SUPLEMENTOS ALIMENTARES O que é natural é bom? O NOSSO ESTUDO Análise de produtos com hipericão • O nosso teste foi realizado em Portugal e as amostras dos sete produtos selecionados foram escolhidas quer pelo ponto de venda – ervanárias, farmácias e supermercados – quer pelo tipo de apresentação – cápsulas, comprimidos e pastilhas. • As amostras selecionadas foram testadas para a presença de 68 pesticidas. • As mesmas amostras foram submetidas a análises feitas com recurso a métodos certificados, para a deteção de quatro metais pesados presentes no ambiente: cádmio, mercúrio, arsénio e chumbo, perigosos para a saúde. Camomila, tília, erva príncipe, erva de São João... A todas estas plantas estão associadas infusões, comuns em muitas casas. Há quem as escolha pelo sabor, e quem aposte nas supostas qualidades terapêuticas. Afinal, de acordo com as práticas tradicionais, ansiedade, indisposição ou dor de garanta podem ser tratados com produtos naturais. As plantas estão associadas à ideia de saúde e segurança. Mas nem sempre é assim. Na natureza descobrem-se tratamentos para muitos males, mas os venenos mais poderosos. Afinal a cicuta também é uma planta... E existem ainda os riscos de contaminação e as intera- ções com outros produtos naturais e medicamentos. Os suplementos alimentares à base de plantas são produzidos a partir de matérias da planta. Mas, consoante por exemplo, o local de cultivo e as partes utilizadas, a variação dos constituintes ativos utilizados nos suplementos pode mudar. A qualidade destes produtos depende da qualidade da matéria-prima utilizada e do modo como é tratada durante a produção. Daí que seja necessário um controlo de qualidade e a standarização das matérias-primas e de todo o processo produtivo. > teste saúde 106 dezembro 2013/janeiro 2014 No mundo dos produtos naturais, "natural" e "seguro" não são sinónimos. Alguns podem provocar interações, sofrer contaminações e ter rótulos cuja informação é confusa e pouco esclarecedora 29 SUPLEMENTOS ALIMENTARES s > Combater a ansiedade com hipericão entrevista "Deveria haver maior controlo" O Observatório de Interações Planta-Medicamento, em Coimbra, investiga eventuais interações dos suplementos. A TS falou com a sua diretora teste saúde 106 dezembro 2013/janeiro 2014 Quando foi criado o Observatório e quantas interações já foram detetadas? O Observatório foi criado há três anos e, até agora, temos 200 casos mapeados. Começámos a trabalhar em tabelas de interações para que os médicos possam indicar as plantas e os medicamentos que interagem. A tabela está acessível no nosso site [ver contacto na ficha ao lado]. 30 Como funciona o Observatório? Temos duas linhas de apoio. As pessoas colocam as suas dúvidas e, nos casos simples, respondemos na altura. Caso contrário, indicamos o número do processo e respondemos mais tarde. Se suspeitarmos de algum produto, analisamo-lo e, se houver algo que não está conforme, contactamos a entidade respetiva – Infarmed ou ASAE –que vai em busca do lote em causa. São frequentes os casos de contaminação nos suplementos alimentares? Os suplementos deveriam obedecer a um controlo de qualidade, que é exigido por lei, e as contaminações não deveriam existir. Mas há muita gente a produzir este tipo de preparados e nem todos sabem o que estão a fazer. O que provoca as contaminações? Depende. Pode ser durante a produção Maria da Graça Campos, diretora do Observatório, em Coimbra – tivemos um caso com algas em que os tanques não foram bem lavados e a alga foi contaminada pela espécie que ali fora produzida antes. Depois há situações provocadas por fungos e bactérias durante o armazenamento e, por fim, a poluição. Se as culturas não são feitas de forma controlada ou se alguém for ao campo buscar uma planta pode dar-se um desastre. Não só porque há muitas espécies parecidas – umas medicinais, outras tóxicas – mas também há zonas mais poluídas, nomeadamente com metais pesados. Há um controlo ao nível da produção? Não lhe posso responder, não estou nas empresas. Julgo que algumas não o farão. Há uma obrigação legal. Se cumprem ou não é uma questão de consciência. Os rótulos indicam a quantidade do extrato, mas não do princípio ativo. O consumidor não sabe o que toma. Exato. A quantidade indicada no rótulo não quer dizer nada. Mas é possível dizer a quantidade exata de princípio ativo? Sim, desde que haja um bom controlo de qualidade. É um processo simples e barato. ■ Também conhecido como Erva de São João, o hipericão (Hypericum perforatum) é usado como planta medicinal desde a Antiguidade Grega. É um tratamento popular para a ansiedade, queimaduras e cortes, e é usado para tratar depressões moderadas, havendo alguma evidência científica dos seus benefícios no combate à depressão. No entanto, o hipericão pode provocar efeitos adversos como erupções cutâneas, cansaço, dores de cabeça, ansiedade, tonturas e fotossensibilidade. Também interage com alguns medicamentos, como contracetivos, anticoagulantes, antiepilépticos e outros antidepressivos. O seu consumo é desaconselhado em crianças, grávidas e durante o período de aleitamento, e deve ser usado com precaução por doentes renais e hepáticos. Tal como em todos suplementos alimentares ou ervas medicinais, o médico de família deve ser avisado do seu consumo. ■ A hipericina e a hiperforina são as substâncias, conhecidas até à data, responsáveis pela atividade terapêutica do hipericão. Por norma, os fabricantes baseiam-se no conteúdo de hipericinas, mas nem todos os fazem. Num suplemento, a proporção de ingredientes pode variar não só entre marcas como entre os lotes da mesma marca. Há, assim, a possibilidade de que estes não sejam equivalentes. No Reino Unido, a autoridade responsável pela saúde e qualidade dos cuidados, que tem a cargo as normas clínicas baseadas em evi- outras informações Saiba a quem recorrer Em caso de efeitos adversos, contacte o Observatório de Interações Planta-Medicamento: http://www.ff.uc.pt/oipm/home Tel: 239 488 484 ou 239 488 505 Quando o natural está contaminado Para uma maior segurança do consumidor, são necessárias boas práticas, harmonizadas a nível europeu ■ Os suplementos alimentares podem contribuir para a exposição a metais pesados. Assim, testámos sete produtos à base de hipericão para a presença de pesticidas, chumbo, cádmio, mercúrio e arsénio, e comparámos com a regulamentação europeia. ■ Uma das amostras – o Naturplan em cápsulas – ultrapassou os níveis máximos diários de chumbo, 3mg/kg, atingindo os 5,5mg/ kg. Os resultados foram enviados ao fabricante e à ASAE. No geral, A leitura de um rótulo é, em muitos casos, inconclusiva. Sem a indicação da quantidade de princípio ativo utilizado, o consumidor não sabe que quantidade está a tomar os níveis de chumbo encontrados são baixos e não causam dano. No que diz respeito aos níveis de cádmio, arsénio e mercúrio, as amostras testadas também cumpriam os parâmetros normais. Não foram encontrados pesticidas. Produtos à base de plantas Rótulos que confudem Saiba como escolher ■ Da análise aos rótulos concluiu-se que a legislação é respeitada, Antes de adquirir produtos à base de plantas, verifique se o rótulo contém as seguintes informações: ´ Identificação da planta por espécie e nome em latim. Espécies semelhantes podem ter propriedades distintas. ´ Parte da planta utilizada, já que cada parte pode ter diferentes composições dos constituintes ativos. ´ ´ Número de registo. Condições de conservação e data de validade. Posologia, interações e contraindicações bem como os efeitos adversos. ´ Sobredosagem e entidade a contactar em caso de emergência: o Centro de Informação Antive nenos: 808 250 143. mas que a informação é dada de forma confusa e algo incoerente. As informações sobre efeitos adversos, interações e pessoas a quem o suplemento é desaconselhado são confusas e não estão harmonizadas. ■ Além do mais, é difícil para o consumidor perceber a quantidade de princípio ativo presente no suplemento. consumidores exigem Lei mais clara é urgente ´ As alterações de 2012 feitas à lei comunitária não puseram fim à situação confusa dos suplementos alimentares. Os medicamentos à base de plantas são alvo de um maior controlo, com regras específicas para os folhetos informativos e sistemas de farmacovigilância e de boas práticas de fabrico. Já os suplementos têm uma aprovação de indicação de acordo com a evidência existente. Os consumidores exigem por isso, a mesma legislação para medicamentos e suplementos à base de plantas, provas de eficácia iguais às existentes para os suplementos alimentares , um sistema de farmacovigilância, bem como um código de boas práticas para os suplementos alimentares, à semelhança do existente para o fabrico de medicamentos. Por fim, os consumidores exigem que os suplementos alimentares passem a incluir um folheto informativo. ´ teste saúde 106 dezembro 2013/janeiro 2014 dência, desaconselha o seu uso, devido à variabilidade das preparações e potenciais interações. ■ A maioria dos produtos à base de hipericão no mercado português indica no rótulo a quantidade do extrato, mas não a do princípio ativo, o que gera incerteza quanto à quantidade que se está a tomar. 31