Coutinho, Luciano. "Conservadorismo submisso." São Paulo: Folha de São Paulo, 26 de março de 2000. FSP 26-03-00 Conservadorismo submisso LUCIANO COUTINHO Sob a pressão de repiques inflacionários e colocado no córner por um movimento de depreciação da taxa de câmbio em novembro do ano passado, o Banco Central abandonou sem pestanejar a política de redução da taxa de juros e reforçou os incentivos à entrada de capitais de curto prazo. O objetivo foi o de pôr a taxa de câmbio numa trajetória de valorizaçã o para conter as pressões inflacionárias. A guinada foi bem-sucedida: o fluxo cambial, que fora negativo em outubro e novembro, tornou-se positivo a partir de dezembro e a taxa de câmbio (que havia sido vivamente pressionada, chegando a ultrapassar a cotaç ão de R$ 2,00 por dólar) refluiu e enveredou na desejada trajetória de apreciação. Entre o pico do início de dezembro e a semana passada a taxa de câmbio apreciou -se em 14%, contribuindo decisivamente para acalmar as expectativas inflacionárias e para dissolver tensões de custo sobre matérias-primas, insumos importados e sobre os preços em reais da commodities. Assim, ultrapassados os fatores inflacionários sazonais e acidentais (produtos agrícolas, tarifas) que se haviam manifestado no último bimestre do ano passado, a inflação retomou uma trajetória cadente em fev ereiro e março. Os números mais recentes indicam uma queda da inflação corrente dos preços ao consumidor para um ritmo anual abaixo de 3%, o que sugere a existência de um espaço de queda dos juros de cerca de 4 pontos de percentagem. No entanto, o Comitê de Política Monetária (Copom), temeroso e conservador, manteve a taxa básica de juros em 19% ao ano na última quarta-feira, completando seis meses de imobilismo. A verdade é que a economia brasileira ainda é bastante vulnerável em suas contas externas e, sob monitoramento do FMI, está obrigada a cumprir duro ajuste fiscal. A política monetária está lamentavelmente manietada a metas trimestrais de inflação passada (critério pouco inteligente, pois o que interessa é a inflação corrente e futura). No plano da balança comercial, o desempenho brasileiro tem sido bisonho. Frustrou -se, em 1999, a expectativa de obtenção de um superávit (houve déficit de US$ 1,2 bilhão) e foi pouco expressiva a redução do de sequilíbrio externo em conta corrente, notadamente quando comparada às espetaculares reversões verificadas na Ásia. Quanto ao ano 2000, será difícil alcançar um superávit substancial (talvez não chegue a US$ 2,5 bilhões). Assim, embora atenuado, o grau de vulnerabilidade da economia permanece alto (o déficit externo caiu de US$ 34 bilhões para US$ 24 bilhões/ano, o que, somado às rolagens de dívidas anteriores, implica uma necessidade total de US$ 55 bilhões ao longo do ano 2000). Por isso, não há autonomia para reduzir os juros (é sempre bom lembrar que as taxas básicas de juros são de apenas 5,0% ao ano na Coréia do Sul e na China, países fortemente superavitários no comércio exterior). Continuamos à mercê das incertezas do cenário mundial, em meio a um processo delicado e perigoso de correção baixista na Bolsa de Nova York e de falta de um horizonte claro para os preços do petróleo. Sob essas condições, o nosso timorato Banco Central não ousa assumir riscos e prefere uma atitude duplamente oportunista: pro cura obter a curto prazo o máximo de ganho em termos de redução da inflação e acena com um viés de baixa dos juros como elemento de pressão para que o Congresso aprove sem mudanças a MP que fixou o salário mínimo em mesquinhos R$ 151,00. Há decerto o temor de que a inflação volte a incomodar no período de maio a junho, por fatores sazonais e pelo fato de que ainda estão por vir quase todos os reajustes de tarifas de serviços públicos. Mas isso não justifica tanto conservadorismo por parte do Ministério da Fazenda/BC. Num momento favorável de liquidez para os papéis das economias emergentes, a taxa de câmbio "administrada" via juros altos (o mesmo instrumento que criou e sustentou o Plano Real) tornou-se, outra vez, o pilar da política econômica. Eficaz a cu rto prazo para o controle da inflação, essa opção é, contudo, insensata porquanto má sinalizadora para as decisões privadas de investimento em substituição de importações e em criação de capacidade exportadora. Nesse curso, a consecução de um superávit com ercial sustentável e de grande escala ficará para as calendas e a economia brasileira seguirá submetida à desnacionalizante tirania dos mercados finance iros.