XIV Colóquio Ibérico de Geografia/ XIV Coloquio Ibérico de Geografía 11-14 novembro de 2014/ 11-14 Noviembre de 2014 Departamento de Geografia, Universidade do Minho Foto-África(s): encontro com imagens do continente e professores de Geografia Í. F. de Novaes(a) (a) Professora Doutora da Área de Geografia-ESEBA/UFU-MG/Brasil [email protected] Resumo Nos caminhos da Filosofia da Diferença, procura-se estabelecer (inter)relações entre imagens, educação e Geografia na perspectiva da minoridade. Para mobilizar pensamentos, encontros com imagens do continente africano e professores de Geografia foram delineados em contornos de oficina, momentos de escuta e pesquisa em educação em que corpos, cores, lugares, geografias, instantes de apreensão materializados em imagens foram convidados para atravessar e compor o olhar dos professores que foi lançado sobre a coletânea de fotografias da IX Bienal de Fotografias Africanas, realizada em Lisboa-Portugal/2011, evento que é um atravessamento da Geometria do Poder. Para esta proposta de pesquisa o que importa não é o acúmulo de informações e conhecimento e sim, as potências do pensamento e criação, acontecimentos que ali tem lugar e que possibilitam a (re)criação de África(s). Provocar o desassossego diante das imagens foi o objetivo: trazer a potência das fotografias para permear pensamentos que pudessem proliferar outras África(s). Palavras-chave: Oficina; Fotografia; África(s); Docência, Geografia. Provocar o desassossego diante das imagens foi o objetivo do encontro com professores de Geografia1: trazer a potência das fotografias para permear distintos pensamentos em que pudessem proliferar e circular outros espaços, outra(s) África(s), com a intenção de dar visibilidade às potências que a África movimenta na vida das pessoas. Encontros em contornos de oficinas que são estratégias em educação (Corrêa, 2000) que, por encontros, mobilizam pensamentos, procurou-se mobilizá-los também no desmobilizar do pensamento e no desacostumar o olhar, lançando os participantes às imagens, ao desafio de perceber, o que contavam, o que mostravam. Convido para atravessar a oficina corpos, cores, lugares, geografias, instantes de apreensão materializados em imagens fotográficas. Convido-as para invadir o olhar dos docentes que; sem pedir licença, foram lançados sobre uma coletânea de fotografias que faziam parte do catálogo da IX Bienal de Fotografias Africanas2 um dos importantes eventos dedicados à promoção e a exposição de artistas contemporâneos do continente e da diáspora africana, revelando novos talentos de África, evento que é um atravessamento da Geometria do Poder (Massey, 2008). Ao folhear o catálogo e olhar as imagens, uma dúvida me levou a realizar escolhas: que fotografias queria lançar aos professores? Movimento de captura? Movimento de resistência? Não sei, talvez a imbricação dos dois movimentos, pois “neste jogar-se no pensamento pelas imagens, jogar-se nas imagens pelos pensamentos não há como definir uma linha de causa e efeito entre palavras e imagens” (Wunder, 2008, p.23). A escolha e a composição das fotografias foi feita pelo critério exclusivamente pessoal – as que me 1 Encontros realizados no Centro Municipal de Estudos e Pesquisa do Professor (CEMEPE) com professores de Geografia, que atuam nos anos finais do Ensino Fundamental, no município de Uberlândia/Minas Gerais/Brasil. 2 A IX Bienal de Fotografias Africanas foi realizada em Lisboa, Portugal, no ano de 2011. Agradeço à Profa. Dra. Alik Wunder-FE/Unicamp, pela colaboração na aquisição do catálogo de fotografias, na ocasião em viagem para Portugal. tocaram, me pungiram3 (Barthes, 2007). Escolha e composição fizeram-se em tensão e incômodo. Ainda que a tentativa fosse a de resistir, deslizar e encontrar imagens potentes para levar os participantes a escaparem dos clichês (Ferraz, 2012) já estabelecidos para pensarmos a África, só o encontro das imagens com as pessoas me diria da sua potência. Assim, um lençol foi estendido e, sobre ele, as imagens selecionadas do catálogo foram disponibilizadas, para que os professores pudessem degustar com o olhar, com o toque, com o cheiro, lançando o olhar ao devir: “[...] o olhar fotografias e o pensar por meio delas como acontecimentos imbricados nos sentidos previstos e retidos, e nos sentidos que esvaem nos diferentes encontros com as imagens” (Wunder, 2008, p. 71). Os participantes foram convidados a sentar em torno das fotografias4 para entrar em contato com essas imagens; ver e sentir o que as imagens os convidavam a pensar. Por alguns minutos tocaram, sentiram, falaram sobre as fotografias, produziram geografias, movimentos e sentimentos; as conversas revelaram que as fotografias provocaram diferentes maneiras de ver os lugares e as pessoas que foram grafadas em imagens. Foram então convidados a observar as fotografias e escolher as que mais os havia tocado: Que fotografia lhe toca? Que lhe prende e convence a conversar com a imagem fotográfica? Que sensações lhe surgem ao entrar em contato com a imagem? Perguntas feitas no momento do encontro dos professores com as imagens fotográficas. IMAGEM 1: Encontro dos professores com as fotografias selecionadas do Catálogo da IX Bienal de Fotografias Africanas em exposição em Lisboa Portugal no ano de 2011. FONTE: Acervo autora (2011) O contato, a conversa com as fotografias foi livre, sem obrigação ou destino pré-estabelecido. Percebia-se que, na verdade, as fotografias é que escolhiam os participantes, ocorria ali um encantamento imagético. Questões sobre as fotografias e suas geografias foram permeando as conversas do grupo: “Que fotografias são essas? O que mostram? O que é África? O que não é África? É possível saber o que é e o que não é? Por que é preciso saber o que é África? Esse saber o que é África está ligado ao território continental? À localização geográfica? África não está (pode estar) em todo lugar?” Estes e outros questionamentos nos remetem a pensar que, talvez, sejam válidas para as imagens aquilo que Foucault (1988) apontou para o texto 3 Foram selecionadas aproximadamente 45 imagens de fotógrafos de 19 países do continente africano: Marrocos, Tunísia, Argélia, Líbia, Egito, Mauritânia, Mali, Chade, Sudão, Burkina Faso, Camarões, Congo, República Democrática do Congo, Ruanda, Quênia, Somália, Tanzânia, Costa do Marfim e Moçambique. 4 Os docentes não foram informados sobre a fonte das fotografias. escrito que “[...] é preciso que o olhar se mantenha acima de todo deciframento possível; é preciso que as letras permaneçam pontos, as frases linhas, os parágrafos, superfícies lisas ou massas – asas, caules ou pétalas; é preciso que o texto não diga nada a esse sujeito “olhante” que é voyeur (olhar), não leitor [...]”. Os docentes após observarem as imagens que lhes tocavam trilharam o caminho de selecionar e classificar as imagens. Para a maioria foi “mais fácil” decidir o que as imagens retratavam e assim criar classificações e agrupamentos. Ali encontraram indícios da veracidade para responder, sobretudo, à seguinte questão: “o que é e o que não é África”? As falas evidenciaram o movimento dos participantes de pensar as fotografias como um espaço seguro, “como se o olhar pudesse tocar as coisas e os seres, como se a fotografia fosse a própria pele deste [daquele] momento olhado, que pode ser tocado novamente em outros tempos, por outros olhos” (Wunder, 2008). Imagens como força documental, clichê documental, que revela nas falas o encontro com o excesso de verdades que classifica em ser e não ser. Vivemos em uma civilização de clichês sedimentados pela centralidade da cultura (Hall, 1998) e o encontro com imagens de África não nos apresentou algo diferente de falas amparadas nos clichês. Para delinear esta conversa, algumas fotografias e falas dos professores foram selecionadas o que permitiu traçar algumas reflexões que se seguem e perceber o que nelas se sedimentaram em decorrência das experiências comunicacionais, culturais e educacionais de cada um e também de todos, conforme a fala de um docente sobre a imagem 2. IMAGEM 2: Fotografia de Antony Kaminju Kimani / Kenya. FONTE: Catálogo da IX Bienal de Fotografias Africanas em exposição em Lisboa Portugal no ano de 2011. “Ainda que a cor da pele do rapaz nos remeta a pensar na África (negra), os acessórios utilizados por ele, a garrafa de bebida, o tipo de edificações ao fundo, o veículo moderno nos revela uma negação explícita de tudo que possa se relacionar com a África, ou seja, perpassa a ideia de aculturação do indivíduo”. A frase revela as capturas do pensamento que teimam em permanecer com a visão do continente africano como primitivo, sem movimento, pois afinal, o que estaria sendo se não os clichês do que esse professor pensa ser a África? Mas também houve momentos de resistência, conforme relato: “Atualmente, [o continente africano] é parte integrante de um mercado globalizado. Apresenta símbolos de uma linguagem mercadológica mundialmente reconhecida e consumida”. Se a “linguagem mercadológica” é um clichê do capitalismo ocidental e seus símbolos são reconhecidos em diferentes territórios e línguas, decalcando-se no pensamento que os identifica como ligados ao mercado e ao consumo, na fala desse docente a África é incluída nesse capitalismo ocidental, retirada, portanto, das imagens de atraso e tribalismo. Há todo momento estamos diante de movimentos de resistência e captura, clichês revelam as imagens do pensamento estabelecido e impregnam, como decalques, padrões sociais, culturais e de consumo, que teimam em enraizar-se no continente por meio de modelos e padrões, conforme indica um professor: “A imposição da colonização impregna padrão de beleza europeu e a perda da identidade”. Mas de que identidade se fala? África ou África(s)? Esses clichês que permanecem presentes na sociedade brasileira ficam explícitos em diferentes falas. Neles, a África não pode ser diferente, certos padrões sociais e culturais estão presos no Ocidente e não chegam em África, como se existissem fronteiras que aprisionam os padrões em seus territórios, cristalizando realidades decalcadas, tais como na fala de um docente: “a imagem que marca a África é a do negativo; ainda é e penso que permaneça”. Território-continente em que as singularidades e multiplicidades se encontram e misturam em diversos lugares. Corpos humanos cobertos por pele (branca ou negra), roupas, estereótipos que determinam uma localização geográfica: “Não é África. O garoto é branco e de cabelo liso, minoria absolutíssima no continente africano”, referindo-se a imagem 3. IMAGEM 3: Fotografia de Rana El Nemr / Egypt FONTE: Catálogo da IX Bienal de Fotografias Africanas em exposição em Lisboa Portugal no ano de 2011. A decisão de classificar as fotografias seguindo pensamentos já determinados revela as capturas, sobretudo pelo modo classificador do “é ou não é”, bastante frequente na cultura escolar informativa. Essa nos pareceu a principal captura que levou à escolha das imagens que repetem clichês de África. Os escapes dessa perspectiva atravessaram as falas, fazendo-se potências menores, como a que está presente na fala de um professor que revela o motivo da escolha da imagem 4: “África não é um continente “esquecido por Deus”. Berço da miséria e da escassez de recursos financeiros. Para mim, a foto poderia representar a realidade das escolas de todo o Brasil (de norte a sul) e não apenas de países africanos”. A mesma imagem foi palco de capturas como “África é uma sociedade à espera por dias melhores. As pessoas não são sujeitos de suas vidas... elas querem a mudança, transformação, mas são impedidas por questões políticas/ideológicas”. Captura semelhante está presente em outra fala: “África é de descolonização recente, o mundo globalizado oferece possibilidades e a escolha é da África, mas deve manter a individualidade, a identidade em diálogo com o mundo”. IMAGEM 4: Fotografia de Baudouin Mouanda / Republico of Congo FONTE: Catálogo da IX Bienal de Fotografias Africanas em exposição em Lisboa Portugal no ano de 2011 Em alguns momentos, percebeu-se possíveis linhas de fuga dos clichês que foram traçadas pelos participantes ao mirarem as fotografias. Fugas frágeis, pois que capturadas em outros estereótipos, como também se pode notar na fala do docente referindo-se a imagem 5 “a fotografia do pub mostra o estereótipo dos lugares pelo mundo, imagem estereotipada do negro e da África no mundo”. Linhas de fuga, portanto, que são também linhas de captura da própria classificação/identificação da África como um território homogêneo que predomina a pobreza e o corpo negro, fazendo com que, uma vez que essas características estejam presentes numa fotografia, a África ali está, mesmo que a foto tenha sido tirada em outro lugar. IMAGEM 5: Fotografia de Antony Kaminju Kimani / Kenya FONTE: Catálogo da IX Bienal de Fotografias Africanas em exposição em Lisboa Portugal no ano de 2011 A principal ação política da oficina, “qualquer processo que sirva para revolver esses códigos e suas configurações de poder tem força política com o potencial de transformar as relações sociais e do meio de maneiras imprevisíveis” (Bogue, 2011). Algumas forças movimentaram outro docente: “É mais fácil saber o que é do que o que não é... mas a África está em nós, em todo lugar”. Ainda cabe descobrir onde estão, em nós e em todo lugar, os estilhaços do continente que antes fazia a África estar num só lugar. Mais ao final do encontro, contando a trajetória das fotografias, revelei que foram produzidas por fotógrafos de diferentes países do continente africano, que capturaram imagens em seu continente-território, o que provocou um estranhamento em muitos participantes. A conversa, então, circulou em torno do papel das imagens que não visam comunicar ou informar algo, mas mobilizar pensamentos e estabelecer conexões individuais e coletivas diversas, proporcionando outras possibilidades de ver, podendo resistir ao clichê que nos impõe uma cortina sobre os olhos. Foi explicitado a ideia das fotografias para ver além da cortina, resistir à barreira presente em nosso olhar para que seja possível ver, ir além, se soltar, encontrar, criar, pensar com as imagens numa perspectiva nômade (Deleuze; 1997). As imagens tiveram a intenção de provocar outro olhar sob o continente, pensar África à partir de imagens fotográficas, tiveram o propósito de mergulhar e resistir aos clichês, não com a intenção de fazê-los desaparecer, mas com o propósito de rasurá-los, fazê-los gaguejar naquilo que buscam dizer nas imagens, pois “não pode suprir estes vazios temporais e espaciais que a envolvem, a partir daí enveredar por um pensamento que não busque preenchimentos, mas esvazie-se, silencie-se nas paisagens planas e fragmentadas” (Wunder, 2008, p. 113). Mas percebeu-se que as imagens clichês presentes na memória dos professores foram mais forte, cristalizam as ideias divulgadas pela mídia e pelos materiais didáticos, evidenciando as necessidades sofridas pelo povo africano e suas carências, também a ideia de que o modo de vida que é típico de determinados lugares do planeta são inferiores por não apresentarem o modelo de desenvolvimento ocidental considerado o padrão para as sociedades capitalistas. Houve ali a presença constante da negação da diferença, como se o diferente fosse inferior. Ao final, tudo aquilo que havia sido considerado como não sendo África foi incorporado ao repertório dos participantes, levando a África a ampliar suas margens no pensamento. Talvez fosse melhor dizer que a África se metamorfoseou em imagens que, talvez, tenham força para continuar forçando o pensamento daqueles professores a pensar outra(s) África(s) em suas atividades educativas. África(s) mais multifacetadas, mas complexas, menos identificáveisi... Referências Barthes, R. (2007). Aula. 13.ed. São Paulo: Cultrix. Biennial African Photography, 9ª. Encounters of Bamako. (2011). Catálogo. Cultures France Éditions. Ministére de la Culture du Mali. Actes Sud. Bogue, R. (2011). Por uma teoria deleuziana da fabulação. In.: Amorim, A.C. Marques, D. & Dias, S. O. (Eds.), Conexões: Deleuze e vida e fabulação e ... (pp.17-36). Petrópolis: De Petrus; Brasília, CNPq; Campinas: ALB. Corrêa, G. C. (2000). Oficina: novos territórios em educação. In.: Luengo, J. M.; Montero, E. G.; Pey, M. O. & Corrêa, G. C. (Eds.). Pedagogia Libertária: experiências hoje. (pp.77-162). São Paulo: Editora Imaginário, 2000. Deleuze, G. & Guattari, F. (1997). Tratado de Nomadologia: a máquina de guerra. In.: Deleuze, G. & Guattari, F. (Eds.). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. (pp.11-110). Tradução Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. v. 5. São Paulo: Editora 34. Dias, S. O. (Eds.). (2011). Conexões: Deleuze e vida e fabulação e ... Petrópolis: De Petrus; Brasília, CNPq; Campinas ALB. Ferraz, M. C. (2012). Imagem e clichê: reflexões intempestivas. [Online]. Disponível em: http://www.ateliedaimagem.com.br/sistema/Arquitetura/ArquivosBiblioteca/45.pdf [Acesso em 22 de fevereiro de 2012] Foucalt, M. (1988). Isto não é um cachimbo. Tradução Jorge Coli. 5.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Hall, S. (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais de nosso tempo. Educação & Realidade. 22 (2). 15-46. Massey, D. (2008). Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. i Agradecemos à FAPEMIG o financiamento para participação no evento e a concessão de bolsa PIBIC/JR/FAPEMIG/UFU ao projeto de pesquisa Ver África(s): possibilidades de aproximação das imagens presentes nos livros didáticos de Geografia do Ensino Fundamental desenvolvido nos anos de 2012/2013 pelos alunos do Ensino Médio Amanda Hatano Silva e Bruno Oliveira Pena, da E. E. Américo Rennê Gianetti.