DELEUZE, Gilles - A LÓGICA DO SENTIDO GRUPO TRANSVERSAL Da décima segunda série a décima sétima série – RENATA E VALÉRIA (Continuação) Silvio – ficamos no debate sobre a questão de indivíduo e pessoa e também sobre as singularidades... Rosa - ...pelo que eu entendi a pessoa-indivíduo tem a ver com a linguagem, já é o incorpóreo... Silvio – o que ele está dizendo aqui, na minha maneira de ler, é que tanto o indivíduo quanto a pessoa são proposições, então o incorpóreo porque eu inclusive invento na linguagem é na narração que eu me invento como indivíduo, é na narração que eu me invento como pessoa e tem relação com a linguagem nesse aspecto; então quando ele diz “os indivíduos são proposições analíticas infinitas, as pessoas são proposições sintéticas finitas” essa sintética e analítica do Kant, o que ele está dizendo, que na medida que os indivíduos e as pessoas são proposições, seja de que natureza forem, indivíduos e pessoas como proposições são efeitos de linguagem, indivíduos e pessoas são ficções, são invenções e ele coloca isso para resgatar a idéia de singularidade como algo impessoal ou pré-pessoal e aí essa frase que você citou “a relação de manifestação como relação com o pessoal...” então são desses efeitos de linguagem, eles vão se dar na forma indivíduo ou na forma pessoa, mas o que importa ou o que faz produzir essas relações é anterior a tudo isso, é a singularidade que é impessoal. Porque volta um pouco no que você falou, “a relação de designação como relação com o individual” então quando você designa pela linguagem, você designa sempre indivíduos e quem são: o mundo, o estado de coisas, o agregado, então você designa... Rosa – e a manifestação como pessoal? Silvio – sim. Rosa – a única coisa que eu fiquei com dúvida é que de repente que se fale da neutralidade, do neutro... Silvio – então só que a singularidade também não é neutra, o fato da singularidade ser pré-individual e pré-pessoal, não implica numa neutralidade... Rosa – então o campo pessoal pode ser neutro também? Silvio – não sei. Rosa – ele fala de neutro quando ele cita o Husserl na página 127, ele vai dizer que o problema é neutro... Zé – na quinta série do sentido ele está falando dos três estados da essência – a essência como significado pela proposição, como conceito, a essência como designada pela proposição e a essência como sentido e ele coloca lá o sentido como sendo estéril e neutro em relação ao universal e geral, ao singular e ao particular, ao pessoal e ao coletivo, que o Silvio já tinha colocado, a neutralidade não significa que ele não seja histórico, que ele seja a-histórico... o sentido é neutro a todos os opostos, então o sentido não seria o resultado de um sujeito, passa pela manifestação do sujeito, mas não depende dele, quer dizer não é sujeito, quando ele fala da doação do sentido, a doação do sentido é resultado de uma estrutura que passa pela relação do sujeito com o objeto, mas não é o sujeito que doa o sentido, que é a fenomenologia, que tem a intencionalidade; o legal é pensar isso do ponto de vista da significação, por exemplo: eu quero significar que isso tem tal sentido, então você está atribuindo um sentido para o objeto de uma maneira intencional e aí não há neutralidade... Silvio – adoção de sentido como resultado das relações entre corpos, das misturas de corpos, o sentido como incorporal que ele vai tomar dos Estóicos, esse sentido é neutro, não há intencionalidade no sentido... Rosa – aí ele bascula, ou seja, vai de um lado para outro – Bascular... Américo – se você pegar o conceito de idéia do Platão, ele vai tentar dividir as coisas de forma que essa mistura... Silvio – ...mas veja, o conceito é intencional, o sentido não é intencional...o conceito não bascula... Rosa – então o Deleuze não vai fazer uma filosofia com conceitos, ele vai trabalhar fora disso... Américo – o conceito aí, acho que é no sentido universal de conceito... Rosa – porque eu entendo que quem trabalha com conceitos é toda essa tradição filosófica, não? Ou Deleuze também vai trabalhar com conceitos? Américo – mas acho que existe aí uma distinção entre conceito da forma como é tomada comumente usada e conceito que é trabalhado aqui... o que eu estava querendo colocar é que existe uma outra concepção de conceito que não seria que o Deleuze trabalha e que passa pelos universais, enfim. Silvio- e aí sim, por exemplo o Platão diria que o conceito é neutro, mas o Deleuze jamais diria isso... e aí tem o aspecto da neutralidade. Zé – talvez seja legal explorar tem um outro sentido também que não é só isso, essa questão da neutralidade, não significa que ele seja ahistórico e que ele exista em si mesmo, quer dizer no sentido que o Platão coloca por exemplo em relação às idéias e as coisas, quer dizer que existem em si mesmas, já prontas e eternas e você tem que ir lá apenas para buscar a origem, o fundamento, você tem o fundamento seja no mundo físico e natural e tem as relações eternas, já estabelecidas e você só tem que buscar o fundamento dessas relações e isso a mesma coisa no mundo das idéias e você vai lá buscar ou a razão da origem das coisas... Américo – vai dar as coisas uma distinção que foge a essa mistura que é próprio do sentido... Rosa – mas acho que nesse sentido, a nossa literatura é muito dura, muito rígida, Machado de Assis, Graciliano Ramos... Zé – mas mesmo assim, o sentido escapa à intencionalidade do autor, né? Rosa – é, sei, já existem trabalhos assim... Zé – ... que não haja a-sentido, mas que o sentido é neutro em relação a intencionalidade, em que sentido, porque há uma vida ali que produz alguma coisa, mas às vezes aquilo não está no campo do inconsciente, de um corpo sem órgãos, vamos dizer assim e às vezes você tem uma intenção explícita de escrever alguma coisa, mas você escreveu algo a mais, então há esse excesso e que você pode captar aí um sentido, acredito eu, né, o sentido expressa um mundo, uma realidade, uma vida que está ali. Silvio – faria um destaque na página 128 que nos ajudaria nisso “Somos levados a dissociar as duas noções de duplo e de neutralidade. O sentido é neutro mas não é nunca o duplo das proposições que o exprimem, nem dos estados de coisas aos quais ele ocorre e que são designados pelas proposições. Eis por que enquanto ficamos no circuito da proposição, só podemos inferir indiretamente o que é o sentido; mas, o que ele é diretamente, vimos que não podíamos sabê-lo a não ser quebrando o circuito, em uma operação análoga àquela que fende e desdobra o anel de Moebius” que é a lógica desde o início do texto, o sentido não está na proposição, o sentido está sempre fora, é algo que está sempre além, é resultado da proposição, então eu não leio a proposição para encontrar o sentido, ele não está na proposição, ele resultado da proposição e é nesse aspecto que o sentido é neutro, então quando ele fala que o sentido é neutro, não que a ação do sentido é neutra, não é nesse aspecto, o sentido é neutro, na medida em que ele não é resultado de uma intencionalidade, é ele próprio uma intencionalidade resultante de uma relação de proposições e que é do tipo corporal, as proposições são corporais e o sentido o incorporal. Rosa – lá no final tem uma questão que ele coloca que achei interessante – “como manter ao mesmo tempo que o sentido produz mesmo os estados de coisas em que se encarna e que é produzido por estes estados de coisas, ações e paixões dos corpos (imaculada concepção)? Silvio – é a pergunta: o sentido como produto e produtor...e aí está o nó da questão... Américo - no “o que é a filosofia?” ele fala que o conceito não está na proposição, né? Seria uma espécie de terceiro excluído... eu posso afirmar isso em relação, essa questão do sentido está ligada ao conceito em Deleuze? Eu pergunto isso porque ele vai ganhar uma peculiaridade que lhe é própria e vai ter aí, acredito, uma intensidade dentro daquilo que ele desenvolve no texto “o que é a filosofia?” então eu acho que passaria e coincide, em grande medida, com aquilo que ele vai colocar como sendo conceito em filosofia. Silvio – eu fiquei pensando e diria que o conceito é um tipo de sentido, disso que ele está chamando aqui de teoria do sentido, lógica do sentido, o conceito é um dos tipos de sentido. Américo - o que eu acho é que o que ele trabalha aqui dá margem ao que depois vai desembocar no que ele chama de conceito em filosofia. Pegando os afectos, os percepetos, etc... Silvio – porque também tem outra discussão que ele faz do conceito como incorporal, então da mesma forma que o sentido é incorporal – o incorporal como sendo o resultado da mistura entre corpos, o sentido como acontecimento, ele também vai relacionar o conceito com acontecimento; embora ele diga aqui que o sentido é o acontecimento e no “O que é a filosofia?” ele vai dizer que o conceito não é o acontecimento, o conceito produz o acontecimento, instaura o acontecimento. Agora há pelo menos um ponto que acho que é importante que é a questão da intencionalidade. Há no conceito uma intencionalidade que não há no sentido como ele está lidando aqui. Se você entende, e como o próprio Deleuze vai colocar, o conceito como uma forma de assinar o mundo, há uma intencionalidade no conceito que não há no sentido. Fernando – se o conceito produz o acontecimento no “O que é a filosofia?” o conceito teria algo de corporal também? Silvio – sim, mas a discussão que ele faz lá é que o conceito é corporal e incorporal. Acho que a partir dessas colocações do Américo, nós podemos fazer alguns paralelos sobre o conceito de conceito e o conceito de sentido, mas não dá para fazer uma correlação tão direta não. Renata – ele é corporal e incorporal, então ele é proposição e sentido ao mesmo tempo, não? Também pelo fato de ser intencional, ele é proposição e como gera o acontecimento ele também é incorporal, ou seja, emana sentidos... Gláucia – então, eu queria fazer um pedido posso? Porque na última reunião da gente a Elenise falou sobre aquela imagem da profundidade e da superfície e o que está acontecendo... essa relação da superfície e da profundidade vai perpassando quase todas as séries e eu estou ainda com essa questão, sinto falta e necessidade de que seja mais trabalhada... porque chegou nessa série aqui das três imagens dos filósofos e ele vai justamente brincar com a questão da altura articulando essas idéias também... e se antes estava bom agora ficou melhor ainda... e eu só estou retomando essa imagem que a Elenise deu porque não que eu tivesse que entender “logicamente” essas questões, mas é que ajuda... Elenise – então vou tentar relembrar... naquele dia nós estávamos falando da superfície e da profundidade e eu fui lá para traz, lá no simulacro, porque a superfície só é falada como o contrário de profundidade mas a profundidade não é só o contrário de superfície, ela vai além e ela fala de amor de superfície, assim se o amor fosse possível de ser medido, ele fosse medido pela superfície e não pela profundidade daí você falou assim: “mas as pessoas falam que amam profundamente...” daí eu falei que talvez seja como o amor que o amor vai se multiplicando como um simulacro sem uma originalidade concreta, uma coisa que o identifique como essência, mas na sua vivência multiplicativa ele se espalhe pela superfície, então ele permite o deslizamento – o liso – que daí se ele cair na profundidade, ele leva os amantes e o amor para a profundidade não produtiva. Américo- existe o amor, mas ele ganharia múltiplas formas? É isso que você está colocando? Elenise – é o que isso me fez pensar porque isso eu falei e focou assim.. Américo – e o amor se daria na própria superfície, independente de se ter amantes? Elenise – o amor se dá independente de ter amantes... Silvio – mas como ele pode existir como acontecimento sem os corpos? Elenise – acho que eu falei isso, mas é uma imagem... Renata – eu leio isso assim... como sendo o seguinte: ele foi contra tudo aquilo que sempre se fala como sendo bom que é o profundo, sempre o profundo, então se o meu amor é profundo, ele é melhor que o seu que é um amor superficial e sempre assim, essa é a nossa idéia, aí ele vem e repete isso, ele vai querer dizer: - não mas eu não quero falar do profundo, eu quero falar do superficial – então para mim vem uma imagem que é a do ponto e do plano, quanto mais você abrange alguma coisa, com um ponto ou com um plano? Com um plano né? Então para mim, a superfície é um plano e a profundidade é um ponto, assim: - eu te conheço profundamente – então você é um ponto e eu vou explorar aquele ponto e só aquele apenas... e se eu falo em superficialidade, eu estou querendo abranger esse plano todo e daí ele matou quando ele diz que tudo que está na superfície tem correspondência com o que está na profundidade, então se você – por isso eu falei do liso e do estriado – desliza na superfície, você de qualquer forma está atendendo e alcançando, abordando, de alguma maneira as profundezas dessa superfície. Silvio – e se você vai só nas profundezas, você perde a superfície... essa é a lógica, você percorrer a superfície e assim você não perde a profundidade o contrário sim... agora é importante lembrar que essa idéia ele vai retomar do Nietzsche, ele que vai querer romper com essa idéia de que o profundo se opõe ao superficial e vai querer resgatar o superficial... Renata – e vai valorar isso, né, como sendo o bom e desejável... Silvio – tem um aforismo na “Gaia ciência” que é agora eu sei que é o 126, porque a aula do Jacoia foi sobre o 125, onde diz o Nietzsche “as explicações místicas desejam-se profundas, na verdade nem superficial elas são ainda” Rita – mas aí ele não reduz o valor do superficial? Quando ele diz “...e nem superficial são” Silvio – eu acho que não, por conta de em outros momentos ele resgatar essa questão da superfície... Rosa – mas não existe uma diferença entre superficial e superfície? Silvio – mas tem uma questão de que a nossa noção de superficial é negativa e por isso a desvalorização da superfície e acho que quando ele resgata o valor da superfície, ele também tira do superficial esse tom pejorativo que agente tem. E nesse sentido é legal pensar que quando se ganha a superfície é que você ganha também a profundidade... então primeiro uma explicação tem que ganhar a superfície para depois ganhar qualquer profundidade... Américo – porque acho que na superfície você tem uma visão maior da possibilidade de ser afetado por alguma coisa e dar a isso uma profundidade, eu estou pegando lá o conceito de afeto e tal e acho que quanto mais se tem uma superfície em que se possa visualizar as “eni” possibilidades que você tem, maior é a probabilidade de você escolher uma coisa que possa lhe afetar nessa, que é diferente de olhar um ponto e enaltecido por alguém... Silvio – vamos conversar mais sobre as leis porque acho que nos ajuda... Américo – ...e acho que fica bem essa questão mesmo da crítica feita aquilo que é uma profundidade em si e uma altura em si e se tiver algum sentido pe mediante a superfície e aí há uma possibilidade de profundidade, de ascender alguma coisa... Silvio – é interessante esse resgate que ele faz, pensando em termos história da filosofia, dos Estóicos e dos Cínicos que são os menos valorizados da filosofia porque na tradição, o estudo dos clássicos da filosofia, agente vai para Sócrates, Platão e Aristóteles, o clássico da tradição filosófica, daí agente tem o Nietzsche que faz a proposta do retorno aos pré-socráticos, aí vem o Heidegger que entra nessa linha do Nietzsche e investe mais fortemente nessa linha do retorno aos présocráticos e o Deleuze diz aqui: - nem Platão e nem os pré-socráticos, fiquemos com os Cínicos e os Estóicos – que são tomadas como filosofias menores e filosofias da decadência. Os pré-socráticos são tidos como grandes porque iniciaram, os três são tomados como grandes porque são os clássicos e são os pilares da filosofia e os Cínicos e os Estóicos são os pensadores da decadência grega, então a leitura clássica que se faz na história da filosofia é que no período clássico, o filósofo era o que discutia política, como a Grécia está dominada e o cidadão não vai mais na praça e discuti os rumos da cidade, na filosofia helenista, o foco da filosofia se desloca para a ética, sai da política, do coletivo e vai para o individual, “gerencio a minha vida já que não gerencio mais a cidade”, a nova vida pública. E o movimento do Deleuze aqui é o de justamente resgatar essa filosofia que sempre foi tomada como uma filosofia menor ou de menor importância para mostrar que talvez ela tenha mais força que as outras e isso que me encanta nesse texto. Américo – e também como um forma de resistência a uma filosofia que se constituiu a partir de algo mais sólido, não é? Porque eu acho que é uma coisa que preciso estudar melhor, mas por exemplo o epicurismo é forma de reação àquilo que foi o apogeu da filosofia na Grécia antiga e nos Estóicos e Cínicos não estaria tão presente, então eu acho que existe uma filosofia que seria mais uma tentativa de reagir, mas no sentido de retomar uma possibilidade de política mais consistente e algo que se descola, que acho que estaria presente nos Estóicos e Cínicos, sei que precisaria ver isso melhor... porque acho o seguinte acho que toda tradição filosófica vai tentar retomar essas referencias, vai retomar o que seria esses três pilares – Sócrates, Platão e Aristóteles e a não possibilidade de se retomar algo que seria consistente em filosofia, a filosofia ou aquilo que coloca a imagem do filósofo tanto popular quanto cientista parece ter sido fixada pelo platonismo e tal, acho que é justamente isso que vai ser a reviravolta de colocar o estoicismo e o cinismo como sendo dessa configuração e sendo uma possibilidade filosófica que esteve obscurecida, esteve à margem da filosofia mais, com o F maiúsculo. É toda uma concepção de organização, de administração, uma dada política com a sua hierarquia... Silvio – em que medida você não está querendo salvar isso que eu chamei aqui de filosofias menores, não as quer salvar? Américo – isso que eu vejo aqui meio que no epicurismo, mas não tenho essa intenção de salvar não... Silvio – o que Deleuze faz aqui é tentar mostrar que essa filosofia decadente tem um valor e talvez um valor maior do que a filosofia do apogeu... Américo – acho que existe uma organização do ocidente que é pautada a partir das idéias desses três pilares, há uma busca de alternativas nesse sentido que se vê aqui... Silvio – porque vejam, Deleuze está aqui dialogando com os professores de filosofia na França que são conhecidos como exímios historiadores da filosofia e o cara está chegando aqui e dizendo: “Leiamos Diógenes Laércio!” vocês já leram? É um barato... Américo – você pega por exemplo a hermenêutica do sujeito do Foucault, não sei se é no mesmo sentido, mas há uma espécie de resgate que a tradição filosófica não tocou... Silvio – mas o que é esse livro do Diógenes Laércio, é um livro intitulado – “Vidas e doutrinas de filósofos...” e tem tradução para o português e você vai ler e hoje parece o que podemos chamar de sei lá de “Caras”, não é u, livro técnico de filosofia, são anedotas sobre os filósofos porque ele está escrevendo no século II da era cristã e fontes que estão todas perdidas, mas ele mistura fontes que hoje nós diríamos que são mais confiáveis com fontes menos confiáveis, então ele mistura informações sobre o pensamento do cara com fofocas sobre a vida do cara. Então ele entra nessa lógica que ele vai concluir aqui a série e que a Rosa comentou – “A perversão implica uma estranha arte das superfícies”, então ele vai ser supostamente superficial, um comentário sobre a vida do sujeito, na tradição da filosofia o que importa é a profundidade do pensamento e ele vai buscar essas coisas e vai resgatar isso. Américo – que pega justamente essas questões que seriam ditas superficiais... Silvio – claro quando você vai discutir o que se comeu, o que se deveria comer, que tipo de alimentação interfere positivamente ou negativamente no pensamento, aquela coisa que o Nietzsche chama atenção no “Ecce Homo” que deveria se fazer uma filosofia da nutrição... o que o filosofo come e o que ele fala e é um pouco isso que ele fala sobre a arte da superfície para além de qualquer profundidade. Américo – agora quando isso, essa visão da superfície, se torna uma visão que deveria ser vista como referência em detrimento a uma visão como a platônica por exemplo? Quando isso não seria “a visão” em detrimento do que seria a platônica, no caso da pré-socrática por exemplo... Silvio – você está fazendo uma pergunta? Quando seria? Américo – é, o que está se colocando aqui como sendo uma visão melhor do que a visão platônica... Silvio – não. Rita – na página 135, não sei se é bem isso não,mas talvez... “Não bastam alguns coros estoicizantes para fazer a unidade. O que é verdadeiramente estóico, aqui, é a descoberta das paixões-corpos e das misturas infernais que organizam ou sofrem, venenos fumegantes, festins pedófagos.” Então de repente, isso para mim fica sendo que não é enaltecer, é dizer que algumas coisas boas ficaram e não foram vistas... não sei. Américo – naquele livro do Foucault que ele coloca, acho que é o do simpósio – Nietzsche e Marx – eles vão passando por aquilo que seria a tradição e vão levantando coisas que se encontram obscuras e escondidas e que poderiam dar margem a outras formas de se pensar mas não no sentido que isso se torne uma referência por ter ficado à margem, por exemplo essa visão da dialética dos Estóicos, para mim é uma novidade, a questão dos corporais e incorporais que dá margem a uma outra realidade e análises outras e que rompe com essa visão aprofundada que temos das coisas... Silvio – o que me parece interessante nesse texto é essa idéia que o Deleuze coloca, a pergunta que ele faz “O que é orientar-se no pensamento?” e que ele vai retomar o tempo todo, ou seja, ele parte do principio que o pensamento é sempre orientado e não há orientações para o pensamento e aí nesse lance de orientar-se no pensamento, é aí que se constroem as imagens de filósofo, então qual é a imagem de filósofo que nos orienta, quando falamos em filósofos e qual vem à cabeça? É essa imagem fixada pelo platonismo, o sujeito que conhece a essência das coisas na idéia, na altura... (Fim da fita – continuação)