Analgesia no desporto - Revista de Medicina Desportiva

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Tema 2
Rev. Medicina Desportiva informa, 2013, 4 (1), pp. 14–18
Analgesia no desporto
Dr. José Gomes Marinhas1,4, Dra. Catarina T. Fernandes2, Dra. Carla Lopes da Mota2, Prof. Doutor Paulo
Correia de Sá3,4
1
Interno complementar de Ortopedia – Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho; 2Interna
complementar de Medicina Geral e Familiar – USF de Espinho; 3Professor Catedrático de Farmacologia,
ICBAS – Universidade do Porto; 4Departamento de Imuno-fisiologia e Farmacologia – ICBAS –
Universidade do Porto;
Resumo Abstract
No meio desportivo a prática analgésica farmacológica é uma intervenção comum. Os
anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e os psicotrópicos, associados ou não aos opioides de baixa ou de elevada potência e/ou aos miorrelaxantes, são classes medicamentosas
usadas frequentemente no tratamento da dor músculo-esquelética, sendo muitas vezes
usados para agilizar o retorno de atletas lesionados aos treinos e às competições.
As investigações demonstram que o consumo de AINEs pode ser benéfico com o objetivo
de diminuir o tempo de regresso à competição e ao treino de atletas lesionados, mas também que os AINEs devem ser apenas uma parte do total do plano de tratamento. O uso de
AINEs não poderá tomar o lugar de modalidades terapêuticas de reabilitação, mas pode ser
considerado como um coadjuvante da reabilitação.
In sports practice analgesic pharmacological intervention is a constant. The non-steroidal antiinflammatory drug (NSAID) and the psychotropic, associated or not with low or high power opioids
and/or muscle relaxants, are drug classes prevalent in the treatment of musculoskeletal pain, often
being used to accelerate the return of the injured athlete to training and competition.
The current research shows that consumption of NSAIDs may be beneficial to decrease the time to
return to competition and training of the injured athlete, but the NSAIDs should be only a part of the
total treatment plan. The use of NSAIDs cannot take the place of therapeutic modalities and exercise
rehabilitation, but might be regarded as an adjuvant of the rehabilitation process.
Palavras-chave Keywords
Analgesia, desporto, anti-inflamatórios não esteroides
Analgesics, sport, non-steroidal anti-inflammatory drug
Introdução
No meio desportivo a prática analgésica farmacológica é intervenção
comum para potencialização do
desempenho dos atletas. Os AINEs e
os psicotrópicos, associados ou não
aos opioides de baixa ou de elevada
potência e/ou aos miorrelaxantes,
são classes medicamentosas usadas
com muita frequência no tratamento da dor músculo-esquelética.
O seu uso é permitido pela Agência
Mundial de Antidopagem (AMA) e
pelo Comité Olímpico Internacional e são administrados em larga
escala na medicina desportiva com
o objetivo de diminuir as manifestações excessivas do processo inflamatório nas lesões ósteo-musculares,
para redução da sintomatologia e
do tempo de retorno á atividade
desportiva1.
Os AINEs são habitualmente
usados no tratamento da dor aguda,
decorrentes de lesão nos tecidos
moles em atletas, no entanto, a sua
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eficácia ainda não é fundamentada
na literatura científica. Embora
os AINEs sejam frequentemente
prescritos para efeitos anti-inflamatórios, analgésicos e antipiréticos,
há poucos indícios para apoiar a
alegação de que os AINEs agilizem o
retorno de atletas lesionados à competição. Além disso, separar o efeito
anti-inflamatório do efeito analgésico não é fácil15.
Processo inflamatório
A inflamação é um processo de
defesa local à agressão de agentes lesivos, caraterizada por uma
sequência de fenómenos irritativos,
vasculares, oxidativos, degenerativos
necróticos e produtivos reparadores,
acompanhados ou não de resposta
sistémica. O processo inflamatório
é caraterizado pelo movimento de
fluidos, de proteínas plasmáticas e
de leucócitos em direção ao tecido
afetado. A presença de muitas
respostas semelhantes ao processo
inflamatório (edema local, aumento
no número de glóbulos brancos e
acumulação de monócitos e linfócitos) levou Smith (1991) a sugerir
que a resposta inflamatória aguda
é responsável pela sensação de dor
muscular que o corre 24–48 horas
após o exercício. No tecido danificado os monócitos transformam-se
em macrófagos e estes são responsáveis pela remoção de tecido
necrótico. Os macrófagos, por sua
vez, liberam PGE2, que estimulam
os recetores locais de dor, intensificando a sensação dolorosa4,15.
Anti-inflamatórios não-esteroides
São fármacos com ação anti-inflamatória, anti-térmica, analgésica e
anti-trombótica que atuam inibindo
a COX–1 e a COX–2. Nos locais
inflamatórios a COX–2 tem a função
de sintetizar PGEs com ação pró-inflamatória, que ativam nociceptores, aumentando a sensação de
dor. Como a COX–1 sintetiza PGEs
com função de proteção tecidual, os
AINEs apresentam efeitos colaterais
a nível renal e gastrintestinal4.
Os inibidores seletivos da COX–2,
ou específicos da COX–2 (celecoxib,
rofecoxib, valdecoxib, parecoxib),
são agentes não ácidos que causam menos inibição da COX–1 e
menos complicações, especialmente
pépticas e de coagulação. Estas
substâncias não inibem a atividade
da enzima cicloxigenase constitutiva (COX–1), presente em tecidos
gastrintestinais e renais, onde se
produzem as prostaglandinas (PGEs),
mas inibem a cicloxigenase indutiva (COX–2), que também sintetiza
PGEs1,15.
O efeito analgésico dos AINEs é
consequência da inibição da produção de PGEs nos locais de inflamação, as quais estimulam as terminações nervosas locais da dor, também
estimuladas por outros mediadores
inflamatórios (bradicinina).
O efeito anti-inflamatório dos
AINEs depende da inibição da produção de prostaglandinas, já que estes
mediadores são importantes em
quase todos os fenómenos associados à inflamação, como a vasodilatação, a dor e a atração de mais
leucócitos ao local4.
Utilização de AINEs no desporto
Os AINEs são amplamente utilizados com a finalidade de redução
das manifestações excessivas do
processo inflamatório decorrente
da lesão1. Corrigan & Kaslauskas
(2003) analisaram a incidência do
uso referido de medicamentos e de
suplementos alimentares nos atletas
participantes dos Jogos Olímpicos de
Sidney (2000). Em 25,6% das ações de
controlo de dopagem foi indicado o
uso de AINEs pelos atletas em várias
modalidades. Constatou-se ainda
o uso de doses inadequadas pelos
atletas e o do uso de dois ou mais
AINEs diferentes pelo mesmo atleta.
Foi aventada a hipótese que tal perfil
de consumo poderia estar associado as seguintes situações: lesões
decorrentes por estímulo específico
(aspetos quantitativos e qualitativos
de treino e competição) do desporto;
insuficiência do período necessário
para a recuperação da lesão com uso
repetitivo da área anatómica lesada;
condições biomecânicas impróprias;
atletas com lesões de menor extensão que não alteram a sua carga de
trabalho e fazem uso continuado
(crónico) do fármaco1.
O estudo que analisou o uso de
AINEs pelos atletas de alta competição foi realizado por De Rose et al.
(2006) durante a realização dos VII
Jogos Desportivos Sul-Americanos. A
amostra foi constituída por atletas
campeões das respetivas competições, o que pressupõe um elevado grau de desempenho físico. A
comissão médica constatou que das
classes de medicamentos utilizadas
nos três dias que antecederam o
controlo 37% eram AINEs, para além
da utilização de antibióticos e de
outros analgésicos, como o paracetamol. A elevada utilização dos AINEs
deve-se á necessidade de tratamento
das lesões resultantes do treino em
contexto de alta competição.
O único estudo publicado sobre o
cetorolac intramuscular (IM) conclui
que não existe maior efeito analgésico em comparação com o cetorolac oral. Além disso parece que os
efeitos adversos, como aumento do
risco hemorrágico e complicações
renais, são mais elevados. Contudo,
esta forma de administração ainda
continua a ser muito usual na prática desportiva21.
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O parecoxib é um inibidor seletivo da COX–2 usado habitualmente
na prática desportiva na dor muito
intensa após trauma e antes dos
jogos como profilático para a dor. A
sua eficácia ainda não está estabelecida com segurança. Tem a vantagem de ter um rápido início de ação
após injeção endovenosa e duração
de ação de cerca de 4 horas19.
Usa-se com muita frequência o
diclofenac IM antes dos jogos, de
forma a reduzir as dores musculares
e dessa forma aumentar a tolerância
do atleta á dor. A literatura atual não
demostra eficácia quanto á utilização deste fármaco como profilático
de dor durante competições19.
central e periférica. Em doses supraterapêuticas verifica-se um efeito
antiflogístico que poderá resultar
da inibição da síntese das prostaglandinas. O metamizol magnésico
está indicado no tratamento da dor
aguda no período pós-operatório ou
pós-traumático3.
Existe uma série de substâncias
analgésicas proibidas em medicina
desportiva pela AMA: buprenorfina, dextromoramida, diamorfina
(heroína), fentanil e os seus derivados, hidromorfona, metadona,
morfina, oxicodona, oximorfona,
pentazocina e petidina1.
A dor Neuropática
Analgésicos não anti-inflamatórios
O paracetamol não inibe a resposta
inflamatória. O seu uso é seguro em
lesões agudas nas doses de 3 a 4 g/
dia e o seu inicio de ação é ao fim de
1 hora. A incidência de efeitos adversos é equivalente à do placebo3,16.
A codeína é um analgésico mais
potente do grupo dos narcóticos.
É usualmente associada ao paracetamol de forma a haver efeito
aditivo. Os efeitos colaterais da
codeína assemelham-se aos da
morfina, especialmente quando esta
é utilizada em altas doses. Os mais
comuns incluem: sonolência, ataxia,
miose, prurido, náuseas, edema,
obstipação, narcose e convulsões. O
início de ação por via oral é obtido
entre 30 minutos e 1 hora, com ação
máxima entre 1 e 2 horas. A sua
duração de ação varia entre 4 e 6
horas3.
O tramadol é também um analgésico potente pertencente ao grupo
dos narcóticos. Têm a desvantagem
de apresentar uma elevada incidência de efeitos laterias (cerca de
20% dos doentes), nomeadamente
náuseas, vómitos e sonolência. Estes
podem ser minimizados com o uso
concomitante de metoclopramida3.
O metamizol magnésico é um
derivado pirazolónico não narcótico que possui ação analgésica,
antipirética e espasmolítica. O
seu mecanismo de ação não está
completamente esclarecido. Alguns
dados indicam que o metamizol e o
seu metabolito principal (4-N-metilamino-antipirina) poderão ter ação
A dor neuropática (DN) é causada
pela lesão ou disfunção do sistema
nervoso, como resultado da ativação
anormal das vias da dor. As principais causas desta síndrome são:
diabetes mellitus, nevralgia pós-herpética, nevralgia do trigémeo,
dor regional complexa, esclerose
múltipla, compressões de nervos
periféricos (ciática), síndroma do
túnel cárpico, entre outros. Nos últimos anos a DN tem vindo a receber
especial atenção por dois motivos
principais: 1) refratarismo terapêutico de várias síndromes dolorosas
com componentes neuropáticos
predominantes e 2) desenvolvimento
de ferramentas diagnósticas para o
reconhecimento deste tipo de dor.
Os pacientes com DN apresentam
queixas múltiplas e complexas. É
diferente da dor nociceptiva e há
pobreza de descritores verbais para
caraterização da dor neuropática.
Tais queixas dividem-se em dores
espontâneas (aquelas que aparecem
sem nenhum estímulo detetável),
contínuas ou paroxísticas, e em
dores evocadas (respostas anormais ao estímulo). A dor contínua é
frequentemente descrita nos tecidos
cutâneos superficiais ou profundos
e menos comumente nos tecidos
viscerais. A dor cutânea é descrita
como “em queimadura”, “em pontada”, “ardência”, enquanto a dor
profunda é descrita como “surda” ou
em “cãibra”. Os achados anormais
no exame físico neurológico sensitivo no paciente com dor sugerem o diagnóstico de DN. Também
importante é a avaliação do tónus
muscular e dos reflexos miotáticos
profundos e superficiais que auxiliam no diagnóstico topográfico da
dor (DN periférica ou central).
A dor neuropática tem má resposta aos analgésicos comuns,
sendo os antidepressivos tricíclicos e
anticonvulsivantes os mais eficazes
no tratamento deste tipo de dor. A
gabapentina e a pregabalina são
exemplos de fármacos comumente
usados4.
Conclusão
Os analgésicos, os opióides, os
miorrelaxantes e os agentes psicotrópicos são os principais fármacos
utilizados para o controlo e tratamento da dor músculo-esquelética.
Como advento dos AINEs inibidores
seletivos de COX–2, de opióides de
ação ou de libertação prolongada, de
antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina
e noradrenalina, de neurolépticos
mais seletivos e de miorrelaxantes
de ação prolongada ocorreu considerado progresso no controle da dor
musculo-esquelética. Neste contexto
surge a grande importância e uso
dos AINEs no desporto, com ação
anti-inflamatória e analgésica, com
possível capacidade de prevenção
(diminuição) da dor e de aumento do
rendimento desportivo.
As investigações atuais demonstram que o consumo de AINEs
pode ser benéfico na diminuição
do tempo de regresso ao treino e à
competição de atletas lesionados,
mas tendo em atenção que os AINEs
devem ser apenas uma parte do
plano global de tratamento. O uso de
AINEs não poderá tomar o lugar das
modalidades terapêuticas e de reabilitação, mas pode ser considerado
como um coadjuvante.
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