Colisões entre duas partículas clássicas Sejam duas partículas de massas m1 e m2 . Em problemas de colisões, tipicamente as partículas vêm de longe, onde a interação entre elas pode ser desprezada. Então, inicialmente, as partículas estão com velocidades constantes. Assim, sempre é possível escolher um referencial inercial que, inicialmente, caminha junto com a partícula de massa m2 , por exemplo. Nesse referencial a partícula de massa m1 se aproxima com uma velocidade inicial constante da partícula de massa m2 , inicialmente em repouso. Vou tomar o eixo x ao longo da direção e do sentido da velocidade inicial da partícula de massa m1 . Seja v0 o módulo da velocidade inicial da partícula de massa m1 . Depois da colisão, as partículas de massas m1 e m2 terão velocidades de magnitudes v1 e v2 , respectivamente. É claro que, inicialmente, a partícula de massa m2 pode não estar localizada sobre o eixo x. Vou tomar o plano xy como aquele que, inicialmente, contém ambas as partículas. Depois da colisão, o momentum total das duas partículas deve ser igual ao momentum inicial da partícula de massa m1 , pois há conservação de momentum total. No entanto, embora possa haver conservação de momentum total mesmo no caso em que as velocidades finais das partículas não estejam sobre o plano inicial, xy, não há razão nenhuma para que uma rotação do plano das partículas ocorra no sentido horário ou antihorário, já que o espaço é isotrópico. Então, após a colisão, ambas as partículas continuarão sobre o plano xy. Sejam α e β os ângulos que as velocidades das partículas de massas m1 e m2 fazem com o eixo x, respectivamente. Com isso, a conservação de momentum total ao longo do eixo x dá m1 v0 = m1 v1 cos α + m2 v2 cos β. (1) Ao longo do eixo y, a conservação do momentum total dá 0 = m1 v1 senα − m2 v2 senβ. (2) A figura abaixo mostra uma ilustração esquemática da colisão. 1 Colisões elásticas Quando, além do momentum total, a energia cinética total também é conservada, a colisão é chamada elástica. Nesse caso, podemos escrever 1 m1 v02 2 = 1 1 m1 v12 + m2 v22 2 2 (3) e temos mais uma equação. Há várias maneiras de interpretar essas equações e de utilizá-las. Como exemplo, vou supor que as massas e a velocidade inicial, v0 , são conhecidas. Depois da colisão, vou supor que o ângulo α é medido e, portanto, conhecido. Nesse caso, temos três equações e três incógnitas: v1 , v2 e β. Vamos eliminar o ângulo β usando as Eqs. (1) e (2). A Eq. (1) fornece m1 v0 − m1 v1 cos α = m2 v2 cos β, que, elevando ambos os membros ao quadrado, resulta em 2 (m1 v0 − m1 v1 cos α) 2 = (m2 v2 ) cos2 β. = m2 v2 senβ. A Eq. (2) fornece m1 v1 senα Elevando ambos os membros ao quadrado, vem 2 (m1 v1 ) sen2 α = 2 2 (m2 v2 ) sen2 β, (4) que, somada membro a membro com a Eq. (4) dá 2 2 (m1 v0 − m1 v1 cos α) + (m1 v1 ) sen2 α 2 = (m2 v2 ) , isto é, 2 2 2 (m1 v0 ) − 2m21 v0 v1 cos α + (m1 v1 ) cos2 α + (m1 v1 ) sen2 α 2 = (m2 v2 ) , ou seja, 2 (m1 v0 ) − 2m21 v0 v1 cos α + (m1 v1 ) 2 2 = (m2 v2 ) . (5) Da Eq. (3) segue que m2 v22 = m1 v02 − m1 v12 = m1 m2 v02 − m1 m2 v12 . e, portanto, 2 (m2 v2 ) (6) Das Eqs. (5) e (6) segue 2 2 (m1 v0 ) − 2m21 v0 v1 cos α + (m1 v1 ) = m1 m2 v02 − m1 m2 v12 , isto é, 1−2 v1 cos α + v0 v1 v0 2 m2 m2 − m1 m1 = v1 v0 2 , 2 onde dividi ambos os membros por (m1 v0 ) , supondo que não é nulo, caso contrário não haveria colisão. Assim, 2 m2 v1 v1 m2 1+ − 2 cos α + 1 − = 0, m1 v0 v0 m1 isto é, (m1 + m2 ) v1 v0 2 − 2m1 v1 cos α + (m1 − m2 ) v0 = 0. (7) A solução da Eq. (7) para v1 /v0 dá p 2m1 cos α ± 4m21 cos2 α − 4 (m1 + m2 ) (m1 − m2 ) v1 = , v0 2 (m1 + m2 ) isto é, v1 v0 = m1 cos α ± p m21 cos2 α − (m1 + m2 ) (m1 − m2 ) , m1 + m2 ou seja, v1 v0 = m1 cos α ± m1 + m2 s m21 2 (m1 + m2 ) 3 cos2 α− m1 − m2 . m1 + m2 (8) Caso em que a massa da partícula incidente é maior do que a da partícula alvo Nesse caso, m1 > m2 e, portanto, há um ângulo α = αM tal que a quantidade dentro do radical dá zero: m1 − m2 m21 2 = 0, 2 cos αM − m1 + m2 (m1 + m2 ) isto é, m21 cos2 αM m1 + m2 = m1 − m2 , ou seja, cos2 αM = m21 − m22 , m21 ou ainda, cos2 αM = 1− m22 . m21 Como m2 /m1 , nesse caso, pode assumir valores no intervalo [0, 1) , segue que αM pertence ao intervalo [0, π/2) . Nesse intervalo, o cosseno é decrescente e se α > αM na Eq. (8), então a quantidade dentro do radical torna-se negativa, resultando em uma solução para v1 /v0 que não é fisicamente possível; isso se tanto α como αM estiverem dentro do intervalo [0, π/2) , mas com α > αM . Caso αM pertença ao intervalo [0, π/2) , mas α esteja no intervalo [π/2, π) , a quantidade dentro do radical pode ficar positiva de novo, mas nesse caso o cosseno é crescente e a raiz quadrada na Eq. (8) passa a ter módulo menor do que o módulo do primeiro termo dessa equação, que agora é negativo. Então, nesse caso, v1 /v0 torna-se menor do que zero, o que também é fisicamente impossível. Logo, αM é o maior ângulo para o qual há espalhamento da partícula de massa m1 > m2 pela partícula de massa m2 . Veja que quando m1 m2 o ângulo αM é muito pequeno e, portanto, quando a partícula incidente é muito massiva, seu ângulo de espalhamento deve ser muito pequeno, como esperado intuitivamente. Quando α < αM a quantidade dentro do radical da Eq. (8) é positiva, mas não maior, em módulo, do que o primeiro termo da equação e, nesse caso, há duas soluções possíveis para v1 /v0 . Por exemplo, o caso em que α = 0 dá dois possíveis resultados: s m1 m21 m1 − m2 v1 = ± , 2 − v0 m1 + m2 m1 + m2 (m1 + m2 ) isto é, v1 v0 = m1 ± m1 + m2 4 s m21 − m21 + m22 (m1 + m2 ) 2 , ou seja, v1 v0 m1 ± m1 + m2 = s m22 (m1 + m2 ) 2, ou ainda, v1 v0 m1 ± m2 . m1 + m2 = Assim, v1 v0 m1 + m2 = 1, m1 + m2 = significando que não há colisão alguma, ou v1 v0 = m1 − m2 , m1 + m2 mostrando o valor da nova velocidade da partícula de massa m1 quando há uma colisão frontal. Nesse caso, a Eq. (3) dá m2 v22 m1 v02 − m1 v12 , = isto é, m2 v22 v02 = m1 − m1 m1 − m2 m1 + m2 2 , ou seja, m2 v22 v02 = m21 + 2m21 m2 + m1 m22 (m1 + m2 ) 2 + −m31 + 2m21 m2 − m1 m22 2 (m1 + m2 ) ou ainda, v22 v02 = 4m21 2. (m1 + m2 ) Logo, para colisão frontal, v2 v0 = 2m1 . m1 + m2 (9) Nesse caso, segue da Eq. (2) que m2 v2 senβ = m1 v1 senα = 0 e, portanto, β = 5 0. , Caso em que as massas da partícula incidente e da partícula alvo são iguais No caso em que m1 = m2 = m, a Eq. (8) dá r 1 1 1 v1 1 = cos α ± cos2 α = cos α ± |cos α| . v0 2 4 2 2 Como v1 /v0 só faz sentido se não for negativo, α não pode ser maior do que π/2. Então, para α no intervalo [0, π/2] , podemos escrever v1 v0 1 1 cos α ± cos α 2 2 = e, portanto, v1 v0 = 0 ou v1 v0 = cos α. O primeiro caso está contido no segundo, basta tomar α = π/2. Logo, vou ficar só com a solução v1 v0 = cos α. Nesse caso, a Eq. (3) fornece v22 = v02 − v12 = v02 1 − cos2 α = v02 sen2 α, isto é, v2 v0 = senα. A Eq. (2) implica em v2 senβ = v1 senα, senβ = cos α. isto é, Pela figura acima, vemos que β = π/2 − α. Veja que quando α = 0 não há colisão, mas quando α = π/2, v1 = 0 e v2 = v0 , indicando uma transferência do momentum da partícula incidente para a partícula alvo, que sai com β = 0. 6 Caso em que a massa da partícula incidente é menor do que a da partícula alvo No caso em que m1 < m2 , a Eq. (8) apresenta apenas uma solução fisicamente possível: s m1 m1 − m2 v1 m21 2α− = cos α + cos , (10) 2 v0 m1 + m2 m1 + m2 (m1 + m2 ) pois, nesse caso, a quantidade no radical é maior do que o primeiro termo dessa equação. É fácil ver que se utilizarmos o sinal negativo no lugar do sinal positivo, v1 fica negativo, o que não é possível fisicamente. Nesse caso, todos os valores de α no intervalo [0, π] são permitidos. Quando α = 0, segue da Eq. (10) que s s m1 − m2 m21 m22 m1 m1 v1 − = + = + 2 2 = 1, v0 m1 + m2 m1 + m2 m1 + m2 (m1 + m2 ) (m1 + m2 ) isto é, não há colisão. Já quando α = π, segue que s v1 m1 m22 m2 − m1 = − + = . 2 v0 m1 + m2 m1 + m2 (m1 + m2 ) Da Eq. (3) vem v2 m2 22 v0 = m1 − m1 m2 − m1 m1 + m2 2 = m1 − m1 m22 − 2m1 m2 + m21 2 (m1 + m2 ) , isto é, m2 v22 v02 = m1 m22 + 2m21 m2 + m31 − m1 m22 + 2m21 m2 − m31 2 (m1 + m2 ) ou seja, v22 v02 4m21 = 2, (m1 + m2 ) ou ainda, v2 v0 = 2m1 , m1 + m2 que é idêntica à Eq. (9). Finalmente, a Eq. (2) dá m2 v2 senβ = m1 v1 senα = 0, isto é, β = 7 0. = 4m21 m2 2, (m1 + m2 ) O caso da determinação da massa da partícula incidente Em 1932, [http://pt.wikipedia.org/wiki/James_Chadwick Chadwick] estabeleceu a existência do nêutron pela determinação de sua massa através da análise de experimentos de colisões entre nêutrons e núcleos conhecidos. Então, vamos supor que possamos medir a energia inicial da partícula incidente, cuja massa m1 queremos determinar. Vamos supor também que a massa m2 da partícula alvo também seja conhecida. Ao medirmos a energia final da partícula alvo em uma colisão frontal, podemos determinar a massa m1 . Para ver isso, seja a energia inicial da partícula incidente dada por 1 m1 v02 T0 = 2 e a energia final da partícula alvo dada por 1 m2 v22 . T2 = 2 Dividindo uma dessas equações pela outra dá T0 T2 m1 v02 . m2 v22 = Usando a Eq. (9), para colisão frontal, obtemos 2 2 (m1 + m2 ) v0 . = 2 v2 4m1 Note que esse valor é o mesmo caso a massa m1 seja maior ou seja menor do que m2 . Portanto, T0 T2 2 = m1 (m1 + m2 ) m21 2m1 m2 m22 m2 + 2m1 m2 + m22 = + + , = 1 2 m2 4m1 4m1 m2 4m1 m2 4m1 m2 4m1 m2 isto é, 2T0 −1 T2 m1 m2 + , 2m2 2m1 = ou seja, 2 2T0 m1 −1 T2 m2 = m21 + 1, m22 ou ainda, m21 −2 m22 2T0 m1 −1 +1 T2 m2 = 0. Resolvendo essa equação, obtemos s 2 m1 2T0 2T0 = −1 ± − 1 − 1. m2 T2 T2 Fazendo colisões frontais com duas partículas alvo de massas m2 e m3 , podemos encontrar o valor de m1 . 8 Colisões inelásticas A colisão é dita inelástica quando a energia cinética total não é conservada. Note que estou falando da energia cinética dos produtos da reação, depois da colisão e da energia cinética dos reagentes, antes da colisão. Para simplificar a análise, vamos considerar que a partícula de massa m1 incida, com velocidade v0 , sobre a partícula alvo, de massa m2 , inicialmente em repouso. Após a colisão, vamos supor que duas partículas de massas m3 e m4 , não necessariamente as mesmas de antes da colisão, tenham velocidades finais v3 e v4 . Se os ângulos com a direção da velocidade da partícula incidente são dados por α e β, segue, da conservação do momentum, que m 1 v0 = m3 v3 cos α + m4 v4 cos β (11) e 0 = m3 v3 senα − m4 v4 senβ. (12) A figura abaixo ilustra essa situação. A energia cinética total não é coservada e, assim, seja Q a energia que deve ser absorvida na reação para que a energia total seja conservada. Então, T0 + Q = T3 + T4 , (13) onde as energias cinéticas assintóticas são definidas como T0 = 1 m1 v02 , 2 T3 = 1 m3 v32 2 T4 = 1 m4 v42 . 2 e Como exemplo, vamos calcular Q e vamos supor conhecido o momentum inicial, m1 v0 , e as massas m1 , m2 , m3 e m4 . Então vamos supor que o momentum 9 p3 = m3 v3 e o ângulo α sejam medidos. Com isso, precisamos calcular Q. Então vamos eliminar o ângulo β e m4 v4 das Eqs. (11) e (12). Da Eq. (11) segue que p0 − p3 cos α = p4 cos β, (14) onde definimos p0 = m 1 v0 , p3 = m 3 v3 p4 = m 4 v4 . e Logo, elevando a Eq. (14) ao quadrado, obtemos p20 − 2p0 p3 cos α + p23 cos2 α = p24 cos2 β. (15) Elevando a Eq. (12) ao quadrado dá p23 sen2 α = p24 sen2 β, que, somada membro a membro com a Eq. (15) fornece p20 − 2p0 p3 cos α + p23 = p24 . (16) A Eq. (13) pode ser expressa em termos dos momenta como Q = T3 + T4 − T0 = p23 p2 p2 + 4 − 0 , 2m3 2m4 2m1 isto é, Q = p23 p2 − 2p0 p3 cos α + p23 p2 + 0 − 0 , 2m3 2m4 2m1 onde já substituí a Eq. (16). Rearranjando, temos Q = p2 p2 p2 p0 p3 cos α p23 + 3 + 0 − 0 − , 2m3 2m4 2m4 2m1 m4 isto é, √ m3 m1 4m1 T0 m3 T3 Q = T3 1 + − T0 1 − − cos α, m4 m4 m4 ou seja, Q = s m1 m3 T0 T3 m3 m1 T3 1 + − T0 1 − −2 cos α. m4 m4 m24 10 Colisões completamente inelásticas Vamos agora considerar o caso em que a partícula de massa m1 e velocidade inicial v0 colide com a partícula alvo em repouso, de massa m2 , e ambas ficam grudadas e passam a caminhar juntas com velocidade final v. Nesse caso, a conservação de momentum dá m1 v0 = (m1 + m2 ) v e, portanto, v = m1 v0 . m1 + m2 A enercia cinética não é conservada e podemos calcular a quantidade de energia Q, que é dissipada na colisão escrevendo T0 = T + Q, T0 = 1 m1 v02 2 = 1 (m1 + m2 ) v 2 . 2 onde e T Logo, Q = 1 1 1 1 m21 2 m1 v02 − (m1 + m2 ) v 2 = m1 v02 − (m1 + m2 ) 2 v0 , 2 2 2 2 (m1 + m2 ) isto é, Q = 1 1 1 m1 m1 2 2 2 m1 v0 − m1 v0 = m 1 v0 1 − , 2 2 (m1 + m2 ) 2 m1 + m2 ou seja, Q = 1 m1 v02 2 m2 m1 + m2 . Coeficiente de restituição Considere duas partículas de massas m1 e m2 que se chocam frontalmente ao (0) (0) longo do eixo x, com velocidades iniciais v1 e v2 , respectivamente. Se suas velocidades finais são dadas por v1 e v2 , então Newton observou a seguinte relação entre as velocidades relativas inicial e final: (0) (0) v2 − v1 = −e v2 − v1 , 11 onde e, chamado de coeficiente de restituição, é não negativo e menor ou igual à unidade. Quando e = 0, a colisão é completamente inelástica e quando e = 1, a colisão é perfeitamente elástica. Tipicamente, essa relação é utilizada juntamente com a conservação de momentum ao longo do eixo x, m2 v2 + m1 v1 (0) (0) = m2 v2 + m1 v1 , para resolver problemas em que as velocidades finais são obtidas quando as velocidade iniciais são dadas. 12