AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA DE SURFACTANTES SOBRE AS CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS DE SUSPENSÕES DE MICROPARTÍCULAS POLIMÉRICAS Andréa Granada1*, Monika P. Tagliari 2, Hellen K. Stulzer2, Betina G. Zanetti-Ramos2, Marcos A. S. Silva2, Valdir Soldi 1 1 2 Departamento de Química, Centro de Ciências Físicas e Matematicas, Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, Florianópolis-SC – [email protected] Departamento de Ciências Farmacêuticas, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, Florianópolis-SC A mesalazina (5-ASA) é um fármaco empregado no tratamento de doenças inflamatórias intestinais, no entanto, a falta de especificidade e sua rápida absorção no trato gastrointestinal dificulta sua biodisponibilidade na mucosa do cólon intestinal. Com o intuito de contornar estes efeitos adversos e viabilizar a liberação cólon especifica, estudos de encapsulação da 5-ASA em micropartículas poliméricas foram realizados. As suspensões de micropartículas foram preparadas pela técnica de emulsão e evaporação do solvente e caracterizadas quanto ao diâmetro médio das partículas e potencial zeta. Palavras-chave: Mesalazina, micropartículas, polímero, diâmetro médio, potencial zeta. Evaluation of the influence the surfactants on physicochemical characterization of polymeric microspheres suspensions. Mesalazine (5-ASA) is a compound used for the treatment of chronic inflammatory bowel diseases. However, this drug lack specificity and its rapid absorption through the mucosa of upper gastrointestinal tract (GI) hampers a good bioavailability in colonic mucosa. In order to overcome these drug drawbacks and to obtain a specific colon delivery, encapsulation studies of 5-ASA in microparticle were carried out. The microparticles suspensions were prepared by a double emulsion (w/o/w) solvent evaporation method and were characterized considering the mean diameter and zeta potential. Keywords: Mesalazine, microparticles, polymers, mean diameter, zeta potencial. Introdução A microencapsulação de fármacos implica na utilização de diversas técnicas e procedimentos que visam encapsular sólidos ou líquidos dentro de matrizes ou sistemas vesiculares poliméricos. Este princípio tem sido usado em uma série de aplicações farmacêuticas, tais como na melhoria da estabilidade de fármacos, na obtenção de sistemas de liberação controlada, diminuindo efeitos colaterais de medicamentos ou ainda na vetorização de substâncias ativas em sítios específicos de ação (1). As micropartículas são partículas sólidas, que podem ser de natureza polimérica, com diâmetros na faixa de um a algumas centenas de micrômetros, na qual o princípio ativo se encontra dissolvido ou disperso, podendo ser classificadas segundo a sua estrutura em microesferas e microcápsulas. São denominadas microesferas as partículas compactas constituídas por uma rede polimérica na qual a substância ativa encontra-se distribuída no seu estado sólido ou molecular, e microcápsulas, as partículas constituídas por um núcleo interno contendo o fármaco, recoberto por uma camada de polímero de espessura variável (2,3). No que diz respeito à obtenção de micropartículas, polímeros biodegradáveis são claramente os materiais de escolha. Os requisitos de segurança, biocompatibilidade e baixa toxicidade do polímero e de seus produtos de degradação devem ser considerados no desenvolvimento de formulações (4). Os polímeros sintéticos utilizados para microencapsulação de fármacos estão disponíveis com alto grau de pureza e a eficiência de encapsulação geralmente é alta. O Eudragit® S100 é um polímero gastro-resistente utilizado para liberação colônica, protegendo fármacos do pH do trato gastro-intestinal. É um copolímero aniônico formado pelo ácido metacrílico e metilmetacrilato (1:2), insolúvel em ácidos e água pura, sendo solúvel em soluções aquosas com pH maior que 7 (5). A resposta farmacológica de um fármaco está diretamente relacionada com a concentração com que este atinge o sítio de ação. Entretanto, uma vez que as características de distribuição da substância ativa estão essencialmente baseadas nas suas propriedades físico-químicas, que nem sempre são adaptáveis aquelas do local desejado, grandes quantidades da mesma necessitam ser administradas. A toxicidade então surge em decorrência da penetração do fármaco em tecidos e órgãos saudáveis (6). O desenvolvimento de sistemas destinados a viabilizar a chegada do fármaco especificamente a regiões distais do trato gastrintestinal tem sido objeto de grande incentivo na investigação científica, em especial para fármacos que exerçam sua ação no ambiente colônico ou então que apresentem melhor perfil de absorção naquela região do organismo (7). A doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa diopática (RCUI) são as formas mais comuns das doenças inflamatórias intestinais (DII), que se caracterizam por inflamação crônica do intestino, de etiologia ainda não definitivamente esclarecida. As DII ocorrem em todo o mundo e representam sério problema de saúde, pois atingem preferencialmente pessoas jovens, cursam com recidivas freqüentes e admitem formas clínicas de alta gravidade (8,9). A mesalazina corresponde ao ácido 5-aminossalicilato, 5-ASA, é um fármaco anti-inflamatório não esteróide comumente empregado no tratamento destas patologias que pode fornecer proteção contra o desenvolvimento do cancro colo-rectal em portadores de doenças inflamatórias intestinais. (10,11). Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009 A administração oral deste fármaco é limitada devido aos sérios efeitos adversos, tais como hepatite, discrasias sangüíneas, pancreatite, pleuropericardites e nefrites associada à terapia (12). Além disso, a mesalazina apresenta-se instável em condições gástricas e apresenta propensão a ser absorvida no intestino delgado o que causa baixa biodisponibildade e baixa eficiência contra doenças inflamatórias do cólon. Desde modo, estratégias de liberação cólon específica deste ativo são de grande interesse terapêutico (13). O desenvolvimento de formas farmacêuticas de liberação controlada e cólon específica aliado as propriedades pH-dependentes oferecem um importante avanço terapêutico nas doenças inflamatórias intestinais. Para tanto, faz-se necessário o uso de uma estratégia que permita o transporte do fármaco intacto no pH ácido estomacal, uma liberação específica em pH básico duodenal e uma possível absorção local em pH na ordem dos 2 a 5 no cólon acometido de processo inflamatório. A composição quali-quantitativa e o método de preparação dos sistemas coloidais são fatores determinantes do diâmetro médio e da polidispersão das partículas (14). Os surfactantes poliméricos, como os poloxameros (copolímeros dos óxidos de etileno e de propileno - Pluronic F68), hidroximetilcelulose (HPMC), carboximetilcelulose sódica (CMC-Na) e poli (vinil álcool) (PVA) são empregados em uma variedade de formulações farmacêuticas, portanto, tornam-se objetivo de estudo sobre as características físico-químicas destas. Nesse contexto, o objetivo desse trabalho é preparar , caracterizar e avaliar a influência do tipo de tensoativo sobre as características físico-químicas em microesferas para liberação cólon específica contendo mesalazina. Experimental Preparação e caracterização das suspensões coloidais de microesferas contendo mesalazina A preparação das microesferas foi realizada pela metodologia de emulsão e evaporação do solvente descrita na literatura (1), a partir de uma dupla emulsão (a/o/a). Em tubos de ensaio, 300 mg do polímero (Eudragit® S100) foram solubilizados em 30,0 mL de metanol:acetona (5:5 v/v) em banho de ultra-som. A esta solução adicionou-se 4,0 mL de solução ácida, para garantir a possível liberação local do fármaco, correspondendo a 30,0 mg de mesalazina e a mistura foi submetida à agitação utilizando vortex por 30 segundos para a formação da emulsão primária a/o. Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009 Em seguida, a emulsão primária foi adicionada em 80,0 mL de uma solução aquosa contendo diferentes proporções de surfactantes polímericos (PVA, Pluronic F68, HPMC e CMC-Na) sob agitação magnética, formando-se então a dupla emulsão a/o/a. A emulsão formada foi mantida sob agitação magnética em temperatura ambiente durante 24h para completa evaporação do sovente orgânico. A composição das formulações testadas encontra-se na Tabela 1. Tabela 1. Formulações testadas na seleção de surfactante nas suspensões de micropartículas. Formulação 1 Solução ácida (HCl 0,1N) Fase aquosa (mL) 3,0 Solução ácida (HCl 0,1N)/ Mesalazina 7,5 mg/mL Fase orgânica (mL) Solução de Eudragit® S100 30,0 mg/mL em metanol: acetona (5:5 v/v) Fase aquosa (mL) Solução de PVA 1,0 % (p/v) Solução de Pluronic F68 1,0 % (p/v) Solução de HPMC 0,25 % (p/v) Solução de CMC-Na 0,25 % (p/v) 2 3 4 3,0 3,0 30,0 30,0 80,0 80,0 5 6 3,0 3,0 30,0 30,0 80,0 80,0 7 8 3,0 3,0 30,0 30,0 80,0 80,0 3,0 30,0 30,0 80,0 80,0 PVA: Poli (vinil álcool); Pluronic F68: Copolímero de óxido de etileno e óxido de propileno; HPMC: Hidroximetilcelulose; CMC-Na: Carboximetilcelulose sodica. Determinação do diâmetro médio e do potencial zeta O diâmetro médio e a distribuição granulométrica das partículas foram determinados por espalhamento de luz e o potencial zeta das suspensões foi determinado a partir da medida da mobilidade eletroforética por anenometria laser Doppler num campo elétrico de 150 V/cm. As medidas foram realizadas em um equipamento Zetasizer Nano ZS (Malvern Instruments, Reino Unido). Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009 Avaliação da morfologia das microesferas A morfologia das partículas foi avaliada por microscopia óptica em microscópio Leica DM 4000M e as fotomicrografias foram obtidas no aumento de 1000 vezes. Resultados e Discussão Alguns fatores influenciam a estabilidade das suspensões coloidais como, por exemplo, a adsorção de moléculas ativas à superfície das nanopartículas e a presença de surfactantes adsorvidos (15). O tamanho de partícula e o potencial zeta são parâmetros físico-químicos que podem ser utilizados para monitorar a estabilidade de suspensões coloidais poliméricas (16), tornando-se essenciais no desenvolvimento de formulações farmacêuticas. As características estruturais e físico-químicas das partículas, bem como a estabilidade das suspensões, têm demonstrado ser grandemente afetadas pela composição das formulações. Neste trabalho, suspensões leitosas e homogêneas foram obtidas com todos os surfactantes empregados. O diâmetro médio das suspensões foi determinado por espalhamento de luz. Esta técnica baseia-se no fato de que as partículas movem-se aleatoriamente sob o impacto das moléculas do solvente sobre a sua superfície. A freqüência e a amplitude deste movimento, denominado browniano, é dependente do tamanho da partícula e da viscosidade do solvente, ou seja, quanto menor a partícula, maior será a freqüência do movimento browniano numa amplitude relativa importante (17). Os resultados de diâmetro médio e índice de polidispersão das suspensões encontram-se demonstrados na Tabela 2. Populações monodispersas de partículas foram obtidas com a utilização de Pluronic F68. Nesta formulação, o pequeno diâmetro de partícula foi considerado aceitável, conduzindo a formação de nanopartículas. O emprego de PVA, HPMC e CMC-Na resultou em um aumento considerável de ambos diâmetros médios e índices de polidispersão. Estes altos valores de índice de polidispersão podem ser ajustados alterando-se parâmetros de formulação tais como velocidade de agitação e concentração de surfactantes na fase aquosa. Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009 Tabela 2. Valores do diâmetro médio e índice de polidispersão das suspensões de micropartículas brancas (sem fármaco) e contendo 5-ASA incorporado. Diâmetro médio (nm) Surfactantes Índice de polidispersão Microesferas Microesferas Microesferas Microesferas brancas contendo 5-ASA brancas contendo 5-ASA PVA 946,8 1028,0 0,6 0,6 Pluronic F68 442,3 310,5 0,4 0,3 HPMC 18240, 2139,0 0,8 1,0 CMC-Na 1947,0 1502,0 0,8 0,7 Suspensões coloidais possuem carga eletrostática superficial devido à presença de grupamentos químicos do polímero na superfície ou à adsorção preferencial de íons ou de outras moléculas ionizáveis do meio de dispersão aquoso, sendo que a sua intensidade exerce influência na estabilidade física da preparação (18). O potencial zeta representa a carga da superfície e depende da natureza da partícula, assim como do meio que a envolve. A carga não pode ser medida diretamente, mas após a aplicação de um campo elétrico em torno dela. As partículas movem-se na presença deste campo elétrico em direção ao eletrodo de carga oposta e, desta forma, o potencial zeta pode ser determinado pela medida da sua velocidade de migração (17). Os poloxameros (copolímeros dos óxidos de etileno e de propileno) e os polímeros constituintes das suspensões coloidais são os principais componentes presentes nas formulações capazes de influenciar o potencial zeta. (19). Em módulo, um valor de potencial zeta relativamente alto é importante para uma boa estabilidade físico-química da suspensão coloidal, pois grandes forças repulsivas tendem a evitar a agregação em função das colisões ocasionais de nanopartículas adjacentes (20,21). Os valores de pontecial zeta obtidos na caracterização das suspensões de micropartículas estão apresentados na Tabela 3 e como pode ser observado variaram em função do surfactante utilizado. Com o emprego do CMC-Na, as formulações apresentaram um potencial zeta consideravelmente elevado devido a presença de cargas superficiais negativas em sua estrutura química. Além disso, as formulações obtidas a partir do Pluronic F68 e CMC-Na demonstraram valores de potencial zeta, em módulo, que conferem características de boa estabilidade às suspensões. Por outro lado, as demais formulações podem ser avaliadas em função do tempo quanto Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009 ao fenômeno de cremagem, decorrente da diferença de densidade entre fase dispersa e dispersante. A presença do fármaco não alterou consideravelmente os valores de potencial zeta como pode ser observado na Tabela 3. Tabela 3. Potencial zeta das suspensões de micropartículas brancas e contendo 5-ASA. Potencial Zeta (mV) Surfactantes Microesferas brancas Microesferas contendo 5-ASA PVA - 8,16 - 6,15 Pluronic F68 - 24,0 - 28,0 HPMC - 14,8 - 7,45 CMC-Na - 60,7 - 58,5 As fotomicrografias obtidas (Figura 1 e 2) confirmam a obtenção de micropartículas a partir de PVA e CMC-Na pela técnica de emulsão evaporação do solvente, no entanto, as microesferas formadas a partir do HPMC não foram visualizadas devido à alta concentração da amostra levando a sobreposição de partículas o que dificultou a obtenção de imagens. O emprego de Pluronic F68, conforme relatado anteriormente levou a formação de nanopartículas, impossibilitando a obtenção de imagens por esta técnica. Figura 1. Microesferas preparadas com PVA (1,0% p/v), brancas e contendo Mesalazina, respectivamente Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009 Figura 2. Microesferas preparadas com CMC-Na (0,25% p/v) brancas e contendo Mesalazina, respectivamente. Conclusão A técnica de emulsão e evaporação de solvente utilizada na obtenção de suspensões coloidais mostrou-se viável com o emprego de diferentes surfactantes poliméricos. A utilização do CMC-Na como surfactante conduziu a formação da formulação mais estável entre os diferentes surfactantes utilizados. Entretanto, quando o Pluronic F68 foi utilizado foi obtida uma formulação estável apresentando menor tamanho de partícula e menor índice e polidispersidade o que nos leva a concluir que este é o melhor tensoativo para a preparação do sistema proposto entre os tensoativos testados. Referências Bibliográficas 1. P. J. Watts; M.C. Davies; C. D. Melia Critical Reviews in Terapeutic Drug Carrier.1990,7, 235. 1990. 2. R.P. Batycky; J.Hanes; R. Langer; D.A. Edwards Journal Pharmaceutical Sciences. 1997, 86,1464. 3. Linhardt, R. Linhardt New York: VCH Publisher Inc. 1988, p. 53-85. 4. T. L.Whateley The Royal Society of Chemistry, 1993, 52. 5. ROHM PHARMA POLYMERS. 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