fármaco ibuprofeno, utilizado para tratar febre, dor e inflamação. Esse fármaco apresenta o enantiômero (S) ativo biologicamente e o (R) inativo. É utilizado na forma de mistura racêmica, uma vez que o enantiômero inativo é convertido dentro do organismo no enantiômero ativo, evitando possíveis efeitos colaterais. F F F O H3C H CH3 CN CH3 N O CH3 * * O O NH CH3 CH3 H3C O H3C FLUOXETINA VERAPAMIL O F * HO CH3 CH3 N CH3 * CH3 O N CH3 CITALOPRAM IBUPROFENO Figura 4 – Fármacos atualmente comercializados na forma de mistura racêmica A produção de enantiômeros puros é justificada pelo fato de que esses apresentam vantagens na sua utilização como um maior índice terapêutico, menor ou maior duração do tempo de ação (meia-vida) e menor capacidade de desenvolver efeitos colaterais no organismo humano (Therapeutics Initiative, 2003). Depois da tragédia ocorrida com a talidomida, novos modelos de estudos para fármacos quirais foram desenvolvidos (CALDWELL, 1995). A partir de então, passou-se a estudar a influência do arranjo espacial dos 20 átomos nas moléculas na interação com macromoléculas biológicas e o quanto isso influencia os processos bioquímicos, fisiológicos e farmacológicos. 3. Justificativa do tema A Química Orgânica é considerada por grande parte dos estudantes do Ensino Superior como uma disciplina de difícil compreensão. A escolha de elaborar um texto que possa auxiliar nas aulas dessa disciplina é uma tentativa de socializar o tema Estereoquímica, desmistificando o preconceito em relação à disciplina, considerando que a forma de abordar um tema em sala de aula é significantiva para um melhor aprendizado. Segundo Cremasco (2013) é notável as dificuldades que os estudantes apresentam em relação ao tema Estereoquímica no que diz respeito à abstração e visualização tridimensional de moléculas e à limitação dos recursos tradicionais que muitos professores usam em sala de aula, como o giz e a lousa. Muitos têm sido os apontamentos feitos pelos professores para tais dificuldades dos estudantes (CREMASCO, 2013) como, por exemplo, a dificuldade de compreender os conceitos e definições a partir dos modelos bidimensionais que se encontram nos livros tradicionais, pouca visão e percepção espacial dos átomos e moléculas em um plano imaginário utilizando modelos mentais. Trabalhar o tema Estereoquímica no contexto de fármacos e de outras moléculas de interesse, devido às suas aplicações na sociedade, e em uma abordagem CTS, permitirá relacionar aspectos históricos, tecnológicos e sociais que podem contribuir para a formação de cidadãos críticos “que consigam agir, tomar decisões e compreender o que está em jogo no discurso dos especialistas” (FOUREZ, 1995). A ciência visa explicar as transformações químicas de uma forma satisfatória, propondo modelos aos acontecimentos de um mundo real e em constante mudança (CHASSOT, 2010). Sendo assim, é importante que sua 21 explicação não seja dissociada do momento histórico e tecnológico, como também, não pode ser baseada unicamente na transferência de informações, sem proporcionar aos estudantes uma inter-relação do conteúdo científico com o contexto social. Sabendo que muitas pessoas fazem uso de medicamentos em algum momento da vida, é proposto que o tema Estereoquímica seja trabalhado no contexto de fármacos, além de outras substâncias de interesse da sociedade, e em uma abordagem CTS. Por intermédio de estudos na área da química medicinal, conhece-se a relação entre as estruturas químicas dos fármacos e suas ações biológicas sobre o corpo humano. Na abordagem CTS de estereoquímica, o conhecimento histórico, tecnológico e social é trazido para a sala de aula. Assim, a contextualização do tema Estereoquímica, no que se refere à química de fármacos, e uma abordagem CTS desse tema foram os estímulos necessários para o desenvolvimento desse trabalho. Desse modo, a produção de um texto, que poderá ser usado e trabalhado em sala de aula, abordando todo esse contexto é uma tarefa difícil, mas envolvente e um desafio. As atividades didáticas propostas, neste trabalho, poderão ser um instrumento para auxiliar professores em suas práticas pedagógicas. 4. Objetivo Este trabalho visa à elaboração de uma proposta de atividades didáticas que poderá auxiliar professores, nas aulas de Química Orgânica, do Ensino Superior, a discutir conteúdos do tema Estereoquímica, no contexto de fármacos e outras moléculas de interesse da sociedade, e em uma abordagem CTS. 5. Aspectos Metodológicos Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica na literatura, em artigos científicos, livros e outros materiais de autores consagrados que 22 trabalham na perspectiva de uma abordagem CTS no ensino de química envolvendo selecionados temas importantes conteúdos de como fármacos. Estereoquímica para Em seguida, estudo e foram posterior desenvolvimento do tema, do presente trabalho, envolvendo um contexto histórico e tecnológico de fármacos e outras substâncias de interesse. A partir disso, foi elaborada uma proposta de atividades didáticas que poderá ser utilizada no Ensino Superior, por professores de Química Orgânica. 6. Proposta de atividades didáticas A seguir são apresentadas atividades didáticas que foram elaboradas visando auxiliar professores durante a discussão de conteúdos do tema Estereoquímica, nas aulas de Química Orgânica, do Ensino Superior. 23 Usando modelos tridimensionais, o laboratório de química e uma abordagem CTS no processo ensino-aprendizagem de estereoquímica Resumo: A estereoquímica é um dos temas discutidos em Química Orgânica, no curso de Química, e o processo ensino-prendizagem desse tema é considerado um desafio para professores e estudantes. Isso pode ser atribuído a dificuldades como: a dificuldade de transitar nos níveis de representação dos fenômenos químicos, a dificuldade de visualizar as moléculas no nível tridimensional e a dificuldade de compreeder a aplicação e a importância desse tema dentro da sociedade, em um contexto CTS. Com o objetivo de auxiliar na resolução dessas dificuldades, foram elaboradas atividades didáticas que visam auxiliar professores durante a discussão do tema Estereoquímica, empregando-se ferramentas alternativas, como a construção de modelos tridimensionais, um programa computacional (software livre) e um experimento no laboratório de química, além de uma abordagem CTS desse tema. 1. Introdução O tema da Química Orgânica que estuda os aspectos tridimensionais das moléculas é a estereoquímica (COELHO, 2001). As moléculas podem apresentar arranjos geométricos distintos (isomeria), o que pode ter implicações como, por exemplo, o desencadeamento de efeitos biológicos completamente diferentes no organismo humano. Os estereoisômeros são substâncias que possuem a mesma fórmula molecular mas diferem quanto ao arranjo espacial de seus átomos (LIMA, 1997). Eles podem ser classificados como enantiômeros ou diastereoisômeros. Os enantiômeros são moléculas distintas que são imagens especulares uma da outra, e não se convertem espontaneamente um no outro. Para que ocorra essa conversão, é necessária a quebra e a formação de ligações químicas (BAGATIN et al, 2005). Os diastereoisômeros, 24 diferentemente dos enantiômeros, não guardam uma relação objeto-imagem. A partir de estudos sobre a estereoquímica foi possível compreender que existem substâncias que são assimétricas e capazes de desviar a luz plano polarizada, ou seja, são quirais (LIMA,1997). A quiralidade é uma propriedade geométrica (COELHO,2001). Quando uma molécula não é sobreponível à sua imagem especular, como em um espelho, ela é quiral. Caso contrário, a molécula é aquiral (LIMA, 1997). O desvio da luz plano polarizada promovida por um enantiômero é a única propriedade física que permite distingui-lo do outro enantiômero, que é a sua imagem especular. A maioria dos fármacos é comercializado na forma de mistura racêmica como, por exemplo, os fármacos talidomida e ibuprofeno (Figura 1). A síntese de fármacos enantiomericamente puros envolve custos elevados, quando comparada à síntese de fármacos racêmicos (LIMA, 1997). Segundo Bermudez e Barragat (1996), em países do Primeiro Mundo, o desenvolvimento de fármacos enantiomericamente puros tem crescido. No Brasil, estudos sobre a estereoquímica de moléculas de fármacos e sua importância terapêutica ainda são poucos (LIMA, 1997). Os fármacos enantiomericamente puros vêm sendo estudados em termos de atividade biológica pois um enantiômero puro pode apresentar efeito terapêutico desejável e o seu par pode ser o responsável por um efeito colateral ou secundário no organismo (BERMUDEZ e BARRAGAT, 1996), como ocorreu com o fármaco talidomida (Figura 1). 25 O O HO * CH3 NH * O O O CH3 CH3 Ibuprofeno Talidomida (*) centro quiral Figura 1 - Estrutura química dos fármacos Talidomida e Ibuprofeno Em alguns fármacos racêmicos, pode acontecer de somente um dos enantiômeros ser ativo no organismo, enquanto o seu par é inativo. Estudos demonstraram que isso ocorre no fármaco ibuprofeno - Figura 1 - (LIMA, 1997). Segundo Lima (1997) um fármaco pode antagonizar o efeito secundário de seu estereoisômero, quando há a presença dos dois enantiômeros juntos. O estudo do tema estereoquímica é de grande importância para a formação adequada dos estudantes dos cursos de Química, e requer desses uma visão espacial, tridimensional, de moléculas. Dentre as dificuldades dos estudantes em compreender os conceitos e definições de estereoquímica, podem-se destacar: a visão tridimensional de moléculas a partir de modelos bidimensionais convencionais encontrados nos livros didáticos; e a dificuldade de abstrair dos conceitos químicos o entendimento sobre o que ocorre com átomos e moléculas no mundo real (SOARES, 2008, apud SACHDEV et al. 2011). Nesse contexto, visando auxiliar os professores, enquanto facilitadores, no processo ensino-aprendizagem do tema Estereoquímica, a 26 seguir são apresentadas atividades didáticas para o estudo de conteúdos desse tema, dentro do contexto de fármacos e em uma abordagem CTS. Autores como Gilbert (2010), defendem que a visualização é fundamental para o ensino de química, considerando a necessidade de se aprender os modelos científicos já estabelecidos e aprender a desenvolver novos modelos de natureza tanto quantitativa quanto qualitativa. Ainda sobre modelos científicos, Justi e Gilbert (2010), lembram que a educação em química requer o aprendizado de modelos, isto é, a formação de representações mentais apropriadas, sem as quais os estudantes podem ter dificuldades de aprendizado. Na proposta de atividades apresentada a seguir, um dos modelos representacionais de substâncias a ser utilizado durante as aulas de esteroquímica será construído pelos próprios estudantes com materiais alternativos: bolas de isopor e varetas de madeira. O outro modelo representacional proposto é a utilização de um software livre para representação e visualização tridimensional de moléculas, por meio do qual é possível verificar a diferença entre estereoisômeros. É importante que os estudantes manipulem livremente as ferramentas de construção de modelos, pois é nessa etapa que acredita-se ocorrer a internalização de lógicas inerentes às representações tridimensionais (WU e SHAH, 2004 apud RAUPP et al. 2009). Segundo Marson e Torres (2010), o uso de recursos de visualização pode contribuir para melhorar o entendimento dos estudantes sobre os diferentes níveis de representação da química e como os mesmos se integram. Outra atividade proposta é a leitura de um artigo que discute o fármaco ibuprofeno e seu uso na sociedade, abrindo espaço para uma discussão sobre a química desse medicamento e seus efeitos no organismo humano, objetivando uma abordagem CTS do tema Estereoquímica. Também é proposta a realização de um experimento no laboratório de química, em que os estudantes irão diferenciar dois enantiômeros: a (+)carvona e (-)-carvona, por meio de análise sensorial e determinação da 27 atividade óptica (determinação da rotação específica). 2. Objetivo Este texto tem como objetivo apresentar atividades que possam auxiliar o professor do Ensino Superior a abordar o tema Estereoquímica, durante as aulas de Química Orgânica, por meio do uso de ferramentas alternativas, como modelos representacionais diversificados e experimentos no laboratório de química, e por meio da discussão de um texto que permita uma abordagem CTS acerca do tema Estereoquímica. 3. Atividades Atividade 1: Construindo moléculas com isopor e varetas Objetivo da atividade: Esta atividade visa à construção de moléculas, empregando-se bolas de isopor de cores diferentes e varetas, para melhor visualização espacial das mesmas, o que facilitará a compreensão de conceitos básicos de Estereoquímica, por parte dos estudantes. Observações: 1) As bolas de isopor devem estar pintadas com cores variadas para identificação de cada átomo: sugere-se que as bolas pretas representem átomos de carbono; brancas representem átomos de hidrogênio; vermelhas representem átomos de oxigênio; bolas na cor azul representem átomos de nitrogênio; cinzas representem os átomos de cloro; e as bolas na cor roxa representem átomos de bromo, para melhor visualização. 2) É importante que o professor reforce que as moléculas construídas são modelos que não representam as dimensões reais das moléculas e que existem mais de um estereoisômero para cada molécula construída. 28 Propõe-se ao professor que: Iinicie a aula diferenciando os tipos de isômeros: os isômeros constitucionais e os estereoisômeros (enantiômeros e diastereoisômeros). Na sequência, trabalhe os conceitos de centro quiral e quiralidade. Nesse momento da aula, propõe-se que os estudantes se organizem em grupos de quatro integrantes para a construção de modelos moleculares, utilizando as bolas de isopor e as varetas, disponibilizadas conforme citado anteriormente. O professor poderá propor aos estudantes que montem as seguintes moléculas: 2-bromopentano e 2,3dibromobutano (Figura 2). Br Br H3C CH3 H3C CH3 * H * H (S)-2-bromopentano H CH3 Br * Br * H Br CH3 (S,R)-2,3-dibromobutano CH3 H * * Br (R)-2-bromopentano Br CH3 H * H H * CH3 (R,S)-2,3-dibromobutano CH3 Br (R,R)-2,3-dibromobutano Br * * H CH3 Br H CH3 (S,S)-2,3-dibromobutano (*) centro quiral Figura 2 – Enantiômeros, diastereoisômeros e composto meso. Utilize as moléculas construídas para falar sobre configuração absoluta R e S. Ele poderá solicitar aos estudantes que identifiquem o(s) centro(s) quiral(is) em cada molécula construída e determinem a configuração de cada um desses. 29 Solicite aos estudantes que montem a imagem especular de cada molécula construída. Nesse momento, o professor abordará o conceito de enantiômeros e identificará, junto com os estudantes, os pares de enantiômeros construídos. Em seguida, discuta os conceitos de plano de simetria e composto meso. E solicite aos estudantes que identifiquem se há algum composto meso entre os modelos construídos. Discuta sobre atividade ótica de enantiômeros puros, usando os enantiômeros já construídos. Nesse momento, o professor poderá explicitar que dois enantiômeros desviam a luz plano polarizada em sentidos opostos (direita / esquerda) e na mesma quantidade de graus, gerando um ângulo de rotação α: positivo (destrógiro) ou negativo (levógiro); e que esse ângulo de rotação α, observado na prática, conforme será abordado na atividade 3 proposta nesse texto, é utilizado para calcular o valor de [α]D (rotação específica) de cada enantiômero, explicando como calcular o [α]D e o seu significado. Discuta o conceito de mistura racêmica e inatividade óptica da mesma, citando exemplos de fármacos como o ibuprofeno (Figura 1). As misturas racêmicas ou racematos são misturas que contém quantidades iguais de enantiômeros e são oticamente inativas. Atividade 2: Abordagem CTS de Estereoquímica Objetivo da atividade: Esta atividade visa à leitura do texto “O ibuprofeno: um fármaco com sucesso” e sua posterior discussão em uma visão CTS. Propõe-se ao professor que: Peça aos estudantes que leiam o texto “O ibuprofeno: um fármaco com sucesso”, escrito por Luísa Marques, que pode ser acessado na internet, no endereço: http://www.videos.uevora.pt/quimica_para_todos/qpt_ibuprofeno.pdf. 30 Durante a leitura os estudantes deverão identificar no texto informações sobre o fármaco ibuprofeno como: história do seu surgimento no mercado farmacêutico (desde sua síntese até à sua comercilaização), as indicações de uso do ibuprofeno na sociedade, aspectos químicos desse fármaco (propriedades estruturais), possíveis reações adversas e outras informações importantes para a discussão desse fármaco em uma visão CTS. Desenhe na lousa a estrutura química do ibuprofeno, identificando o centro quiral (Figura 1). Inicie a discussão sobre o fármaco ibuprofeno buscando relacionar o conteúdo químico (incluindo a estereoquímica desse fármaco), a tecnologia que ele representa e a sociedade em que ele é utilizado. Nesse momento os estudantes deverão apresentar as informações sobre o ibuprofeno trazidas pelo texto, e que identificaram conforme solicitado anteriormente pelo professor, bem como as informações que possuem sobre esse fármaco, devido à sua experiência de utilização do mesmo em algum momento da vida. Trabalhar com textos em sala de aula pode ser uma ferramenta alternativa para o ensino de Química, pois, permite a problematização de assuntos relacionados ao cotidiano dos estudantes, o que incentiva o diálogo em sala de aula e favorece a formação de um cidadão mais crítico e consciente. Atividade 3: A tecnologia a favor da estereoquímica Objetivo da atividade: Esta atividade visa à construção de moléculas de fármacos, utilizando um software livre, que permitirá o giro e a movimentação das moléculas construídas, em diversas direções e posições, podendo facilitar a compreensão de conceitos básicos de Estereoquímica. Propõe-se que o professor: 31 Apresente aos estudantes um software livre utilizado para construção e manipulação de moléculas, previamente instalado nos computadores do laboratório de informática da instituição de ensino superior. E instrua os estudantes sobre como utilizar essa ferramenta O uso de softwares está cada vez mais sendo inserido nas aulas de química para auxiliar na visualização de moléculas isoméricas. Propõe-se o uso do software livre ChemSketch. Esse programa pode facilitar a visualização de modelos moleculares em duas e três dimensões, e possibilitar o giro e a movimentação de moléculas no espaço em diversas direções e posições. Permita que os estudantes manipulem o software livremente para que eles construam seus próprios modelos. E instrua-os quanto à utilização do ChemSketch, como brevemente descrito a seguir. Ao acessar o ChemSketch e clicar no ícone “Structure”, na barra superior, será possível o desenho da estrutura de moléculas. Na barra vertical à direita, é possível selecionar estruturas já desenhadas como benzeno, cicloexano, ciclopentano e outros ciclos. Na barra horizontal superior, pode-se clicar nos ícones “Draw Continuous”, “Draw Chains” ou “Draw Normal”. Para selecionar diferentes átomos como, por exemplo, “C”, “H”, “N”, clicar no ícone representando o símbolo do átomo desejado, situado na barra vertical à esquerda. Solicite aos estudantes que construam a molécula do fármaco ibuprofeno (Figura 1), seguindo-se os passos abaixo: Na barra horizontal superior, clicar no ícone “Structure”, na página principal do programa. Em seguida clicar na estrutura do “benzene”, na barra vertical à esquerda para iniciar a construção da molécula de um dos esteroisômeros do ibuprofeno. Logo após, clicar em “Draw Continous”, depois em “C” para continuar a construção da molécula. Também será necessário o átomo de oxigênio - “O”, que se encontra abaixo do átomo de carbono - “C”. Para inserir ligação dupla, clica-se uma vez na ligação já existente, duas vezes para inserção de ligação 32 tripla. Além da estrutura plana (bidimensional) desenhada, o ChemSketch permite visualizações em 3D. Solicite aos estudantes que selecionem a molécula construída e cliquem no menu “ACD/Labs” posicionado na barra superior. Em seguida, 33 cliquem na opção “3D Viewer”, para abrir a tela onde a molécula poderá ser visualizada e manipulada em três dimensões. É possível girar a molécula ao clicar no ícone “Alto Rotate”, na barra superior e, também, trabalhá-la no espaço em modo “Wireframe”, “Spacefill”, “Dots Only”, dentre outros. As configurações R e S da molécula construída podem ser visualizadas ao clicar no ícone “Invert Center”, localizado na barra superior da tela. Solicite aos estudantes que construam um dos estereoisômeros dos fármacos naproxeno e salbutamol (Figura 3), seguindo os mesmos passos para a construção da molécula de um dos estereoisômeros do ibuprofeno. H3C CH3 * HO NH CH3 HO O O CH3 * CH3 SALBUTAMOL OH H3C NAPROXENO (*) centro quiral Figura 3 – Estrutura química dos fármacos salbutamol e naproxeno 34 Atividade 4: A influência da estereoquímica no odor Objetivo da atividade: Esta atividade visa à diferenciação de um par de enantiômeros, (+)-carvona e (-)-carvona, por meio da característica sensorial e da rotação específica de cada uma. Ao final das aulas sobre o tema Estereoquimica, é proposto ao professor trabalhar o experimento para a diferenciação de dois enantiômeros, (+)-carvona e (-)-carvona (Figura 4), com os estudantes no laboratório de química. Inicialmente os estudantes deverão realizar uma análise sensorial dos dois enantiômeros e distinguir a diferença de odor entre eles. A (+)carvona está presente no óleo de alcavária e a (-)-carvona no óleo de hortelã, apresentando odores característicos que permitem distingui-las. CH3 CH3 O O * * H3C CH3 H3C CH2 H2C (-)-carvona Odor de Hortelã CH3 (+)-carvona Odor de Alcavária (*) centro quiral Figura 4 – Enantiômeros da carvona Segundo Pavia et al. (2009), um escocês chamado R. W. Moncrieff, em 1949, trouxe novamente a teoria de que existe um sistema de células receptoras de vários tipos e formas diferentes na área olfativa do nariz. Devido a isso, verifica-se que substâncias, cujas moléculas têm formas semelhantes, 35 se diferem na qualidade do odor quando chega ao nariz. Foi postulado por J. E. Amoore no ano de 1970 que os sítios receptores do nariz são quirais, portanto, os enantiômeros de uma certa substância podem ter odores diferentes (PAVIA, 2009). É o caso da (+)carvona e (-)-carvona que serão avaliadas no laboratório. Após a análise sensorial, os estudantes deverão realizar o experimento descrito a seguir para diferenciar os enantiômeros, (+)-carvona e (-)-carvona, por meio da capacidade de cada um em desviar a luz plano polarizada (rotação específica). O experimento consiste em medir 100 microlitros, do padrão de (+)carvona, em uma seringa de 1 mL e transferi-los para um balão volumétrico de 10 mL; Completar o volume do balão com clorofórmio (C = 9,6 mg/mL), homogeneizando a solução preparada. Repetir os passos descritos acima para a (-)-carvona. Posteriormente, proceder à leitura da rotação óptica (α) de cada uma das soluções preparadas. Utilizando clorofórmio como branco. Em seguida, calcular a rotação específica [α]D da (+)-carvona e (-)carvona empregando a seguinte equação: [α]D = 100.α l.C onde: α – rotação óptica observada l – caminho óptico do tubo de polarímetro em dm C – concentração da solução em mg/mL Usar a tabela de conversão do polarímetro para transformar a rotação óptica observada na rotação óptica específica, [α]D calculados. Dados: (-)-carvona [α]D = - 62,5° (+)-carvona [α]D = + 61,7° 36 4. Conclusões A estereoquímica é um conteúdo muito importante a ser estudado na disciplina de Química Orgânica, nos cursos de Química e Farmácia, pois estuda as possibilidades de arranjo espacial de moléculas e as propriedades químicas que podem resultar desses arranjos. Visando solucionar algumas das dificuldades encontradas por professores no processo ensino-aprendizagem do tema Estereoquímica, a proposta de atividades didáticas apresentada nesse trabalho traz atividades usando modelos tridimensionais, o laboratório de química e a discussão de um texto sobre o fármaco ibuprofeno que aborda desde o surgimento até seu uso no cotidiano, em uma abordagem CTS acerca do tema. A forma de trabalhar o tema Esteroquímica pode desmistificar a ideia de que esse é um tema de difícil compreensão. A construção de moléculas por meio de materiais alternativos, como bolas de isopor e varetas, e de um software podem permitir aos estudantes uma visão tridimensional das moléculas, necessária para a compreensão dos diferentes tipos de esteroisômeros e das configurações R e S de átomos. A leitura e discussão do texto sobre o fármaco ibuprofeno permite aos estudantes relacionar conteúdos químicos com o cotidiano. A determinação da atividade ótica de diferentes estereoisômeros, no laboratório de química, permite verificar o efeito da estereoquímica das moléculas sobre interações moléculasreceptores no organismo, como no caso da diferenciação de odores. 5. Referências Bibliográficas BARREIRO, E. J. Substâncias Enantioméricas Puras (SEP): A questão dos fármacos quirais. Química Nova, 20(6) 1997, pag. 647-658. BERMUDEZ, J. A. Z.; BARRAGAT, P. Medicamentos quirais: da dimensão química à discussão política. Cad. Saúde Pública. Vol.12, n. 1, RJ. Jan./Mar. 1996. COELHO, F. A. S. Fármacos e Quiralidade. Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola. N° 3 – Maio 2001. 37 LIMA, V. L. E. Os fármacos e a quiralidade: uma breve abordagem. Química Nova, 20(6), 1997, pag. 657-663. PAVIA, D. L.; LAMPMAN, G. M.; KRIZ, G. S.; ENGEL, R. G. Química Orgânica Experimental – Técnicas de escala pequena. 2ª edição, pag. 102-108, 2009. TERUYA, L. C.; MARSONI, G. A; FERREIRA, C. R; ARROIO, A. Visualização no ensino de química: apontamentos para a pesquisa e desenvolvimento de recursos educacionais. Quím. Nova vol.36 no.4, 561- 569, São Paulo, 2013. MARQUES, Luísa. Centro de Química e universidade de Évora. Disponível em: www.videos.uevora.pt/quimica_para_todos/qpt_ibuprofeno.pdf. Acesso em 5 de outubro de 2015. 38 7. Conclusões No presente trabalho foram propostas atividades didáticas para auxiliar professores na discussão do conteúdo Estereoquímica, durante as aulas de Química Orgânica, do Ensino Superior. A proposta de atividades traz uma contextualização da Estereoquímica no que tange a fármacos e outras moléculas de interesse da sociedade, além de uma abordagem CTS desse tema, como uma tentativa de desmistificar que o processo ensinoaprendizagem do conteúdo Estereoquímica é um desafio difícil de ser vencido. As atividades didáticas propostas podem possibilitar uma abordagem do conteúdo Estereoquímica de forma mais dinâmica, significativa e interativa, ou seja, favorável ao aprendizado do estudante. Dessa forma, essas atividades podem permitir uma interação do estudante com o tema, o que pode contribuir para o desenvolvimento de uma visão tridimensional das moléculas trabalhadas pelos professores em sala de aula. Essa interação também poderá levar à compreensão dos conceitos e definições de Esteroquímica, em um contexto tecnológico e social do cotidiano dos estudantes, ou seja, em uma abordagem CTS. 8. Referências Bibliográficas MALDANER, A. Coleção Educação em Química. Ijuí: Ed. Unijuí. Pag. 67-87, 2007. AULER, D. Enfoque ciência-tecnologia-sociedade: Pressupostos para o contexto brasileiro. Ciência & Ensino, vol. 1, número especial, novembro de 2007. BARREIRO, E. J. Substâncias Enantioméricas Puras (SEP): A questão dos fármacos quirais. Química Nova, 20(6) 1997, pag. 647-658. 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