A verdade que vem de cima É incomum que altas autoridades

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A verdade que vem de cima
É incomum que altas autoridades governamentais produzam artigos analíticos curtos e claros.
É ainda mais raro que seus argumentos sejam profundamente incisivos sobre o assunto em
questão e que ao mesmo tempo representem uma crítica devastadora da ordem existente.
É exatamente isso o que fez Thomas M. Hoenig, vice-presidente do Federal Deposit Insurance
Corp. (FDIC), agência do governo dos EUA garantidora de depósitos bancários, em discurso
proferido em 24 de fevereiro1. As quatro páginas são leitura obrigatória não apenas para
autoridades políticas pelo mundo, mas também para qualquer um que se importe com o rumo
atual do sistema financeiro mundial.
Hoenig, ex-presidente do Federal Reserve regional de Kansas City, passou a carreira
trabalhando em questões relacionadas à regulamentação financeira. Ele se comunica bem com
grandes audiências - não é necessário compreender tecnicalidades de finanças para captar os
pontos principais do artigo.
Um desses pontos2 é que as maiores instituições financeiras do mundo têm patrimônio
equivalente a apenas cerca de 4% de seus ativos totais. Como o patrimônio dos acionistas é a
única reserva real contra perdas nessas empresas, isso significa que um declínio de 4% no valor
de seus ativos secaria completamente seus acionistas - e deixaria as empresas à beira da
insolvência.
Em outras palavras, trata-se de um sistema frágil. Ainda pior, a forma como a atual
regulamentação aborda os derivativos e o financiamento das instituições financeiras grandes e
complexas - os megabancos internacionais - amplifica essa fragilidade. Talvez estejamos
rumando na direção certa - em direção a uma maior estabilidade -, mas Hoenig é cético
quanto ao ritmo de avanço.
Como ele destaca3, estudos relevantes mostram que os megabancos recebem grandes
subsídios implícitos do governo, o que os incentiva a continuar grandes - e a assumir altos
riscos. Na teoria, esses subsídios seriam eliminados gradualmente, por meio de medidas
aplicadas como resultado da lei de reforma financeira Dodd-Frank4. Na prática, esses subsídios
- e as políticas que os tornam possíveis - estão firmemente enraizados.
Os fatos podem alarmar. Em 1984, os EUA contavam com um sistema financeiro relativamente
estável, no qual os bancos então considerados grandes, os pequenos e os médios detinham
participações aproximadamente iguais dos ativos financeiros do país (para definições mais
precisas, ver o gráfico de Hoenig5). Desde meados dos anos 80, a participação dos grandes
bancos na distribuição de crédito aumentou drasticamente - e o significado de "grande"
mudou, com o que os maiores bancos passaram a ser muito maiores em relação ao tamanho
da economia (em termos de Produto Interno Bruto, por exemplo). Nas palavras de Hoenig: "Se
um só dos cinco maiores bancos falisse, isso devastaria os mercados e a economia".
A lei Dodd-Frank especifica que a quebra de qualquer banco - seja qual for o tamanho - deve
acontecer sem provocar grandes distúrbios. Se as autoridades - em especial o Federal Reserve
e o FDCI - determinarem que isso não é possível, elas têm poderes legais para obrigar os
bancos a mudar a forma como operam, inclusive reduzindo a escala e alcance dessas firmas.
A realidade atual é que nenhum dos megabancos poderia quebrar sem provocar outro
"momento Lehman Brothers" - ou seja, sem provocar o tipo de pânico mundial visto nos dias
posteriores à quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008.
Em particular, especialistas como Hoenig, que já refletiram sobre as dimensões internacionais
de uma falência, enfatizam que isso simplesmente não funcionaria para empresas do tamanho
de um JPMorgan Chase (US$ 3,7 trilhões em ativos), Bank of America (US$ 3 trilhões) ou
Citigroup (US$ 2,7 trilhões).
"O pânico resume-se a pânico", diz Hoenig. "E as pessoas e nações geralmente protegem a si
mesmas e a sua riqueza antes do que a dos outros. Além disso, não há leis internacionais de
falências para governar esses assuntos e evitar a captura de ativos". Eu acrescentaria que a
chance de tribunais de falência cooperarem entre fronteiras nesse contexto é nula.
Como resultado, o Fed e o FDIC deveriam agir de imediato para obrigar os megabancos a se
tornarem entidades legais muito mais simples. As atuais estruturas empresariais são opacas,
com os riscos ficando escondidos pelo mundo - e há vários jogos ilusórios que permitem às
empresas contabilizar o mesmo capital em mais de um país.
Faz sentido decompor os componentes dos bancos em partes administráveis. O Federal
Reserve recentemente deu um passo nessa direção6 ao exigir que os bancos internacionais
com presença significativa nos EUA operem por meio de holdings que estejam bem
capitalizadas pelos padrões americanos.
Isso não significa impedir o fluxo de capital pelo mundo. Significa tornar o sistema mais seguro.
Qualquer um que conteste essa necessidade - e muitas outras - deveria ler e responder a
Hoenig.
Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e é cofundador do blog sobre
economia www.BaselineScenario.com, professor da MIT Sloa e, membro sênior do Instituto
Peterson para Economia Internacional. Copyright: Project Syndicate, 2014. Artigo publicado no
Jornal Valor Econômico em 28/02/2014 (Tradução de Sabino Ahumada).
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