Bioensaios de toxicidade aguda com fármacos: diclofenaco de sódio e paracetamol Keila da Silva Machado a, Maressa Pomaro Casali b, Diego Moure Oliveira c, William Deodato Isique d, Maurício Augusto Leite e, Alessandro Minillo f. a, b, c, d, e, f: Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, Universidade Estadual Paulista, Avenida Brasil, 56, Ilha Solteira, Brasil. E-mail: [email protected] *Autor para correspondência: E-mail: [email protected] Palavras-chaves: Biomonitoramento, teste de sensibilidade, ecotoxicologia, Ceriodaphnia silvestrii Título abreviado: Bioensaios com fármacos ABSTRACT – The pharmacs represent a group of emergent environmental contaminants with high persistency in the aquatic environments. The presence of these xenobiotic compounds can come to generate a series of adverse effects in aquatic organisms, such as acute and chronic. The aim of this study was to determine the acute toxicity of sodium diclofenac and paracetamol in the Ceriodaphnia silvestrii in laboratorial conditions. In order to do so, jars containing organisms were separately exposed to six different concentrations (3.12; 6.25; 12.5; 25; 50 and 100 g.mL-1) of each compound, sodium diclofenac and paracetamol, including a control concentration kept in cultivation medium for each one of this compounds. The tests were run in the dark, in controlled temperature ((25 0C) and 48 hours duration, being the LC50-48h calculated using the program Trimmed Spearman-Karber. The diclofenac and paracetamol compounds’ LC50-48h were 25 and 41.88 g.mL-1, respectively. These results point to the risks of pharmacs’ presence in aquatic environments and the monitoring environmental agencies’ needs in overseeing the levels of these compounds that are disposed in the sewerage system’s effluents at big urban areas. RESUMO – Os fármacos representam um grupo de contaminantes ambientais emergentes com elevada persistência nos ambientes aquáticos. A presença destes compostos xenobióticos pode gerar uma série de efeitos adversos em organismos aquáticos, como agudos e crônicos. O objetivo desse estudo foi determinar a toxicidade aguda dos fármacos diclofenaco de sódio e paracetamol em Ceriodaphnia silvestrii em 1 condições de laboratório. Para tanto, lotes, contendo organismos, foram separadamente expostos a seis diferentes concentrações (3,12; 6,25; 12,5; 25; 50 e 100 g.mL-1) de cada um dos compostos, diclofenaco de sódio e paracetamol, incluindo uma concentração controle mantida em meio de cultivo para cada um destes compostos. Os testes foram realizados no escuro, com temperatura controlada (25 0C) e duração de 48 horas, sendo calculada a CL50-48h utilizando o programa Trimmed Spearman-Karber. As CL50-48h dos compostos diclofenaco e paracetamol foram 25 e 41,88 g.mL-1, respectivamente. Esses resultados apontam para os riscos da presença dos fármacos nos ambientes aquáticos e para as necessidades dos órgãos de monitoramento ambiental na fiscalização dos níveis desses compostos descartados nos efluentes de esgotos sanitários nos grandes centros urbanos. INTRODUÇÃO A evolução humana trouxe, de maneira direta e indireta, uma enorme gama de agentes poluentes aos cursos naturais de água, inclusive à parcela subterrânea do meio. Dentre essa gama de poluentes os fármacos representam uma linha de contaminantes ambientais. Estes compostos designam qualquer droga que seja utilizada com fim medicinal e são desenvolvidos para persistirem no meio mantendo suas propriedades químicas, que, se usadas irregularmente, podem causar a contaminação das águas doces. Resíduos de fármacos têm sido encontrados em diversas matrizes (Hilton e Thomas, 2003; Castiglioni et al., 2004) e as fontes de contaminação da água por fármacos, sejam eles de consumo humano ou animal, são inúmeras (Suchara, 2007). A mais significante rota de entrada de fármacos no ambiente aquático é através de estações de tratamento de esgoto (Bound e Voulvoulis, 2004). 2 Um ponto crítico na avaliação do impacto ambiental de fármacos em ambiente aquático é saber se existe um nível elevado dessas substâncias e se estes são suficientes para exercer efeitos adversos nos seres vivos. Segundo Suchara (2007), a presença de fármacos residuais no meio ambiente pode apresentar efeitos adversos em organismos aquáticos e terrestres, ocorrendo em qualquer nível da hierarquia biológica, tais como célula, órgão, organismo, população e ecossistema. Em termos de peculiaridade, esses grupos de compostos possuem uma série de agravantes, em razão de sua elevada persistência no meio aquático. Mesmo aqueles que possuem meia-vida curta são passíveis de causar exposições crônicas devido a sua introdução continua no ambiente. Mesmo se a concentração de alguns fármacos encontrados no ambiente for baixa, a combinação deles pode ter efeitos pronunciados devido ao mecanismo de ação sinérgica (Reis Filho et al., 2007). A avaliação ecotoxicológica aguda tem como objetivo identificar a variabilidade das respostas aos agentes entre as diferentes espécies, indicar a toxicidade comparativa e detectar contaminações agudas. No Brasil, os testes de toxicidade aguda vêm sendo empregados no monitoramento de efluentes industriais com o intuito de minimizar o impacto ambiental, avaliar a eficiência das estações de tratamento, bem como avaliar os requisitos para a obtenção e manutenção de licenças junto aos órgãos ambientais de alguns estados (Magalhães e Ferrão-Filho, 2008). A avaliação dos efeitos sobre os componentes biológicos, por meio do biomonitoramento e testes de toxicidade, representa uma forma mais efetiva para predizer ou detectar impactos diversos, pois enquanto as análises químicas identificam e quantificam alguns dos poluentes presentes, os bioensaios avaliam o efeito global destes sobre os sistemas bióticos, medindo a capacidade que os compostos químicos têm de 3 interferir nas vias bioquímicas celulares, causando-lhes efeitos adversos (Costa e Espíndola, 2000). Nesse contexto o biomonitoramento e a ecotoxicologia tornam-se úteis no estudo dos efeitos causados pelos fármacos no ambiente, bem como no monitoramento de corpos d’ água. Considerando estes aspectos, o objetivo deste estudo foi de determinar a toxicidade aguda dos fármacos diclofenaco e paracetamol no microcrustáceo Ceriodaphnia silvestrii. METODOLOGIA Testes ecotoxicológicos agudos Todos os bioensaios ecotoxicológicos com o microcrustáceo Ceriodaphnia silvestrii foram realizados no Laboratório de Saneamento da Faculdade de Engenharia da UNESP, Campus de Ilha Solteira. Neste trabalho foram realizados dois testes de toxicidade aguda em Ceriodaphnia silvestrii, um com o fármaco diclofenaco de sódio e outro com paracetamol. Para os testes agudos, foram preparadas soluções estoque de diclofenaco de sódio e paracetamol com concentração de 100 g.mL-1. Os organismos-teste foram expostos a seis concentrações crescentes de 3,12; 6,25; 12,5; 25; 50 e 100 g.mL-1, além do controle mantido com meio de cultivo. Para cada concentração testada foram utilizados cinco organismos (neonatos entre 6 a 24 horas de vida) com quatro réplicas, em frascos de 30 mL. Paralelamente aos testes das amostras, foi realizado o controle, visando observar a sobrevivência dos organismos nas condições de teste. A duração dos testes foi de 48 horas, efetuando-se a contagem dos organismos mortos após esse período. Os organismos foram mantidos no escuro, sem alimentação, à temperatura variando entre 23 e 27 0C. Medidas de pH, dureza, condutividade e temperatura foram tomadas no início e final dos testes. Como critério de mortalidade, foi utilizada a imobilidade dos neonatos durante aproximadamente 4 10 segundos. Para o cálculo estatístico da CL50-48h foi usado o programa Trimmed Spearman-Karber (Hamilton et al., 1977). Manutenção dos organismos testes Os exemplares de C. silvestrii para o cultivo foram provenientes da cultura-estoque mantida no Laboratório de Saneamento da FEIS – UNESP. Para o cultivo de Ceriodaphnia silvestrii foram utilizados béqueres contendo 2 litros de água de manutenção e 60 organismos de mesma idade, sendo as culturas mantidas em incubadora com controle de temperatura (25 ± 2oC) e luz (12 horas) (ABNT, 2005). Como alimento para a Ceriodaphnia silvestrii, foi utilizada a alga Pseudokirchneriella subcapitata (Selenastrum capricornutum), na concentração de 105 células/mL, fornecida diariamente. As trocas de água foram realizadas periodicamente (três vezes por semana), separando-se as fêmeas adultas ovadas, descartando-se os organismos jovens (neonatos). Teste de sensibilidade Para o controle das condições fisiológicas de clones de espécies utilizadas em ensaios de toxicidade foram realizados testes de sensibilidade com uma substância de referência, o cloreto de sódio (10 g.L-1), com concentrações variando entre 0,3; 0,6; 1,0; 1,3; 1,6; 2,2 g.L-1. Durante a realização desses testes, para cada tratamento, foram utilizados 10 mL da solução com 5 organismos, em réplica, totalizando 4 réplicas (ABNT, 2003). Os resultados foram expressos em porcentagem de organismos imóveis, utilizando-se o programa computacional Trimmed Sperman-Karber de Hamilton et al. (1977) para encontrar a faixa de sensibilidade dos organismos testados. RESULTADOS E DISCUSSÃO 5 Os testes de sensibilidade com cloreto de sódio (NaCl), tiveram a finalidade de acompanhar a sensibilidade do bioindicador (Ceriodaphnia silvestrii) sendo os resultados apresentados na Tabela 1, onde os valores encontrados variaram entre 1,22 e 1,52 g.L-1, sendo, portando, a concentração letal, de 1,36 g.L-1. O pH final das concentrações variaram em torno de 7 e a dureza em torno 46 mg CaCO3.L-1. Tabela 1: Testes de sensibilidade com Ceriodaphnia silvestrii utilizando NaCl. Média e desvio padrão dos valores da CL50- 48h para NaCl (g.L-1) Organismo-teste Ceriodaphnia silvestrii CL 50 1,36 Desvio padrão Intervalo de confiança de 95% (1,22 – 1,52) Segundo Rodgher e Rocha (2005), os valores de 0,75 a 1,43 g.L-1 foram os valores encontrados após a realização de vários testes para a determinação da CL50. Oliveira Neto e Botta-Paschoal (2000) determinaram faixas de sensibilidade entre 1,41 e 1,67 g.L-1 para Ceriodaphnia silvestrii. Os valores encontrados nesse trabalho para a sensibilidade com NaCl são semelhantes aos valores dos trabalhos citados acima, portanto, comprovam a faixa de sensibilidade de C. silvestrii em relação a esse composto. Os resultados dos bioensaios de toxidade aguda com diclofenaco de sódio são encontrados na Tabela 2, mostrando uma Cl50 para esse fármaco de 25 g.mL-1, variando entre 21,30 e 29,37 g.mL-1. O pH final das concentrações variaram em torno de 7,2 e a dureza em torno 32 mg CaCO3.L-1. Tabela 2: Valores de CL50-48h de Ceriodaphnia silvestrii com diclofenaco de sódio. 6 Média e desvio padrão dos valores de CL50-48h para diclofenaco de sódio em g.mL-1 Organismo-teste Ceriodaphnia silvestrii CL50 25,0 Desvio padrão Intervalo de confiança de 95% (21,30 – 29,34) Os resultados dos bioensaios de toxidade aguda com paracetamol são encontrados na Tabela 3, mostrando uma CL50 para esse fármaco de 41,88 g.mL-1, variando entre 29,79 e 58,89 g.mL-1. O pH final das concentrações variaram em torno de 7,1 e a dureza em torno 50 mg CaCO3.L-1. Tabela 3: Valores de CL50-48h de Ceriodaphnia silvestrii com paracetamol. Média e desvio padrão dos valores de CL50, 48h para paracetamol em g.mL-1 Organismo-teste Ceriodaphnia silvestrii CL50 41,88 Desvio padrão Intervalo de confiança de 95% (29,79 a 58,89) Atualmente, são escassos os estudos no país que retratem os efeitos dos fármacos no meio ambiente, de forma semelhante, sobre os efeitos destas substâncias em microcrustáceos. Os níveis de toxidade dos fármacos encontrados nesse trabalho apresentaram concordância aos reportados na literatura com destaque para Bila e Dezotti (2003), que detectaram concentrações médias de diclofenaco entre 0,02 a 0,06 µg.L-1 em águas superficiais brasileiras e de paracetamol entre 0,14 e 6 µg.L-1 em efluentes de esgoto. Ternes et al. (1999), também reportou a concentração de 1,2µg.L-1 de diclofenaco em água de rio na Alemanha e Kolpin et al.(2002) detectou um valor acima de 10 µg.L-1 de paracetamol presente em água de córrego nos Estados Unidos. Até mesmo em efluente de tratamento de esgoto na Suíça foi detectada a presença de 7 0,15 a 2,0 µg.L-1 de diclofenaco, segundo Tauxe-Wuersch et al. (2005). Portanto, os resultados encontrados demonstraram os riscos da presença desses compostos aos componentes da biota aquática e à necessidade de monitoramento mais rígido desses compostos nos ecossistemas aquáticos. CONCLUSÕES A CL50- 48h de C. silvestrii para paracetamol e diclofenaco de sódio foi de 25 e 41,88 g.mL-1, respectivamente; Os resultados encontrados apontam para o risco dos fármacos aos ambientes aquáticos; Novos estudos são necessários na avaliação de outros fármacos sobre microcrustáceos de modo a ampliar o espectro da ecotoxicologia destes compostos xenobióticos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABNT (2003). Ecotoxicologia aquática – Toxicidade aguda – Método de ensaio com Daphnia spp (Cladocera, Crustacea) NBR 12713, p. 17. ABNT (2005). Ecotoxicologia aquática – Toxicidade crônica – Método de ensaio com Ceriodaphnia spp (Crustacea ,Cladocera) NBR 13373, p.15. Bila, D.M. & Dezotti, M. Fármacos no meio ambiente. Química Nova, Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p.523-530, 2003. 8 Bound, J. P.; Voulvoulis, N. Pharmaceuticals in the aquatic environment- a comparison of risk assessment strategies. Chemosphere, v. 56, p. 1143-1155, 2004. 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