Visão geral sobre o crime de calúnia

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Visão geral sobre o crime de calúnia
Edilson Pereira de Oliveira Filho *
Conforme trata o Art. 138 do Código Penal, caluniar é imputar a alguém, um fato concreto,
definido como crime, onde o agente tem a consciência da falsidade desta imputação.
Segundo esta definição, o crime de calúnia exige três condições: a imputação de fato
determinado, sendo este qualificado como crime, onde há a falsidade da imputação.
Assim, deve a imputação se consubstanciar em fato determinado, ou seja, deve haver a
descrição de um acontecimento concreto, onde o mesmo deve ser especificado, não
bastando a afirmação genérica. Então, se apenas for atribuída uma má qualidade à vítima,
como por exemplo, chamar o sujeito de ladrão, sem a ele atribuir um fato, configura-se o
crime de injúria, não o de calúnia, já que não houve um fato determinado.
Do mesmo modo, deve o fato imputado à vítima ser definido como crime, isto é, deve o
fato descrito encontrar correspondência no Código Penal. Não há necessidade de o agente
indicar qual o crime descrito, mas apenas de narrar um fato que configure o crime, com
todas as circunstâncias da infração. Se por exemplo, um indivíduo diz que um outro é
anotador do jogo do bicho, não se trata de calúnia, pois o fato imputado não é crime, mas
sim contravenção. Tratando-se portanto de difamação.
Além disso, deve haver a falsidade do fato, onde haja a consciência do agente, quanto esta
falsidade. No caso do agente acreditar que aquela imputação é verdadeira, crendo no que
está falando, não poderá ser enquadrado no crime de calúnia, ocorrendo o erro do tipo, que
afasta o dolo. A falsidade pode ser quanto à existência do fato, onde o agente narra o fato
sabendo que não ocorreu e, quanto à autoria, visto que o fato existiu, porém, o agente sabe
que a autora não foi à vítima. Assim, se o agente divulga um fato e esse é verdadeiro, não
ocorre o crime de calúnia.
Ensina, o Professor Luiz Régis Prado, ( in Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte
Especial, 2002), a respeito da calúnia, verbis:
“A conduta típica consiste em imputar (atribuir) a alguém falsamente a prática de fato
definido como crime. (...) Frise-se, ainda, que o fato imputado deve ser determinado. Tal
não implica a necessidade de descrição pormenorizada, isto é, não é preciso que o agente
narre em detalhes, sem omitir suas mais específicas circunstâncias. Basta que na
imputação se individualize o delito que se atribui, mesmo que o relato não seja
minuncioso. Os fatos genericamente enunciados, porém, não configuram calúnia, mas
injúria” (grifou-se);
No mesmo sentido, ensina o renomado José Henrique Pierangeli ( in Manual de Direito
Penal Brasileiro - Parte Especial, 2005), acerca do crime de calúnia, verbis:
“Imputação da prática de um fato determinado, ou seja, concreto, específico. Faz-se
indispensável que o agente, de modo expresso, precise o fato e em que circunstâncias o
mesmo se deu, mas não se exige que se as pormenorize, ou seja, que se faça necessária
uma descrição pormenorizada; sendo suficiente uma síntese lógica, inteligível ou
compreensível por todos. A atribuição de generalidades ou circunstâncias de fato
suscetíveis de interpretação dispares não configura um delito de calúnia, pelo que sequer
pode compor e justificar uma queixa-crime” (grifou-se).
A jurisprudência pátria é pacífica quanto a estes requisitos, devendo sempre estar presente a
imputação de fato falso e determinado, sendo qualificado como crime. Vejamos:
“Para que a calúnia se tipifique, é necessário que tenha sido imputado fato determinado
e não apenas atribuída má qualidade, pois o que esta pode configurar é injúria.”
(TACrSP, RT 570/336).
“No fato imputado precisam estar presentes todos os requisitos do delito, ou não se
poderá falar em fato definido como crime e, conseqüentemente, em calúnia.” (STF, RTJ
79/856).
“Não basta à afirmação genérica, sendo necessária a imputação de fato que o constitua
crime com todas as circunstâncias da infração.” (TJDF, RDJTJDF 43/257).
“Não há crime se o fato for verdadeiro.” (TJPR, RF 259/271).
“Queixa-crime - Crime de calúnia - Fato criminoso não determinado - Imputação atípica
- Ausência de justa causa para a ação penal - Rejeição. Imputação vaga e imprecisa de
que determinadas pessoas teriam afrouxado os parafusos das rodas do veículo do
Prefeito Municipal - parte querelada na presente ação - é insuficiente para caracterizar o
fato típico do crime de calúnia.(TJMG, processo nº 1.0000.00.326641-8, Relator Des.
LUIZ CARLOS BIASUTTI.)
Desta maneira, se um morador de um prédio diz, sabendo que é mentira, que o síndico
roubou as três últimas cotas condominiais e que as utilizou para realizar obras no seu
apartamento (ele está sendo acusado de apropriação indébita), ocorre o crime de calúnia,
pois está presente a imputação de um fato determinado, qualificado como crime, onde o
agente tem a consciência da falsidade da imputação.
Partindo para a descrição do crime de calúnia, deve se analisar o sujeito ativo e passivo do
crime. O sujeito ativo do crime de calúnia pode ser qualquer pessoa, pois se trata de crime
comum. Quanto ao sujeito passivo, também pode ser qualquer pessoa. Porém, existem
algumas questões sobre a possibilidade de figurar como sujeito passivo: nos casos dos
inimputáveis, das pessoas jurídicas e dos mortos. No caso dos inimputáveis, é possível que
os mesmos se enquadrem como sujeito passivo, já que nada impede estes de praticar um
fato descrito como crime, mesmo que por este não possa ser responsabilizado
criminalmente. Já a pessoa jurídica não pode ser o sujeito passivo, havendo apenas uma
exceção, quando o fato versar sobre crimes ambientais, pois a partir da Lei n° 9.605/98, a
pessoa jurídica passou a poder cometer tais crimes. Já o morto não pode ser sujeito passivo,
pois não tem personalidade jurídica. No entanto, de acordo com o § 2º, "é punível a
calúnia contra os mortos". Neste caso, o sujeito passivo é a família do morto, mas não o
morto.
A respeito deste assunto, são inseridas algumas decisões do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, verbis:
“Calúnia. Difamação. Competência. O procedimento dos crimes contra a honra é
especial, estando disciplinado no Capítulo III, Título II do Livro II do Digesto
Processual Penal. Por sua própria localização sistemática vê-se claramente tratar-se de
procedimento incomum, não podendo, pois, ser julgado pelo Juizado Especial Criminal
por vedação expressa do art. 61 da Lei nº 9.099/95. Calúnia. Vítima menor.
Possibilidade. O crime de calúnia pode ser praticado contra vítima inimputável, pois a
norma do art. 138 do CP refere-se à imputação falsa de fato definido como crime e não à
falsa imputação da prática de crime. Ora, fato definido como crime é sinônimo de
conduta típica. Basta, pois, a falsa imputação de conduta típica à vítima para a
caracterização do crime de calúnia, sendo irrelevante, portanto, sua inimputabilidade
penal.”(TJMG, processo nº 2.0000.00.330065-6, Relator Des. ERONY DA SILVA)
“PESSOA JURÍDICA - VÍTIMA DE CRIME CONTRA A HONRA INADMISSIBILIDADE - QUEIXA-CRIME LIMINARMENTE INDEFERIDA HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - IMPOSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE
RELAÇÃO PROCESSUAL FORMADA. A pessoa jurídica não pode figurar no sujeito
passivo do crime de calúnia, pois, em regra, falta-lhe capacidade penal para delinqüir e
como não possui o sentimento próprio de dignidade ou de decoro, só poderá ser vítima de
difamação, nunca de calúnia ou injúria. Embora as ações penais por crimes de iniciativa
privada admitiam a condenação em verbas sucumbenciais, havendo o indeferimento da
inicial acusatória são os mesmos incabíveis, por ainda inexistir relação processual
formada. Recurso parcialmente provido.” (TJMG, processo nº 2.0000.00.360970-1,
Relator Des. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS)
O bem jurídico protegido pelo delito de calúnia é a honra objetiva, isto é, a reputação do
indivíduo, aquilo que o agente entende que goza em seu meio social. Já o objeto material é
a pessoa contra qual são dirigidas as imputações ofensivas à sua honra objetiva.
A consumação da calúnia se dá quando um terceiro, passa a conhecer da imputação falsa de
fato definido como crime. A tentativa pode ocorrer dependendo do meio pelo qual é
executado o delito. Se por exemplo, for através de documento escrito, onde uma pessoa está
preparando folhetos caluniosos contra outro e, está prestes a distribuí-los, sendo
interrompido por este, ocorre a tentativa, pois houve o início da realização do tipo, que não
se findou por motivos alheios à sua vontade.
Leciona o Professor Magalhães Noronha, (in Direito Penal, Ed. Saraiva, 2000), a respeito
da honra objetiva e consumação do crime de calúnia, verbis:
“Consuma-se a calúnia quando a imputação falsa se torna conhecida de outrem, que
não o sujeito passivo. Neste sentido, é necessário haver publicidade, pois, de outro modo
não existirá ofensa à honra objetiva, à reputação da pessoa”.
O Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, nos autos do Recurso Ordinário em
Habeas Corpus, nº 5134, da lavra do Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, já
tratou sobre a consumação do crime de calúnia e sua honra objetiva, verbis:
RHC - PENAL - PROCESSUAL PENAL - CALÚNIA – DIFAMAÇÃO - INJÚRIA DECADÊNCIA - OS CRIMES DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO OFENDEM A
CHAMADA HONRA OBJETIVA. A CONSUMAÇÃO OCORRE QUANDO TERCEIRO
(EXCLUÍDOS AUTOR E VÍTIMA) TOMAM CONHECIMENTO DO FEITO. A
INJÚRIA, AO CONTRÁRIO, PORQUE RELATIVA À HONRA SUBJETIVA QUANDO
A IRROGAÇÃO FOR CONHECIDA DO SUJEITO PASSIVO. A DECADÊNCIA,
RELATIVA À INJÚRIA, TEM O TERMO "A QUO" NO DIA DE SEU
CONHECIMENTO.
O elemento subjetivo do tipo é a vontade específica de ofender a honra da vítima (animus
calumniandi), devendo haver o dolo que pode ser direto ou eventual. Então, só pratica
crime contra a honra, aquele que tiver o propósito manifesto de ofender a honra, onde há o
animus calumniandi. Se uma pessoa conta para outra o que ouviu, ela simplesmente está
agindo com animus narrandi. Um acusado quando diz ao juiz que outra pessoa cometeu o
crime que está sendo imputado a ele, está agindo com animus defendendi. Se o indivíduo
está querendo fazer uma brincadeira, está agindo com animus jocandi. Se estiver
aconselhando alguém, age com animus consulendi. Nenhuma destas hipóteses se enquadra
na calúnia.
Do mesmo modo, a Professor Heleno Cláudio Fragoso ( in lições de direito penal, parte
especial, volume 2), afirma que a vontade de ofender deve ser específica, verbis:
"Em conseqüência, não se configura o crime se a expressão ofensiva for realizada sem o
propósito de ofender.É o caso, por exemplo, da manifestação eventualmente ofensiva
feita com o propósito de informar ou narrar um acontecimento (animus narrandi), ou
com o propósito de debater ou criticar (animus criticandi)..."
A jurisprudência, já é pacífica quanto a esse assunto, verbis:
Não há crime de calúnia quando o sujeito pratica o fato com ânimo diverso, como ocorre
nas hipóteses de animus narrandi, criticandi, defendendi, retorquendi, corrigendi e
jocandi" (STJ - Ação Penal - Rel. Bueno de Souza).
CRIME CONTRA A HONRA DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO - CALÚNIA ABSOLVIÇÃO - ANIMUS DEFENDENDI - CONDENAÇÃO - DOLO ESPECÍFICO RECURSO NÃO-PROVIDO - SENTENÇA MANTIDA. A intenção de defender (animus
defendendi) neutraliza a intenção de caluniar (animus caluniandi), visto que não houve
o elemento intencional, consciência e vontade de lesar a honra objetiva de outrem.
(TJMG, Processo nº 2.0000.00.347651-3, Relatora MARIA CELESTE PORTO).
CRIMINAL. RESP. CALÚNIA. DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. ABSOLVIÇÃO.
CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCURSÃO. INVIABILIDADE. NÃO
CONHECIMENTO. RECURSO NÃO CONHECIDO. I. Indispensabilidade do dolo
específico (animus calumniandi), ou seja, a vontade de atingir a honra do sujeito
passivo, para a configuração do delito de calúnia. II. Se o Tribunal a quo afastou o
crime de calúnia, sob o entendimento de que o réu não teve a intenção de ofender a
honra do magistrado, pois se insurgia contra a procrastinação do andamento do feito
prejudicial ao seu cliente, não pode esta Corte modificar tal entendimento sem incursão
no mesmo contexto fático-probatório,diante do óbice da Súmula 07/STJ.III. Recurso não
conhecido.(STJ, RESP 711891, Relator GILSON DIPP)
O §1° do art. 138, trata do agente que propala ou divulga a calúnia. Propalar é relatar
verbalmente e divulgar é relatar utilizando outros meios (megafone, panfleto e etc). Este
parágrafo visa punir aquele que ouviu e a espalhou enquanto, o caput visa punir o precursor
da mentira. Basta contar à uma pessoa o fato determinado e falso que tomou conhecimento,
com o objetivo de ofender a honra de outrem, que o agente vai se enquadrar neste
parágrafo, incorrendo na mesma pena do precursor da mentira. Neste subtipo deve sempre
haver o dolo direto e não ocorre a tentativa.
Da mesma forma, o § 2° do art. 138, diz ser punível a calúnia contra os mortos. O Código
Penal presume que a memória do morto deve ser preservada, impedindo que seus parentes
sejam atingidos, mesmo de forma indireta. Assim, o sujeito passivo não é o morto, que não
tem personalidade jurídica, mas os seus familiares.
Por último, o § 3° do art. 138 do CP, faculta a possibilidade ao agente de provar que é
verdadeira a imputação atribuída ao sujeito passivo. É a chamada EXCEÇÃO DA
VERDADE. Isto deve ocorrer no momento em que o ofendido for processado pela prática
caluniosa, mais especificamente no momento da Defesa Prévia do agente.
Porém, existem casos em que há presunção absoluta da falsidade, determinada pela própria
lei: “I - crime de ação privada sem condenação definitiva”, quando a ação penal for
privada, enquanto estiver pendente de julgamento a ação penal, não poderá ser argüida a
exceção da verdade; “II - a vítima é Presidente da República ou Chefe de governo
estrangeiro”, no caso do Presidente da República, isto se dá em razão do respeito ao cargo,
para evitar tumultuar a presidência. No caso dos chefes de governo estrangeiro, isto se dá
para evitar um incidente diplomático; “III - crime, embora de ação pública, com
absolvição irrecorrível”, ocorre quando o sujeito passivo, já tem uma decisão judicial
dizendo que ela não cometeu o crime que lhe foi imputado. Neste caso, não cabe exceção
da verdade, pois ofenderia a coisa julgada.
A pena estabelecida ao crime de calúnia é a de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e
multa. Segundo o § 1° do art. 138 do Código Penal, para àquele que, sabendo falsa a
imputação, a propala ou divulga, também é aplicada a mesma pena.
Como regra, a ação penal é exclusiva de iniciativa privada (art. 145 do CP). Será pública
condicionada quando: a) praticada contra Presidente da República ou contra chefe de
governo estrangeiro (a Requisição do Ministro da Justiça); b) contra funcionário público,
em razão de suas funções (a representação do ofendido) (art. 145, parágrafo único).
Referências Bibliográficas
GRECO, Rogério. Curso direito penal: 3ª ed. Niterói – RJ: Editora Impetus, 2007,v. 2.
PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial – arts. 121 a 183.
1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, volume 2.
DELMANTO, Celso. Código penal comentado: 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
FRAGOSO, Heleno Cláudio; Lições de Direito Penal: Parte Especial, vol. 2; 10ª Ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1988.
PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 8. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005, v. 2.
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 2.
* Estudante do curso de Direito do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ – PB.
Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/x/35/11/3511/
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