TAXA DE JUROS, TAXA DE CÂMBIO E METAS DE INFLAÇÃO

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TAXA DE JUROS, TAXA DE CÂMBIO E METAS DE INFLAÇÃO
Franklin Serrano
Para os defensores e muitos de seus críticos, a política macroeconômica implementada no
Brasil nos últimos anos contém dois elementos centrais: o regime de câmbio flexível e o
sistema de metas inflacionárias no qual a taxa de juros é fixada com o intuito de controlar a
demanda agregada e, através dela, a inflação. Os defensores argumentam que esta é “a melhor
combinação de políticas macroeconômicas que o país já teve”. Para os críticos, é esta política
que está condenando o país a um crescimento medíocre.
O problema com estas duas visões é que o Brasil não tem propriamente um regime de câmbio
flexível; e os juros não são realmente fixados com o objetivo central de conter a demanda
agregada.
Comecemos pelo suposto regime de câmbio com livre flutuação. Em tal regime o governo não
compra nem vende divisas – as flutuações das reservas são mínimas. A taxa de juros nominal
fixada pelo Banco Central é menos instável e não tem qualquer relação mais sistemática com
a taxa de câmbio já que é fixada para controlar a demanda agregada e não o preço do dólar.
Nada disso se observa no Brasil de meados de 1999 até o início de 2006. Houve grandes
flutuações e substancial acúmulo de reservas internacionais (de cerca US$ 41 bilhões a algo
em torno de US$ 56 bilhões). A taxa de juros tem flutuado bem mais que a média mensal do
câmbio e há forte relação do diferencial entre a taxa de juros nominal interna e a taxa de juros
externa (juros americanos mais risco país do Brasil) e o nível da taxa de câmbio. A mudança
deste diferencial de juros interno e externo com freqüência precede as movidas do câmbio.
O regime cambial que existe mesmo no Brasil é de flutuações administradas (especialmente
via juros) se encaixa bem na categoria mais administrada e menos flexível (ou mais “suja”) da
bem-humorada taxonomia de Carmen Reinhart (“The Mirage of Floating Exchange Rates,”
American Economic Review, May, 2000) chamada de “quase-paridade mal disfarçada sem
credibilidade”.
Vejamos agora como funciona realmente o sistema brasileiro de metas de inflação e por que a
taxa de juros não é fixada com o objetivo de controlar a demanda agregada.
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Em primeiro lugar, o impacto da taxa de juros na demanda agregada é altamente instável e
difícil de prever, em parte porque o investimento privado em máquinas e equipamentos não
responde diretamente aos juros e sim ao crescimento esperado da demanda e em parte porque
o forte efeito da variação dos juros sobre o consumo varia muito de acordo com a
disponibilidade de crédito (inclusive consignado) e o crescimento da massa de salários.
Em segundo lugar, a demanda não afeta diretamente o crescimento dos preços dos produtos
importados e exportáveis, que seguem o câmbio e as variações dos preços internacionais, nem
as tarifas de serviços públicos privatizados, que são reajustados por contratos indexados
(atrelados a um índice de preços muito afetado pelas flutuações cambiais). Por isso há no
Brasil uma forte relação entre desvalorizações cambiais e aumento dos preços por atacado e
monitorados.
Em terceiro lugar, no Brasil a demanda não tem tido impacto mais sistemático nem sobre os
chamados preços livres. Estudos econométricos não têm conseguido estabelecer uma relação
sistemática entre pressão de demanda e variação dos preços livres.
E de fato, num prazo que não pode ser muito longo, sob pena de inviabilizar a produção, os
preços de todos os bens produzidos – mesmo os dos setores mais competitivos – também são
determinados pelos custos e, portanto, muito afetados, direta e indiretamente pelo impacto do
câmbio nas tarifas e preços por atacado.
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No gráfico, vemos como os preços livres, e mesmo os preços dos produtos não exportáveis,
oscilam muito, mas respondem, com uma defasagem de poucos meses, às variações do
câmbio. Julia Braga (doutoranda do IE-UFRJ) estimou que cada aumento de R$1 na taxa de
câmbio elevou a inflação dos preços livres em 0,84% ao mês de 2002 a 2005.
Portanto, a inflação sistemática no Brasil atual é fundamentalmente de custos (e não de
demanda) e pode ser inteiramente explicada por choques de oferta (tanto do câmbio quanto de
altas dos preços internacionais das commodities e do petróleo) e pela inércia, que é apenas
parcial, dada a desindexação formal dos salários e o baixo poder de barganha dos
trabalhadores.
Combinando a forte relação entre a taxa de juros e o câmbio com o fato de que a inflação no
Brasil atual é fundamentalmente de custos (e não de demanda) e é muito afetada pelo câmbio,
podemos entender como o sistema de metas de inflação brasileiro realmente funciona.
O Banco Central maneja o diferencial de juros para valorizar o câmbio (e às vezes para evitar
desvalorizações) e levar a inflação para perto da meta, independentemente do governo não
saber direito qual será o impacto exato na demanda ou mesmo se a demanda terá algum efeito
permanente sobre os preços livres. Assim, o câmbio valorizado não é um subproduto
indesejável da política monetária e sim o instrumento principal de controle da inflação de
custos.
Neste contexto, o nível absurdo da taxa de juros interna parece ser um resultado inevitável da
curiosa estratégia de implementar um regime com metas de inflação fortemente declinantes de
meados de 1999 até o início de 2006, num período no qual de acordo com índices calculados
pelo próprio IPEA os níveis de preços internacionais das commodities subiram 72% e do
petróleo e derivados 283%!
Franklin Serrano é Ph. D. pela Universidade de Cambridge e professor do Instituto de
Economia da UFRJ (endereço eletrônico [email protected]). Este texto foi publicado no
jornal Valor Econômico, edição do dia 24 de março de 2006.
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