INFECÇÕES BACTERIANAS DO TGI Por Carolina Isidoro Epidemiologia: As diarréias infecciosas são aquelas decorrentes de um processo infeccioso. A diarréia é uma das formas de resposta do TGI. Por exemplo, você pode ter diarréia porque ingeriu gordura em excesso e uma parte dessa gordura não é digerida adequadamente, saindo nas fezes. A diarréia nem sempre está associada a infecções, mas as diarréias de origem infecciosa podem acometer indivíduos de qualquer faixa etária e é a principal causa de morte em crianças. Em escala global, a diarréia é uma das principais manifestações de doença humana associada à morte. A mortalidade dessas infecções bacterianas no TGI é estimada em cerca de 5 a 6 milhões de crianças por ano considerando os continentes Ásia, África e América latina. Na América Latina 13% das mortes de crianças abaixo de 1 ano em certas áreas de maior pobreza são decorrentes dessas infecções. Portanto, é preciso uma abordagem mais criteriosa que vise controlar essas doenças. Essas mortes podem ser decorrentes diretamente da diarréia infecciosa (perda de líquido) ou ainda podem ser de forma indireta, devido a infecções associadas (a diarréia torna as crianças muito suscetíveis a outras infecções). Portanto, a faixa etária abaixo de 5 anos é a que se encontra a maior incidência de óbitos. Além disso, as áreas de risco para contrair essas doenças são a maior parte da África, parte da América do Norte (México) e parte da América Latina. Os países do leste europeu, parte da América latina e África do Sul são considerados áreas de risco intermediário, enquanto os países mais desenvolvidos, como os da Europa e da América do Norte são considerados de baixo risco. A chave para o controle dessas doenças reside no estudo da epidemiologia que permite traçar estratégias de controle. A principal estratégia é separar o material fecal do alimento ou da água. Transmissão Crianças e adultos podem ser acometidos por essas infecções. Continuamente nessas infecções identificamos indivíduos que tem a doença, ou seja, que se manifesta clinicamente, mas também identificamos um número grande de portadores assintomáticos, especialmente adultos. Crianças raramente são portadores assintomáticos, porém nos adultos esse estado de portador assintomático é comum e são esses que perpetuam a doença e garantem a persistência do ciclo ao eliminar fezes contaminadas. Em algumas doenças há também animais que atuam como reservatórios. Há, claramente, uma associação da incidência dessas infecções com o nível socioeconômico acometido. Aspectos como o tipo de residência, a densidade populacional daquele grupo, a disponibilidade ou não de instalações sanitárias influenciam na ocorrência dessas doenças. Em especial, a questão dos alimentos e a qualidade e a quantidade disponível de água (potável ou não). Portanto, a ingestão de alimentos ou água contaminada com material fecal é o eixo de ocorrência dessas infecções bacterianas do TGI. O próprio gelo pode passar bactérias, pois bactérias não morrem congeladas. Quando o gelo derrete as bactérias são liberadas. Desse modo, gelo feito com água não potável tem os mesmos agentes infecciosos que a água, logo também é capaz de gerar contaminação. A transmissão também pode ser feita através dos alimentos (ingestão crua), insetos (moscas domiciliares) ou ainda, alimentos manuseados por portadores assintomáticos que excretam bactérias sem saber e contaminam os alimentos. Certos animais podem se contaminar e se comportarem como reservatórios. 1 A via fecal-oral é de grande importância em ambiente hospitalar, em creches, em asilos, em prisões e em berçários. São exatamente as condições de excessiva densidade populacional e baixos níveis de higiene que favorecem essa via. A existência de hábitos pessoais de higiene tem um impacto na dispersão desses agentes. Porém, não devemos superestimar a importância desses hábitos. O controle das diarréias infecciosas não é simplesmente um exercício de educação sanitária. A solução do problema não se sustenta na ação individual das pessoas através da higiene e sim na intervenção das vias de transmissão através da água e dos alimentos contaminados. Uma das funções dos agentes de saúde é esclarecer as pessoas e orientar sobre novos hábitos de higiene que devem ser adotados. Isso modula a quantidade de agentes infecciosos. Por exemplo, o indivíduo vai lavar as mãos com mais freqüência, reduzindo a quantidade de bactérias nas mãos e nas unhas. Essas pessoas, certamente, estarão mais protegidas, porém essa não é a solução. As diarréias infecciosas podem ocorrer sob duas grandes vias: endêmicas (presentes ao longo do ano distribuídas ao acaso) ou surtos epidêmicos (casos concentrados, comprometendo indivíduos de um grupo ou uma população, e geralmente vinculados a uma fonte comum). Em ambos, o papel central é dos portadores assintomáticos ou reservatório animal ao contaminar os alimentos. Os portadores excretam micro-organismos viáveis que chegam até à água, o alimento ou são transmitidos através do contato interpessoal. Algumas infecções apresentam como reservatório os animais e não humanos, as causadas por Salmonellas, Campylobacter e Echerichia coli enterohemorrágica. Outro aspecto importante é a existência de uma ação sinérgica cooperativa entre desnutrição e infecções do TGI. O indivíduo desnutrido tem mais facilmente infecções no TGI, visto que ele monta pior a sua imunidade e seus mecanismos de defesa, sendo portanto, mais suscetível. Em contrapartida, as infecções do TGI adquiridas fragilizam ainda mais as defesas porque levam a uma desnutrição adicional. É um ciclo cooperativo negativo. Dessa forma, diarréia infecciosa em desnutridos apresenta pior prognóstico e a gravidade e duração dos sintomas é maior. Além disso, está claramente definida a existência de diarréia persistente (crônica) que está associada com a desnutrição. Nesses casos, as crianças adoecem com diarréias que podem durar até 14 dias. Assim, o grau de desnutrição induzido é muito grande nesse paciente, e a doença apresenta um prognóstico muito grave. Controle das infecções: Existência de leis de estímulo sanitário ou fossas. Na periferia do Rio, por exemplo, não tem rede de esgoto e sim fossas. As fossas bem construídas são eficazes. O problema é que na maioria das vezes as fossas são mal construídas e deixam escapar material fecal com bactérias contidas ali dentro. Essas fezes contaminadas chegam aos lençóis de água. Rede de distribuição de água tratada. Tem impacto imediato no controle das infecções no TGI. Por isso, em paises desenvolvidos a incidência dessas infecções é baixa. A rede de água é separada da rede de esgoto. Logo, não chegada de material fecal na água que será consumida. Proteção, purificação, a cloração de poços e chafarizes. O controle do processamento e venda de alimentos. Os alimentos vendidos na rua são de grande conteúdo calórico e, desse modo, são eficientes no sentido de promover a nutrição e a saciedade, além de serem de baixo custo. Não adianta proibir a venda dos alimentos, mas sim implantar controle sobre o que é vendido. Controle dos vetores, especialmente moscas. 2 Controle de portadores, porém essa medida só se aplica em casos específicos. Não tem como sair na rua e pesquisar todos os portadores. Em uma creche, uma enfermaria, por exemplo, na presença de um surto você pode pesquisar se há um portador assintomático naquele local. Controle da qualidade de alimentos de origem animal. Outras medidas, chamadas de medida de promoção socioeconômicas (?) das populações, também são relevantes. Nessas medidas, os agentes de saúde têm importante papel, estão diretamente ligadas ao seu contato pessoal com as famílias e crianças. As medidas de controle são basicamente de responsabilidade dos administradores públicos, até influenciados pelos gestores de saúde. Estímulo ao aleitamento natural, um importante mecanismo de defesa dos lactentes já que no leite há presença de anticorpos maternos que bloqueiam a colonização por bactérias enteropatogênicas. A composição do leite materno é adequada à nutrição do recém-nato. Além disso, o leite materno é estéril, enquanto o leite em pó, por exemplo, é misturado a uma água que nem sempre é confiável. Difundir os princípios de higiene pessoal, como a higiene das mãos antes de preparar alimentos e mamadeiras, a lavagem dos alimentos e a preferência pelo consumo de alimentos cozidos. Patogenia: Mecanismos pelos quais essas bactérias promovem a doença. Em primeiro lugar, vamos definir o quadro normal do TGI. A colonização bacteriana via de regra é um fator de saúde. O TGI tem a maior microbiota do organismo, porém essas bactérias podem causar infecções, no entanto, raramente no sítio em que elas colonizam. Podem produzir infecções urinárias, por exemplo, mas não são agentes de infecção intestinal, na maioria das vezes. A composição da microbiota normal varia muito com a idade e com a dieta do paciente. Do ponto de vista quantitativo, à medida que avançamos o TGI maior a densidade de bactérias. Assim, o estômago tem menos bactérias que o íleo, por exemplo. 20% da massa fecal é composta por bactérias. As bactérias também se encarregam de uma parte da digestão. Do ponto de vista qualitativo, o predomínio é de espécies anaeróbias. Entre as aeróbias facultativas, devemos dar destaque à família da enterobacteriacea. O epitélio do intestino é especializado. No intestino delgado, onde ocorre a maior parte da absorção dos nutrientes, encontramos as microvilosidades (com topos e criptas). Os enterócitos que constituem topo são diferentes dos enterócitos que constituem a região da cripta. Os enterócitos do topo continuamente se desprendem, duram cerca de 48h a 72h e em seguida são eliminados e substituídos de baixo pra cima, formando uma “esteira rolante”. Os enterócitos vão amadurecendo e se diferenciando e vão “subindo”. Num corte histológico percebem-se também pequenos vasos sanguíneos que alimentam e drenam os enterócitos. As enterobactérias que colonizam o TGI serão dividas em dois grandes grupos: enterobactérias que claramente associadas a infecções extra-intestinais, mas não infecções intestinais (exemplos: Proteus, Citrobacter, Escherichia coli, Klebsiella, Serratia, Providencia) e enterobactérias que estão claramente associadas a infecções intestinais, chamadas de enteropatogênicas ou diarreiogênica (exemplo: Salmonella, Shigella, Echerichia coli enteropatogênicas, Yersinia enterocolítica). Quando essas bactérias enteropatogênicas estão presentes indicam que os indivíduos apresentam infecções agudas ou moderadas, são portadores assintomáticos ou convalescente (ficaram doentes, mas os sintomas já passaram, no entanto, ainda excretam essas bactérias). 3 A E.coli merece uma atenção particular. É a enterobactéria mais comum e em sua maioria fazem parte da microbiota normal e não apresentam atividade patogênica. Quando você conta a quantidade de E.coli que tem na água você quer saber se essa água entrou em contato com material fecal e em que proporções isso ocorreu. Porém, uma pequena fração é capaz de produzir infecção extra-intestinal, são as chamadas de ExPEC. Causam infecções urinárias, meningites, infecções de tecidos moles e septicemia. Finalmente, um grupo ainda menor, produz infecções intestinais. Todas são Echerichia coli, mas são diferentes. A E.coli diarreiogênicas podem ser ainda subdivididas em vários grupos de acordo com a maneira como cada uma delas produzem a infecção intestinal: enteropatogênicas (EPEC), enteroagregativas (EAEC), enterotoxigênica (ETEC), enteroinvasoras (EIEC), produtoras de toxina Shiga (STEC) e as enterohemorrágicas (EHEC). Cada um desses grupos apresenta um mecanismo de virulência específico. As ETEC’s, por exemplo, atuam por meio da produção de toxinas. Já EIEC atuam invadindo enterócitos. Contudo, não são somente as enterobactérias que são capazes de produzir infecções intestinais. Existem outras bactérias diarreiogênicas que pertencem a outras famílias. A mais importante delas é o Vibrio cholerae que produz a cólera, quadro diarréico grave. Campylobacter jejuni é outro agente causador de quadros diarréicos que não pertence à família das enterobacteriacea e tem o cão como um reservatório. Outros exemplos de bactérias diarreiogênicas: Vibrio parahaemolyticus, Aeromonas, Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus enterotoxigênicos. Existem algumas espécies de bacterias que funcionam como agentes oportunistas de infecção intestinal, ou seja, só conseguem causar infecção quando o indivíduo abre uma janela, uma oportunidade. Dependem de fatores predisponentes, como uso maciço de antibióticos. Portanto, pessoas que usem antibióticos imunodepressores podem sofrer infecções por Clostridium difficile e Pseudomonas aeruginosa, porém essas infecçõies estão ligadas muito mais a suscetibilidade do indivíduo do que a uma virulencia particular dessas bactérias. Principais formas clínicas e agentes: Formas não-exudativas ou diarréia secretora: grande grupo de infecções causadas por diferentes agentes que produzem uma forma de diarréia que se caracteriza por uma perda de água associada a eletrólitos e envolvendo preferencialmente o intestino delgado. Causa pouca lesão celular direta, ou seja, não altera a microarquitetura das células. Os principais agentes bacterianos envolvidos são aqueles que produzem enterotoxinas, pois todas essas alterações decorrem da ação dessas toxinas e não da destruição celular. São eles: Vibrio cholerae, Escherichia coli enterotoxigênicas (ETEC), Escherichia coli enteroagregativas (EAEC). Esta última causa uma diarreia cronica que é muito grave em crianças. Vibrio cholerae: bastonete gram-negativo, móvel e em forma de vírgula. É o principal agente das infecções não-exsudativas. Produz enterotoxina colérica, uma grande molécula da toxina do tipo AB (região de ligação e região efetora). A toxina é codificada no cromossoma. Pertence à família Vibrionaceae. Para causar doenças precisa atender a duas exigências: aderir aos enterócitos do intestino delgado e para isso ele tem estruturas especiais, as adesinas, principalmente a TCP e também produz várias toxinas que atuam na colonização e aderência e a segunda exigência é a produção de toxina colérica para causar doença. Então, primeiro ocorre a colonização e depois a produção de toxina na vizinhança epitélio. Uma bactéria que perdeu adesina pode produzir enterotoxina no útero, por exemplo, e não causar nenhum problema. Por outro 4 lado, uma bactéria que não é capaz de produzir e toxina colérica pode se ligar ao epitélio, mas não vai causar a Cólera, talvez só uma leve diarréia. São conhecidos dois biotipos do V.cholerae: o clássico, descoberto primeiro, e o El Tor, a primeira variante descoberta. Causam grandes surtos epidêmicos, podem causar uma pandemia. A pandemia é um grande surto epidêmico que atravessam fronteiras de países e continentes e se deslocam no tempo. A pandemia colérica leva mais tempo para se espalhar porque as vias dependem da ingestão de alimentos e água contaminada se comparado a possível pandemia da gripe suína, visto que essa se dá através de contato direto se alastrando mais rapidamente. Já ocorreram 7 pandemias de cólera e a última ocorreu em 1961 começando na Indonésia e chegando ao Brasil em 1991. Restringiu-se ao trajeto do Rio Amazonas. Atualmente não há registros da doença no Brasil. A cólera se espalha nesses surtos epidêmicos porque existem reservatórios humanos. Não é o doente que é responsável pela transmissão porque ele é removido da circulação e é colocado em quarentena ou isolado em ambiente hospitalar. Quem é responsável pela transmissão são os portadores assintomáticos que possuem a bactéria e a excretam em suas fezes, no entanto não apresentam sintomas e, desse modo, não se tratam e continuam dispersando a bactéria no ambiente. Não existem reservatórios animais, mas o Vibrio cholerae faz dois ciclos que se conectam. Apresenta um ciclo natural, que ocorre nas águas dos rios e nos lagos, e um ciclo humano. No ciclo natural ele coloniza a superfície de micro-algas, do plâncton. Próximo ao verão esse plâncton prolifera estando em maior quantidade e nessa estação as pessoas ingerem mais água. A partir daí inicia o ciclo em humanos, já que o indivíduo contaminado elimina as fezes num ambiente onde outras pessoas entram em contato com as fezes e os alimentos são contaminados. Portanto, no verão ocorrem surtos de cólera. Consumo de água ou alimento contaminado penetração da bactéria e passagem pelo estômago adesão e colonização no intestino delgado produz enterotoxina diarréia fezes com vibrião no ambiente contamina água. Slide 23: a toxina colérica possui cinco unidades B (b5) que se ligam aos receptores na superfície dos enterócitos e a superfície A que é responsável pela ação biológica da toxina. Quando a região B encontra os receptores ocorre uma mudança na conformação da molécula, essa região A se modifica ao sofrer uma reação enzimática e atravessa a membrana exercendo seus efeitos no interior das células. Manifestação clínicas da cólera: perda do turgor da pele é um sinal de desidratação (quando a pele é pregueada essa prega é desfeita mais lentamente). Além disso, há olhos e lábios ressecados devido a uma desidratação intensa que as pessoas doentes sofrem, podendo perder até 7l de água por dia. A conduta terapêutica é a hidratação imediata venosa e oral (soluções especiais). Escherichia coli enterotoxigênicas (ETEC): produzem duas "famílias" de enterotoxinas, a termolábil (LT) e a termoestável (ST). A toxina da família LT quando aquecidas por serem moléculas grandes o calor desorganiza a estrutura. Já a toxina da família ST são pequenos e, portanto, quando aquecidas a estrutura se mantém estável. São codificadas em plasmídeos e, assim sendo a informação pode ser transmitida fazendo com que uma E.coli não patogênica adquira virulência e se torne patogênica. Echerichia coli enteropatogênica (EPEC): é um caso particular de diarréia exsudativa, na qual, diferente das demais, não há produção de enterotoxinas. Causam uma doença chamada de diarréia infantil acometendo crianças até 2 anos de idade, mas seu pico é aos 6 meses de idade. Isso ocorre porque os humanos após 2 anos de idade perdem a molécula receptora que é o sítio de ligação dessas bactérias. Portanto, os adultos são praticamente imunes. No Brasil, até 30% das diarréias infantis são causadas 5 pela EPEC e não há reservatórios animais, sendo os portadores assintomáticos o eixo da transmissão. Recentemente foi descrita uma variante das EPEC, a EPEC atípica emergente que está substituindo essas bactérias clássicas e essas variantes, provavelmente, apresentam um reservatório animal (ruminantes e cães). A via de transmissão é diferente, pois nas EPEC atípicas ocorre através do contato com os animais e nas típicas através da água e alimentos contaminados. Na maioria das populações fezes e águas não estão se misturando tanto assim, e, portanto, as EPEC clássicas são cada vez mais raras. Essa bactéria produz uma lesão característica no intestino das crianças, a lesão “attaching-effacing” com o desaparecimento das microvilosidades da superfície apical dos enterócitos. O que você tem é um pedestal ao qual a bactéria se adere intimamente. Esses genes de virulência estão reunidos em uma ilha de patogenicidade chamada de LEE. A bactéria adere monta o sistema de secreção do tipo três e esse sistema injeta proteína secreta no interior do enterócito e mobiliza o citoesqueleto e forma uma projeção da membrana. Isso pertuba o fluxo de líquidos e causa diarréia. Concluindo, a E.coli enteropatogênica causa diarréia infantil epidêmica que acomete crianças menores de 2 anos e ocorrem como surtos em berçários e enfermarias, mas também podem ocorrer na forma endêmica. Pode ser causada por Rotavírus. Diarréia do desmame: geralmente autolimitada, cede com hidratação, mas pode evoluir para diarréia persistente. Diarréia persistente: também chamada de crônica ou protraída, tem duração prolongada de cerca de 14 dias e é muito grave gerando grave deterioração do estado nutricional. É comum no nordeste, onde 63% das crianças abaixo de 5 anos em favelas estão associadas com essa infecção. São causadas pela E.coli enteroagregativa. Diarréia do viajante: acomete indivíduos que moram em países desenvolvidos que viajam para países menos desenvolvidos e se expõe a bactérias aos quais não são expostos habitualmente por conta das boas condições sanitárias. Logo, eles não têm imunidade. A diarréia é de início agudo, dura de 1 a 5 dias e é aquosa. Causada por ETEC ou EPEC. Diarréia sanguinolenta associada a síndrome hemolítica urêmica (SHU): é um quadro infeccioso que vem crescendo em todo mundo e é muito preocupante. Nos EUA e na Europa são os agentes mais comuns nos adultos, as Echerichia coli produtora de toxina Shiga e Echerichia coli enterohemorrágica, especialmente. A mais importante dela é do sorogrupo O157:H7. Causam colite hemorrágica (CH), síndrome hemolítica urêmica (SHU) e púrpura trombocitopênica trombótica (PTT). A SHU e a PPT são complicações da colite hemorrágica. Primeiro o individuo tem diarréia e uma fração evolui para SHU e PTT. Podem ocorrer casos esporádicos ou surtos epidêmicos e a transmissão é zoonótica, está associado a alimentos a partir de um reservatório animal. Sendo assim, a transmissão se dá através dos alimentos de origem animal (bovino) porque essas bactérias habitam intestino dos bois e no momento do abate há contaminação. Legumes e vegetais que foram eventualmente irrigados com esterco desses animais, água com fezes desses animais, sucos de frutas e contaminação cruzada também podem ser formas de transmissão. A contaminação cruzada pode ocorrer no preparo dos alimentos, quando, por exemplo, cortamos a carne contaminada sobre uma tábua e sobre essa mesma tábua cortamos um alimento que será ingerido cru, como a alface. Ocorre a contaminação da alface. A transmissão interpessoal é rara. O esterco do boi contaminado eram misturados a frutas e outros alimentos que quando ingeridos crus transmitiam a bactéria. Formas exsudativas ou diarréia inflamatória: no material fecal é encontrado leucócitos, restos de epitélio, polimorfos nucleares, fragmentos de muco contendo 6 bactérias. Estava ocorrendo uma reação inflamatória na mucosa intestinal. Essas bactérias não produzem simplesmente toxinas. Elas invadem os enterócitos, destroem essas células e causam uma reação inflamatória local. Nas fezes são encontrados exsudato inflamatório, sangue decorrentes dessa inflamação. São duas formas: as gastrenterites e disenterias bacterianas. Gastrenterite: denominada também diarréia alta. São de início súbito e há presença de dores abdominais, náuseas, cefaléia, vômitos, fezes líquidas com muco, leucócitos e raras hemácias. Em adultos a evolução geralmente é benigna. Em crianças, no entanto, há potencial para ocorrência de septicemia, já que o principal agente etiológico são as Salmonelas, bactérias reconhecidamente invasoras. Assim, gastroenterites em crianças devem ser monitoradas, pois pode evoluir para uma complicação grave. A Salmonela apresenta reservatório animal (frangos, suínos e bovinos) e a transmissão se dá, desse modo, pela ingestão de alimentos de origem animal contaminados (ovos, leite, carne, embutidos). Além disso, há outra fonte de risco importante e frequentemente esquecida que é o contato com animais domésticos, como répteis, cães, aves e gatos, pois estes podem ser reservatórios de Salmonela e a criança ao manusear esses animais e entrar em contato com suas fezes podem se contaminar. A via de transmissão é fecal-oral. No Brasil, existem duas principais espécies de Salmonella envolvidas nas diarréias exsudativas, ambas muito agressivas, a Salmonella typhimurium e a Salmonella enteritidis. Contudo, há uma variação regional muito grande o que significa que as duas não estão presentes no Brasil inteiro, há perfis diferentes nas regiões, mas ainda assim essas duas espécies são as mais prevalentes. Transmissão: animais de estimação (tartarugas tem Salmonellas em seu intestino), ovos, carnes de aves, contaminação cruzada e alimentos de origem animal. Causam salmoneloses ou gastroenterites e uma espécie, a Salmonella typhi, causam febre tifóide. A S.typhi não tem reservatório animal, tem somente reservatório humano e, assim sendo, é uma doença exclusivamente humana transmitida por vias diferentes das salmoneloses. A via de transmissão é a ingestão de água contaminada por fezes de um portador assintomático. O intestino é somente a porta de entrada para S.typhi. Para causar gastroenterite, as Salmonellas aderem ao epitélio do intestino delgado, através da interação com as mucosas da placa de Peyer. Adesinas bacterianas participam desse processo. Após isso elas invadem os enterócitos usando o sistema de secreção do tipo III. O enterócito se dobra e a bactéria é internalizada através da endocitose. Ficam no interior do enterócito se multiplicando e destruindo as células e por isso geram reação inflamatória. Produzem duas enterotoxinas que auxiliam o processo. Presença de leucócitos e sangue nas fezes. As salmonelas colonizam o intestino delgado e através das células M conseguem ter acesso ao interior do enterócito e podem ter acesso pela região apical ou basolateral. Mobilizam a membrana e a bactéria é internalizada. Há uma reação inflamatória tentando conter o processo. Disenterias bacterianas: quadro exsudativo mais graves que as gastroenterites. São causadas pela invasão do epitélio do intestino grosso. Ocorre destruição celular, produção de úlceras na mucosa, reação inflamatória intensa e sangramentos. As fezes contêm muco, pus, sangue e restos epiteliais. Existem disenterias amebianas, clinicamente semelhantes às bacterianas. Há dores abdominais, tenesmo (urgência), prostação, cefaléia e vômitos. Não há tendência a septicemia. A 7 salmonela tenta invadir, mas a Shigella é mais local, produz reação inflamatória local e não faz invasão. As principais espécies no Brasil são: Shigella flexneri, Shigella sonnei e Escherichia coli enteroinvasora (EIEC). A EIEC tem o mesmo mecanismo de ação da S.flexneri. Slide 43: a bactéria se aproxima do epitélio no intestino grosso e a célula M captura a bactéria em um fagossoma. Promove a lise do fagossoma e a apoptose do macrófago. Penetra no enterócito vizinho pela região basolateral e no interior inicia a multiplicação e passa de uma célula pra outra e acama destruindo toda essa região, formando úlceras bem redondas. Ao corar o material fecal de um portador de Shigella com o GRAM nota-se a presença de leucócitos fecais. A presença desses polimorfos nucleares caracteriza a diarréia exsudativa. Diagnóstico das infecções bacterianas do TGI: São muitos agentes capazes de gerar a infecção no TGI. Portanto, há necessidade de isolar cada um desses agentes para diagnostico. Isso se faz através da coprocultura, que é o cultivo do material fecal. Para que a coprocultura seja bem sucedida é preciso que o bacteriologista receba informações adequadas dos médicos. O bacteriologista não pode simplesmente buscar por dez possíveis agentes patogênicos. É preciso que haja um direcionamento para o patógeno mais provável e esse direcionamento é informado pelo médico. O material fecal deverá ser coletado na fase aguda da diarréia, visto que nesse momento a densidade de bactérias é maior. É recomendável que a coleta seja feita antes do início da terapêutica antimicrobiana. O ideal é enviar três espécimes fecais para coprocultura, porém normalmente só se coleta uma espécime. Quanto maior o número de coleta, maior a chance de isolamento, porém, no mundo real isso é caro e complicado e, desse modo, uma espécime bem coletada já está de bom tamanho. Quando coletar o material fecal selecione porções do material fecal contendo muco, pus ou resto do epitélio, pois é exatamente nessa região que será encontrado as bactérias aderidas. Swab retal podem ser utilizados, porém não são adequados na suspeita de shigelose. Na suspeita de disenteria bacteriana deve fazer a corpocultura selecionando material fecal com pus, sangue, muco ou restos epiteliais, visto que o swab material recolhe uma amostra muito pequena. Quando se estiver pesquisando convalescentes ou portadores assintomáticos é preciso a coleta de três amostras fecais obtidas em intervalos regulares. Frequentemente não se faz essa pesquisa de portadores. SEMPRE INFORMAR AO LABORATÓRIO A IDADE DO PACIENTE E A SUSPEITA CLÍNICA! São elementos vitais para que o bacteriologista determine o que será pesquisado, o que é mais provável. Por exemplo, em um adulto não se pesquisa E.coli enteropatogênica. Material coletado laboratório cultura primária (dependendo da suspeita se escolhe os meios de cultura mais adequados) 24h depois o bacteriologista observa as placas e suspeita de uma colônia identificação bioquímica da provável colônia que leva 24h antibiograma que leva mais 24h. Desse modo, o resultado final só sai em 48h no mínimo e em 72h é o usual. Existe uma etapa chamada de enriquecimento que favorece muito a cultura de Shigella e Salmonella, mas leva mais 24h. A partir daí se faz um cultura secundária e o resultado demora 96h. 8