Da Usucapião Especial Coletiva Urbana: Aplicabilidade ao

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
Da Usucapião Especial Coletiva Urbana:
Aplicabilidade ao caso concreto da
Comunidade da Vila Santa Rosa.
ACADÊMICA:VANESSA MORAES DE GOUVÊA
São José, maio de 2007.
1
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
Da Usucapião Especial Coletiva Urbana:
Aplicabilidade ao caso concreto da
Comunidade da Vila Santa Rosa.
Projeto apresentado como requisito final
da Disciplina Orientação de Monografia I,
Curso de Direito, Centro de Educação
Superior VII da Universidade do Vale do
Itajaí.
ACADÊMICA: VANESSA MORAES DE GOUVÊA
Orientador: Professor Dr. Ricardo Stanziola Vieira
São José, maio de 2007.
2
AGRADECIMENTO
Agradeço ao meu pai, Djalma, por me
ensinar pelas mais variadas formas que
sempre é possível mudar, agradeço,
igualmente a minha mãe, mulher de muita
força e ternura no olhar. Agradeço aos meus
irmãos, Juliano e Philipe e à minha irmã,
Isabella, por simplesmente fazerem parte da
minha, tornando-a especial. Agradeço aos
meus amigos e amigas, em especial,
Marcela, Leandra, Natália, Lara, Lia, Lilá,
Bete, Valéria, por todo carinho dedicado e
por serem simplesmente as parceiras mais
certas em todas as horas. Agradeço ao meu
orientador Ricardo Stanziola Vieira, por todo
apoio e atenção e por sempre ter confiado
no meu trabalho. Agradeço ao Sr. Làzaro
Daniel, pessoa de muito carisma, o qual
contribui de forma relevante para este
trabalho, agradeço, também ao Dr. Luís
Cláudio Fritzen, que de forma extremamente
solicita colaborou para esta monografia.
Agradeço a todos aqueles que de uma
forma ou de outra, contribuíram para o
desempenho deste trabalho.
3
SUMÀRIO
RESUMO .........................................................................................................6
ABSTRACT......................................................................................................7
INTRODUÇÃO.................................................................................................8
CAPÍTULO 1...................................................................................................11
DIREITOS DAS COISAS: POSSE, PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO
SOCIOAMBIENTAL
1.1 Origem e Conceituação de Posse..........................................................11
1.1.1Breve síntese histórica.........................................................................12
1.1.2 Conceito de Posse e seus elementos constitutivos.........................14
1.2 Da Propriedade........................................................................................19
1.2.1 Origem e conceito da propriedade.....................................................20
1.3 Função Social da Propriedade...............................................................26
CAPÍTULO 2...................................................................................................31
POLÍTICA URBANA NACIONAL: PANORAMA JURÍDICO DA USUCAPIÃO
2.1 O instituto da usucapião..........................................................................31
2.1.1 Adoção do gênero feminino.................................................................31
2.1.2 Origem e fundamento do instituto da usucapião...............................32
2.1.3 Conceito de usucapião.........................................................................35
2.1.4 Requisitos..............................................................................................37
2.1.5 Modalidades do instituto da usucapião..............................................41
2.2 Da usucapião especial coletiva urbana.................................................47
2.2.1 O Artigo 9° do EC – usucapião individual urbano.............................48
2.2.2 O artigo 10 do EC – usucapião especial coletiva urbana.................49
2.2.2.1 Parágrafo 1° do artigo 10 e a accessio possessionis....................52
4
2.2.2.2 Parágrafo 2° do artigo 10 e a sentença judicial..............................53
2.2.2.3 Parágrafo 3° do artigo 10 e a atribuição de frações ideais de
terreno...............................................................................................................54
2.2.2.4 Parágrafo 4° e 5°do artigo 10 e o condomínio especial ..................55
2.2.3 O artigo 11 do Estatuto da Cidade....................................................... 57
2.2.4 O artigo 12 do Estatuto da Cidade – Legitimidade para agir............. 58
2.2.5 O artigo 13 do Estatuto da Cidade – matéria de defesa................... ..62
2.2.6 O artigo 14 do Estatuto da Cidade e a previsão do Rito Sumário..... 63
CAPÍTULO 3..................................................................................................... 65
APLICABILIDADE DA USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVA URBANA AO
CASO CONCRETO DA COMUNIDADE DA VILA SANTA ROSA
3.1 A participação popular no Estatuto da Cidade e exemplos de aplicação
da usucapião especial coletiva urbana........................................................ 65
3.2 Breve contextualização histórica acerca da Comunidade da Vila Santa
Rosa e síntese do processo judicial............................................................. 71
3.3 Estudo de caso: aplicabilidade do instituto da usucapião especial
coletivo urbana ao caso concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa.... 81
Considerações finais...................................................................................... 84
Referências Bibliográficas..............................................................................88
Anexos..............................................................................................................93
5
RESUMO
A presente monografia teve por finalidade tecer algumas considerações sobre
a posse e a propriedade, focalizando o instituto da usucapião. Procuramos
analisar a posse sob a ótica das teorias de Savigny e de Lhering, bem como
nas demais doutrinas vigentes em nosso ordenamento pátrio, centrando nosso
estudo na observação de sua natureza jurídica, além de seus pressupostos e
sua classificação, detendo-nos, ainda que ligeiramente, na função social da
propriedade, para desenvolver o estudo sobre a usucapião especial coletiva
urbana, prevista no Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/2001) e que visa
instrumentalizar o disposto na Constituição Federal de 1988, em seus artigos
182 e 183. Diante do regramento específico conferido pelo Estatuto da Cidade,
objetiva-se estudar a usucapião especial coletiva urbano, em face do seu
caráter inovador e afeto à função socioambiental da propriedade, vetor da atual
política urbana nacional. Neste sentido, procuramos investigar sobre a possível
aplicação do novel instituto ao caso concreto da Comunidade da Vila Santa
Rosa, localizada no bairro Agronômica, no município de Florianópolis.
Palavras-chave: Posse. Propriedade. Usucapião. Comunidade da Vila
Santa Rosa
6
ABSTRACT
The present monograph aimed at making some remarks on ownership and
property, with the main focus on the institute of the usucapio. We tried to
analyze the concept of ownership under the theory of Savigny and Lhering, as
well as under other contemporary doctrines, focusing our study in the
observation of its juridical nature, considering its presuppositions and its
classification, more specifically, yet briefly, in the social function of property, in
order to develop the study of the special urban collective usucapio, as foreseen
in the Estatuto da Cidade (Law number 10.257/2001), that aims at making the
1988 Brazilian Federal Constitution viable, in its articles 182 and 183.
Considering the specific rules stablished by the Estatuto da Cidade, the
objective of the present work is to study the special urban collective usucapio, in
relation to its innovative features and association with the social and
environmental function of the property, aspect that guides the Brazilian urban
policy. Thus, we aimed at investigate the feasible application of the novel
institute to the concrete case of the community of Vila Santa Rosa, located in
Agronômica, district of the city of Florianópolis.
Keywords: Ownership. Property. Usucapio. Community of Vila Santa Rosa
7
INTRODUÇÃO
A partir da década de 1980, uma das grandes questões em torno das
quais se mobilizaram e organizaram os grupos populares foi a (questão) da
política urbana, sendo que, durante o processo de elaboração da Carta Magna
de 1988, movimentos originados de diversos setores da sociedade brasileira
passaram a reivindicar a inclusão de dispositivos que assegurassem a
observância da função social da propriedade e da cidade no texto
constitucional. Assim, tais manifestações expressaram o processo de
construção da cidadania, criando no espaço urbano a arena pública em que se
manifesta a correlação de forças entre os atores sociais e em que se dá o
exercício dos direitos sociais por meio da democratização do acesso a esse
espaço.
De sorte que a Constituição Federal, promulgada em 1988, inovou ao
reservar um capítulo inteiro à Política Urbana, em seus artigos 182 e 183,
trazendo, ainda, pela primeira vez ao ordenamento jurídico brasileiro, a
modalidade do instituto da usucapião especial de imóvel urbano, prevista na
forma individualizada e que, portanto, carecia de instrumentalização por meio
de lei ordinária, conforme se constataria ante a realidade brasileira dos
próximos anos, no tocante às populações de baixa renda, habitantes das
favelas.
Neste sentido, já nos idos de 2001, foi sancionada a Lei Federal n°
10.257/2001,
denominada
Estatuto
da
Cidade,
que
regulamenta
os
instrumentos de política urbana a serem aplicados pela União, Estados e
Municípios, por meio de princípios e diretrizes gerais. Essa lei revela-se de
suma importância para o aparato legislativo nacional, em virtude de seu
marcante espírito democrático, pois traz a participação popular para o seio da
discussão da política urbana, exigindo que os governantes construam essa
política em permanente diálogo com a sociedade, sendo um mecanismo de
extrema relevância na construção da democracia participativa em coexistência
com o modelo representativo.
O Estatuto da Cidade revela uma nítida preocupação em relação à
regularização fundiária, tanto que em seu artigo 9° reproduziu o texto
8
constitucional do artigo 183 e o denominou de usucapião especial individual de
imóvel urbano. Além disso, inovou ao introduzir a modalidade de usucapião
especial coletivo de imóvel urbana, em seu artigo 10, preenchendo a lacuna
existente no ordenamento jurídico no tocante à possibilidade de aquisição da
propriedade e de urbanização de núcleos habitacionais degradados.
A partir disso, tem-se que o objetivo da presente monografia é investigar
a possibilidade de aplicação do instituto da usucapião especial coletiva urbana
ao caso concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa, localizada no bairro da
Agronômica, no município de Florianópolis, tendo em vista a ação de
reintegração de posse que foi interposta contra vinte famílias ocupantes de um
terreno que originalmente era de terras de marinha.
Para tanto, no capítulo 1, parte-se do estudo do direito das coisas,
delineando-se a origem e o conceito de posse e seus elementos constitutivos,
bem como a origem e o conceito de propriedade e suas principais
características e, por último, a função social da propriedade.
Já no capítulo 2, procede-se à análise do instituto da usucapião, inserido
na política urbana nacional. Dessa forma, pontuou-se a adoção do gênero
feminino em relação ao vocábulo usucapião, buscou-se situar a origem e o
fundamento do referido instituto, bem como seu conceito, seus requisitos e as
suas modalidades previstas no arcabouço jurídico, posto que essa temática
tem relação direta com o tema proposto, uma vez que tem por objetivo analisar
a aplicação da modalidade do instituto da usucapião especial coletiva de imóvel
urbana, contemplada neste capítulo.
Por fim, no capítulo 3, apresenta-se o objeto de estudo mais
especificamente, sendo que num primeiro momento se aborda a questão da
participação popular na perspectiva do Estatuto da Cidade e serão pontuados
dois exemplos de aplicação da usucapião especial urbana de forma coletiva. A
seguir,
realizou-se
uma
breve
contextualização
histórica
acerca
da
Comunidade da Vila Santa Rosa e uma síntese do processo judicial interposto
contra as vinte famílias da localidade. Finalmente, buscar-se-á analisar a
aplicabilidade da usucapião coletiva ao caso concreto da respectiva
Comunidade.
9
Quanto à metodologia empregada, registra-se que foi utilizado o método
dedutivo, no qual parte-se do genérico para o específico. Pois para que
pudéssemos entender o instituto da usucapião especial coletiva urbana, fez-se
necessário expor algumas noções gerais sobre os institutos da Posse, da
Propriedade e da usucapião. Para que, então, se tornasse possível estudarmos
a possibilidade de aplicação da modalidade coletiva de usucapião ao caso
concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa.
Como técnicas de investigação foram utilizadas fontes bibliográficas, as
quais garantiram o suporte teórico, assim como fontes documentais, a exemplo
do processo judicial pendente sobre o tema escolhido e das leis
complementares aprovadas pela Câmara dos Vereadores do município de
Florianópolis, além de matérias jornalísticas, publicadas em sites e que deram
visibilidade ao caso.
10
CAPÍTULO 1
DIREITOS DAS COISAS: POSSE, PROPRIEDADE E SUA
FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL
1.1 Origem e Conceituação de Posse
Para que possamos entender a aplicação do instituto da usucapião fazse necessária a explanação da origem e do conceito de posse, posto que a
usucapião é o modo originário de aquisição da propriedade pela posse
contínua e prolongada, de forma mansa e pacífica, durante certo lapso
temporal, observados os ditames legais, e que pode recair sobre bens móveis
e imóveis.
Nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 28), a doutrina
tradicional enuncia ser a posse relação de fato entre a pessoa e a coisa. A nós
parece mais acertado afirmar que a posse trata de estado de aparência
juridicamente relevante, ou seja, estado de fato protegido pelo direito. Se o
Direito protege a posse como tal, desaparece a razão prática, que tanto
incomoda os doutrinadores, em qualificar a posse como simples fato ou como
direito.
Com isso, podemos entender que há uma proteção do estado de
aparência na posse, da situação de fato, capaz de explicar e justificar a
compreensão desse estado de fato que vincula o sujeito à coisa, e que pode
não corresponder ao efetivo estado de direito, mas que, no entanto, não
prejudica a avaliação deste por meios probatórios e seguros, posteriormente.
Todavia, esse estado de aparência, que inicialmente pode surgir sem substrato
jurídico, pode servir para a aquisição da propriedade. Esse é o sentido da
usucapião. (VENOSA, 2006, p. 28) E sendo a posse continuada por certo
tempo um dos fundamentos da usucapião, esse estado de aparência surge
como base para um direito, pressupondo até mesmo a compreensão e a
definição legal de propriedade e dos demais direitos reais, tendo em vista,
ainda, a relação destes para com a destinação econômica da coisa, ou seja,
sua função social.
11
1.1.1 Breve síntese histórica
Faz-se necessário compreendermos o instituto jurídico da posse em sua
origem, vale dizer, em uma perspectiva histórica, posto que seja possível
identificá-lo em diversos momentos históricos, repercutindo nas relações
estabelecidas entre indivíduos, apresentando-se ora como fenômeno social,
ora como fato de ordem política ou, ainda, como fato econômico.
Cientes de que a relação do serem humanos com os bens materiais é
antiqüíssima, remontando a tempos imemoriais, é notória a impossibilidade de
identificar quando surgiu a noção de posse, sendo que, em sua concepção
primitiva, se trata de um vínculo estabelecido entre um indivíduo ou um grupo e
um determinado bem da vida, conforme Mezzomo.1 Tal vínculo pode expressar
um caráter exclusivamente individual, por meio do qual um indivíduo se
reconhece com senhoria sobre um bem, ou pode apresentar o reconhecimento
por terceiros, entenda-se, a institucionalização.
Assim sendo, a consideração do que seria a posse para as primitivas
sociedades, bem como os reduzidos conhecimentos sobre detalhes da sua
organização, sobretudo pela falta de registros, faz com que a busca por tal
gênese não passe de meras especulações, haja vista que somente com o
advento da era histórica, é que se passa a ter subsídios seguros para aferir o
instituto jurídico da posse.
Neste sentido, Astolpho Rezende (2000) nos ensina que:
a posse e a propriedade aparecem em constante relação entre os
homens; a posse é um fato natural; a propriedade uma criação da lei.
Como nasceram uma e outra? É inútil investigar-se, através das
diversas teorias imaginadas e desenvolvidas pelos filósofos e pelos
juristas, a origem da propriedade, porque, frente a fenômenos
jurídicos, é bastante que pesquisemos a origem desses fenômenos
na organização romana, porque foi Roma que organizou o Direito,
2
com uma extensa projeção sobre o futuro.
1
MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A posse: uma digressão histórico-evolutiva da posse e de sua tutela
jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 739, 14 jul. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6985>. Acesso em: 19 de janeiro de 2007.
2
Astolpho Rezende. A posse e sua Proteção, 2. ed. São Paulo: Lejus, 2000, apud MEZZOMO, Marcelo
Colombelli. A posse: uma digressão histórico-evolutiva da posse e de sua tutela jurídica. Jus Navigandi,
Teresina, ano 9, n. 739, 14 jul. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6985>. Acesso em: 19 de janeiro de 2007.
12
Basicamente, a estruturação do Direito Ocidental deve-se ao Direito
Romano, assim desde o início da mesma a posse vem recebendo tratamento
jurídico. Conforme nos explica Marcelo Colombelli Mezzomo (2005), a perfeita
dicotomia da propriedade e da posse, porém, parece somente ter surgido a
partir da promulgação da Lei das XII Tábuas. 3
Com a queda de Roma, todo esse legado cultural foi transmitido ao
Direito Medieval, que resulta da junção do Direito Romano, do Direito Canônico
e do direito consuetudinário das tribos que habitavam o norte da Europa.4
Todavia, as concepções presentes no Direito Medieval, com destaque
para o Direito Canônico, vigeram até a Revolução Francesa, sendo que os
ideais que a motivaram romperam com o modelo feudal de propriedade,
retomando o conceito unitário de que sobre a mesma coisa não deveria haver
mais de um proprietário. Demonstra-se, dessa maneira, que mesmo que as
legislações do começo do século XIX tenham sido construídas a partir de
postulados científicos, não diferiam muito do Direito Romano, principalmente,
no que diz respeito ao enfoque em relação ao indivíduo.
Assim, o modelo do Estado Liberal, oriundo da Revolução Francesa, não
tardou a apresentar problemas, em virtude do processo de industrialização, das
precárias condições de trabalho, bem como devido à grande concentração de
camadas mais abastadas nos centros urbanos, que culminou no seu
crescimento desregrado. E foi nesse contexto inicial do século XX, marcado por
inúmeros processos revolucionários, pela Primeira Guerra Mundial, pela
ascensão do neocolonialismo, que houve o advento do Constitucionalismo
Social.
Há que se ressaltar a conclusão do supramencionado autor, Marcelo
Colombelli
Mezzomo
(2005,
p.26-27),
de
que
”ressalvadas
algumas
modificações, podemos afirmar que os instrumentos de proteção possessória
mantiveram-se fiéis ao Direito Romano desde então, não obstante as
3
MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A posse: uma digressão histórico-evolutiva da posse e de sua tutela
jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 739, 14 jul. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6985>. Acesso em: 19 de janeiro de 2007.
4
Ibidem, p 26.
13
transformações
operadas
a
partir
da
Revolução
Francesa
e
do
Constitucionalismo Social.”
Necessário se faz enfatizar as palavras de Pontes de Miranda (1971, p.
49) acerca da diferença entre a concepção romana de posse e a moderna, o
qual esclarece que:
A diferença entre a concepção da posse no direito contemporâneo, e
a concepção romana da posse não esta apenas na composição do
suporte fático (nem animus nem corpus, em vez de animus e corpus,
ou de corpus, à maneira de R. von Ihering): está na própria relação
(fática) de posse, em que os sistemas antigos viam o laço entre a
pessoa e a coisa, em vez de laço entre pessoas. No meio do
caminho, está a concepção de I. Kant, que é a do empirismo
subjetivista (indivíduos e sociedade humana), a partir da posse
comum (Gesamtbesitz) dos terrenos de toda a terra.
Como observa Serpa Lopes (1996, p. 116-117), “a concepção romana
ainda é a da relação entre homem e coisa”, contrariando o disposto pelo Direito
Contemporâneo sobre a inexistência da relação entre homens e coisas, mas
somente entre homens, tendo por objeto coisas. Contudo, o Direito Romano se
fez tão relevante que ainda hoje deita suas influências no mundo ocidental.
1.1.2 Conceito de Posse e seus elementos constitutivos
Superada a contextualização histórica do instituto da Posse, cumpre
elucidar alguns conceitos doutrinários sobre o tema. Segundo alguns
doutrinadores, a exemplo de Maria Helena Diniz e Sílvio de Salvo Venosa, a
tarefa de definir a posse é árdua, pois tudo quanto a ela se vincula é motivo de
divergência doutrinária, sendo que seu conceito talvez nunca alcance a
unanimidade na doutrina e nas legislações (VENOSA, 2006).
Ainda na esteira dos ensinamentos do jurista Sílvio de Salvo Venosa,
temos que, para a compreensão do instituto da posse, devem ser
caracterizados os dois elementos integrantes do conceito, quais sejam eles, o
corpus e o animus.
Consoante, o autor explica que: “O corpus é a relação material do
homem com a coisa, ou a exterioridade da propriedade. Esse estado, explicado
14
anteriormente, é caracterizador da aparência e da proteção possessória.”5 E,
ainda: “O animus é o elemento subjetivo, a intenção de proceder com a coisa
como faz normalmente o proprietário.”(2006, p. 37)
A partir da compreensão desses dois elementos, chegamos a dois
conceitos diversos do que seja a posse, tendo em vista as clássicas posições
de Savigny e Jhering, sendo este autor da teoria objetiva, e aquele, autor da
teoria subjetiva, as quais detonaram infindáveis posições intermediárias
(VENOSA, 2006).
Partindo-se do estudo dessas duas teorias, temos que a teoria de
Savigny:
[...] denominada subjetivista, reconhece a posse mediante a
conjugação de dois elementos: corpus (efetivo contato físico com a
coisa ou mera possibilidade de exercer esse contato=detenção) e
animus (elementos subjetivo consistente na intenção de exercer
sobre a coisa um poder no interesse próprio). Em síntese, para
Savigny por posse entende-se o poder de dispor fisicamente de uma
coisa, combinado com a convicção do possuidor de que tem esse
6
poder.
Portanto, a posse, no conceito de Savigny, compõe-se de dois
elementos, quais sejam, o corpus e o animus (rem sibi habendi). Dessa forma:
O corpus é o elemento material que se traduz no poder físico sobre a
coisa ou na mera possibilidade de exercer este contato, ou melhor, na
detenção do bem ou no fato de tê-lo a sua disposição. O animus
domini consiste na intenção de exercer sobre a coisa direito de
7
propriedade.
Sobre este temática, Orlando Gomes (2004, p. 32) comenta que:
O corpus é o elemento material que se traduz no poder físico da
pessoa sobre a coisa. O animus, o elemento intelectual, representa a
vontade de ter essa coisa como sua. Não basta o corpus, como não
basta o animus.
Diferentemente, tem-se a concepção de Rudolf Von Jhering (apud
REZENDE, 2000, p. 94), ao postular a Teoria Objetivista, que:
5
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 36-37.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado; 3. ed. Rio de Janeiro:
Bórsoi, 1971, t. X. p. 26.
7
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 4, p. 34.
6
15
[...] prioriza o corpus na caracterização da posse, assumindo o
vocábulo, contudo, sentido outro, afastado do simples contato físico
ou possibilidade de ter a coisa à disposição, mas efetiva conduta de
dono. Possui quem age como dono, surgindo a posse como
exteriorização da propriedade, visibilidade do domínio ou uso
econômico da coisa.
Ou seja, para Jhering, a posse é a exteriorização do domínio, sendo que
para constituir a posse, basta o corpus, uma vez que o animus está implícito no
poder de fato exercido sobre a coisa.
O fundamento de tal concepção encontra respaldo na seguinte
explicação de Washington de Barros Monteiro (1999, p. 18):
É que o corpus constitui o único elemento visível e suscetível de
comprovação, encontrando-se inseparavelmente vinculado ao
animus, do qual é manifestação externa, como a palavra se acha
ligada ao pensamento, do qual é expressão.
Neste diapasão, Nelson Godoy Assis Dower (2004, p. 23) assinala que:
A diferença principal é que, enquanto Savigny dava o ‘animus’ como
elemento independente do ‘corpus’, e só aceitava a posse quando a
pessoa exercia os atos e manifestava a vontade de ter a coisa,
denominando-se, por isso, sua teoria de teoria subjetiva, Jhering dizia
que o animus está ínsito no corpus, isto é, existe o animus quando
existe corpus, denominando-se sua teoria de objetiva.
O Código Civil Brasileiro, ao tratar da Posse, no Livro III de sua Parte
Especial, “Do Direito das Coisas”, adotou, por deferência expressa de seu
autor, a teoria objetiva do jurista Jhering, exigindo, para a caracterização da
posse, a apreensão material, física da coisa pelo possuidor, uma vez que, se
exige uma situação exterior entre eles, ou seja, a utilização econômica da
coisa, o corpus, independentemente do elemento subjetivo, o animus, que é a
intenção, do titular, de ter a coisa, e que, conforme essa teoria, se presume a
partir do primeiro elemento. Todavia, Orlando Gomes (2004, p. 23) esclarece
que não é possível afirmar que o sistema objetivo tenha sido adotado em toda
a sua pureza original, haja vista as concessões feitas à teoria subjetiva, como é
o caso, por exemplo, do tratamento dado ao instituto da usucapião, pelo
Código Civil de 2002.
Assim é que, em seu art. 1196, o Código conceitua a posse,
indiretamente, ao prescrever que “considera-se possuidor todo aquele que tem
16
de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à
propriedade”.
Associando a este preceito o art. 1228, o qual dispõe o rol dos poderes
do proprietário, pode-se conceituar a posse como a exteriorização dos efeitos
da propriedade, isto é, a situação de fato que, independentemente de
apreensão física sobre a coisa, se constitui do exercício de quaisquer dos
poderes que o direito real da propriedade confere ao seu titular. 8
Pode-se dividir a posse em várias modalidades; no entanto, para o
presente estudo, basta classificá-la quanto aos vícios objetivos e quanto à
subjetividade. Atinente aos vícios objetivos, o art. 1200 do Código Civil dispõe
que a posse se divide em posse justa e injusta. Diz-se justa a posse que não
tem vícios originais, e injusta quando, pela maneira aparente com que foi
adquirida, ela sugere ser ilegítima, por se revestir de algum dos vícios de
natureza objetiva previstos no artigo supracitado. A saber, a subdivisão dos
vícios objetivos se dá da seguinte forma:
1) posse violenta, que se caracteriza pelo uso da força ou da coação tanto
moral como física. Sobre esta, Venosa (2006, p. 61) pontua que: “Embora o
conceito de posse injusta seja objetivo, a posse violenta, ao menos em sua
origem, vem imbuída da mácula da má-fé”;
2) posse clandestina, quando, em razão das circunstâncias em que foi
adquirida, o legítimo possuidor não tomou conhecimento da violação de sua
posse. Venosa, ao citar Tito Lívio Pontes, elucida que “A posse clandestina se
estabelece às caladas, às ocultas daquele que tem interesse em preservá-la”;9
3) posse precária, “ou abuso de confiança, quando, sob mera detenção, a coisa
deveria ser restituída ao legítimo possuidor e não o é, convertendo-se essa
detenção em posse injusta” (DOMINGUES JUNIOR, p. 4). Segundo Washington
de Barros Monteiro (1991, p. 29), “a qualidade contrária a esse vício é a
publicidade, a posse desfrutada na presença de todos.”
No tocante à subjetividade, a posse, sendo ou não justa, pode ainda ser
classificada em posse de boa ou má-fé. Deste modo, é considerada de boa-fé
8
Os poderes conferidos ao proprietário serão estudados no tópico específico sobre a propriedade.
PONTES, Tito Lívio. Da posse. 2. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1977, p. 69 apud VENOSA,
Sílvio de Salvo. Direito civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 62.
9
17
a posse do adquirente que desconhece a existência do vício, do impedimento à
sua aquisição. Nos dizeres de Flavio Augusto Monteiro de Barros (2005, p. 36),
“é de boa-fé a posse em que o possuidor, mediante erro escusável, ignora o
vício ou obstáculo que impedia a sua aquisição.”
Entretanto, será de má-fé a posse em que restar comprovado que o
possuidor tem ciência do impedimento, ou quando se presume que não o
ignore. A respeito disso, Manuel Rodrigues (1981, p. 294) elucida que: “É de
má-fé a posse daquele que sabe que sua posse é viciosa; ou o deve saber, por
não ter título de aquisição, nem presunção dele; ou ser este manifestamente
falso, ou por outras circunstâncias.”
Uma vez definida e caracterizada a posse em seus aspectos relevantes
para o conteúdo deste trabalho, cabe, igualmente, destacar os principais
efeitos da posse no universo jurídico. Assim, temos na compreensão de
Venosa (2006) e Maria Helena Diniz (2002), por exemplo, que a classificação
mais completa é a de Clóvis Bevilácqua (1955, p. 21), sendo sete os efeitos da
posse, enumerados da seguinte forma:
I. o direito ao uso dos interditos;
II. a percepção dos frutos;
III. o direito de retenção por benfeitorias;
IV. a responsabilidade pelas deteriorações;
V. a posse conduz à usucapião;
VI. inversão do ônus da prova para quem contesta a posse, pois que
a posse se estabelece pelo fato;
VII. o possuidor goza de posição mais favorável em atenção à
propriedade, cuja defesa se completa pela posse.
Porém, para o presente estudo, daremos especial atenção para a
proteção possessória e a possibilidade de gerar usucapião.
A partir dos conceitos acima esclarecidos, é possível extrair da leitura
doutrinária, assim como do Código Civil, que a posse, mesmo que injusta e de
má-fé, gera direito à proteção possessória. Deste modo, ao possuidor injusto é
garantida a proteção possessória contra qualquer pessoa que ameace,
perturbe ou esbulhe sua posse, exceto contra aquele de quem a coisa foi
subtraída, diferentemente da posse justa, que corresponde à proteção
possessória plena. No que diz respeito ao instituto da usucapião, predomina na
doutrina o entendimento de que somente a posse justa gera direito à prescrição
aquisitiva.
18
No entender de Silvio Rodrigues (1987, p. 55), o fundamento da
proteção possessória encontra-se na seguinte explicação:
O que o legislador almeja é conceder proteção ao proprietário,
evitando que tenha ele de recorrer, cada vez que haja sido
esbulhado, a um processo de reivindicação onde se veja obrigado a
provar a titularidade de seus direitos. Assim, para facilitar a defesa de
seu domínio, a lei confere-lhe proteção desde que prove o estado de
fato – isto é, que estava ou está na posse da coisa – e que foi
esbulhado, ou está sendo perturbado, ou ameaçado.
Ademais, para que possamos adentrar no estudo sobre a aquisição da
propriedade imóvel por meio da usucapião, faz-se necessário esclarecermos
alguns conceitos sobre a propriedade em geral.
1.2 Da Propriedade
Dos direitos de cunho subjetivo, a doutrina considera o instituto da
propriedade o direito mais relevante, dada sua grande eficácia e consolidação
no campo do Direito, sendo de fundamental importância para o estudo dos
direitos reais, justamente, por tratar-se do direito real por excelência.
Consoante, ampara-se na doutrina de Washington de Barros Monteiro
(1995, p. 88) a seguinte compreensão acerca do instituto:
O direito de propriedade, o mais importante e o mais sólido de todos
os direitos subjetivos, o direito real por excelência, é o eixo em torno
do qual gravita o direito das coisas. Dele pode dizer-se, com scuto,
ser a pedra fundamental de todo o direito privado. Sua importância é
tão grande no direito, como na sociologia e na economia política.
Suas raízes aprofundam-se tanto no terreno do direito privado como
no direito público.
Dessa forma, a propriedade, em termos teóricos, distingue-se da posse
por ser, incontestavelmente, um direito real, embora boa parte da doutrina
também considere a posse como um direito real. Mesmo assim, trata-se de
institutos bem distintos, recebendo, desta maneira, tratamento diverso pela lei.
De tudo o que foi exposto, temos nos dizeres de Venosa (2006, p. 151) “que a
posse, merece proteção por ser exteriorização da propriedade e forte indício de
sua existência, perante o substrato de fato, visível, palpável, percebido pelos
sentidos.” Entretanto, independe a existência de um instituto em relação ao
19
outro, pois pode haver posse sem a propriedade e o contrário também, assim
como é possível estarem ambas conjugadas nas mãos de um único titular.
1.2.1 Origem e conceito da propriedade
Noticiando historicamente o direito de propriedade, Sílvio de Salvo
Venosa (2006, p. 151) pontua o seguinte:
[...] Cada povo e cada momento histórico têm compreensão e
extensão próprias do conceito de propriedade. [...] O conceito e a
compreensão, até atingir a concepção moderna de propriedade
privada, sofreram inúmeras influências no curso da história dos vários
povos, desde a antiguidade. A história da propriedade é decorrência
direta da organização política.
Desta feita, ao situar o processo histórico do direito de propriedade,
Maria Helena Diniz (2002, p. 99), inicialmente, assinala que “[...] é no direito
romano que vamos encontrar a raiz histórica da propriedade”.
Pois, conforme o ensinamento de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 151152):
Antes da época romana, nas sociedades primitivas, somente existia
propriedade para as coisas móveis, exclusivamente para objetos de
uso pessoal, tais como peças de vestuário, utensílios de caça e
pesca. O solo pertencia a toda a coletividade, todos os membros da
tribo, da família, não havendo o sentido de senhoria, de poder de
determinada pessoa. A propriedade coletiva primitiva é, por certo, a
primeira manifestação de sua função social.
Continuando o pensamento com Maria Helena Diniz (2002, p. 99-100):
Na era romana preponderava um sentido individualista de
propriedade, apesar de ter havido duas formas de propriedade
coletiva: a da gens e a da família. Nos primórdios da cultura romana a
propriedade era da cidade ou gens, possuindo cada indivíduo uma
restrita porção de terra (1/2 hectare), e só eram alienáveis os bens
móveis. Com o desaparecimento dessa propriedade coletiva da
cidade, sobreveio a da família, que, paulatinamente, foi sendo
aniquilada ante o crescente fortalecimento da autoridade do pater
famílias.
20
Dando seqüência ao estudo do processo histórico do direito de
propriedade, Melhim Namem Chalhub (2000, p. 1-2), de maneira sintética,
elucida que:
Assim, é possível vislumbrar um percurso em que, originalmente, a
apropriação e utilização das coisas teve como protagonista a
coletividade, seguindo pelo individualismo, na concepção do
dominium do Direito romano, desviando-se para uma concepção
fragmentária, no feudalismo, retornando ao conceito individual, na
Idade Moderna, e dirigindo-se, presentemente, para uma nova
conformação, em que o direito individual é reconhecido e respeitado,
mas desde que exercido conforme uma função social, que se
considere inerente à propriedade.
Segundo a leitura doutrinária de Venosa (2006, p. 153), tem-se que “a
partir do século XVIII, a escola do direito natural passa a reclamar leis que
definam a propriedade.” Com o advento da Revolução Francesa, em 1789, o
feudalismo passa a deixar de existir no cenário jurídico mundial. A partir disso,
tal Revolução, também conhecida como burguesa, é considerada como um
importante marco no que diz respeito à configuração da propriedade no mundo
moderno. Neste sentido, Chalhub (2000, p. 4), acrescenta que:
A nova ordem, ao conferir ao proprietário um poder geral e absoluto
sobre a coisa, libertava-o de todos os encargos a que o antigo
regime feudal submetia a propriedade. Opondo-se, assim, à
concepção da propriedade feudal, o Código de Napoleão restaurou o
conceito unitário da propriedade, de origem romana, definindo a
propriedade como o direito de fruir e dispor da coisa da maneira mais
absoluta, desde que não exercido por forma proibida pelas leis e
regulamentos, não estando o proprietário obrigado a ceder seu
direito senão por causa de utilidade pública e mediante justa e prévia
indenização (arts. 544 e 545).
O Código de Napoleão, bem como as idéias presentes no processo
revolucionário, serviram de inspiração, repercutindo em inúmeros outros
códigos, a exemplo do Código Civil Brasileiro, que não definiu a propriedade,
deixando essa árdua tarefa a cargo da doutrina, limitando-se a configurar o
direito subjetivo do proprietário, nos moldes do artigo 1228 (antigo 524), o qual
será estudado a seguir.
A fim de concluir esse breve esboço histórico acerca do instituto da
propriedade, temos, com base mais uma vez no ensinamento de Venosa
(2006, p. 153), que o ”exagerado individualismo perde força no século XIX com
21
a revolução e o desenvolvimento industrial e com as doutrinas socializantes.
Passa a ser buscado um sentido social na propriedade”, que será abordado no
tópico a seguir, ainda que de maneira breve.
Vislumbrada a origem da propriedade como processo histórico, cumprenos destacar seu conceito, assim como expor alguns de seus elementos
constitutivos.
Da leitura dos mais eminentes juristas, depreende-se que a tarefa de
conceituar a propriedade é árdua, posto que o direito de propriedade é o direito
mais amplo da pessoa em relação à coisa. Neste sentido, Arnaldo Rizzardo
(2004, p. 169), considera o direito de propriedade, como sendo “o mais amplo
dos direitos reais, o chamado direito real por excelência, ou o direito real
fundamental.”
Assim, sobre o conceito de propriedade, temos a seguinte explicação de
Dower (2004, p. 94): “o nosso Código Civil não define a propriedade. Preferiu
enunciar os poderes de que dispõe o proprietário sobre seus bens (art. 524),
deixando sua conceituação à cargo da doutrina.”
Já para Sílvio Rodrigues (2002, p. 76), tal conceito é um pouco mais
amplo, sendo apresentado da seguinte forma:
O domínio é o mais completo dos direitos subjetivos e constitui, como
vimos, o próprio cerne do direito das coisas. Aliás, poder-se-ia
mesmo dizer que, dentro do sistema de apropriação de riqueza em
que vivemos, a propriedade representa a espinha dorsal do direito
privado, pois o conflito de interesse entre os homens, que o
ordenamento jurídico procura disciplinar, manifesta-se, na quase
generalidade dos casos, na disputa sobre bens.
Complementando, Washington de Barros Monteiro (1995, p. 90)
conceitua o direito de propriedade assim:
[...] num certo sentido, o direito de propriedade é de fato absoluto,
não só porque oponível erga omnes, como também porque apresenta
caráter de plenitude, sendo incontestavelmente, o mais extenso e o
mais completo de todos os direitos reais.
Tendo em vista uma definição analítica para a propriedade, Maria
Helena Diniz (2002, p. 106) assim dispõe:
22
[...] o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites
normativos, de usar, gozar e dispor de um bem corpóreo ou
incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o
detenha.
Observados alguns conceitos formulados pela doutrina, tem-se, nos
dizeres de Venosa (2006, p. 163), que o “Código Civil preferiu descrever de
forma analítica os poderes do proprietário (ius utendi, fruendi, abutendi) a
definir a propriedade.” Com isso, detendo-se ao texto presente no caput do
artigo 1.228 do Código Civil, pode-se definir o instituto da propriedade como o
direito real que vincula um determinado bem, corpóreo ou incorpóreo, ao seu
titular, conferindo-lhe os poderes de usá-lo, gozá-lo, dele dispor e reavê-lo de
quem injustamente o possua ou detenha, tudo dentro dos limites estabelecidos
pela ordem jurídica.
Ressaltam-se por essa concepção, presente no artigo 1.228, os seus
elementos constitutivos, ou seja, as faculdades que o direito real da
propriedade confere ao titular, que neste contexto se faz oportuno elucidar. A
saber, esses poderes/faculdades são:
1) o poder de usar, jus utendi, que se verifica no direito do titular de
empregar a coisa conforme a sua destinação material;
2) o poder de gozar/fruir, jus fruendi, que é o direito de desfrutar, de
explorar economicamente a coisa e colher os frutos que ela possa produzir;
3) o poder de dispor/consumir, jus abutendi, constituído da capacidade
do titular de dar à coisa o destino que bem lhe aprouver, desde que observadas
as limitações legais. Somente o proprietário possui a faculdade de dispor, posto
que o poder de usar e gozar pode ser atribuído a quem não seja proprietário; e
4) o poder de reaver/reinvidicar, jus reivindicandi, faculdade concedida
ao titular de buscar a coisa de quem injustamente a possua, decorrente do
poder de seqüela inerente a todo direito real.
É oportuno destacar, nesse contexto acerca dos elementos nucleares
que compõem o direito de propriedade, as características essenciais que
servem de sustentação para tal direito.
Convém ressaltar as palavras de Maria Helena Diniz (2002, p. 108):
Ante todas as idéias aqui expendidas pode-se atribuir, num certo
sentido, ao direito de propriedade, caráter absoluto não só devido a
23
sua oponibilidade erga omnes, mas também por ser o mais completo
de todos os direitos reais, que dele se desmembram, e pelo fato de
que o seu titular pode desfrutar e dispor do bem como quiser,
sujeitando-se apenas às limitações impostas em razão do interesse
público ou da coexistência do direito de propriedade de outros
titulares.
Nesse mesmo raciocínio, Cláudio Teixeira de Oliveira (2003, p. 37)
destaca de forma resumida o significado destes elementos:
a) Complexo, significa que tem a forma una, ou seja, em que estão
presentes, englobadamente, todos os seus elementos nucleares,
conforme disposto pelo art. 524 do Código Civil e 1.228 do novo;
b) Absoluto (ilimitado), representa a inexistência de qualquer outro
direito exercido por terceiro, o que se configura com base no art. 527
do Código Civil e 1.231 do novo;
c) Perpétuo, considerando que, via de regra, a propriedade tem
duração permanente, isto é, pode ser transmissível por ato inter vivos
(por exemplo, alienação e doação) e, também, mortis causa
(transmissível por sucessão hereditária);
d) Exclusivo, no sentido de que o direito é exercido de forma plena e
exclusiva pelo proprietário; por tal exclusividade, fica afastado o
exercício de todos terceiros, que não proprietários, salvo quando se
dá uma das causas previstas no art. 674 do Código Civil e 1.225 do
novo.
Cabe esposar aqui os modos de aquisição da propriedade, ainda que de
maneira breve, uma vez que Maria Helena Diniz (2002, p. 121) chama atenção
para o fato de que “pelos arts. 1.227, 1.238 a 1.259 e 1.784 do Código Civil
Brasileiro adquire-se a propriedade imóvel pelo registro do título no cartório de
Registro de Imóveis, pela usucapião, pela acessão e pelo direito hereditário.”
Diante disso, convém destacar as palavras de Washington de Barros
Monteiro (1995, p. 102) sobre a classificação da aquisição da propriedade
quanto à sua procedência em originária e derivada:
Do ponto de vista doutrinário, os modos de adquirir a propriedade
dividem-se em originários e derivados. Nos primeiros, a aquisição é
direta e independente da interposição de outra pessoa, o adquirente
faz seu o bem, que lhe não é transmitido por quem quer que seja.
São modos originários de aquisição da propriedade a ocupação,
especificação e a acessão.
Nos segundos, a aquisição tem como pressuposto um ato de
transmissão por via do qual a propriedade se transfere para o
adquirente. Tais são a transcrição e a tradição.
Necessário se faz conferir as palavras de Sílvio de Salvo Venosa (2006.
p.175-176), ao afirmar:
[...] a aquisição da propriedade é originária quando desvinculada de
qualquer relação com o titular anterior. Nela não existe relação
24
jurídica de transmissão. Inexiste ou não há relevância jurídica na
figura do antecessor. Sustenta-se ser apenas a ocupação
verdadeiramente modo originário de aquisição.
[...]
Ocorre aquisição derivada quando há relação jurídica com o
antecessor. Existe transmissão da propriedade de um sujeito a outro.
A regra fundamental nessa modalidade é a de que ninguém pode
transferir mais direitos do que tem: nemo plus iuris ad alium transferre
potest, quam ipse haberet. [...] Existe transmissão derivada tanto por
ato inter vivos como mortis causa.
Considere-se ainda sobre o tema que a aquisição da propriedade pode
se dar a título singular ou universal. No que se refere à aquisição a titulo
singular, Arnaldo Rizzardo (2004, p. 245) disserta o seguinte:
Esta modalidade de aquisição envolve o aspecto quantitativo e
individualizado ou não dos bens. Será a titulo singular sempre que o
objeto abranja um ou vários bens individualizados. Integram esta
espécie as coisas singulares, as coisas compostas e as
universalidades de fato. Normalmente, a aquisição se dá por atos
inter vivos, sem afastar, todavia, a origem causa mortis, como no
testamento.
Já sobre a aquisição a título universal, constata Arnoldo Wald (1995, p.
132) que esta ocorre:
[...] quando todos os bens pertencentes a determinada pessoa, e
todas as obrigações que lhe incumbiam passam a outrem. O caso por
excelência da sucessão a título universal é o da sucessão do herdeiro
que assume o ativo e o passivo do de cujus continuando, no plano
patrimonial, a pessoa do falecido.
Uma vez evidenciados os modos de aquisição da propriedade, não nos
deteremos ao estudo das formas de aquisição e perda da propriedade móvel e
imóvel. Cabe, porém, destacar que a aquisição da propriedade pela usucapião
não será referenciada neste item, posto que a usucapião será objeto de análise
do próximo capítulo, específico sobre o assunto. Diante das considerações
acima delineadas, trataremos no tópico a seguir de uma das mais importantes
limitações, instituída pela Constituição Federal de 1988, a qual encontra na
prática sérios entraves, entenda-se, a dificuldade da obrigação da propriedade
em satisfazer a sua função social.
25
1.3 Função social da propriedade
Com a Constituição de 1988, o princípio da função social da propriedade
teve a sua importância reconhecida em vários dispositivos: no art. 5º, XXII,
quando trata dos direitos e deveres individuais e coletivos; no art. 170, III,
quando traz os princípios da ordem econômica e financeira; no art. 182, § 2º,
quando disciplina a política de desenvolvimento urbano; e no art. 186, a
respeito da função social da propriedade rural.
A respeito do tema, Paulo Affonso Leme Machado (2005, p. 142)
comenta que:
[...] pelo menos oito vezes a expressão ”função social” está presente
na Constituição: arts. 5º, inc. XXIII; 170, III; 173, § 1°, I ; 182, caput;
182, § 2°, 184, caput; 185, parágrafo único; e 186, II. A expressão
‘função social da propriedade’ foi inserida pela primeira vez na
Constituição Federal de 1967 (art. 157, III).
Ressalta-se que o artigo 5º, em seus incisos XXII e XXIII, dispõe sobre
os princípios basilares da propriedade, sendo que o primeiro visa garanti-la, e o
segundo tem por objetivo atrelá-la à função social.
O referido autor, na obra que tem por título “Estudos de Direito
Ambiental”, continua salientando sobre a função social da propriedade,
destacando que:
Reconhecer que a propriedade tem, também, uma função social é
não tratar a propriedade como um ente isolado na sociedade. Afirmar
que a propriedade tem uma função social não é transformá-la em
vítima da sociedade. A fruição da propriedade não pode legitimar a
emissão de poluentes que vão invadir a propriedade de outros
indivíduos. O conteúdo da propriedade não reside num só elemento.
Há o elemento individual, que possibilita o gozo e o lucro para o
proprietário. Mas outros elementos aglutinam-se a esse: além do fator
10
social, há o componente ambiental.
É com propriedade que o constitucionalista José Afonso da Silva (1994,
p. 246), ao esposar sobre o regime jurídico da propriedade privada, elucida
que:
10
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Estudos de Direito Ambiental, p. 127, apud Direito Ambiental
Brasileiro, 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 143.
26
Os juristas brasileiros, privatistas e publicistas, concebem o regime
jurídico da propriedade privada como subordinado ao Direito Civil,
considerado direito real fundamental. Olvidam as regras de Direito
Público, especialmente de Direito Constitucional, que igualmente
disciplinam a propriedade.
E ainda acrescenta que:
Essa é uma perspectiva dominada pela atmosfera civilista, que não
levou em conta as profundas transformações impostas às relações de
propriedade privada, sujeita, hoje, à estreita disciplina do Direito
Público, que tem sua sede fundamental nas normas constitucionais.
(1994, p. 246)
Ao citar a Encíclica Mater et Magistra do Papa João XXIII, de 1961, o
jurista Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 154) aduz que:
[...] a propriedade é um direito natural, mas esse direito deve ser
exercido de acordo com uma função social, não só em proveito do
titular, mas também em benefício da coletividade. Destarte, o Estado
não pode omitir-se no ordenamento sociológico da propriedade. Deve
fornecer instrumentos jurídicos eficazes para o proprietário defender o
que é seu e que é utilizado em seu proveito, de sua família e de seu
grupo social. Deve, por outro lado, criar instrumentos legais eficazes
e justos para tornar todo e qualquer bem produtivo e útil. Bem não
utilizado ou mal utilizado é constante motivo de inquietação social. A
má utilização da terra e do espaço urbano gera violência.
O real significado da expressão “função social da propriedade” é tema
recorrente de discussões. Para Melhim Namem Chalhub (2000, p. 11), “o
significado e a extensão do conceito de função social da propriedade têm sido
objeto de controvérsia na doutrina”, mas ao citar Gustavo Tepedino (1999, p.
282, apud CHALHUB, 2000, p.11), entende “haver consenso quanto à
capacidade do elemento funcional em alterar a estrutura do domínio.”
Na busca de um conceito da função social da propriedade, o
constitucionalista Celso Ribeiro Bastos (2001, p. 218) ilustra a questão
afirmando:
A função social visa coibir as deformidades, o teratológico, os
aleijões, digamos assim, da ordem jurídica. É o que cumpre examinar
agora. Vale dizer, em que consistem aquelas destinações que
poderão levar ao uso degenerado da propriedade a ponto de colocar
o seu titular em conflito com as normas jurídicas que a protegem. A
chamada função social da propriedade nada mais é do que o
conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes até com
medidas de grande gravidade jurídica, recolocar a propriedade na sua
trilha normal.
27
E complementa, com relação à propriedade urbana, evidenciando que:
[...] a função social do solo urbano é cumprida pela sua utilização
econômica plena, o que pode ocorrer com ou sem edificação. Em
outras palavras, é o critério econômico o que predomina. Se o bem
estiver se prestando a uma utilização econômica plena,
evidentemente levando-se em conta a sua adequação topográfica,
localização etc., não será passível das medidas sancionatórias.(2001,
p.219)
O autor supramencionado, José Afonso da Silva (1994, p. 244-245), por
sua vez, ao enfocar a propriedade sob a perspectiva da ordem econômica, ou
melhor, como instituição das relações econômicas, salienta que:
[...] ela não mais poderá ser considerada puro direito individual,
relativizando-se seu conceito e significado, especialmente porque os
princípios da ordem econômica são preordenados à vista da
realização de seu fim: assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social.
Esse doutrinador afirma, ainda, que nossa Carta Magna está alinhada
com a doutrina da função social da propriedade urbana, que “é formada e
condicionada pelo direito urbanístico a fim de cumprir sua função social
específica”. (SILVA, 1995, p.67) Dentre essas funções, o autor destaca a de
propiciar habitação, trabalho e demais funções sociais da cidade.
Nesse cenário, José Renato Nalini (2003, p. 170) cita Gregório R. de
Yurre expondo que:
[...] a função social denota os deveres que a propriedade privada tem
para com os demais homens e com a sociedade; desses deveres
derivam seus limites. A propriedade não é direito absoluto e ilimitado,
como o concebeu a filosofia liberal, senão um direito limitado pelos
deveres sociais.
Nalini (2003, p. 171), mantendo a linha de pensamento acima, entende
que:
A propriedade reflete duas vertentes do ser humano: a pessoal e a
social. Para superar o individualismo, é necessário tornar eficaz e real
a função social. O Estado, enquanto instrumento da realização do
bem comum, precisa assegurar o cumprimento da função social da
propriedade. E o faz, impondo limites jurídicos a esse direito
28
fundamental. Conferir à propriedade uma função social é tema
primeiramente ético.
Diante do que foi acima delineado, pode-se considerar satisfeita a
função social da propriedade, quando esta recebe uma destinação, seja para
fins de moradia, seja para estabelecimento econômico, político, científico,
cultural, histórico ou mesmo social, ou ainda, para preservação ambiental,
hipótese em que a propriedade estará cumprindo sua função permanecendo
inalterada, resguardando-se e protegendo o que estiver dentro de seus limites.
Em face da inserção do conceito da “função social” em relação à
propriedade assim como em relação à posse, pode-se dizer que a função
social da propriedade representa uma mitigação do poder absoluto do
proprietário e uma condicionante do exercício da posse, caracterizando-se pela
submissão da propriedade e da posse a uma utilidade que transcende o mero
interesse individual, dadas as repercussões destas sobre dimensões coletivas,
como o meio ambiente, a economia, dentre outros.
Oportunamente, Venosa (2006, p.157) frisa que “toda propriedade, ainda
que resguardado o direito de proprietário, deve cumprir uma função social.”
Consoante, o vigente Código Civil, em seu artigo 1.228, § 1°, dispõe
expressamente sobre a adoção da função social da propriedade, e, portanto,
da posse, sustentando que a propriedade deve ser exercida:
[...] em consonância com suas finalidade econômicas e sociais e de
modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido
em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio
ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem, como evitada a
11
poluição do ar e das águas.
Sob esse aspecto, Venosa (2006, p. 158) tece os seguintes comentários:
Presentes estão nessas dicções princípios afastados do
individualismo histórico que não somente buscam coibir o uso
abusivo da propriedade, como também procuram inseri-la no contexto
de utilização para o bem comum. Utilizar a propriedade
adequadamente possui no mundo contemporâneo amplo espectro,
que desborda para aspectos como a proteção da fauna e da flora e
para sublimação do patrimônio artístico e histórico. Há que se
preservar a natureza e todo o seu equilíbrio com desenvolvimento
11
Artigo 1.228, §1° do Código Civil de 2002.
29
sustentável, para que não coloquemos em risco as futuras gerações
deste planeta.
Conclui-se, então, que a propriedade, a partir da perspectiva de sua
função social, sofre diferentes formas de limitações. Não obstante, o
fundamento da usucapião não é outro senão o princípio da função social da
propriedade. Importante destacar que, por um lado, a usucapião nada mais é
do que uma das medidas sancionatórias do não cumprimento da função social
da propriedade, pelo abandono da coisa. Destarte, pelo princípio da função
social da propriedade é que se justifica a possibilidade de um mero possuidor,
pela usucapião, adquirir o direito de propriedade, em face do abandono a do
desinteresse
do
proprietário
verificados
durante
um
lapso
temporal
considerável.
É conveniente trazer a lume, novamente, os ensinamentos do
doutrinador Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 159):
A proteção àquele que se utiliza validamente da coisa nada mais é do
que revigoramento do usucapião. É obrigação do proprietário
aproveitar seus bens e explorá-los. O proprietário e possuidor, pelo
fato de manter uma riqueza, tem o dever social de torná-la operativa.
Assim, estará protegido pelo ordenamento. O abandono e a desídia
do proprietário podem premiar a posse daquele que se utiliza
eficazmente da coisa por certo tempo. A prescrição aquisitiva do
possuidor contrapõe-se, como regra geral, à perda da coisa pelo
desuso ou abandono do proprietário. O instituto do usucapião é
veículo perfeito para conciliar o interesse individual e o interesse
coletivo na propriedade. Daí ter a Constituição atual alargado seu
alcance. A finalidade do usucapião é justamente atribuir o bem a
quem dele utilmente se serve para moradia ou exploração
econômica. Cabe também ao Estado regular sua intervenção sempre
que as riquezas não forem bem utilizadas ou relegadas ao abandono,
redistribuindo-se aos interessados e capazes de fazê-lo.
Tecidas
as
considerações
acerca
dos
Direitos
das
Coisas,
compreendendo os institutos da posse, propriedade e o princípio da função
social de ambos, encerra-se o primeiro capítulo deste trabalho, partindo-se
agora ao estudo do instituto da usucapião e de suas previsões a partir da
Constituição Federal de 1988, no Código Civil e, também, no Estatuto da
Cidade.
30
CAPÍTULO 2
POLÍTICA URBANA NACIONAL: PANORAMA JURÍDICO DA
USUCAPIÃO
2.1 O instituto da usucapião
Este segundo capítulo tem por escopo, analisar e descrever a
usucapião, conceituando-a e apresentando seus requisitos e as modalidades
existentes acerca desse instituto jurídico, para que num segundo momento
deste capítulo possa-se estudar a modalidade de usucapião especial coletiva
urbana, prevista no Estatuto da Cidade, ora objeto de análise de aplicação ao
estudo do caso concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa, situada no bairro
Agronômica, no município de Florianópolis.
2.1.1 Adoção do gênero feminino
Inicialmente, cumpre destacar que o vocábulo usucapião pode ser usado
tanto no gênero feminino quanto no masculino, sendo que as razões podem ser
amparadas nas palavras de José Carlos de Moraes Salles (2006, p. 47), que
assim diz:
Para o insigne Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o vocábulo é do
gênero feminino, de modo que se deverá dizer “a usucapião”. O
ilustre Laudelino Freire, entretanto, afirma ser usucapião palavra de
gênero masculino, de sorte que se imporia dizer “o usucapião”. No
mesmo sentido, a opinião de Silveira Bueno. Theotonio Negrão,
todavia, com o espírito prático que sempre o caracterizou, depois de
esclarecer que a Lei 6.969, de 10.12.1981, manda dizer “a
Usucapião” – o que estaria de acordo com a etimologia –, afirmou
que continuaria a dizer “o usucapião” até que o uso consagrasse o
gênero feminino, mesmo porque Caesar non super grammaticos.
Há, também, o argumento daqueles que se referem ao instituto como “a
usucapião”
de
que
as
palavras
latinas
da
terceira
geração
eram,
invariavelmente, femininas. O Código Civil de 1916 consagrou a utilização do
termo no masculino, concordando com a tradição de nosso direito; já o Código
de 2002, bem como a Lei 10.257/2001, por sua vez, acolheu a versão feminina,
31
rompendo com essa longa tradição. Com isso, a presente monografia,
igualmente, adotou a expressão no feminino.
2.1.2 Origem e fundamento do instituto da usucapião
Ao analisar a origem do instituto da usucapião, observa-se que este é
derivado do vocábulo latino usu capere, ou seja, etimologicamente significa
“tomar pelo uso”. Nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p.193), tem-se
que:
Usucapio deriva de capere (tomar) e de usus (uso). Tomar pelo uso.
Seu significado original era de posse. A Lei das XII Tábuas
estabeleceu que quem possuísse por dois anos um imóvel ou por um
ano um móvel tornar-se-ia proprietário. Era modalidade de aquisição
do ius civile, portanto apenas destinada aos cidadãos romanos.
A jurista Maria Helena Diniz (2002, p. 142) autentica as palavras de
Venosa, acrescentando, no entanto, que “tomar pelo uso não era obra de um
instante; exigia, sempre, um complemento de cobertura sem o qual esse capio
nenhum valor ou efeito teria. Consistia esse elemento no fator tempo. “
Conforme anuncia a doutrina, o Direito Romano já tratava da usucapião
na Lei das XII Tábuas, na Tábua 6ª, inciso III, como um modo de aquisição do
domínio de bens, fossem móveis ou imóveis, pelo decurso de prazo previsto
em lei no exercício da posse do referido bem. Assim, no tocante às origens do
instituto, Washington de Barros Monteiro (1971, p. 124) enfatiza que este foi:
[...] regulado pela Lei XII Tábuas, o usucapião estendia-se não só aos
bens móveis como também aos imóveis, sendo a princípio de um ano
o prazo para os primeiros e de dois anos para os segundos.
Posteriormente, esse prazo foi elevado para dez anos entre
presentes e vinte entre ausentes.
Importante trazer à baila o fato de que Roma, na busca pela expansão
territorial, veio a adquirir vastas áreas fora da península itálica, as quais eram
povoadas por diversos peregrinos que não podiam invocar a usucapião, posto
32
que esta era uma instituição de “direito quiritário”. (DINIZ, 2002, p. 142)
Todavia, conforme leciona Venosa (2006, p. 194) a respeito dos dois institutos
existentes no período clássico do Direito Romano, sabe-se que:
Desaparecendo a distinção entre terrenos itálicos e provinciais, os
dois institutos surgem já unificados na codificação de Justiniano, sob
o nome de usucapião. Daí a razão de, com freqüência, utilizar-se da
expressão prescrição aquisitiva como sinônimo de usucapião. De
fato, enquanto a prescrição extintiva, ou prescrição propriamente dita,
implica perda de direito, o usucapião permite a aquisição do direito de
propriedade. Em ambas as situações, levam-se em consideração o
decurso de certo tempo.
Mais uma vez, colaciona-se a reflexão de Maria Helena Diniz (2002, p.
143-144), que complementa sobre o assunto:
[...] Entendemos que a usucapião é, concomitantemente, uma energia
criadora e extintiva. Extintiva porque redunda na perda da
propriedade por parte daquele que dela se desobriga pelo decurso do
tempo. Aquisitiva porque ele leva à apropriação da coisa pela posse
prolongada.
O autor já citado Moraes Salles (2006, p. 53) também compartilha desse
posicionamento, ratificando-o da seguinte forma:
Podemos dizer, portanto, que a usucapião é prescrição aquisitiva,
apesar da impropriedade da expressão, como assinalado por Caio
Mário da Silva Pereira. Daí dizer Tupinambá Miguel Castro do
Nascimento que a prescrição aquisitiva é, hodiernamente, sinônimo
de usucapião, tendo a doutrina usado, indiferentemente, as duas
expressões. Câmara Leal explica a origem da expressão prescrição
aquisitiva como sinônimo de usucapião: Até aqui, o usucapião, meio
aquisitivo da propriedade, e a prescrição longi et longissimi temporis,
meio extintivo da reivindicatória, conservaram-se como institutos
diversos, constituindo um, título de aquisição da propriedade, e
representando o outro, simples exceção processual contra a
reivindicação.
Frise-se que a usucapião serve para consolidar a aquisição, entenda-se,
por conseguinte, dar segurança e estabilidade à propriedade, podendo ainda
facilitar como meio de prova, bem como ser alegada como matéria de defesa.
12
Destarte, o fundamento da usucapião justifica-se pela sua utilidade social.
12
Vide súmula 237 do STF, art. 7º da lei 6.969/81 e art. 13 do Estatuto da Cidade, o qual terá
sua explicação em momento oportuno no presente trabalho.
33
Nesse diapasão, vale citar mais uma vez os escritos de Sílvio de Salvo Venosa
(2006, p. 195):
O usucapião tem o condão de transformar a situação do fato da
posse, sempre suscetível a vicissitudes, em propriedade, situação
jurídica definida. Nesse sentido, também se coloca a prescrição
extintiva que procura dar estabilidade à relação jurídica pendente.
Desse modo, justifica-se a perda da coisa pelo proprietário em favor
do possuidor.
José Carlos de Moraes Salles (2006, p. 49), mantendo a linha de
pensamento acima, descreve, de forma brilhante, o fundamento do instituto da
usucapião:
Todo bem, móvel ou imóvel, deve ter uma função social. Vale dizer,
deve ser usado pelo proprietário, direta ou indiretamente, de modo a
gerar utilidades. Se o dono abandona esse bem; se se descuida no
tocante à sua utilização, deixando-o sem uma destinação e se
comportando desinteressadamente como se não fosse o proprietário,
pode, com tal procedimento, proporcionar a outrem a oportunidade de
se apossar da aludida coisa. Essa posse, mansa e pacífica, por
determinado tempo previsto em lei, será hábil a gerar a aquisição da
propriedade por quem seja seu exercitador, porque interessa à
coletividade a transformação e a sedimentação de tal situação de fato
em situação de direito. À paz social interessa a solidificação daquela
situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-a em situação
de direito, evitando-se, assim, que a instabilidade do possuidor possa
eternizar-se, gerando discórdias e conflitos que afetem
perigosamente a harmonia da coletividade. Assim, o proprietário
desidioso, que não cuida do que é seu, que deixa seu bem em estado
de abandono, ainda que não tenha a intenção de abandoná-lo, perde
sua propriedade em favor daquele que, havendo se apossado da
coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da
mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-a como se sua fosse.
Logo, conclui-se que o princípio da função social da propriedade é o
fundamento da usucapião.
34
2.1.3 Conceito de usucapião
Para José Carlos de Moraes Salles (2006, p. 48-49), a usucapião pode
ser conceituada “como a aquisição do domínio ou de um direito real sobre
coisa alheia, mediante posse mansa e pacífica, durante o tempo estabelecido
em lei.” Esse mesmo autor destaca que essa conceituação se baseia, em
linhas gerais, na definição de Modestino, contida no Digesto, Livro 41, Título III,
frag. 3, segundo a qual “usucapião é a aquisição do domínio pela posse
continuada por um tempo definido na lei”.
No dizer de Maria Helena Diniz (2002, p. 144-145), quanto a ser a
usucapião um modo originário ou derivado de se adquirir a propriedade, não há
harmonia de entendimento doutrinário. Assim, ao citar outros autores, a
eminente jurista expõe que:
Para Girad só a ocupação pode merecer a inclusão na categoria das
aquisições originárias. Já De Ruggiero propõe o enquadramento da
usucapião numa classe intermediária entre as aquisições originárias e
as derivadas, sendo por isso, diz ele, que a usucapião não apaga os
ônus que podem recair sobre a coisa usucapida. Todavia, pelos
princípios que presidem as mais acatadas teorias sobre a aquisição
da propriedade, é de aceitar-se que se trata de modo originário, uma
vez que a relação jurídica formada em favor do usucapiente não
deriva de nenhuma relação do antecessor. O usucapiente torna-se
proprietário não por alienação do proprietário precedente, mas em
razão da posse exercida.
É de bom alvitre sublinhar as palavras de Cláudio Teixeira de Oliveira
(2003, p. 53):
Logicamente, em face das considerações históricas e do conceito, a
única posse capaz de gerar o usucapião é a originária. De fato,
somente a posse originária pode conduzir ao usucapião. Posse
originária é aquela em que está presente em favor do usucapiente o
animus domini (vontade de dono) e que não guarda qualquer relação
de dependência (nexo causal) deste (usucapiente) com o anterior
proprietário. A posse derivada não pode conduzir ao usucapião, haja
vista que o direito de outrem não está sendo lesado, na realidade ele
próprio o está exercendo.
Não obstante o fato de uma corrente minoritária da doutrina nacional
defender a tese de que a usucapião é modo derivado de aquisição da
35
propriedade, a exemplo do jurista Caio Mário da Silva Pereira, prospera na
opinião de vários juristas que a usucapião é o modo originário de aquisição da
propriedade, ou de qualquer outro direito real, suscetível de apropriação
material, que se dá pela prescrição aquisitiva, entenda-se, pelo decurso de um
determinado lapso temporal, e desde que cumpridos os demais requisitos
previstos em lei, tendo em vista que esses requisitos variam conforme a
modalidade de usucapião, como veremos adiante, ainda que brevemente.
Considerando que, na prática, o instituto em questão tem sua aplicação
quase que exclusivamente para aquisição da propriedade, é também possível,
conforme prelecionam Washington de Barros Monteiro, Caio Mário da Silva
Pereira, Orlando Gomes e Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (apud
SALLES, 1991, p. 48), “que a usucapião pode estender-se à aquisição de
outros direitos reais, tais como as servidões, o domínio útil na enfiteuse, o
usufruto, o uso e a habitação.”
Neste ponto, faz-se necessário enfatizar que o efeito mais importante
que se pode verificar a respeito do instituto da usucapião está no fato de
consolidar-se o domínio pelo adquirente, eliminando qualquer questionamento
sobre a propriedade.
36
2.1.4 Requisitos
Na concepção de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 194), estabeleceramse os seguintes requisitos para a usucapião, mantidos na lei e na doutrina
modernas: res habilis (coisa hábil), iusta causa (justa causa), bona fides (boafé), possessio (posse), tempus (tempo).
Da leitura da obra de Orlando Gomes (2004, p. 194), depreende-se que
“a posse e o tempo são os dois requisitos básicos, considerados formais,
característicos do instituto e presentes em quaisquer das modalidades de
usucapião. Outras exigências para se caracterizar a usucapião variarão de
acordo com cada espécie.”
Cabe, neste momento, contextualizar tais requisitos, mesmo que de
forma sucinta, tendo ciência de que cada um desses elementos integram,
dentro das suas particularidades, os pressupostos para a efetivação da
transformação do possuidor em proprietário.
Concernente à res habilis, Cláudio Teixeira de Oliveira (2003, p. 54)
defende que:
[...] por coisa hábil entende-se tudo que pode ser objeto de
comercialização ou até mesmo de uma relação de direito. Deve,
portanto, se tratar de coisa que esteja no comércio e que seja
passível de sofrer alienação.
Maria Helena Diniz (2002, p. 148) adverte que:
[...] jamais poderão ser objeto de usucapião: a) as coisas que estão
fora do comércio, pela sua própria natureza, por não serem
suscetíveis de apropriação pelo homem, como o ar, a luz solar, etc.;
b) os bens públicos que estando fora do comércio são inalienáveis
(STF, Súmula 340).
Na lição de Vitor Frederico Kümpel (2005, p. 96), sobre a coisa hábil ou
res habilis, temos que:
São os bens hábeis passíveis de serem usucapidos, no caso em
questão, os imóveis. Existe uma presunção de que todos os bens são
passíveis de serem usucapidos, de forma que podemos excluir: a) os
fora do comércio (terras indígenas); b) os bens públicos; c) as
37
servidões não aparentes (áreas de recuo nas rodovias); d) as terras
devolutas.
Em relação ao justo título, Cláudio T. de Oliveira (2003, p. 54), de forma
resumida, ensina que:
[...] é a chamada justa causa, e significa que deve estar escorado em
lei ou ter suporte legal a lhe proteger. O justo título deve ser provado
e não meramente presumido. É de ordem concreta e não abstrata. È
entendível por justo título todo o documento considerado como sendo
hábil para a transferência da propriedade.
Sob esse mesmo prisma, Venosa (2006, p. 202) afirma que:
[...] Trata-se do fato gerador da posse. Nesse fato gerador ou fato
jurígeno, examinar-se-á a justa causa da posse do usucapiente. Esse
título, por alguma razão, não logra a obtenção da propriedade. Não é
necessário que seja documento. Melhor que a lei dissesse título hábil
[...] Em regra, é justo título todo ato ou negócio jurídico que em tese
possa transferir a propriedade.
Esse mesmo autor continua sustentando que:
A noção de justo título está intimamente ligada a boa-fé. O justo título
exterioriza-se e ganha solidez na boa-fé. Aquele que sabe possuir de
forma violenta, clandestina ou precária não tem justo título.
Documento que faz crer a todos transferir a propriedade é justo título.
Cabe ao impugnante provar a existência de má-fé, porque (a) boa-fé
se presume. (2006, p. 202)
Sendo a boa-fé (fides) uma mera crença, haja vista tratar-se de uma
presunção em decorrência dos atos praticados pelo possuidor, Sílvio Rodrigues
(2002, p. 111) complementa que “necessário também se faz esteja o
prescribente de boa-fé. E ele o está quando ignora o vício, ou obstáculo, que
lhe impede a aquisição da coisa ou do direito possuído (CC/1916, art. 490;
CC/2002, art. 2.001)”.
Levando em consideração as explicações contidas neste trabalho sobre
a posse, é sabido de todos que sem esta não há usucapião, principalmente, se
lembrarmos que a definição do instituto se refere à aquisição do domínio pela
posse prolongada. Dessa forma, a posse, no ensinamento de André
Chateaubriand Bandeira de Melo (2006, p. 309):
[...] deve ser contínua durante o período necessário para a
caracterização da usucapião, não sofrendo discussão, contestação,
impugnação ou dúvida alguma. É exigida para a posse ad
usucapionem que ela seja exercida com o animus domini, ou seja,
38
que o usucapiente possua o imóvel como se seu fosse ainda que de
má-fé, não bastando a posse ad interdicta.
Oportunamente, Venosa (2006, p. 197) afirma o seguinte sobre a posse
ensejadora da usucapião:
Entende-se, destarte, não ser qualquer posse propiciadora do
usucapião, ao menos o ordinário. Examina-se se existe posse ad
usucapionem. A lei exige que a posse seja contínua e incontestada,
pelo tempo determinado, com ânimo de dono. Não pode o fato da
posse ser clandestino, violento ou precário. Para o período exigido é
necessário não ter a posse sofrido impugnação. Desse modo, a
natureza da posse ad usucapionem exclui a mera detenção.
Cumpre destacar o conceito de posse ad usucapionem, ainda que
conciso, extraído da obra de Natal Nader (1991, p. 20):
Posse ‘ad usucapionem’ é a que, além dos elementos indispensáveis
à configuração da posse, preenche ainda os requisitos exigidos à
aquisição da propriedade pelo usucapião. Deve ser sem interrupção,
sem oposição e exercida com intenção de dono, ‘animus domini’.
Claro está que o instituto da posse é qualificado pela pacificidade, pela
continuidade e pelo elemento subjetivo. Com isso, em se tratando de posse ad
usucapionem, para a caracterização da posse não basta somente o elemento
objetivo, ou seja, a apreensão física da coisa pelo possuidor; faz-se necessário
também o elemento subjetivo, leia-se, a intenção desse possuidor de ter a
coisa como sua, isto é, que ele esteja agindo como se proprietário fosse.
Contudo, retomando as lições iniciais contidas no presente estudo,
temos que, para efeito da usucapião, a legislação nacional exige a posse no
sentido atribuído pela teoria subjetivista de Savigny, em contraposição ao
tratamento dado à posse com relação aos seus demais efeitos, lembrando
novamente que o Código Civil adota a teoria objetivista.
Sobre o transcurso do tempo (tempus), atenta-se para a contagem física
do tempo da posse, a qual deve ser contínua, ou melhor, deve-se levar em
conta o início efetivo da posse até a data da efetiva pretensão do possuidor se
tornar proprietário, por meio da ação de usucapião. Nesse aspecto, convém
destacar mais uma vez as palavras de André Chateaubriand Bandeira de Melo
(2006, p. 309), que assim dispõe:
39
É o período exigido por lei, específico para cada tipo de usucapião. E
é muito importante para qualquer tipo. Como já visto, independente
do tempo de posse; é indispensável que esta se estenda
ininterruptamente pelo período mínimo de cinco e pelo máximo de
vinte anos, contados por dias e não por horas.
Em tempo de concluir a apresentação dos requisitos necessários para a
concretização da usucapião, cabe anunciar o último requisito para que o
possuidor adquira a condição de proprietário, que é o requerimento ao juiz, por
meio de sentença judicial, a qual constituirá título hábil para assento no
Registro de Imóveis. Sobre o assunto, Sílvio Rodrigues (2002, p. 113) ensina
que “determina a lei que o usucapiente, adquirindo o domínio pela posse
mansa e pacífica do imóvel, pode requerer ao juiz que assim o declare por
sentença”. Porém, Maria Helena Diniz (2002, p. 152) atenta para o fato de que:
A sentença declaratória na ação de usucapião [...] e seu respectivo
registro não têm valor constitutivo e sim meramente probante, como
um elemento indispensável para introduzir o imóvel usucapido no
registro imobiliário, para que ele possa daí por diante, com esta forma
originária, seguir o curso normal de todos os bens imóveis, quer em
sua utilização, quer na criação de seus direitos reais de fruição ou de
disposição, antes do que não seria possível criá-los.
Mais adiante, a autora cita Sílvio Rodrigues (apud DINIZ, p. 152),
expondo que ele:
[...] entende que essa sentença tem caráter constitutivo, porque antes
dela o possuidor reúne em mãos todos os requisitos para adquirir o
domínio, mas, até que a sentença proclame tal aquisição, o
usucapiente tem apenas expectativa de direito.
Por fim, antes de apresentarmos as modalidades de usucapião
presentes na legislação pátria, cumpre-nos destacar, no que tange aos efeitos
advindos da usucapião, que a constituição de título de transferência do bem ao
usucapiente é oponível erga omnes, sendo que a transferência da propriedade
da coisa ao possuidor, como sendo o efeito fundamental, no entendimento de
André Eduardo de Carvalho Zacarias (2006, p. 23), opera efeitos ex tunc.
40
2.1.5 Modalidades do instituto da usucapião
Nas palavras de Maria Helena Diniz (2002, p. 153), quatro são as
modalidades de usucapião previstas no Código Civil: a extraordinária, a
ordinária, a urbana e a especial ou pro labore, que estão disciplinadas nos
artigos 1.238 a 1.244.
Com isso, passaremos a expor brevemente cada uma delas, uma vez
que o presente trabalho tem por intuito analisar a aplicação do instituto da
usucapião especial coletivo urbano.
Dessa maneira, pode-se dizer que, basicamente, as diferenças entre a
usucapião ordinária e a extraordinária consistem no lapso temporal e na
existência de presunção juris et de jure.
O artigo 1.238 de nossa lei civil, que prevê a usucapião extraordinária,
encontra-se disposto da seguinte forma:
Art. 1.238 – Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem
oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade,
independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que
assim o declare por sentença, a qual servirá de título pra o Registro
no Cartório de Registro de Imóveis. (CÓDIGO CIVIL, 2002)
Acrescente-se que no parágrafo único desse artigo o lapso temporal
pode ser reduzido para dez anos “se o possuidor houver estabelecido no
imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter
produtivo.”13
Para ilustrar a temática, André Eduardo de Carvalho Zacarias (2006, p.
27) comenta que a usucapião extraordinária “é aquela que se formula pelo
transcurso da posse, mansa e pacífica, por 15 anos ininterruptos. Caracterizase pela maior duração da posse e por dispensar o justo título e a boa-fé.”
Dessa espécie de usucapião, conclui-se que são quatro os requisitos
ensejadores do instituto, quais sejam: a posse, justa ou sem oposição (mansa
e pacífica), considerada a mais importante dos requisitos que ensejam a
13
Artigo, 1.238, parágrafo único, do Código Civil de 2002.
41
usucapião; o tempo, decurso do prazo de quinze anos, sem interrupção; o
animus domini, ou seja, a intenção de ter a coisa como dono, e o objeto hábil.
Já a usucapião ordinária tem sua previsão inserida no art. 1.242 do
Código Civil (2002), que assim impõe:
Art. 1.242 – Adquire também a propriedade do imóvel aquele que,
continua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por
dez anos.
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se
o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro
constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde
que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico.
No entendimento de Maria Helena Diniz (2002, p. 154), “trata-se da
posse-trabalho, que, para atender ao princípio da sociabilidade, reduz o prazo
de usucapião.” Os pressupostos da usucapião ordinário, conforme anuncia a
mesma autora, são a posse mansa, pacífica e ininterrupta, exercida com a
intenção de dono, bem como o decurso do tempo de dez anos ou de cinco
anos, o justo título devidamente registrado, a boa-fé e, por último, a sentença
judicial que lhe declare a aquisição do domínio.(DINIZ, 2002, p. 154-156)
Necessário se faz cotejar, mais uma vez, os dizeres de Cláudio Teixeira
de Oliveira (2003, p. 56), ao postular que:
Os atuais parâmetros estabelecidos pelo novo Código Civil procuram
valorar a chamada “posse-trabalho”, e assim é que os prazos (para o
usucapião de coisas imóveis), tanto o ordinário como o extraordinário,
são reduzidos quando presentes a “posse qualificada”, como refere
Reale, em face de ter parecido mais conforme aos ditames sociais
situar o problema em termos de “posse-trabalho”, que se manifesta
através de obras e serviços realizados pelo possuidor.
Conforme foi dito acima, o legislador civil previu ainda, nos artigos 1.239
e 1.240, a modalidade de usucapião especial, que poderá ser pro labore, se o
imóvel tiver por finalidade assegurar a subsistência do proprietário e de sua
família, assim como em razão da função, ou seja, se for destinado para fins de
moradia. Tais institutos, segundo as doutrinas nacionais, foram inspirados nos
artigos 183 e 191 da Constituição Federal de 1988. Vejamos, então, as
principais características de cada um deles.
42
Temos que a usucapião especial rural ou pro labore, como também é
conhecida, está prevista no art. 1.239 do Código Civil (2002), que assim
dispõe:
Art. 1.239 – Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou
urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem
oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta
hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,
tendo nela sua mordia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Vale citar os escritos de Moraes Salles (1991, p. 168), que preceitua o
seguinte:
Esse dispositivo é reprodução quase literal do artigo 191 (caput) da
Constituição Federal de 1988, corrigida a falha constante deste
último, que utilizou a expressão “possua como seu” ao invés da
expressão “possua como sua sua”, que seria a correta, pois o
pronome possessivo deve concordar com “área”, substantivo
feminino. Verifica-se, portanto, que o legislador quis institucionalizar,
também no âmbito do Código Civil, a usucapião especial rural e o fez,
a nosso ver, acertadamente, pois a matéria estará regulada de modo
mais adequado na Lei Civil do que no Estatuto Básico da República.
E ainda sobre essa modalidade de usucapião, Vitor Frederico Kümpel
(2005, p. 97-98) relata que:
O instituto fora originalmente regulado pela CF de 1934, passando
pela Carta Magna de 1946, ganhando contornos pelo Estatuto da
Terra (Lei n. 4.504/64) e, por fim, pela Lei n. 6.969/81. Todos esses
diplomas autorizavam o usucapião rural em área de até 25 hectares,
permitindo, também, o sobre terras devolutas.
Não vigora o Estatuto da Terra em matéria de usucapião rural, na
medida que mais uma vez o legislador constitucional, copiado pelo
art. 1.239 do CC, referendou o critério da localização da área e não o
da destinação. Toda área situada fora do perímetro urbano é passível
de usucapião rural. Outra observação importante está no fato de que
o possuidor, além de residir na área só ou com sua família, deve
produzir nela. É uma posse produtiva, portanto, o que implica que
parte do sustento deve ser extraído da atividade agrária desenvolvida
na área.
A partir da leitura do artigo, bem como das mais eminentes doutrinas,
conclui-se que os requisitos para a aquisição da propriedade por meio dessa
modalidade de usucapião residem no fato de que o ocupante não tenha outro
imóvel, a posse se dê com animus domini, de forma ininterrupta e sem
oposição no prazo de cinco (5) anos, e que tenha tornado a terra produtiva com
43
seu trabalho ou de sua família, tendo-a como moradia habitual, não podendo a
área ser superior a 50 hectares, devendo ser observada ainda a vedação
quanto às terras públicas.
Venosa (2006, p. 210) tece a seguinte consideração sobre o tema:
A lei refere-se à moradia no local. Essencial que exista, portanto,
edificação no imóvel que sirva para moradia do usucapiente ou de
sua família. Não existe exigência de justo título e boa-fé nessa
modalidade, o que se aplica tanto ao usucapião especial urbano,
assim como ao usucapião especial rural. [...] Há também o intuito de
fixar a pessoa no campo. Daí a razão de denominar-se esse
usucapião rural de pro labore.
Por último, tem-se a usucapião urbana, também conhecida pelo termo
especial urbana, ou ainda, pro morare, e que se encontra disposta no Código
Civil (2002), em seu art. 1.240, que assim estabelece:
Art. 1.240 – Aquele que possuir, como sua, área urbana de até
duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou
de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
o
§ 1 O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
o
§ 2 O direito previsto no parágrafo antecedente não será
reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
Esse dispositivo repete, quase literalmente, a previsão expressa no
artigo 183, §§ 1° e 2°, da Constituição Federal de 1988. Contudo, Moraes
Salles (1991, p. 165) constata que:
Como se verifica, os artigos 1.240 do atual Código Civil e 183 da
Constituição da República só diferem na redação dos §§ 2°
respectivos, sem, entretanto, nenhuma alteração de conteúdo. Por
outro lado, o art. 183 da Carta Magna contém um § 3°, que não foi
repetido no art. 1.240 do atual Código Civil, mas que se insere no seu
art. 102 (com outra redação, mas com o mesmo significado).
Encontra-se respaldo na explicação de Vitor Frederico Kümpel (2005, p.
97) sobre a intenção do legislador, ao dispor sobre a modalidade em questão:
Observe que o legislador estabeleceu um rígido critério social, não
autorizando uma pessoa que já tenha propriedade ou que já tenha
usucapido a ver sua posse transformar-se em propriedade. A área
urbana significa que o critério adotado pelo legislador não é o da
destinação da área e, sim, da sua localização. A dimensão de 250
metros quadrados diz respeito à área linear do terreno, pouco
44
importando se a edificação é maior ou menor. Isso significa que a
pessoa pode usucapir um terreno de 250 metros quadrados em uma
área de 400 metros quadrados. Também é bom observar que o
imóvel precisa ter a metragem mínima autorizada pelo Município, sob
pena de não ser registrada a sentença declaratória de usucapião.
A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer para o nosso
ordenamento jurídico essa modalidade de usucapião. A respeito de tal
inovação e do avanço dado por nossa CF/88, José Carlos Tosetti Barruffini
(1998, p. 141) diz que:
[...] o enfeixamento no usucapião desta perspectiva representa um
papel de destaque para nossa Constituição, numa visão de
recuperação histórica indisfarçável, realçando a supremacia dos
interesses sociais.
Ressalte-se que tal espécie de usucapião tem algumas particularidades
bem diversas das demais categorias de usucapião, além dos requisitos já
exigidos por estas. A primeira diz respeito ao prazo, pois juntamente com a
usucapião pro labore, verifica-se que é o mais curto, uma vez que, para gerar
direito a usucapião, são necessários apenas 5 (cinco) anos de posse.
Todavia, se por um lado a lei reduziu o prazo, por outro, ela trouxe uma
série de limitações, a exemplo da área do imóvel usucapiendo que não poderá
ultrapassar duzentos e cinqüenta metros quadrados, compreendida a área do
terreno. Vale destacar ainda a exigência de que o possuidor efetivamente
utilize o imóvel para sua moradia ou de sua família, além de não poder o
requerente ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Além disso,
também é vedado esse direito a quem dele já se beneficiou uma vez.
Note-se que essa previsão contida no § 2º, qual seja, a de que não será
concedida essa usucapião ao mesmo possuidor mais de uma vez, embora
pareça desnecessária em face da exigência do caput de que o possuidor não
seja proprietário de outro imóvel, não se faz redundante, uma vez que é
perfeitamente possível que alguém adquira a propriedade de um imóvel por
essa modalidade de usucapião, depois se desfaça desta e venha a possuir
outro imóvel, intentando, após cinco anos novamente, ação idêntica. Há de se
pensar, todavia, que nada obsta a possibilidade de a usucapião especial
urbana ser deferida ao requerente que atualmente não seja proprietário de
45
outro imóvel, mas que já tenha sido beneficiado, no passado, por outra ação de
usucapião, porém em uma modalidade diversa.
Somente são usucapíveis por essa modalidade os imóveis localizados
em zona urbana. Apesar de grande parte da doutrina problematizar a questão
se o critério adequado para atender a finalidade de identificação da área é o da
destinação ou da localização, temos que o caráter de urbano e rural,
empregado tanto para essa categoria como para a usucapião especial rural,
leva em consideração tão-somente a localização do imóvel, não tendo qualquer
relevância se a sua destinação é urbana ou rural, como se depreende, com
relação ao urbano, do capítulo em que se insere – “Da Política Urbana” – e
com relação ao usucapião rural, não só pelo capítulo “Da Política Agrícola e
Fundiária e da Reforma Agrária”, mas também pela clareza do disposto no art.
191, quando prevê a usucapião de “área de terra, em zona rural”.
Observando-se ainda a redação dos artigos 183 e 191, conclui-se que
as modalidades de usucapião especial urbano e especial rural, por exigirem a
moradia do possuidor ou de sua família, são exclusivas para pessoas físicas.
Sob esse aspecto, Moraes Salles (2006, p. 284), ao analisar a posse na
usucapião especial urbana, registra o seguinte:
Ademais, a posse do prescribente há de ser pessoal, o que decorre
da exigência constitucional de utilização do imóvel (área urbana)
”para sua moradia ou de sua família”. Destarte, não vale para esta
espécie de usucapião a posse exercida por intermédio de preposto ou
de terceiro.
Por todo o exposto, pode-se perceber que a usucapião, em suas
diversas modalidades, insere-se como um importante instrumento de
regularização da questão fundiária, ensejando, neste sentido, a concretização
do princípio constitucional da função socioambiental da propriedade em
consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse aspecto,
oportuno se faz contemplar as palavras do desembargador José Renato Nalini
(2003, p. 172), a respeito da busca de uma feição renovada ao direito de
propriedade, a saber:
Ninguém o desconhece: a) distribuir a propriedade, para a supressão
da miséria, mas a edificação de um povo solidamente apoiado sobre
um pedaço de terra; b)fortalecer a família camponesa, mediante seu
acesso à propriedade do solo que cultiva e que tal solo seja fonte de
ingressos suficientes para um nível digno de existência; c) fortalecer a
46
família urbana, propiciando moradia digna, próxima ao trabalho,
acesso aos equipamentos urbanos essenciais ao desenvolvimento
em plenitude.
Feitas as devidas considerações acerca do instituto da usucapião e de
suas modalidades, propõe-se a seguir a análise, detalhada, da espécie
denominada usucapião especial de imóvel urbana, prevista no Estatuto da
Cidade.
2.2 DA USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVA DE IMÓVEL URBANO
Nas palavras de Jacqueline Severo da Silva, tem-se que:
[...] os princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, em
especial o da função social da propriedade, intimamente associado
ao direito à moradia, tiveram acrescida substância com a Lei Federal
n° 10.257/2001. A norma federal implementou no art. 12, I e II, a
possibilidade do ajuizamento de ações de usucapião especial urbano
em formação litisconsorcial ativa e ações de usucapião urbano
14
coletivo.
O Estatuto da Cidade, então, por meio da criação de uma nova
modalidade de usucapião, a partir do reconhecimento da espécie existente na
Carta Magna, conhecida como usucapião especial constitucional, demonstra
uma efetiva preocupação do legislador em ordenar a propriedade urbana, com
a devida observância dos princípios urbanísticos, no intuito de viabilizar o
direito à moradia de quem já ocupa as áreas urbanas. Assim, os artigos 9° a
14, dispostos na Lei n. 10.257/2001, devem ser interpretados como
mecanismos de regularização fundiária, os quais visam ainda à reorganização
urbanística.
Cumpre-nos,
portanto,
analisar
esses
dispositivos
mais
especificamente.
De acordo com Francisco Loureiro:
[...] cumpre destacar que o Estatuto da Cidade disciplinou duas
modalidades de usucapião, dotadas de características próprias e
14
SILVA, Jacqueline Severo da. A Usucapião Especial Urbana – Legitimação Ativa, in: ALFONSIN,
Betânia de Moraes e FERNANDES, Edésio (Orgs.). Direito à moradia e segurança da posse no
Estatuto da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p.
143.
47
inconfundíveis entre si: o usucapião individual (art. 9°) e o usucapião
15
coletivo (arts. 10 a 14).
2.2.1 O artigo 9° do EC – Usucapião especial individual
Com efeito, o artigo 9° da referida lei preceitua:
o
Art. 9 Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até
duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou
de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
o
§ 1 O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher,
ou a ambos, independentemente do estado civil.
o
§ 2 O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao
mesmo possuidor mais de uma vez.
o
§ 3 Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de
pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no
imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
Tem-se que a redação do artigo 9° no Estatuto da Cidade é semelhante
ao artigo 183 da Constituição Federal, substancialmente, porque essa
modalidade de usucapião mantém a área de até 250 metros quadrados.
Todavia, no que se refere à usucapião individual do artigo supracitado, o
autor Francisco Loureiro (op.cit., p. 88-89) tece a seguinte consideração:
[...] cabe apenas fazer a breve observação de que o preceito
encontra-se revogado pelo art. 1.240 do Código Civil, que trata
exatamente da mesma situação jurídica. Embora seja lei geral, o
novo Código Civil tratou do mesmo tema, com disciplina algo diversa.
Logo, a revogação deu-se pela incompatibilidade das duas normas
regularem a mesma situação jurídica, para os mesmos destinatários.
Prevalece, portanto, a lei posterior, que no caso é o Código Civil.
Em contrapartida, o referido autor, ao concluir seu raciocínio, defende
que:
[...] deve haver, por parte do intérprete, um permanente esforço para
libertar-se da figura do usucapião individual disciplinada na lei civil,
15
LOUREIRO, Francisco. Usucapião Coletivo e Habitação Popular, in: ALFONSIN, Betânia de
Moraes e FERNANDES, Edésio (Orgs). Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da
Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 88.
48
que tem por escopo apenas a aquisição da propriedade por modo
originário. Aqui, o legislador é mais ambicioso e almeja não só a
regularização fundiária, mas também a urbanização da gleba. (op.cit.,
p. 110)
Em face das inúmeras discussões doutrinárias sobre a questão da
quantidade máxima tanto da área do terreno como da edificação existente
neste, preceituado pelo artigo 9°, como regulamentação da carta Magna,
Moraes Salles (1991, p. 291) tece os seguintes comentários:
Verifica-se, portanto, que o art. 9° da Lei 10.257, de 10.7.2001
(Estatuto da Cidade), alude, agora, a área ou edificação urbana de
até 250 metros quadrados, querendo com isso significar que tanto a
área de terreno como a da edificação no mesmo construída não
poderão ultrapassar a mencionada metragem quadrada, espancando,
assim, a dúvida que o texto do art. 183 da Constituição da República
gerara [...]. Teria sido preferível, entretanto, que a redação do art. 9°
do Estatuto da Cidade tivesse utilizado a expressão “área e
edificação urbana” ao invés de “área ou edificação urbana”, porque
não haverá edificação sem que se alicerce sobre uma área. Todavia,
parece-nos indubitável que, mesmo com a impropriedade da
expressão utilizada, quis o legislador estabelecer que tanto a área do
terreno como a edificação não poderão ultrapassar os duzentos e
cinqüenta metros quadrados a que alude o art. 183 da Constituição
Federal de 1988.
2.2.2 O artigo 10 do EC – Usucapião especial coletiva de imóvel urbano
Inicialmente,
cumpre-nos
destacar
o
questionamento
acerca
da
inconstitucionalidade do novel instituto, tendo em vista que a Constituição
Federal de 1988 dispôs expressamente sobre o domínio por meio da usucapião
individual, sendo que em momento algum faz referência à possibilidade do seu
reconhecimento de forma coletiva. Destarte, o artigo 10 do Estatuto da Cidade
não criou uma nova modalidade de usucapião destoante da forma inserida no
texto constitucional, posto que os requisitos necessários para ambos são os
mesmos. Assim, para Paulo José Villela Lomar (2001, p. 140):
[...] a inovação reside na possibilidade de reconhecimento coletivo da
usucapião com a instituição de uma espécie original e temporária de
condomínio, que perdurará até que se efetive a reurbanização da
área ocupada.
Esse mesmo autor acrescenta:
49
A redação mais adequada ao artigo 10 do Estatuto da Cidade seria a
que exprimisse que as áreas urbanas, aqui entendidos os terrenos e
edificações, ocupadas, por período superior a cinco anos, por
agrupamento ou conjunto de pessoas ou famílias de baixa renda para
a sua moradia, cujas habitações individuais não ultrapassem a área
de duzentos e cinqüenta metros quadrados, são suscetíveis de serem
usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam
proprietários de outro imóvel urbano ou rural. (p. 140)
Para tanto, a redação do artigo 10 da Lei n. 10.257/2001 está expressa
da seguinte maneira:
Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros
quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua
moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não
for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são
susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
o
§ 1 O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este
artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que
ambas sejam contínuas.
o
§ 2 A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada
pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no
cartório de registro de imóveis.
o
§ 3 Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada
possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um
ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos,
estabelecendo frações ideais diferenciadas.
o
§ 4 O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo
passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no
mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de
urbanização posterior à constituição do condomínio.
o
§ 5 As deliberações relativas à administração do condomínio
especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos
presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.
Verifica-se, então, que esse artigo repete alguns dos requisitos exigidos
pela usucapião especial urbana constitucional, disposta no artigo 183 da Carta
Magna, os quais já foram analisados de forma elucidativa no tópico anterior.
Logo, trataremos de expor aqui os requisitos introduzidos em função da
usucapião coletiva.
Conforme os ditames do artigo 10 da Lei n. 10.257/01, os requisitos da
usucapião coletiva são:
50
a) inicialmente, o objeto da usucapião coletiva são as “áreas urbanas com
mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados”. Note-se que não há
restrição ao tamanho mínimo ou máximo de área para cada morador;
b) o requisito subjetivo que enseja a legitimidade ativa circunscrita à
ocupação da área por “população de baixa renda”, termo este que não
foi claramente explicado pelo legislador, mas que pode ser entendido,
conforme observação de Francisco Loureiro ( 2004, p. 95):
[...] como a camada da população sem condições econômicas de
adquirir, por negócio oneroso, um imóvel de moradia. Caberá ao juiz,
a quem se conferiu razoável dose de discrição, examinar caso a caso
se os requerentes encaixam-se no conceito de “baixa renda” usado
pelo legislador;
c) ocupação da área para fins de moradia, ou seja, a garantia fundamental
do direito à moradia. Não obstante, Daniel Lobo Olimpio advoga em seu
artigo, intitulado “Usucapião Coletivo”, que:
[...] a existência de imóveis com destinação mista, residencial e
comercial, ou, até mesmo somente comercial, não deve ser
empecilho para a incidência da usucapião coletivo, uma vez que os
núcleos habitacionais ou favelas formam um todo orgânico, tratado
como uma unidade pelo legislador, de tal modo que excluir poucos
imóveis comerciais, abrindo retalhos na gleba, pode significar, em
certos casos, a inviabilidade da urbanização futura. Em havendo
essas hipóteses (alguns poucos imóveis não residenciais), desde que
não desfigure o todo, pode-se aplicar o princípio da razoabilidade e a
vocação eminentemente residencial da área, vista como uma
16
unidade. ;
d) prazo mínimo de cinco anos de ocupação da área total, ou seja, o
mesmo prazo previsto pelo artigo 183 da CF/88. Esse período pode ser
computado a partir da vigência da Carta Magna, e não somente o
período de posse posterior à vigência do Estatuto da Cidade;
e) posse sem oposição, caracterizando a posse pacífica;
f) posse da respectiva área de forma ininterrupta, ou seja, desde que seja
contínua, admitindo, ainda, a soma de posses, nos moldes do § 1° do
artigo em questão;
g) impossibilidade de identificar os terrenos ocupados individualmente por
cada possuidor. Nesse ponto, Loureiro (2004, p. 96) salienta que “a
51
expressão deve ser interpretada pelo critério teleológico e com certa
largueza, evitando-se a interpretação literal.” Dessa forma, remetendo
ao exemplo das favelas, esse autor conclui que, “nos aludidos núcleos
habitacionais não há propriamente terrenos identificados, mas sim
espaços que não seriam passíveis de regularização pela via do
usucapião individual”(2004, p. 97);
h) possuidores não proprietários de outro imóvel urbano ou rural, requisito
este que pode auxiliar na constatação da baixa renda da população,
tendo em vista as dificuldades de se adquirir a casa própria, assim como
a onerosidade dos aluguéis, na contemporaneidade.
Vistos os requisitos exigidos para usucapião especial coletiva de imóvel
urbano, passaremos ao exame dos parágrafos do artigo 10 e dos demais
dispositivos relativos ao instituto, presentes na Lei n. 10.257/2001.
2.2.2.1 Parágrafo 1° do artigo 10 e a accessio possessionis
Segundo consta no § 1° do artigo 10, “o possuidor pode, para o fim de
contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu
antecessor, contanto que ambas sejam contínuas”.
Nesse caso, trata-se de accessio possessionis, sendo que a norma aqui
contida se refere, tão-somente, ao possuidor, “sem fazer qualquer outra
distinção, ou seja, sem distinguir entre sucessor a título universal e sucessor a
título singular”. (SALLES, 2006, p. 323) A esse respeito, Moraes Salles (op. cit.,
p. 323) , completa argumentando:
Parece-nos, portanto, que a norma em referência se aplica tanto a um
quanto ao outro. Basta, portanto, que as posses do antecessor e do
sucessor sejam ininterruptas (contínuas) e sem oposição (pacíficas),
para que uma possa se acrescentar à outra. Isto se justifica,
provavelmente, pelo fato de ser muito flutuante a população das
favelas, com os moradores vendendo seus barracos a outros, com
grande freqüência. Justifica-se, também, por serem bastante
16
OLIMPIO,
Daniel
Lobo.
Usucapião
Coletivo.
www.jfrn.gov.br/doutrina/doutrina218.doc, acesso em 23/03/2007.
Artigo
publicado
em
52
diferentes as situações fáticas que dão origem à usucapião especial
urbana individual, de um lado, e à usucapião especial urbana coletiva,
de outro.
Francisco Loureiro (2004, p. 99), mantendo a linha de pensamento do
autor acima, evidencia que:
[...] ao contrário do que ocorre no usucapião individual, aqui admite o
legislador (§ 1º, do artigo 10) – com generosidade – a soma das
posses, tanto pela accessio como pela successio possessionis,
bastando que ambas sejam contínuas e cumpram os demais
requisitos do usucapião coletiva. Note-se a diferença de tratamento
dado às situações de usucapião individual e coletivo. Há nítida
preferência pelo coletivo, mediante estímulos e abrandamento dos
requisitos, mediante atividade impulsionadora, numa autêntica função
promocional do direito.
2.2.2.2 Parágrafo 2° do artigo 10 e a sentença judicial
Da leitura do § 2°, extrai-se que o reconhecimento da usucapião especial
coletiva de imóvel urbano será declarado pelo juiz, mediante sentença, e que
atuará como título para registro no cartório de registro de imóveis competente.
De acordo com os ensinamentos de Moraes Salles (2006, p. 324),
corrobora-se a idéia de que:
O dispositivo em apreço só reforça o axioma de que a sentença
proferida em ações de usucapião é meramente declaratória de um
direito preexistente, o qual se consubstancia no momento em que o
usucapiente preenche todos os requisitos previstos em lei para a
aquisição por usucapião.
Entretanto, é a partir da sentença que se dará a determinação da fração
ideal de terreno para cada possuidor, bem como a regulamentação do
condomínio, conforme dispõem os parágrafos subseqüentes do artigo 10 do
Estatuto da Cidade.
Dessa forma, evidencia-se a dupla natureza da sentença, ou seja, ela é
tanto declaratória como constitutiva, pois reconhece a existência de usucapião
coletivo, atribuindo a cada possuidor, em regra, igual fração ideal do terreno,
independentemente da dimensão da área que esse possuidor ocupe, salvo se
existir acordo escrito entre os condôminos estabelecendo frações ideais
53
diferenciadas, caso em que o juiz deverá observá-lo na própria sentença, e por
isso pode ser considerada declaratória. Outrossim, é constitutiva, porque na
própria sentença o juiz determina a constituição do condomínio entre os copossuidores.
2.2.2.3 Parágrafo 3° do artigo 10 e a atribuição de frações ideais de
terreno
O § 3° do artigo 10 do EC determina o seguinte:
Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada
possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um
ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos,
estabelecendo frações ideais diferenciadas.
Tendo em vista a previsão contida no caput do referido artigo, em
relação às áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros
quadrados, suscetíveis de serem usucapidas de forma coletiva, a razão desse
parágrafo reside no fato de que não seja possível identificar os terrenos
ocupados por cada possuidor. Mais uma vez, merecem ênfase as
considerações tecidas por José Carlos Moraes Salles (2006, p. 325) a respeito
do tema, ao acrescentar o seguinte:
Todavia, ressalva o dispositivo em análise que, havendo acordo
escrito entre os condôminos, as frações ideais poderão ser
diferenciadas. A lei não estabelece forma especial para este acordo
nem diz como deve ser acertado entre os interessados. Tratando-se
de acordo, entendemos que bastará a existência de um único
discordante entre os condôminos, para que o mesmo não se efetue,
pois o diploma legal estabelece que as frações ideais serão iguais, só
deixando de sê-lo se houver acordo a respeito. E a esse acerto
ninguém estará obrigado.
Cabe, nesse tocante, a reflexão quanto à dificuldade de se estabelecer
tais frações ideais de terreno, tanto pelo magistrado, quanto pela comunidade,
ainda que organizada em condomínio. Primeiro, em função do tempo que
demandaria, por exemplo, nas análises geográficas e topográficas; depois
54
porque, em se tratando de unanimidade nas decisões de grupo, há que se
levar em conta a presença de muitas divergências e controvérsias.
2.2.2.4 Parágrafo 4° e 5°do artigo 10 e o condomínio especial
Nos termos do § 4° do artigo 10, tem-se que:
[...] o condomínio especial constituído é indivisível, não sendo
passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no
mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de
urbanização posterior à constituição do condomínio.
É nesse contexto que se vislumbram as palavras de Francisco Loureiro
(2004, p. 107), ao demonstrar que:
Não se trata, como é óbvio, da figura do “condomínio especial” da Lei
n° 4.591/64, porque não se cogita de unidades autônomas atreladas
à fração ideal do terreno. Não cabe ao juiz, na sentença, a instituição
do condomínio especial de casas do artigo 8° da Lei n° 4.591/64, sem
prévia urbanização da gleba. Tal solução somente será viável se, no
curso da demanda, constatar-se que já contém a gleba todos os
requisitos necessários à urbanização e que as acessões estão
perfeitamente individualizadas, passíveis de descrição como
unidades autônomas.
Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 212), por sua vez, lembra bem ao
postular que “se o condomínio representa por si só uma causa permanente de
desentendimentos, podem-se prever maiores problemas em um condomínio
que se origina dessa forma”. Complementando, Benedito Silvério Ribeiro aduz
que:
[...] é sabido e consabido ser no condomínio que ocorrem as maiores
divergências entre consócios, sendo fonte de desavenças, ainda mais
entre pessoas de nível cultural baixo. Assim, dependendo o
condomínio de quorum especial, para que se viabilize urbanização da
área objeto de usucapião (§4. do art. 10 do Estatuto da Cidade), pode
ocorrer que não se chegue a isso, como no caso de favela controlada
por quadrilha de traficantes de drogas, em que não se queira abertura
55
de ruas, preferindo-se caminhos tortuosos que impeçam a livre
17
passagem da polícia.
Contudo, esse condomínio especial constituído entre os moradores tem
as seguintes características, no entendimento de Diliani Mendes Ramos:
a) Igualdade de frações, quer dizer, cada possuidor tem fração ideal
da área urbana que foi objeto da ação de usucapião, salvo acordo
escrito, feito antes da inserção da carta de sentença no registro
imobiliário, que estabeleça quotas diversas; b) Indistinção das frações
ideais. Assim, não há que se falar em áreas comuns e autônomas; c)
Indivisibilidade. Dessa forma, salvo deliberação favorável de dois
terços dos condôminos, em caso de execução de urbanização
posterior à constituição do condomínio, não podem os condôminos
dividir a área usucapida entre si; d) Validade das decisões por maioria
dos presentes; e) Vinculação dos discordantes ou ausentes (as
decisões da maioria dos presentes vinculam os discordantes e os
18
ausentes).
Diante da determinação do artigo 5º de que “as deliberações relativas à
administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos
condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou
ausentes”, destaque-se que, apesar de estabelecer esse condomínio especial,
o Estatuto da Cidade não definiu as regras que devem vigorar quanto à sua
administração, entendendo a doutrina que, ante o silêncio da lei, por analogia,
deve-se operar o regime jurídico do condomínio em edificações, ou seja,
aplica-se o regime semelhante ao da Lei n° 4.591/64, que dispõe sobre o
condomínio em edificações e incorporações imobiliárias, vinculando todos os
condôminos à deliberação da maioria, inclusive os discordantes e os ausentes,
visando disciplinar o uso das áreas de ocupação comum, assim como os temas
de interesse da coletividade.
Nesse passo, coloca-se a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de se
reunir centenas ou mesmo milhares de condôminos para deliberarem sobre a
administração do condomínio especial. Consoante, Moraes Salles (2006, p.
327) enfatiza que:
17
RIBEIRO, Benedito Silvério. Críticas à usucapião urbana coletiva. Artigo extraído do Boletim Eletrônico
Disponível em: http://www.controlm.com.br/artigos/020.asp. Acesso em:
do IRIB nº. 584 de 05/12/2002.
23/03/07
18
RAMOS, Diliani Mendes. Principais inovações introduzidas pelo Estatuto da Cidade (Lei nº
10.257/2001) na ação de usucapião especial urbano . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 331, 3 jun. 2004.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5289>. Acesso em: 23/03/2007.
56
Conhecendo-se – como se conhece – o nível cultural das populações
de baixa renda, num País em que, desgraçadamente, o número de
analfabetos ou de semi-analfabetos é elevadíssimo, será fácil avaliar
como serão conduzidas essas assembléias, com toda a certeza
presididas por aproveitadores e oportunistas e em detrimento da
grande maioria dos condôminos. E mais: como não se exigiu que as
deliberações fossem tomadas por maioria absoluta, pequenas e
eventuais maiorias simples dos condôminos presentes poderão
decidir os destinos da maioria ausente!
Ante essa atmosfera de irrealidade e de lacunas deixadas pelo legislador
é que o Estatuto da Cidade suscita tantas críticas e dúvidas quanto a sua
aplicabilidade e efetividade.
2.2.3 O artigo 11 do Estatuto da Cidade
Cuida o artigo 11 que “na pendência da ação de usucapião especial
urbana,
ficarão
sobrestadas
quaisquer
outras
ações,
petitórias
ou
possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel
usucapiendo”.
Sobre o assunto, o magistrado Gilberto Schafer (2004, p. 128) esclarece
que:
[...] segundo a dicção do artigo ele se refere às ações futuras,
conforme se extrai do verbo “venham” e não as atuais ações
petitórias ou possessórias, que já estão propostas que deverão ser
reunidas para evitar julgamentos conflitantes. Nesse caso melhor
reunir as ações, como se vem fazendo, julgá-las conjuntamente,
19
tendo em vista a prejudicialidade e a comunhão de provas.
Por seu turno, o já citado Francisco Loureiro (2004, p. 106-107) assinala
o seguinte:
Guarda o preceito certa semelhança com o art. 923 do Código de
Processo Civil. Não é feliz o dispositivo que pode dar margem a
abuso de direito, impedindo, por tempo indeterminado, eventual
retomada do prédio pelo proprietário. A pretexto de separar o petitório
19
SCHAFER, Gilberto. Usucapião Especial Urbana: Da constituição ao Estatuto da Cidade in
ALFONSIN, Betânia de Moraes e FERNANDES, Edésio (Orgs.). Direito à moradia e segurança da posse
no Estatuto Da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p.
128.
57
do possessório, de modo paradoxal o legislador subordina um ao
outro, criando um atrelamento inconveniente. Melhor seria que se
omitisse a respeito do tema, ficando a critério do juiz a suspensão de
um dos feitos, quando houver o risco de sentenças contraditórias.
A matéria, no entanto, está longe de ser pacífica tanto na doutrina como
na jurisprudência. Melhor seria, na compreensão de Moraes Salles (2006, p.
331), que o artigo 11 da Lei n° 10.257/2001:
[...] houvesse determinado, ao invés do sobrestamento das ações
petitórias e possessórias na pendência de ação de usucapião
especial urbana, a reunião e processamento conjunto dos processos
em apreço, evitando-se, assim, decisões contraditórias.
2.2.4 O artigo 12 do Estatuto da Cidade – Legitimidade para agir
O artigo 12 da Lei n° 10.257/2001 dispôs sobre o rol de legítimos ativos
para fins de ajuizamento de ações de usucapião especial urbano, preceituando
da seguinte forma:
Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião
especial urbana:
I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou
superveniente;
II – os possuidores, em estado de composse;
III – como substituto processual, a associação de moradores da
comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica,
desde que explicitamente autorizada pelos representados.
o
§ 1 Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a
intervenção do Ministério Público.
o
§ 2 O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária
gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.
Primeiramente, há que se ressaltar que o dispositivo regulado pelo artigo
12 se aplica tanto à usucapião especial urbana individual, prevista no artigo 9°,
quanto à usucapião especial urbana coletiva, inscrita no artigo 10.
58
Jacqueline Severo da Silva (2004), em seu artigo “A Usucapião Especial
Urbana – Legitimação Ativa”, aponta a visão de que:
O ordenamento inovou, trazendo a possibilidade de ajuizamento de
ações em litisconsórcio necessário e em litisconsórcio comum ativo
facultativo, cabendo, então, analisar, em que casos se recomendam
ações coletivas de usucapião e em que situações a via litisconsorcial
20
ativa facultativa.
Vale citar que o litisconsórcio está regulado pelos artigos 4621 a 49 do
Código de Processo Civil; entretanto, não cabe para o propósito deste trabalho
o exame minucioso desse dispositivo.
Somente para ilustrar a questão, Moraes Salles (2006, p. 331-332)
discorre que:
[...] a formação de litisconsórcio ativo verificar-se-á, entretanto, com
muito maior freqüência, nos casos de usucapião especial urbana
coletiva, fundados no artigo 10 do Estatuto da Cidade. Nesse caso, o
litisconsórcio poderá ser originário ou superveniente, nos termos do
inciso I do art. 12 do citado Estatuto.
O mesmo autor complementa que:
[...] muito embora seja recomendável que a propositura da ação de
usucapião especial urbana coletiva seja feita, em litisconsórcio, por
todos os possuidores de área nas condições previstas no art. 10 do
Estatuto da Cidade, esse litisconsórcio será facultativo e não
necessário. Não percamos de vista que nem sempre será possível
obter a anuência de centenas ou de talvez milhares de possuidores
para a propositura dessa ação em litisconsórcio, sendo lícito a um
único interessado intentar a referida ação, decorrendo essa
legitimação do disposto na primeira parte do inc. I do art. 12, ou seja,
da expressão ‘o possuidor, isoladamente’. (SALLES, 2006, p. 335)
Em contrapartida, Celso Augusto Coccaro Filho argumenta o seguinte:
20
SILVA, Jacqueline Severo da. A usucapião Especial Urbana – Legitimação Ativa in ALFONSIN,
Betânia de Moraes e FERNANDES, Edésio (Orgs.). Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto
Da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p.132.
21
Art. 46 - Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou
passivamente, quando: I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; III - entre as
causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; IV - ocorrer afinidade de questões por um
ponto comum de fato ou de direito. Parágrafo único - O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo
quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a
defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.
59
A menção aos "possuidores, em estado de composse", do inc. II,
também confronta o litisconsórcio mencionado no inc. I, que é
facultativo e não unitário (no pólo processual ativo).
O inc. II do art. 12, ao prever a legitimidade dos "possuidores, em
estado de composse", leva a crer que há litisconsórcio necessário e
unitário, decorrente do estado de indivisão e concomitância de
direitos que qualifica a figura jurídica. Todos os integrantes da
comunidade, aptos a se beneficiar da sentença, deverão integrar o
pólo processual ativo, apresentando-se como compossuidores. O
estado de composse deverá, evidentemente, ser demonstrado, e,
22
também de forma evidente, tal prova não é documental.
Validamente, nas hipóteses dos incisos I e II do artigo em questão, o
sujeito comparece em juízo objetivando o reconhecimento da prescrição
aquisitiva do ponto de vista individual, ainda que o faça de forma conjunta. Por
seu turno, o inciso III do referido artigo, dispõe que é parte legítima para
ajuizamento da ação de usucapião especial urbana coletiva, como substituto
processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente
constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada
pelos representados, evidenciando-se, dessa forma, no âmbito processual,
uma preocupação com os interesses supraindividuais envolvidos na demanda.
No que se refere à divergência processualista e jurisprudencial quanto à
confusão do legislador no emprego dos conceitos de substituição processual e
representação, dispostos respectivamente no artigo 6° do CPC e no artigo 5°,
inciso XXI da CF de 1988, colaciona-se o entendimento de Moraes Salles
(2006, p. 337), ao dizer que:
Filiamo-nos à opinião de Fabio Caldas de Araújo, que, como vimos,
se assenta na jurisprudência hoje pacificada, de modo que, para nós,
o inc. III do art. 12 do Estatuto da Cidade consubstancia hipótese de
representação e não de substituição processual, apesar de aludir à
figura do substituto processual.
Assim, para que a associação de moradores da comunidade, na
qualidade de “substituto processual” (entenda-se representante), tenha
legitimidade para propor a ação de usucapião especial urbana coletiva, faz-se
22
COCCARO FILHO, Celso Augusto. Usucapião especial de imóvel urbano: instrumento da política
urbana. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 437, 17 set. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5709>. Acesso em: 25/03/2007
60
necessária deliberação em assembléia regularmente convocada para tal fim e
desde que respeitadas as disposições contidas no estatuto social da entidade.
Nesse cenário, merece ainda ressalva a possibilidade da utilização de
Ação Civil Pública, uma vez que admite legitimidade do tipo concorrente e
disjuntiva, prevista no artigo 5° da Lei 7.347/85, haja vista que o
desenvolvimento urbano e o direito à moradia são interesses metaindividuais,
seja difuso, coletivo ou individual homogêneo. Concernente ao assunto, Ibraim
Rocha posiciona-se da seguinte forma:
Evidente que facilitar ou diminuir a possibilidade de legitimidade
extraordinária está no âmbito de discricionariedade de legislador, mas
considerando a natureza destes interesses, notadamente sociais,
bem como o flagrante interesse que teria a administração pública em
ajuizar este tipo de ação, em áreas de ocupação consolidada,
retirando-lhe o pesado ônus de eventualmente se ver obrigada a
desapropriar áreas para regularização de assentamentos urbanos, ou
difusão de instrumentos e equipamentos sociais, poderia o legislador
ter deferido um espectro de legitimidade mais ampla, legitimando
23
entes da administração pública e o Ministério Público.
Em tempo, adverte-se que o § 1° do artigo 12 preceitua a
obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, na ação de usucapião
especial urbana, sendo que esse preceito guarda em seu conteúdo
semelhança com a disposição inscrita no artigo 944 do CPC, da qual se
depreende que o Ministério Público age como fiscal da lei, na ação de
usucapião, intervindo obrigatoriamente e devendo ser intimado para todos os
atos do processo. 24
Por último, o § 2° do artigo 12 do Estatuto da Cidade, determina que: “O
autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive
perante o cartório de registro de imóveis.”
A assistência gratuita é garantia constitucional, conforme anuncia o
artigo 5° LXXIV da CF/88, ao dispor que “o Estado prestará assistência jurídica
integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.” Tal
dispositivo encontra, ainda, respaldo no artigo 6° da Lei n° 6969/81, sendo que
23
ROCHA, Ibraim José das Mercês. Ação de usucapião especial urbano coletivo. Lei nº 10.257/2001
(Estatuto da Cidade): enfoque sobre as condições da ação e a tutela. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n.
52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2406>. Acesso em:
25/03/2007.
24
Vide artigo 83, inciso I do CPC.
61
no caso da usucapião especial urbana, a assistência deverá ser concedida
caso o autor da ação afirme a impossibilidade de arcar com as custas e demais
despesas do processo, a exemplo dos honorários advocatícios, por intermédio
da declaração de que trata o art. 4.º da Lei n. 1.060/50 (com a redação que lhe
foi conferida pela Lei 7.510/86).
2.2.5 O artigo 13 do Estatuto da Cidade – matéria de defesa
O artigo 13 da Lei n. 10.257/2001 preceitua que “A usucapião especial de
imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a
sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de
imóveis.”
Convém destacar as palavras de Gilberto Schäfer (2004, p. 127-125), ao
postular que:
A argüição de usucapião como defesa em ações reais sempre foi
admitida sem qualquer restrição. Alegada em defesa, a sentença que
a reconhecia se limitava a declarar que o réu tem direito a ela, mas
não lhe servia de título para a transcrição no registro imobiliário. A
transcrição era buscada através da ação adequada para possibilitar a
intervenção da União, do Estado e do Município ou por terceiros,
citando-se inclusive a pessoa que movera a ação anterior.
De acordo com a Súmula 237 do STF, é pacífica a possibilidade de
invocação de usucapião como defesa do prescribente, ou seja, pode haver
alegação da usucapião especial em contestação. Porém, embora a sentença
de improcedência reconheça a consumação da prescrição aquisitiva, isso não
quer dizer que esta seja hábil para ensejar o registro da aquisição, segundo
pode-se depreender do julgado da 3ª Turma do STJ:
Dúvida não há sobre a possibilidade da argüição de usucapião como
matéria de defesa. Todavia, nesse caso, o Magistrado, acolhendo a
argüição da defesa, não pode emitir julgado declarando a aquisição
do domínio, mas, apenas, julgar improcedente o pedido de
reivindicação. (STJ, 3ª T., Resp n. 139.126/PE, DJU de 21.9.1998,
RSTJ 116/221).
62
Todavia, algumas doutrinas, como a de Moraes Salles e Celso Coccarco,
bem como decisões jurisprudenciais, dentre elas, alguns julgados da Terceira
Turma do STJ, diferentes do referido acima, assinalam que a usucapião
especial urbano, tanto individual quanto coletivo, recebem o mesmo tratamento
que a Lei n. 6.969/81, no seu art. 7º, que dispõe sobre a usucapião pro labore,
determinando que "a usucapião poderá ser invocada como matéria de defesa,
valendo a sentença que a reconhecer como título para transcrição no registro
de imóveis". Nessa esteira, o artigo 13 reproduz a regra; assim, a sentença que
reconhecer a usucapião afirmada em defesa é título hábil para registro no
cartório de registro de imóveis. Fato é que, apesar de ser pacífica a
admissibilidade da usucapião como matéria de defesa, o mesmo não vale para
a possibilidade de registro da sentença que reconhece a usucapião especial
em defesa.
2.2.6 O artigo 14 do Estatuto da Cidade e a previsão do Rito Sumário
Segundo o artigo 14 do Estatuto da Cidade, “na ação judicial de usucapião
especial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário.”
Esse artigo é cumulado com o artigo 275 do Código de Processo Civil, uma vez
que o procedimento sumário se encontra regulado nos artigos 275 a 281 do
CPC. Ressalte-se que, com exceção da usucapião pró-labore, a usucapião
sempre foi considerada uma modalidade com rito especial.
Consoante, Gilberto Schäfer (2004, p. 127-128) pontifica que:
O Estatuto silencia como se dará este procedimento sumário, ao
contrário da Lei n° 6.969/81, que no seu artigo 5°, § 2°, esclarece os
requisitos e propõe um rito para tal ação. No entanto, a pergunta
sobre qual rito aplicar permanece: será o sumário do CPC, o especial
do CPC ou sumário da lei da usucapião rural?
A experiência do processo sumário não tem sido das melhores em
nosso meio, por isso se possibilitou ao juiz converter o procedimento
para ordinário (art. 277 do CPC), especialmente para velar pela
‘rápida solução do litígio’.
63
Tendo em vista as dificuldades que poderão advir da ação de usucapião
coletiva, a exemplo da impossibilidade de comparecimento pessoal à audiência
das inúmeras pessoas reunidas no pólo ativo da ação, poderá ocorrer a
conversão do rito sumário para o ordinário, conforme disposições tanto do
parágrafo 4° como do 5° do artigo 277 do CPC. Sob esse aspecto, Celso
Augusto Coccarco Filho expõe o seguinte:
[...] parece-nos provável, porém, que as citações e intimações,
pessoais e editalícias, possam prejudicar a realização da audiência
inicial no prazo do art. 277 do Código de Processo Civil, mesmo
computado em dobro, em função da intimação da Fazenda. É
recomendável a conversão de rito, nos termos do § 4.º do art. 277,
sendo notório que, em determinadas circunstâncias, o procedimento
25
ordinário se mostra mais célere e menos oneroso.
Diante do exposto, vimos neste capítulo que, relativamente aos bens
imóveis,
existem
hoje
quatro
modalidades
de
usucapião
em
nosso
ordenamento jurídico: a usucapião ordinária, a usucapião extraordinária, a
usucapião especial rural ou pro labore e a usucapião especial urbana. Cada
modalidade tem sua previsão legal e características específicas distintas das
demais. Todas têm em comum a necessidade de o requerente se encontrar na
posse pacífica e ininterrupta do imóvel, com animus domini, há um determinado
intervalo de tempo. Ademais, o Estatuto da Cidade tem por escopo
regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988,
estabelecendo diretrizes da política urbana nacional. Nesse contexto inseremse os preceitos da usucapião especial urbana, tanto individual, prevista no
artigo 9°, quanto coletiva, inserida nos artigos 10 a 14 da Lei n. 10.257/2001, os
quais foram analisados em suas principais características no presente trabalho.
25
COCCARO FILHO, Celso Augusto. Usucapião especial de imóvel urbano: instrumento da política
urbana. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 437, 17 set. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5709>. Acesso em: 25/03/2007.
64
CAPÍTULO 3
APLICABILIDADE DA USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVA
URBANA AO CASO CONCRETO DA COMUNIDADE DA VILA
SANTA ROSA
3.1 A participação popular no Estatuto da Cidade e exemplos de aplicação
da usucapião especial coletiva urbana.
Há uma grande interrogação sobre o futuro das cidades. O processo de
urbanização crescente, desordenado e defeituoso ao atendimento direto à
população, principalmente em áreas mais carentes de equipamentos públicos,
deixa muitas dúvidas sobre como o poder público, por meio de políticas
publicas, aproximará os cidadãos ao direito à cidade.
É sabido de todos que a legislação urbana, como quaisquer outros
instrumentos jurídicos, quase sempre está defasada em relação à realidade
que quer regular. Diante dessa constatação, torna-se imprescindível uma
cultura de contínuo aperfeiçoamento desses instrumentos, a fim de viabilizar o
planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do município no seu território, de modo
a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e os conseqüentes
efeitos sobre o meio ambiente e a qualidade de vida dos habitantes da cidade.
Nessa seara, o Estatuto da Cidade (Lei Federal n° 10.257, de 10 de
julho de 2001), além de tratar de novos instrumentos jurídicos, tendo em vista
outros já existentes, notabiliza-se por consolidar a noção de função
socioambiental da propriedade e a importância do equilíbrio ambiental das
cidades, por disciplinar e criar mecanismos para a regularização fundiária,
como é o caso do instituto da usucapião especial coletiva urbana, objeto de
análise deste trabalho, e ainda, por ratificar a participação popular na gestão
das cidades, sendo esta uma das inovações mais significativas trazidas pelo
Estatuto da Cidade. Consoante, Marcus Alexsander Dexheimer (2006, p. 161),
acrescenta dizendo:
Também possui o Estatuto da Cidade marcante espírito democrático,
exigindo que os governantes construam a política urbana em
permanente diálogo com a sociedade, para que o espaço urbano seja
65
estruturado para atender a todos e não seja traçado de modo a
favorecer unicamente determinados grupos sociais.
Cabe, neste momento, destacar que a participação popular na
formulação e na execução de políticas públicas coloca-se como um dos
elementos fundamentais do Estado Democrático de Direito, ante as relações
sociais, políticas e econômicas por ele estabelecidas na contemporaneidade.
Considerando que o ordenamento jurídico brasileiro é praticamente
resultado dos mecanismos de democracia representativa, e tendo em vista as
dificuldades que esse modelo de representação política encontra para atender
os anseios da sociedade, evidencia-se, na atualidade, a importância de se criar
mecanismos efetivos de participação dos cidadãos. A respeito do tema,
Dexheimer (2006, p. 162-163), aponta a visão de que:
Diante dessa incapacidade resulta um momento de baixa legitimidade
vivenciado pela democracia representativa. Daí a necessidade de
aperfeiçoar-se o sistema político, criando mecanismos outros de
participação política, que transcendam os limites da representação. È
a construção da democracia participativa, estabelecendo relações de
coexistência e de complementaridade entre participação e
representação.
Esse mesmo autor, em outro ponto de sua obra alude que “esta é a
expectativa que se abre com o advento do Estatuto da Cidade: um exemplo
típico de coexistência entre participação e representação.” (DEXHEIMER,
2006, 132)
Assim, tem-se que o advento do Estatuto da Cidade é de suma
importância, não só por prever novas diretrizes para a formulação e execução
da política urbana brasileira, mas também por estabelecer mecanismos e
instrumentos que possibilitem a construção de uma nova realidade urbana nas
cidades do Brasil.
Todavia, esse diploma recebeu e ainda recebe inúmeras críticas, quanto
à possibilidade de sua efetiva aplicação, haja vista as dificuldades em atender
as previsões nele contidas, principalmente no que se refere à adequação por
parte dos Planos Diretores de cada município, sem descuidar da previsão do
66
Estatuto, em seu artigo 40, § 4°, no tocante à obrigatoriedade de transparência
e ao amplo debate com a população.
Contudo, o Estatuto da Cidade também trouxe inovações no tocante ao
instituto da usucapião, ao prever a modalidade coletiva, sendo que essa
previsão igualmente enseja discussões acerca de seu alcance e aplicação nos
casos concretos, tendo em vista as polêmicas que residem, por exemplo, na
questão da formação do condomínio especial, previsto por essa modalidade,
conforme se pode observar no item específico do capítulo anterior deste
trabalho.
Por oportuno, destaca-se o exemplo da Associação dos moradores da
Vila Manchete, da cidade de Olinda/PE, a qual obteve sentença favorável de
usucapião coletiva contra a Novolinda Construtora e Incorporadora S/A e que
beneficiou 376 famílias, em uma área de 15.574m² ocupada há 15 anos
aproximadamente, por população de baixa renda.
Verifica-se com essa decisão a utilização inédita do instrumento
previsto pelo Estatuto da Cidade, com o objetivo de cumprir a função social da
propriedade e atender o direito à moradia, ressaltando-se ainda que a
regularização da área seria realizada de modo sustentável, contando com
verba tanto do governo Federal, como do Estadual.
Para ilustrar a questão, destacam-se alguns trechos da sentença
proferida sobre o Processo de n° 2003.008384-4, na data de 31 de maio de
2005, pelo Juiz Élson Zopollaro Machado, da vara da Fazenda Pública:
[...] Assevera que a população da Vila Manchete, a qual representa,
ocupa as irregulares artérias há mais de quinze anos, iniciada que foi
– a ocupação – nos idos dos anos 80, de forma pacífica e sem
oposição de ninguém, não possuindo os moradores ora
REPRESENTADOS – CONFORME Relação/Cadastro de Moradores
Associados de fls. 36 a 64 qualquer outro bem imóvel, preenchendo,
assim, os requisitos do Usucapião Especial.
[...]
Os associados nominados às fls. 36 a 64 e que constam da Certidão
de fls. 161 a 170, demonstram /quantum satis/, quer pela prova
documental quer pela testemunhal, que exerceram e exercem a
posse sobre a gleba e área individualizadas na inicial, nelas residindo
com suas famílias, de forma contínua e pacífica, por todos aqueles
anos, não bastassem os precários títulos que alguns exibem, e que
não são proprietários de um imóvel, positivando o atendimento de
todos os requisitos da usucapião especial constitucional. De outro
lado, a alegação da ré de que a posse dos moradores da Vila
67
Manchete é ilegítima, ou que provém de atos de raposia, não
encontra qualquer respaldo nos autos, sendo pública e notória a
existência daquela comunidade naquelas terras desde o ano de 1980,
consolidada a Vila, com a precária infra-estrutura que exibe, pela
inércia ou aquiescência dos proprietários das glebas.
[...]
Em suma como asseverou a ilustre Promotoria de Justiça em seu
judicioso Parecer: Consolidada esta a compreensão de que a
propriedade sem função social não tem o status que antes lhe
atribuía, criando o Estado meios de retirar-lhe do meio social quando
não cumpra o seu essencial caráter, destinando-a a um fim de
utilidade social, criando mecanismos que permitam a inserção da
propriedade como utilidade à comunidade. Dentro destes meios é que
vem se inserir a presente ação de usucapião coletivo
[...]
Neste sentido, nos termos do Art. 12, III, da Lei nº 10.257/01, é que
vem a Associação dos Moradores da Vila Manchete, na qualidade de
substituto processual, por seu presidente, perseguir em juízo o
usucapião coletivo das áreas descritas na exordial e delimitadas nas
Plantas de fls. 34 e 35.
[...]
Com estes fundamentos de fato e de direito, julgo procedente em
parte o pedido nestes autos formulado pela ASSOCIAÇÃO DOS
MORADORES DA VILA MANCHETE, para declarar apenas o
domínio útil dos seus associados, aqueles elencados no Cadastro de
fls. 36 a 64 e concomitantemente na Certidão de fls. 161 a 170v,
sobre a gleba e área descritas na exordial e delimitada conforme as
plantas de fls.34 e 35, atribuindo a cada um deles, como requerido, a
fração ideal de 80,00m² (oitenta metros quadrados), destinando o
remanescente das áreas aos logradouros públicos, praças, postos de
saúde e de segurança, escola, creche, centro comunitário e
desportivo e demais obras de infra-estrutura, servindo esta Sentença
de título hábil para a transcrição no Registro Geral de Imóveis e para
a constituição do Condomínio Especial, acompanhada dos
competentes Mandados, como também para se firmar Termo de
26
Aforamento perante Prefeitura Municipal de Olinda/PE.
Verifica-se, dessa forma, que a modalidade de usucapião especial
coletiva urbana é passível de aplicação aos casos concretos, sendo que a
sentença transitada em julgado do processo acima referido pode ser
considerada uma referência jurisprudencial.
Vale citar, ainda, a experiência de usucapião coletivo em Jaboatão dos
Guararapes, também em Pernambuco e anterior ao caso da Vila Manchete em
Olinda.
A experiência de Jaboatão dos Guararapes, ocorrida no período de
1990 a 1992, também foi inovadora, pois nos dizeres de Isolda Leitão :
26
Sentença
Judicial
disponível
em:
http://listas.cidades.gov.br/pipermail/rederegularizacao/2005-October/000108.html.
Acesso em: 14 de abril de 2007.
68
[...] foi percussora na questão da usucapião especial urbana, de
forma que foram necessárias na época, algumas reinterpretações e
adaptações à legislação, pois não havia regulamentação a respeito
27
do art. 183 da Constituição Federal.
O caso de Jaboatão dos Guararapes contou com a efetiva participação
da população e com o expressivo apoio do Poder Público Municipal, com
destaque para o Prefeito da época que criou um amplo programa, denominado
“Programa Nosso Chão”, de regularização fundiária das 52 áreas ocupadas por
população de baixa renda. No tocante às ações judiciais, Isolda Leitão (in:
ALFONSIN; FERNANDES, 2004, p. 153) esclarece o seguinte:
Definiu-se naquela época, que a propositura das ações judiciais de
usucapião especial seriam ajuizadas através de ações plúrimas, ou
seja, vários autores contra um único proprietário, em grupos de no
máximo dez autores para cada proprietário, considerando a situação
de contigüidade física da ocupação, tentando-se formar grupos numa
mesma quadra. Logo seria uma forma coletivizada de requerimento
da usucapião especial, pois desde aquela época, se pretendeu via
ações plúrimas fazer constar no pólo ativo da ação diversos
possuidores, tratando-se, portanto, de litisconsórcio ativo, sendo que
cada um dos requerentes apresentou documentação comprovando a
ocupação, bem como o croqui e a descrição do seu respectivo lote,
com limites e confrontações.
Deste modo, o pedido de usucapião nesse caso foi fundamentado no
artigo 183 da Constituição Federal de 1988 e no artigo 941 e seguintes do
Código de Processo Civil, o qual foi julgado procedente, e após o trânsito em
julgado da sentença, foram expedidos os mandados necessários e procedidos
os registros no Registro Geral de Imóveis. A autora supracitada, no entanto,
complementa afirmando que, posteriormente, o programa foi paralisado em
função da mudança do governo municipal. Concluindo, a mesma autora
destaca:
É interessante salientar que naquela época já se previu na Lei
Municipal n° 114/91 a prestação de assessoria técnico-jurídica nas
ações de usucapião plúrimas ou coletivas, com fins de regularização
fundiária, o que mostrava a necessidade de uma legislação que
tratasse da matéria, o que só veio a ocorrer em 2001 com a
promulgação do Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/01), o qual dispõe
além da usucapião especial urbana coletiva, sobre diversos
instrumentos que vieram facilitar ainda mais a regularização de áreas
27
LEITÃO, Isolda. Uma Experiência de Usucapião Coletivo em Jaboatão dos Guararapes- Pernambuco,
in in ALFONSIN, Betânia de Moraes e FERNANDES, Edésio (Orgs.). Direito à moradia e segurança
da posse no Estatuto da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum,
2004. p.174.
69
ocupadas por populações de baixa renda. (LEITÃO in:
FERNANDES, 2004, p. 175)
Assim,
pode-se
notar
que
esses
dois
exemplos,
ALFONSIN;
o
primeiro
especificamente tratando da usucapião especial coletiva urbana, e o segundo
versando sobre a previsão constitucional do artigo 183, porém, contemplando a
propositura de forma coletiva, por meio de litisconsórcio ativo, ainda que não
existissem na época as regulamentações que viriam ser definidas pelo Estatuto
da Cidade, demonstram a possibilidade dessa modalidade de usucapião
especial coletiva urbana ser invocada e aplicada às situações fáticas, bem
como ser reconhecida nos tribunais pátrios.
Tecidas essas breves considerações acerca da participação popular,
prevista como diretriz básica no Estatuto da Cidade, e evidenciados esses dois
exemplos de aplicação da usucapião especial coletivo urbana, passemos ao
relato sobre o caso da Comunidade da Vila Santa Rosa e à síntese do
processo judicial interposto contra seus moradores, analisando por fim a
possibilidade de aplicação do instituto da usucapião especial coletiva urbana.
70
3.2 Breve contextualização histórica acerca da Comunidade da Vila Santa
Rosa e síntese do processo judicial
Segundo Ermínia Maricato (2002, p. 168), “o espaço urbano não é
apenas um mero cenário para as relações sociais, mas uma instância ativa
para a dominação econômica ou ideológica”.
Nesse contexto, insere-se o caso da cidade de Florianópolis, conhecida
por suas belezas naturais, com litoral exuberante, sendo por isso e outros
tantos motivos, igualmente conhecida pelo seu potencial turístico, o qual vem
sendo fomentado pelas políticas governamentais do Estado e do município,
nos últimos anos. Portanto, para quem conhece a cidade de Florianópolis, bem
como a Avenida Beira-Mar, sabe que a área ocupada pela comunidade da Vila
Santa Rosa é uma área supervalorizada, principalmente em termos financeiros
e em função de seu valor imobiliário, haja vista tratar-se de um local
privilegiado com uma das paisagens e localização mais cobiçadas da cidade.
Cumpre lembrar, no entanto, que até a década de oitenta do século
passado, a maior parte da região em questão era apenas mangue. Tal fato
aparece como referência no relato de Dona Hilda28, uma das moradoras da
Comunidade da Vila Santa Rosa, ao lembrar que os caranguejos andavam por
dentro de sua casa.
Para que possamos entender o complexo sócio-político-jurídico em torno
da Comunidade da Vila Santa Rosa, faz-se necessário retrocedermos algumas
décadas, quando o Brasil passava por um período de reabertura política e
acesso democrático, bem como pela elaboração e aprovação das legislações
que passariam a disciplinar a expansão urbana nos municípios.
Ocorre
que,
em
1975,
a
empresa
Emedaux
Engenharia
e
Empreendimentos S. A. comprou um terreno de 828 metros quadrados, no
qual, segundo um dos advogados que representam a Comunidade, havia uma
casa do século XVIII e que foi demolida, sendo posteriormente construídos em
seu lugar três blocos de apartamentos. A empresa continuou com um projeto
28
Relato
coletado
do
centro
de
mídia
independente.
Disponível
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/11/337732.shtml.
outubro de 2006.
em: Disponível em:
Acesso em: 04 de
71
de ampliação da área, comprando outros lotes (de mangue) em volta do
terreno.
Em 18 de abril de 1984, A Emedaux Engenharia e Empreendimentos S.
A. firmou termo de constituição de aforamento do terreno da marinha com a
União Federal, sob o n° 0983-05195/82 (anexo 2), adquirindo dessa maneira o
domínio útil de um terreno com dimensão de 5.152,32m², que somado ao
terreno adquirido anteriormente, formava um total de 6.580,38m².
Nesse ponto, cabe chamar a atenção para a conceituação da
transferência de aforamento, que segundo a Secretaria do Patrimônio da
União, “denomina-se transferência de aforamento ou transferência de
obrigações enfitêuticas, a alienação do domínio útil do imóvel da União
submetido ao regime enfitêutico.”29
Sobre o assunto, Maria Helena Diniz (2002, p. 331) comenta que:
[...] a enfiteuse pode ter objeto terrenos de marinha e acrescidos;
como esses bens são da União, constituindo bens públicos dominiais,
seu aforamento é regido por lei especial. [...]
No caso em questão, o termo de Constituição de aforamento foi
celebrado sob a égide do Decreto-Lei n° 9.760 de 1946, que tratava da
utilização dos bens imóveis da União, com capítulo específico sobre o
aforamento.
Ainda, na década de 1980, a empresa supramencionada ofereceu o
terreno aforado localizado na Avenida Beira-Mar Norte, em garantia para a
construção do prédio da Justiça Federal de Santa Catarina, que situa-se à rua
Arcipreste Paiva, no centro da cidade de Florianópolis. Entretanto, a empresa,
em uma determinada etapa do empreendimento, acabou por decretar falência,
sendo a concretização da construção realizada pela empresa Cecomtur.
Por conseguinte, em 1987, o Banco Meridional adquiriu a posse do
terreno de marinha, transferida pela empresa. Posteriormente, em face de um
29
LEITE, Maria José Vilalva Barros. Transferências de Aforamento, de direitos sobre benfeitorias e de
direitos relativos à ocupação de imóveis da União e benfeitorias existentes. P.2. Disponível em
http://www.spu.planejamento.gov.br/arquivos_down/spu/orientacao_normativa/ON_gea
rp_001_Transferencia_aforamento.PDF. Acesso em: 26 de outubro de 2006.
72
processo de falência, esse banco foi incorporado pelo Banco Santander,
passando-se a designar como Banco Santander Meridional S.A.
Todavia, insere-se nesse contexto que esse terreno de marinha foi
ocupado a partir da década de 1980 por pessoas de baixa renda, vindas de
diversas regiões do Estado de Santa Catarina, em busca de melhores
condições de vida, como oportunidades de emprego, assistência médica e
educação para seus filhos. Sobre este fato desencadeado a partir das décadas
de setenta e oitenta do século passado, em Florianópolis, Etienne Luiz Silva
(In: TEIXEIRA; SILVA, 1999, p. 87) aponta o seguinte:
Com o crescimento das migrações rurais, inevitáveis no atual
contexto fundiário catarinense-nacional, agravado ainda pelo
desemprego decorrente da globalização e de quadros recessivos,
ampliou-se a ocupação de mangues, dunas, áreas inundáveis e
encostas tanto no continente quanto na Ilha.
Dessa forma, uma vez ocupados os terrenos, os moradores edificaram
suas casas, muitas, inclusive constituídas na forma de “barracos”, e o poder
público, com o tempo, passou a regularmente cobrar impostos dos moradores,
como IPTU, contas de água e de luz. Saliente-se, ainda, que grande parte dos
moradores construíram suas casas com financiamento oficial da Caixa
Econômica Federal, conforme se pode depreender a partir dos relatos dos
moradores.
Assim é que surge a Comunidade da Vila Santa Rosa, situando-se à
direita da Avenida Beira-Mar Norte, para quem vem do centro da cidade,
localizando-se entre a Ordem dos Advogados do Brasil e o Clube Novo
Horizonte, conforme se pode observar pelo mapa político anexado (anexo1).
Próximos à região, ainda se situam o prédio da Polícia Federal, o Colégio
Geração, o supermercado Angeloni e o restaurante Ataliba.
Porém, em 1993, o Banco Meridional ingressou com o Processo Judicial
de n° 023.94.013479-0, com pedido de reintegração de posse contra vinte
famílias da Comunidade, sendo a decisão favorável ao Banco, em 1997. Os
advogados dos/as moradores/as da Vila Santa Rosa apelaram no Tribunal de
Justiça e, após a negação deste, tentaram uma nova apelação no Superior
Tribunal de Justiça, obtendo nova resposta negativa, sendo que, no dia 24 de
março de 2004, a sentença de primeiro grau transitou em julgado.
73
A partir da análise do Processo Judicial, pode-se extrair do despacho
publicado em 8 de abril de 2005, o seguinte:
Trata-se de Ação de Reintegração de Posse proposta pelo Banco
Meridional do Brasil contra vários réus já nos idos de 1993, sendo a
presente julgada procedente em 10/06/1997, conforme sentença de
fls. 210/211. Os réus apelaram e o recurso foi negado pelo e. Tribunal
de Justiça de Santa Catarina em 20/03/2003 (fls. 287/297), momento
em que novamente recorreram, sendo inadmitido o recurso pelo
TJSC, conforme decisão da Vice-Presidência de fls. 340/341, datada
de 16/06/2003. Os réus ainda ingressaram com Agravo Regimental
junto ao Superior Tribunal de Justiça, visando o exame do Recurso
Especial impetrado, porém tal recurso também foi negado pela
Superior Instância, transitando em julgado a decisão de primeiro grau
30
em 24/03/2004 (certidão de fls. 673.)
Tem-se que a partir de 1994, travou-se uma verdadeira batalha judicial,
marcada por inúmeros impasses, além de manifestações por parte da
Comunidade, esta contando com apoio de grupos solidários à causa da
habitação, bem como da União Florianopolitana de Entidades Comunitárias –
Ufeco, do Fórum da Cidade, e intervenções por parte, principalmente, da
Câmara de Vereadores do município de Florianópolis.
De qualquer maneira, o Banco Meridional Santander S. A. via-se no seu
direito de pleitear a causa. No curso do processo a Construtora Tarumã
ingressou como assistente litisconsorcial do Banco, em função do contrato
firmado entre essas instituições sobre a promessa de compra e venda do
terreno aforado da marinha, com área de 4.802,60 metros quadrados, pelo
valor de cento e sessenta mil reais, conforme atesta o contrato de
compromisso de compra e venda, firmado em 5 de setembro de 2001 (anexo
3).
Dentre as manifestações realizadas pela Comunidade, ante a eminência
das inúmeras tentativas de cumprimento da sentença que julgou procedente a
reintegração de posse, destacam-se o ato realizado na frente do Banco
Santander, localizado na praça XV, no centro da cidade na data de 23 de junho
de 2004, bem como as vigílias realizadas em frente à entrada da Vila Santa
Rosa e a efetiva participação em diversas plenárias da Câmara Municipal de
Vereadores.
74
No que tange às medidas alternativas propostas para solucionar a
problemática envolvendo a Comunidade, tem-se que a Câmara de Vereadores
reuniu-se para votar e aprovar várias leis complementares que favoreceriam a
permanência da Comunidade no local, mediante a adequação no Plano Diretor
da cidade.
Para tanto, os vereadores Márcio de Souza, Marcílio Guilherme Ávila,
Nildomar Freire Santos e Lázaro Daniel propuseram dois projetos na Câmara.
O primeiro, valendo-se de uma prerrogativa do Poder Executivo (já que versava
sobre possíveis gastos do Poder Público Municipal), tratava do Projeto de Lei
Complementar n° 574/2004 (anexo 4), que tinha por finalidade autorizar a
desapropriação do terreno da Vila Santa Rosa, para fins de utilidade pública.
Nesse caso, a Prefeitura deveria pagar uma indenização para os proprietários
e transformar o local numa área de moradia de baixa renda, o que poderia
servir como um forte argumento para influenciar e reverter a decisão final do
processo de reintegração de posse.
Tal Projeto de Lei atendeu de certa forma a demanda da Comunidade da
Vila Santa Rosa, uma vez que obstou por um determinado período a execução
da sentença de reintegração de posse, determinada pelo juízo da 1ª Vara Cível
da Capital, pois segundo o relato do ex-vereador Lázaro Daniel, essa foi uma
das maneiras encontradas pela Câmara de Vereadores no sentido de mediar
junto ao Poder Judiciário em favor das famílias da Comunidade.
Inobstante, o Projeto de Lei Complementar de n° 574/2004, que tinha
por objetivo autorizar a desapropriação, foi posto em caráter de urgência para
votação, porém, não houve consenso entre os vereadores. Assim, depois de
muita discussão, o PLC n° 574/2004 foi aprovado em primeira votação, no dia
15 de junho de 2004, com a adição de uma emenda. Deste modo, o projeto
permitia que a prefeitura desapropriasse o terreno, pagando uma indenização
para os proprietários, sendo que por meio da emenda, a prefeitura poderia
buscar apoio Federal para juntar recursos e realizar a desapropriação, posto
que a prefeitura alegava não ter recursos para pagar a indenização, haja vista
30
Processo
n°023.94.013479-0.
Disponível
em:
http://tjsc3.tj.sc.gov.br/cpopg/pcpoSelecaoPG.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=023940134790.
Acesso em: 30 de abril de 2007.
75
que o preço exigido pelos proprietários era muito elevado, em torno de R$ 5
milhões.
Em relação ao segundo Projeto de Lei Complementar n° 585/2004
(anexo 5), tem-se que este tinha por objetivo alterar o zoneamento de uso e
ocupação do solo, compreendendo a área ocupada não só pelas vinte famílias
em litígio, mas sim a área total da Comunidade da Vila Santa Rosa, ocupada
aproximadamente por cento e cinqüenta famílias, transformando-a em “ARP 0”,
que significa Área Residencial Predominante Zero, ou seja, destinar-se-ia ao
assentamento de população de baixa renda. Dessa forma, estimava-se que o
valor do imóvel seria modificado, o que conseqüentemente diminuiria a quantia
da indenização pleiteada pelos proprietários, gerando, dessa maneira, a
possibilidade de criação de assentamentos para as famílias de baixo poder
aquisitivo,
afastando
a
eminente
possibilidade
do
cumprimento
da
determinação de reintegração de posse.
Contudo, no dia 2 de agosto de 2004, na presença de vários membros da
Comunidade da Vila Santa Rosa, a Câmara de Vereadores de Florianópolis
aprovou os dois Projetos de Lei Complementares, que possibilitariam a
permanência da comunidade no terreno em litígio. Ressalte-se que as
propostas contidas em tais projetos revelavam um verdadeiro esforço em
atender ao direito de propriedade no cumprimento de sua função social,
visando, inclusive, à supressão da especulação imobiliária sobre o terreno,
resguardando-se o direito à moradia.
Por oportuno, necessário se faz conferir as palavras do juiz responsável
na época, em despacho datado de 15 de julho de 2004, o qual pronunciou o
seguinte:
Com relação à suspensão do feito, face a informação de que foi
proposto projeto de desapropriação da área, é inviável no caso, pois,
conforme os próprios documentos, a desapropriação depende de
verba federal, a qual não se sabe quando virá (nem se virá), pelo que,
não pode a parte ficar a espera de tal providência. Além disso, o feito
está na fase de execução mandamental da sentença de reintegração
de posse, sendo que o ato de desapropriação poderá ocorrer quando
31
o autor estiver na posse. Assim, indefere-se tal pedido.
31
Processo
n°023.94.013479-0.
Disponível
em:
http://tjsc3.tj.sc.gov.br/cpopg/pcpoSelecaoPG.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=023940134790.
Acesso em: 30 de abril de 2007.
76
Ademais, em decorrência do falecimento do Sr. Abílio de Souza, um dos
integrantes do pólo passivo do processo, ocorreu a suspensão da execução de
reintegração de posse, pelo prazo de vinte dias. Outrossim, se faz necessário
contemplar as palavras proferidas no despacho supramencionado:
[...] Quanto ao óbito do Sr. Abílio de Souza (fls. 443/444), inobstante
os r. argumentos do e. Relator do Agravo de Instrumento, para evitar
possível nulidade, suspendo o feito por vinte (20) dias, para
habilitação dos herdeiros ou inventariante. Findo o prazo, com ou
sem habilitação, seguirá o feito, devendo vir concluso para extinção
em relação ao referido réu, no caso de não habilitação. Ressalte-se
que a morte ocorreu em 16/04/2004, sendo comunicada ao juízo
somente em 15/06/2004, porém, após a morte, nenhuma decisão foi
proferida nos autos, ocorrendo somente audiências visando acordar
32
as partes e a forma como executar a decisão de mérito.
Ocorre que, em 21 de outubro de 2005, o prefeito em exercício Marcílio
Guilherme Ávila encaminhou para a Câmara de Vereadores o Projeto de Lei
Complementar n° 705/2005 (anexo 7), que definia como zona especial de
interesse social (ZEIS) a área ocupada pela Comunidade da Vila Santa Rosa,
sendo que a demarcação dessa área obedeceu às delimitações da Lei
Complementar CMF n° 080/2004 (Projeto de Lei n° 585/2004), que entrou em
vigor no dia 27 de agosto de 2004.
Tal projeto baseou-se, ainda, na previsão do Estatuto da Cidade, sobre
as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), estabelecida no artigo 4°, inciso
IV, alínea “f”, da Lei 10.257/2001. Sobre o assunto, Paulo Somlanyi Romeiro e
Patrícia de Menezes Cardoso (2006, p. 60) ensinam que:
[...] A demarcação de ZEIS em áreas ocupadas visa reconhecer o
direito dos moradores de áreas ocupadas informalmente por
população de baixa renda à regularização fundiária da área
demarcada, ou seja, a permanência no local que ocupam. Cumpre
ressaltar que a demarcação de ZEIS não é uma ação meramente
administrativa que deve considerar apenas as áreas ocupadas
informalmente que o Poder Público entende ter condições de intervir
no sentido de realização da regularização fundiária, a demarcação de
áreas ocupadas por população de baixa renda como ZEIS significa o
reconhecimento do direito da população que ocupa a área a
regularização fundiária e decorrente permanência no local.
32
Processo
n°023.94.013479-0.
Disponível
em:
http://tjsc3.tj.sc.gov.br/cpopg/pcpoSelecaoPG.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=023940134790.
Acesso em: 30 de abril de 2007.
77
Deste modo, o Poder Público de Florianópolis, por meio do referido
Projeto de Lei, tinha por objetivo garantir a permanência da Comunidade da
Vila Santa Rosa no local, bem como futuramente visava implantar os
equipamentos comunitários e urbanos na área e seu entorno a fim de propiciar
a integração da comunidade e garantir melhores condições de vida, adequando
o zoneamento da área ao Plano Diretor da cidade.
Assim, o Projeto de Lei Complementar n° 705/2005, aprovado como Lei
Complementar n° 229, foi sancionado pelo Prefeito Dário Elias Berger, em 25
de abril de 2006, entrando em vigor na data de 03 de maio de 2006.
Da análise do processo judicial tem-se que, até o ano de 2006, a parte
autora tentou executar o mandado de reintegração de posse inúmeras vezes,
sendo, no entendimento do juiz, obstada pelas mais variadas formas. Para
cada tentativa de cumprimento do mandado, havia a determinação por parte do
magistrado de intervenção das autoridades de segurança pública, ou seja,
reforço policial, antevendo a possível recusa das famílias residentes na
Comunidade. Extrai-se, também, da análise do processo, que o entendimento
do juiz da 1ª Vara Cível sobre as alterações realizadas pela Câmara legislativa
municipal que foram noticiadas nos autos, não tinha condão de impedir a
reintegração, pois, se era aplicável aos ocupantes do local, também poderia ser
aplicada ao autor reintegrado. Nessa seara, colaciona-se outro trecho do
despacho publicado em 8 de abril de 2005:
Infelizmente, com relação aos ocupantes da área, este juízo nada
pode fazer senão orientá-los no sentido do cumprimento da ordem
judicial, bem assim, que procurem os seus direitos junto aos
"vendedores" dos terrenos (evicção) ou ainda, as autoridades
públicas competentes para ocupação de outras áreas destinadas
para tal. Já foram realizadas audiências (fls. 441/442), neste
processo e outras, inclusive no Ministério Público (fls. 504), visando
à desocupação da área, porém, nada foi resolvido. A questão não
pode ficar indefinidamente sem solução, sob pena da instalada a
insegurança jurídica no País, tendo em vista o Estado Democrático
de Direito e a independência do Poder Judiciário, além da
obrigatoriedade do cumprimento das decisões judiciais, "máxime"
33
quando transitada em julgado, como é o caso.
33
Processo
n°023.94.013479-0.
Disponível
em:
http://tjsc3.tj.sc.gov.br/cpopg/pcpoSelecaoPG.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=023940134790.
Acesso em: 30 de abril de 2007.
78
Tem-se ainda, relacionado ao caso da Comunidade e referenciado nos
autos do processo, o fato da criação da servidão Zumbi dos Palmares,
reconhecida pela Lei Municipal CMF n° 1.016, de 3 de maio de 2004 (anexo 8),
promulgada pela Câmara de Vereadores em 4 de junho de 2004. A criação
dessa servidão gerou outro impasse, justamente porque o logradouro localizase na área reinvidicada, e a construtora Tarumã, uma vez reintegrada na
posse, teria que respeitar um recuo legal para construir no local.
Verificou-se, ainda, que no curso do processo foram propostos
embargos de terceiros, os quais não tiveram o condão de suspender a
execução, posto que os recursos interpostos somente tiveram efeito devolutivo.
Há, no entanto, uma ressalva quanto aos embargos propostos pela Sociedade
Recreativa e Cultural Novo Horizonte (autos nº 023.04.058724-2), o qual foi
provido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado, pois a parte autora do
embargo peticionou requerendo de que parte da área estava indevidamente
incluída na Ação de Reintegração de Posse, haja vista pertencer à
embargante, devendo ser excluída, até exame daqueles embargos, deixando,
segundo os autos, a discussão sobre aquela parte da gleba para data futura, o
que não impediria a reintegração do autor na área remanescente.
Finalmente, após anos de embate entre as partes do processo e após
várias tentativas por parte da Câmara Municipal de Vereadores de interceder
em favor da Comunidade, foi firmado um acordo, em 6 de dezembro de 2005,
no qual os moradores aceitaram uma indenização, no valor de R$ 72.500,00
(setenta e dois mil e quinhentos reais) para cada uma das vinte famílias
moradoras do local a ser pago pelos proprietários do terreno. Em 12 de janeiro
de 2006, o acordo foi homologado por sentença, suspendendo o mandado de
reintegração e o tramite do feito, até execução do acordo.
Entretanto, o cumprimento do acordo ficou condicionado à aprovação
pela Câmara de Vereadores da mudança de zoneamento da Área
Predominante Zero (ARP-0), definida pela Lei CMF 080/2004, para Área
Turística Residencial – asterisco seis (ATR-6*), que permite a construção de
prédios de até 18 andares, sendo que pela CMF 080/2004 só poderiam ser
construídas no local casas de até dois pavimentos.
79
A partir disso, em 5 de abril de 2006, o prefeito Dário Berger encaminhou
para a Câmara Municipal o Projeto de Lei Complementar n° 740/2006,
alterando o zoneamento aprovado pelas Leis Complementares n° 001/97 e n°
080/2004, justificando que o objetivo da Lei n° 740/2006 visava ao
cumprimento do estabelecido no acordo datado de 6 de dezembro de 2005,
ajustado entre as partes. Por fim, a Lei Complementar foi aprovada sob o n°
262, de 27 de dezembro de 2006 (anexo 9), alterando parte da Área
Predominante Zero (ARP-0) para Área Mista Central – asterisco três (AMC*-3),
devendo ainda respeitar:
[...] o afastamento frontal mínimo para a via Zumbi dos Palmares para
qualquer empreendimento na área localizada entre esta via e a área
localizada a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC)
será de 4,00 (quatro metros) a partir do meio-fio, não se aplicando os
§§ 2°, 3° e 6° do art. 52 da Lei Complementar n° 001 de 1997.” (artigo
2° da LC n° 262/2006).
Vale citar, ainda, que o habite-se de qualquer empreendimento na área
ficou condicionado à doação pelo empreendedor, para o município de
Florianópolis, de terreno e respectivo prédio a ser destinado à creche, para
atendimento de no mínimo sessenta crianças, conforme o artigo 3° da Lei.
Destarte, a condição para o cumprimento do acordo foi cumprida, as
vinte famílias desocuparam o local, e suas antigas casas já foram demolidas.
Contextualizado o processo histórico referente à Comunidade da Vila
Santa Rosa e considerando o processo judicial de reintegração de posse
contra vinte famílias que moravam no local, passemos a analisar, ainda que de
forma hipotética, a aplicabilidade do instituto da usucapião especial coletiva
urbana ao caso concreto.
80
3.3 Estudo de caso: aplicabilidade do instituto da usucapião especial
coletivo urbana ao caso concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa
Por todo o exposto no item anterior acerca do litígio envolvendo a
Comunidade da Vila Santa Rosa, tem-se que, na prática, o instituto da
usucapião especial coletiva urbana não se aplica ao caso concreto, uma vez
que as famílias ocupantes do terreno que originalmente era terra de marinha
sofreram oposição a suas posses, por meio de uma ação de reintegração de
posse, que transitou em julgado a favor do autor da ação.
O caso da Comunidade assemelha-se ao exemplo citado na primeira
parte deste capítulo da Associação da Vila Manchete em Olinda/PE, pois como
no caso pernambucano, parte do terreno também era originalmente de terras
de marinha e o proprietário à época da ação judicial também era uma
construtora. No entanto, a Associação da Vila Manchete, não sofreu oposição à
posse, ingressando antes com o pedido de usucapião coletiva urbano,
figurando a construtora como parte ré no processo.
Todavia, analisa-se a aplicação do instituto da usucapião especial
coletiva urbana, em tese, posto que a Comunidade da Vila Santa Rosa, com
exceção ao fato de ter sofrido oposição, preenche os demais requisitos
previstos no artigo 10 do Estatuto da Cidade, estudados no ítem 2.2.2 deste
trabalho.
Logo, se o objeto da usucapião coletiva são as áreas urbanas com mais
de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ou seja, não há restrição ao
tamanho mínimo ou máximo de área para cada morador, tem-se que a área
ocupada pela Comunidade da Vila Santa Rosa é igual a 4.802,60 metros
quadrados, sendo de se ressaltar a impossibilidade de identificar os terrenos
ocupados individualmente por cada possuidor, haja vista a forma de ocupação
do terreno e a configuração das casas e “barracos” que existiam no local.
Tendo em vista que o requisito subjetivo que enseja a legitimidade ativa
para propor a ação de usucapião coletiva está circunscrito à ocupação da área
por população de baixa renda, notadamente, vê-se que a Comunidade atende
a esse requisito. Tal situação pode ser comprovada pela observação do perfil
das áreas carentes (anexo 9), elaborado pelo IPUF em 1993, no qual acusa um
81
alto índice de precariedade no estado de conservação da Comunidade, bem
como se pode depreender a partir da leitura dos textos das Leis
Complementares que buscavam pôr um fim ao litígio, tendo por base
especificamente a CMF n° 080/2004, a qual alterou o zoneamento da área para
ARP-0, que conforme foi visto, é destinada a assentamento de população de
baixa renda. Sob esse mesmo argumento, atende-se ainda a outro requisito do
instituto da usucapião coletivo, que é o da ocupação da área para fins de
moradia, justamente, porque desde os primórdios da ocupação no local, a
utilização dava-se em virtude da moradia, tanto que em 2004 a área foi
reconhecida como residencial predominantemente para população de baixo
poder aquisitivo.
Por tratarem-se comprovadamente de moradores de baixa renda,
vislumbra-se que os possuidores não eram proprietários de outro imóvel
urbano ou rural, sendo de se ressaltar que, em vários relatos os moradores
alegaram que só conseguiram construir no terreno ocupado graças ao
financiamento pela Caixa Econômica Federal. Salienta-se, neste tocante, o
empenho dos moradores em permanecer na Comunidade em decorrência das
várias tentativas de cumprimento do mandado de reintegração de posse, ante o
temor e a falta de um lugar que pudesse substituir a moradia dessas famílias.
Como vimos em item específico no capítulo anterior, o prazo mínimo de
ocupação da área total é de cinco anos. Note-se que é o mesmo prazo previsto
pelo artigo 183 da CF/88, sendo que a contagem desse prazo pode ser
computada a partir da sua vigência, e não somente o período de posse
posterior à vigência do Estatuto da Cidade.
Da leitura do processo judicial citado neste trabalho, tem-se que a
ocupação do terreno pelos moradores da Comunidade iniciou em meados de
novembro do ano de 1987. O Banco somente ingressou com a ação judicial em
1993, ou seja, passaram-se seis anos da ocupação para que o Banco
oferecesse oposição.
No caso, como a ocupação é anterior a vigência da Constituição Federal
de 1988 e ainda, a propositura da ação antecede a criação do Estatuto da
Cidade, caberia a alegação da modalidade de usucapião especial urbana,
prevista no artigo 183 da CF/88, podendo se cogitar como hipótese o exemplo
de Jaboatão dos Guararapes, que como vimos, ingressou com ação de
82
usucapião pro-morare, nos moldes do artigo 183 da CF/88, e propôs ações
plúrimas, na forma de litisconsórcio ativo.
No que se refere à previsão do artigo 12, inciso III, do Estatuto da
Cidade, tem-se que na Comunidade existia uma associação de moradores,
regularmente constituída, a qual poderia ser parte legítima para representar a
coletividade na ação de usucapião coletiva.
Sobre a posse da respectiva área de forma ininterrupta, verifica-se que
as vinte famílias ocupavam o terreno de forma contínua. Contudo, não
tivessem os posseiros sofrido oposição por parte do Banco, restaria
caracterizada a pacificidade da posse.
Portanto, resta-nos concluir que a modalidade de usucapião especial
coletiva urbana não se aplica ao caso concreto dessas vinte famílias da
Comunidade da Vila Santa Rosa, uma vez que estas sofreram oposição a suas
posses por meio da ação de reintegração de posse, interposta pelo Banco
Santander, sendo que, na fase de cumprimento da sentença, integrou o pólo
ativo da ação, junto ao ente financeiro e como assistente litisconsorcial, a
Construtora Tarumã.
Contudo, há que se ressaltar que o mesmo não vale para o restante da
Comunidade, que têm aproximadamente cento e trinta famílias. Estas detêm a
posse de terrenos nessa área considerada predominantemente zero (ARP-0) e
que não sofreram, ainda, nenhum tipo de oposição, restando neste sentido,
investigar a viabilidade da proposição de uma ação de usucapião especial
coletiva urbana.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O momento histórico contemporâneo registra um excesso populacional
nas camadas de baixa renda, tanto em decorrência de elevados índices de
natalidade, quanto em virtude das migrações desenfreadas e inconseqüentes,
e que acabam por engendrar a crise habitacional. Dessa forma, em busca de
melhores oportunidades nos centros urbanos, porém, sem capital para se fixar,
tais camadas populacionais são levadas a ocupar bens de uso comum do
povo, como encostas, mananciais e outras áreas que não permitem habitação
ou não são para tanto adequadas. O caso da Comunidade da Vila Santa Rosa,
não se afasta muito dessa problemática. Como vimos, originalmente, a
população dessa Comunidade ocupou áreas de mangue que começavam a ser
aterradas no processo de urbanização da Avenida Governador Irineu
Bornhausen, também conhecida como Beira-Mar Norte, em Florianópolis. O
terreno, inicialmente, era considerado terras de marinha, que foram aforadas
na década de oitenta do século passado para a empresa Emedaux S. A.
Antes, porém, para que fosse possível delinear o objeto de estudo desta
monografia, foi necessário esclarecer alguns tópicos extremamente relevantes
ao instituto da usucapião.
O primeiro deles foi o instituto da posse, requisito fundamental para a
aquisição do direito de usucapião, sendo este um direito de fato. Deste modo, a
posse foi conceituada, situada historicamente e teve seus principais elementos
constitutivos apresentados neste trabalho. Não foi possível, entretanto, esgotar
todos os conteúdos a respeito da posse, sendo abordadas as matérias que
consideramos mais relevantes ao tema, para dar suporte ao presente trabalho.
Outrossim, foi de extrema relevância o estudo acerca da propriedade,
dada a complexidade que envolve essa matéria, bem como acerca da sua
função social. Cumpre destacar que hoje se pode falar em função
socioambiental da propriedade, em atendimento aos dispositivos contidos no
texto constitucional e à evidência do Estado de Direito do Ambiente.
Salienta-se, igualmente, no tocante ao instituto da propriedade, a
impossibilidade de se abarcar todo o conteúdo a respeito do tema. Assim,
restringimo-nos a conceituá-la e a apresentar sua origem e principais
84
características, haja vista que a propriedade se apresenta de várias formas e
aspectos.
Uma vez explicitados os pressupostos básicos para a compreensão do
instituto da usucapião, considerado um dos meios mais utilizados de aquisição
ao direito de propriedade, o presente trabalho dedicou-se ao seu estudo,
ressalvando suas principais características, as modalidades previstas no
ordenamento pátrio e seus respectivos requisitos. Seguiu-se, deste modo, a
análise detalhada da espécie denominada usucapião especial de imóvel
urbana, prevista no Estatuto da Cidade.
Tem-se que os interesses regulados pelo Estatuto da Cidade são de
natureza notadamente social e visam atender a antigo reclamo social por uma
gestão mais democrática do espaço urbano, instrumentalizando, nesse sentido,
o exercício da democracia participativa em coexistência com a democracia
representativa.
Dessa
forma,
pode-se
concluir
que
o
legislador,
ao
regulamentar o instrumento da política urbana, por meio de ação de usucapião
especial urbana, no Estatuto da Cidade, não se ateve ao disposto no artigo 183
da Constituição Federal de 1988, e sim, inovou ao preceituar a modalidade de
ação de usucapião especial urbana, de forma coletiva.
Note-se que a posse ad usucapionem, nas hipóteses previstas no
Estatuto da Cidade, deve ser qualificada pela sua função socioambiental, que
submete a propriedade que dele deverá decorrer. As mesmas imposições
ditadas pela função social da propriedade devem ser transferidas à posse
capaz de ensejá-la, sendo de se ressaltar que a ocupação nociva do meio
ambiente, evidentemente contrária ao interesse comum, deve excluir da posse,
ainda que presentes os demais pressupostos legais, a aptidão para gerar a
aquisição da propriedade.
Em face do aspecto processual, disposto no Estatuto da Cidade,
constata-se que houve uma mudança relativamente significativa, em relação ao
âmbito do processo civil. As principais modificações processuais foram: a
adoção do procedimento sumário, no lugar do procedimento dos artigos 941 a
945 do CPC; a criação de uma causa de suspensão do processo; o
estabelecimento da gratuidade da justiça com a extensão desta para o registro
da sentença declaratória de usucapião no Registro Imobiliário; a validade da
sentença que reconhecer a usucapião alegada como exceção como título para
85
registro no Cartório de Registro de Imóveis; e a ampliação da legitimidade da
ação. Porém, conforme elucidamos neste trabalho, nota-se que, apesar da boa
intenção do legislador em viabilizar a efetivação do direito à moradia, várias
das inovações elencadas pela Lei 10.257/2001 não foram adequadas,
conforme opinião dos doutrinadores pátrios.
No que se refere à natureza da sentença de usucapião coletivo,
evidenciou-se neste trabalho seu caráter duplo, ou seja, ela é tanto
declaratória, quanto constitutiva, pois reconhece a existência de usucapião
coletivo e, na própria sentença, o juiz determina a constituição do condomínio
entre os co-possuidores.
Sobre a admissibilidade da alegação de usucapião como matéria de
defesa, conforme preceito do artigo 13 do Estatuto da Cidade, conclui-se neste
trabalho que, apesar de ser pacífica a admissibilidade da usucapião como
matéria de defesa, o mesmo não vale para a possibilidade de registro em
Cartório Imobiliário da sentença que reconhece a usucapião especial em
defesa.
Contudo, dentre as disposições contidas nos artigos 10 a 14 do Estatuto
da Cidade, interessou para o estudo de caso os pressupostos legais inscritos
no artigo 10 dessa lei. Como vimos, a Comunidade da Vila Santa Rosa atendia,
com exceção ao fato de ter sofrido oposição por parte Banco Santander, os
demais requisitos expressos no artigo 10, que trata da usucapião especial
coletivo urbana, uma vez que a área compreendia mais de mais de duzentos e
cinqüenta metros quadrados, a população era de baixa renda e ocupava o local
para sua moradia há mais de cinco anos, de forma contínua. Além disso, os
terrenos ocupados por cada família não eram individualizados, e os
possuidores não eram proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
Todavia, quando houve oposição à posse dos moradores da
Comunidade da Vila Santa Rosa, o Estatuto da Cidade sequer existia no
ordenamento jurídico brasileiro. Caberia, até o momento anterior à ação de
reintegração de posse, interposta em 1993, ingressar com a modalidade de
usucapião especial urbana, prevista no artigo 183 da Constituição Federal,
tendo em vista o atendimento ao prazo mínimo de cinco anos e o fato de as
famílias ainda não terem sofrido a oposição. Mesmo assim, registraram-se
neste trabalho inúmeras tentativas por parte do Poder Público, mais
86
especificamente por parte da Câmara de Vereadores do município de
Florianópolis, em interceder a favor desses moradores da Comunidade, que no
final restaram indenizados por suas benfeitorias e tiveram que obedecer à
determinação judicial de desocupar o local e verem suas moradias demolidas.
Conclui-se que, em face das discussões e polêmicas que o Estatuto da
Cidade ainda enseja, bem como do pequeno número de demandas que versem
sobre o tema e da dificuldade de acesso às informações por parte das
populações de baixa renda, o instituto da usucapião especial coletiva urbana
ainda tem uma expressão bastante tímida quanto a sua aplicabilidade aos
casos concretos, restringindo-se no mais das vezes aos trabalhos acadêmicos.
87
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92
ANEXOS
Anexo I.............................................. Mapa Político da Comunidade
Anexo II ............................................ Termo de Aforamento
Anexo III ............................................ Contrato de Compra e Venda
Anexo IV............................................ Lei n° 574/2004
Anexo V ............................................ CMF 080/2004
Anexo VI ........................................... LC nº 229/2006
Anexo VII .......................................... LC n° 1016/2004
Anexo VIII ......................................... LC nº 262/2006
Anexo IX ........................................... Perfil das Áreas Carentes
Anexo X ............................................ Escritura Pública
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