4º Episódio da Série Especial "Cérebro, Máquina de Aprender"

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Edição do dia 21/03/2013 - 22/03/2013 00h44 - Atualizado em 22/03/2013 01h14
http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2013/03/projeto-pioneiro-une-neurocienciaeducacao-em-escolas-no-brasil.html
Projeto pioneiro une neurociência à educação em escolas no Brasil
Iniciativa é do neurocientista Miguel Nicolelis.
Neurociência explica e melhora desempenho de esportistas.
Christiane Pelajo
Este é o quarto episódio da série especial "Cérebro, máquina de aprender". Durante toda
a semana, o Jornal da Globo mostrará que a aplicação da neurociência, a ciência que estuda o
cérebro, é capaz de resultados excepcionais na vida das pessoas.
Parece bem difícil fazer a ultrapassagem na Fórmula 1, ainda mais a 300 quilômetros por hora,
mas, para os pilotos profissionais, não é. Até porque, em muitos momentos, eles enxergam
como se estivesse em “slow motion”.
“Você está atrás de um carro, e a reação é muito rápida. Tem que decidir rápido demais, mas a
sua decisão, você acaba enxergando em câmera lenta. Mais ou menos imagina a reação do
carro da frente também”, diz o piloto Felipe Massa.
Não são só os pilotos de Fórmula 1 que têm essa sensação. Uma pesquisa feita por
neurocientistas de uma universidade da Inglaterra provou isso.
A maioria dos laboratórios de neurociência de Londres fica em volta da Queen Square, a
"praça rainha". Foi no Instituto de Neurociência Cognitiva da University College que foi feita
uma pesquisa comprovando essa percepção de muitos atletas.
O profissional está tão treinado, tão condicionado para, por exemplo, devolver uma bola em um
jogo de tênis ou ultrapassar um carro, no caso de um Piloto de Fórmula 1, que o cérebro dele
tem a ilusão de ter mais tempo pra fazer aquela ação. Essa ilusão, claro, é sempre muito bemvinda.
O responsável pelo estudo é o neurocientista japonês Nobuhiro Hagura, que recebeu a equipe
do Jornal da Globo no laboratório dele, na capital inglesa. Hagura diz que, com a ilusão de ver
tudo em câmera lenta, fica mais fácil para o piloto profissional fazer a ultrapassagem, já que ele
consegue processar com mais detalhes as informações que entram no cérebro dele.
Há exercícios que intensificam ainda mais essa percepção, como o que o piloto Bruno Senna
faz antes das corridas. Parece uma brincadeira boba, mas está longe disso.
O piloto usa um óculos criado especialmente para este tipo de treinamento. É como se a lente
ficasse piscando. A impressão é a de que estão acendendo e apagando as luzes. “Depois,
você tira os óculos, e fica um pouco mais lento. O tempo na sua frente fica um pouco mais
lento, porque você está vendo muito mais do que estaria vendo com o óculos. É como se você
estivesse fazendo o seu cérebro usar mais a informação que ele tem”, afirma Bruno.
Era exatamente o que fazia o tio de Bruno, Ayrton Senna. Ele conseguia usar, como poucos,
as informações que tinha e, sempre, impressionava os mecânicos. “O cara conseguia acertar o
carro sentindo no corpo dele as nuances do asfalto, que a telemetria da Honda não conseguia
detectar. Então o corpo dele era um transdutor para o cérebro dele que ultrapassava a
tecnologia”, diz o neurocientista Miguel Nicolelis, chefe do departamento de neurociência da
Universidade Duke (EUA).
Mas quantos Ayrtons existem? Se depender de Nicolelis, cada vez veremos mais brasileiros
geniais no que fazem. O neurocientista já está fazendo a parte dele. Em Macaíba, na região
metropolitana de Natal, no Rio Grande do Norte, há um projeto pioneiro e ambicioso, que une
neurociência à educação: o Campus do Cérebro, criado por Miguel Nicolelis.
A obra começou em 2010 e já impressiona pelo tamanho. É uma mega estrutura no meio de
uma zona rural. Não há nada em volta. A construção deve ficar pronta ainda este ano. Será
uma escola de tempo integral para 1.500 crianças ao lado de um grande centro de pesquisa de
neurociência.
“A ideia é começar no pré-natal. Acompanha-se a mãe e a criança, cria-se um histórico, e aí a
gente acompanha essa criança ao nascer até o final do Ensino Médio, agora em uma escola
própria do Campus do Cérebro, onde as crianças vão poder ficar em tempo integral, desde o
nascimento até o final do Ensino Médio”, afirma Nicolelis.
Não será a primeira experiência da equipe de Nicolelis em sala de aula. Desde 2007, eles são
os responsáveis pelo projeto Educação Para Toda Vida, para jovens de dez a 15 anos. Em
dois colégios no Rio Grande do Norte e um na Bahia, 1.500 alunos participam de aulas em
laboratórios, oficinas de biologia, computação, ciências, robótica. “Em casa, ajudo a minha
mãe, Quando quebra alguma coisa, eu a ajudo”, diz o aluno Adrian Everton Barbosa.
As aulas que eles têm são extracurriculares e apenas duas vezes por semana. Os alunos
vieram de escolas públicas da região, onde continuam estudando, mas agora têm dois
colégios, cada um em um turno.
“Nós fomos a escolas com dificuldades porque a minha proposta era essa mesma. Eu quero ir
a um lugar onde ninguém iria, eu quero ir a um lugar onde as crianças jamais receberiam essa
atenção”, diz Nicolelis.
O currículo é totalmente prático, inspirado no conhecimento neurocientífico de que o cérebro
aprende por associação. “Quando a gente associa à prática, leva isso para o resto da vida”,
afirma o professor André Ricardo Bandeira de Carvalho.
Os resultados são animadores. “O que eu estou percebendo desde o início do projeto, é,
exatamente, o comprometimento dos alunos”, diz Itamar Bezerra da Nóbrega Neto, professor e
coordenador da Oficina de Robótica.
“Eles passaram a ter um maior empenho nos estudos, passaram a ter um maior desejo de
aprender”, afirma Dora Maria Montenegro, diretora do instituto. O projeto, que mudou a
realidade desses alunos, deve servir de exemplo para outras escolas brasileiras.
“A escola tem que abrir a imaginação dessas crianças para o impossível. Elas têm que sonhar
com o impossível, porque mesmo que elas não cheguem lá, o caminho para chegar ao
impossível sempre vai dar lucro. Você sempre vai fazer alguma coisa que vale a pena”, diz
Nicolelis.
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