Hanseniase. Recusa do Paciente ao Tratamento

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PARECER TÉCNICO JURÍDICO Nº 010/2011
Objeto: Consulta. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Comarca de Monte
Carmelo. Política Nacional da Hanseníase. Recusa de paciente ao tratamento. Limites da
liberdade individual. Perigo à saúde coletiva. Lei estadual nº 15.430, de 2005. Decreto
nº 44.269, de 2006. Possibilidade de responsabilização criminal (artigos 131 e 132, do
Código Penal).
1. Relatório.
Cuida-se de consulta feita pela Promotoria de Justiça de Defesa da
Saúde da Comarca de Monte Carmelo, para a análise da Política Pública da Hanseníase,
com ênfase para os casos de recusa do paciente, portador da doença, em submeter-se
ao tratamento médico recomendado, colocando em risco à saúde coletiva pela
possibilidade de transmissão do bacilo.
2. Considerações Técnicas sobre a Hanseníase
Segundo o Ministério da Saúde (sítio eletrônico www.saude.gov.br), a
hanseníase é uma doença crônica granulomatosa, considerada uma das mais antigas
que acomete o homem. As referências mais remotas datam de 600 anos Antes de
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Cristo, e procedem da Ásia, que, juntamente com a África, podem ser consideradas o
berço da doença.
Trata-se de doença causada pelo Mycobacterium leprae, bacilo
descoberto em 1873 pelo médico Amaneur Hansen, na Noruega. Em homenagem ao
seu descobridor, o bacilo é também chamado de Bacilo de Hansen, micróbio que
apresenta afinidade pela pele e nervos periféricos, com a capacidade de infectar grande
número de indivíduos (alta infectividade), no entanto poucos adoecem (baixa
patogenicidade), tendo em vista que a maioria das pessoas possui boa resistência ao
mesmo.
Situações de pobreza como, precárias condições de vida, desnutrição,
alto índice de ocupação das moradias e outras infecções simultâneas podem favorecer o
desenvolvimento e a propagação da hanseníase, que pode atingir pessoas de ambos os
sexos, em qualquer idade, em áreas endêmicas. Entretanto, é necessário um longo
período de exposição e, ressalta-se, apenas uma pequena parcela da população
infectada adoece.
A transmissão, portanto, se dá entre pessoas, sendo que o indivíduo
doente que apresenta a forma infectante da doença (multibacilar – MB), estando sem
tratamento, elimina o bacilo pelas vias respiratórias (secreções nasais, tosses, espirros),
podendo, assim, transmiti-lo para outras pessoas suscetíveis.
O contato direto e prolongado com a pessoa doente em ambiente
fechado, com pouca ventilação e ausência de luz solar, também aumenta a chance de
infecção, porém não há necessidade da pessoa infectada ser afastada do trabalho, nem
do convívio familiar e pode manter relações sexuais com seu parceiro ou parceira.
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Como em outras doenças infecciosas, a conversão de infecção em
doença depende de interações entre fatores individuais do hospedeiro, ambientais e do
próprio M. leprae. Devido ao longo período de incubação (2 a 7 anos), a hanseníase é
menos freqüente em menores de 15 anos, contudo, em áreas mais endêmicas, a
exposição precoce, em focos domiciliares, aumenta a incidência de casos nessa faixa
etária. Embora acometa ambos os sexos, observa-se predominância do sexo masculino.
Insta salientar, assim, que há tratamento e cura para a hanseníase,
capaz de cessar a capacidade de transmissão da doença, daí a importância no
diagnóstico precoce e na busca por um tratamento adequado, por se tratar de questão
de saúde pública, de preocupação nacional.
Nesse sentido, o Ministério da Saúde instituiu a Portaria GM nº 3.125,
de 7 de outubro de 2010, que aprova as Diretrizes para Vigilância Atenção e Controle da
hanseníase, revogando a Portaria Conjunta SVS/SAS nº 125, de 26 de março de 2009
de mesma matéria.
A portaria em referência objetiva o fortalecimento das ações de
vigilância epidemiológica da hanseníase, bem como a organização da rede de atenção
integral e promoção da saúde com base na comunicação, educação e mobilização social,
tendo em vista o modelo de intervenção para o controle da endemia baseado no
diagnóstico precoce, tratamento oportuno de todos os casos diagnosticados, prevenção
e tratamento de incapacidades e vigilância dos contatos domiciliares e a existência de
transmissão ativa da hanseníase no Brasil, com ocorrência de novos casos em todas as
unidades federadas, predominantemente nas Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.
A atenção à pessoa com hanseníase, suas complicações e seqüelas,
deve ser ofertada, portanto, em toda rede do Sistema Único de Saúde, de acordo com a
necessidade de cada caso, sendo que sua notificação é compulsória em todo o território
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nacional e de investigação obrigatória, mediante o preenchimento da ficha de
notificação
e
investigação
do
Sistema
de
Informação
de
Agravos
de
Notificação/Investigação – SINAN, constante do Anexo I dessa portaria.
Considera-se um caso de hanseníase a pessoa que apresenta um ou
mais dos seguintes sinais cardinais e que necessita de tratamento poliquimioterápico:
a) lesão(ões) e/ou área(s) da pele com alteração de sensibilidade;
b) acometimento de nervo(s) periférico(s), com ou sem espessamento,
associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas; e
c) baciloscopia positiva de esfregaço intradérmico.
A classificação operacional do caso de hanseníase, visando definir o
esquema de tratamento com poliquimioterapia, é baseada no número de lesões
cutâneas, de acordo com os seguintes critérios:
PAUCIBACILAR (PB) - casos com até cinco lesões de pele; e
MULTIBACILAR (MB) - casos com mais de cinco lesões de pele.
Os sinais e sintomas mais freqüentes da hanseníase são manchas em
áreas da pele, com diminuição de sensibilidade térmica (ao calor e frio), tátil (ao tato) e
a dor, que podem estar em qualquer parte do corpo, principalmente nas extremidades
das mãos e dos pés, na face, nas orelhas, no tronco, nas nádegas e nas pernas.
O diagnóstico de caso de hanseníase é essencialmente clínico e
epidemiológico, realizado através da análise da história e das condições de vida do
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paciente, do exame dermatoneurológico para identificar lesões ou áreas de pele com
alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos (sensitivo,
motor e/ou autonômico).
O tratamento é eminentemente ambulatorial. Nos serviços básicos de
saúde (Atenção Primária), administra-se uma associação de medicamentos, a
poliquimioterapia (PQT/OMS). A PQT/OMS mata o bacilo e evita a evolução da doença,
prevenindo as incapacidades e deformidades por ela causadas, levando à cura. O bacilo
morto é incapaz de infectar outras pessoas, rompendo a cadeia epidemiológica da
doença. Assim sendo, conforme salientado anteriormente, logo no início do tratamento
a transmissão da doença é interrompida e, se realizado de forma completa e correta,
garante a cura da doença.
A PQT/OMS é constituída pelo conjunto dos seguintes medicamentos:
rifampicina, dapsona e clofazimina, com administração associada. Essa associação evita
a resistência medicamentosa do bacilo que ocorre, com frequência, quando se utiliza
apenas um medicamento, impossibilitando a cura da doença. É administrada através de
esquema padrão, de acordo com a classificação operacional do doente em paucibacilar
e multibacilar.
A informação sobre a classificação do doente é fundamental para se
selecionar o esquema de tratamento adequado ao seu caso. Para crianças com
hanseníase, a dose dos medicamentos do esquema padrão é ajustada de acordo com a
idade e peso. Já no caso de pessoas com intolerância a um dos medicamentos do
esquema padrão, são indicados esquemas alternativos.
Ressaltamos que podem suceder reações hansênicas ou
estados
reacionais que são alterações do sistema imunológico que se exteriorizam como
manifestações inflamatórias agudas e subagudas. Ocorrem mais freqüentemente nos
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casos MB e podem aparecer antes (às vezes, levando à suspeição diagnóstica de
hanseníase), durante ou depois do tratamento com Poliquimioterapia (PQT), sendo as
seguintes:

Reação Tipo 1 ou reação reversa (RR) – caracteriza-se pelo aparecimento de
novas lesões dermatológicas (manchas ou placas), infiltração, alterações de cor e
edema nas lesões antigas, com ou sem espessamento e dor de nervos periféricos
(neurite).

Reação Tipo 2, cuja manifestação clínica mais frequente é o eritema nodoso
hansênico (ENH) – caracteriza-se por apresentar nódulos subcutâneos dolorosos,
acompanhados ou não de febre, dores articulares e mal-estar generalizado, com
ou sem espessamento e dor de nervos periféricos (neurite).
Esses estados reacionais são a principal causa de lesões dos nervos e de
incapacidades provocadas pela hanseníase. Portanto, é importante que o diagnóstico
das reações seja feito precocemente, para se dar início imediato ao tratamento, visando
prevenir essas incapacidades.
O diagnóstico dos estados reacionais é realizado através do exame físico
geral e dermatoneurológico do paciente. Tais procedimentos são também fundamentais
para o monitoramento do comprometimento de nervos periféricos e avaliação da
terapêutica antirreacional. A identificação dos mesmos não contraindica o início do
tratamento (PQT/OMS). Se os estados reacionais aparecerem durante o tratamento,
esse não deve ser interrompido, mesmo porque reduz significativamente a freqüência e
a gravidade dos mesmos. Se forem observados após o tratamento específico para a
hanseníase, não é necessário reiniciá-lo e sim iniciar a terapêutica antirreacional.
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Além da possibilidade de reações em portador de hanseníase, assim
como nos medicamentos em geral, aqueles utilizados na poliquimioterapia e no
tratamento dos estados reacionais, podem provocar efeitos colaterais. No entanto, os
trabalhos bem controlados, publicados na literatura disponível, permitem afirmar que o
tratamento PQT/OMS raramente precisa ser interrompido em virtude de efeitos
colaterais. No mundo, mais de 25 milhões de pessoas já utilizaram a PQT nos últimos 25
anos.
Nos casos suspeitos de efeitos adversos aos medicamentos da PQT
deve-se
suspender
temporariamente
o
esquema
terapêutico,
com
imediato
encaminhamento do(a) paciente para avaliação em serviço de referência (municipal,
regional, estadual ou nacional), com apoio de exames laboratoriais complementares e
prescrição da conduta adequada.
Ademais, a portaria em referência ainda traça, detalhadamente, as
diretrizes acerca do tratamento poliquimioterápico, estabelecendo que os pacientes
devem ser agendados para retorno a cada 28 dias. Nessas consultas eles tomam a dose
supervisionada no serviço de saúde e recebem a cartela com os medicamentos das
doses a serem autoadministradas em domicílio. Esta oportunidade deve ser aproveitada
para avaliação do(a) paciente, esclarecimento de dúvidas e orientações. Além disso,
deve-se reforçar a importância do exame dos contatos, agendando o exame clínico e a
vacinação.
Os pacientes que não comparecerem à dose supervisionada deverão ser
visitados em domicílio, no máximo em até 30 dias, buscando-se continuar o tratamento
e evitar o abandono. No retorno para tomar a dose supervisionada, o(a) paciente deve
ser submetido(a) à revisão sistemática por médico(a) e/ou enfermeiro(a) responsáveis
pelo monitoramento clínico e terapêutico. Essa medida visa identificar reações
hansênicas, efeitos adversos aos medicamentos e dano neural. Em caso de reações ou
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outras intercorrências, os(as) pacientes devem ser examinados a(s) em intervalos
menores.
A demonstração e a prática de autocuidado devem fazer parte das
orientações de rotina do atendimento mensal sendo recomendada a organização de
grupos de pacientes e familiares ou de pessoas de sua convivência que possam apoiálos na execução dos procedimentos recomendados. A prática das técnicas de
autocuidado deve ser avaliada sistematicamente para evitar piora do dano neural por
execução inadequada. Em todas as situações, o esforço realizado pelos(as) pacientes
deve ser valorizado para estimular a continuidade das práticas de autocuidado apoiado.
O encerramento da Poliquimioterapia (alta por cura) está condicionado,
portanto, à regularidade do tratamento, conforme os seguintes critérios: número de
doses e tempo de tratamento, sempre com avaliação neurológica simplificada, avaliação
do grau de incapacidade física e orientação para os cuidados pós-alta.
O Programa Nacional de Controle da Hanseníase ainda salienta a
importância do diagnóstico precoce como principal forma de prevenir a instalação de
deficiências e incapacidades físicas. A prevenção de deficiências (temporárias) e
incapacidades (permanentes) não deve ser dissociada do tratamento PQT. Essas ações
devem fazer parte da rotina dos serviços de saúde e serem recomendadas para todos os
pacientes.
As ações e controle da hanseníase possuem um caráter amplo, de
forma a dar atenção desde as áreas de ex-colônias da doença, ainda ocupadas por
portadores, apesar do isolamento compulsório no Brasil ter sido abolido desde 1962, até
a busca pela estruturação de uma política nacional de vigilância epidemiológica.
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Essa política engloba a coleta, processamento, análise e interpretação
dos dados referentes aos casos de hanseníase e seus contatos. A produção e divulgação
das informações subsidiam análises e avaliações da efetividade das intervenções e
embasam o planejamento de novas ações e recomendações a serem implementadas.
A vigilância epidemiológica deve ser organizada, portanto, em todos os
níveis de atenção, da unidade básica de saúde à atenção especializada ambulatorial e
hospitalar, de modo a garantir informações sobre a distribuição, a magnitude e a carga
de
morbidade
da
doença
nas
diversas
áreas
geográficas.
Ela
propicia
o
acompanhamento rotineiro das principais ações estratégicas para o controle da
hanseníase.
A descoberta de caso de hanseníase é feita por meio da detecção ativa
(investigação epidemiológica de contatos, e exame de coletividade, como inquéritos e
campanhas) e passiva (demanda espontânea e encaminhamento), considerando-se caso
novo de hanseníase a pessoa que nunca recebeu qualquer tratamento específico.
Por ser a hanseníase uma doença infecciosa crônica, os casos
notificados demandam atualização das informações do acompanhamento pela unidade
de saúde, por meio do preenchimento mensal do Boletim de Acompanhamento de
Hanseníase do SINAN, a ser encaminhado pela unidade de saúde ao final de cada mês,
ao nível hierárquico superior informatizado.
Configura saída por "abandono"
quando o doente que ainda não
concluiu o tratamento não compareceu ao serviço de saúde nos últimos 12 meses, tanto
nos casos PB quanto nos MB.
O controle da hanseníase envolve ainda a investigação epidemiológica
no âmbito intradomiciliar e tem por finalidade a descoberta de casos entre aqueles que
convivem ou conviveram com o doente e suas possíveis fontes de infecção,
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considerando-se contato intradomiciliar, para fins operacionais, toda e qualquer pessoa
que reside ou tenha residido com o doente nos últimos 5 anos.
Ressalta-se que, nesses contatos intradomiciliares, a vacina BCG (Bacilo
de Calmette – Guerin) pode ser recomendada desde que sem presença de sinais e
sintomas de hanseníase no momento da avaliação, independentemente de serem
contatos de casos PB ou MB, sendo que não se trata de uma vacina específica para este
agravo e neste grupo é destinada, prioritariamente, aos contatos intradomiciliares,
conforme os critérios estabelecidos na portaria em referência.
No que tange à organização das ações de controle da hanseníase,
destaca-se que o Ministério da Saúde é responsável pela programação, aquisição e
distribuição nacional dos medicamentos, com a participação das Secretarias Estaduais
de Saúde. Cabe às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde a gestão da distribuição
às unidades de saúde onde são dispensados, zelando para que não haja
descontinuidade na oferta desses medicamentos.
Dessa forma, é de responsabilidade da unidade básica de saúde
disponibilizar o tratamento completo Poliquimioterápico (PQT/OMS) para cada caso,
conforme faixa etária e classificação operacional. A programação deverá ser feita de
acordo com o número de casos PB e MB esperados. O armazenamento da medicação
deve ser feito em local arejado, sem umidade, calor ou luminosidade excessiva.
Também é de responsabilidade dos serviços de referência municipais,
regionais, estaduais e nacionais disponibilizar o tratamento completo para cada caso
que necessitar dos esquemas substitutivos, assim como cabe ao Ministério da Saúde
disponibilizar às Secretarias de Saúde os medicamentos antirreacionais.
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Outros insumos, como material para testes de sensibilidade e para
coleta de material para baciloscopia, devem estar disponíveis em todos os serviços de
saúde, além dos insumos para exames complementares na elucidação de casos de difícil
diagnóstico.
Para atenção integral à pessoa com hanseníase e suas complicações ou
seqüelas, nos serviços com incorporação de tecnologias diferenciadas na rede de saúde,
deve-se estruturar, organizar e oficializar as referências estaduais, regionais e
municipais, e o sistema de contrarreferência, conforme as políticas vigentes do SUS,
definidas através de pactuações nos colegiados de gestão regionais e comissões
bipartites e tripartite, que estabelecem as atribuições das Secretarias de Saúde dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de acordo com as respectivas condições
de gestão e divisão de responsabilidades.
Na
presença
de
intercorrências
clínicas,
reações
adversas
ao
tratamento, reações hansênicas, recidivas e necessidade de reabilitação cirúrgica, além
de dúvidas no diagnóstico e na conduta, o caso deverá ser encaminhado para os
serviços de referência.
Esse encaminhamento deverá ser realizado após agendamento prévio
na unidade de referência, acompanhado de formulário contendo todas as informações
necessárias ao atendimento (motivo do encaminhamento, resumo da história clínica,
resultados de exames realizados, diagnóstico, evolução clínica, esquema terapêutico e
dose a que o paciente está submetido, entre outras).
Do mesmo modo, a contrarreferência deverá ser acompanhada de
formulário próprio, contendo informações detalhadas a respeito do atendimento
prestado e das condutas e orientações para o seguimento do (a) paciente no
estabelecimento de origem.
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Também, referida portaria do Ministério da Saúde prevê o procedimento
de atendimento do portador de hanseníase, o prontuário, a documentação, o
acompanhamento e agendamento da dose supervisionada, assim como o fluxo de
informação dos casos detectados, com o envio sistemático de dados e atualização
permanente do sistema de informações, desde o nível municipal ao federal.
O Programa Nacional de Controle da Hanseníase salienta, por último, a
importância da comunicação em saúde, educação e mobilização social do tema, de
forma a garantir o controle da doença no território nacional, com a conscientização da
população, reintegração social do portador da hanseníase e empenho dos profissionais
da saúde no diagnóstico e trato da doença, cabendo às três esferas de governo
trabalhar em parceria com as demais instituições e entidades da sociedade civil para a
divulgação de informações atualizadas sobre a hanseníase e atenção integral ao
portador de hanseníase ou de suas seqüelas.
Importante destacar, também, a Portaria nº 150, de 2 de outubro de
2009, da Secretaria de Vigilância Sanitária, que institui o Comitê Técnico de Assessor de
Hanseníase – CTAH, de caráter consultivo, com a finalidade de assessorar o Programa
Nacional de Controle da Hanseníase - PNCH nos aspectos técnicos necessários ao
controle da Hanseníase, e a Portaria nº 594, de 29 de outubro de 2010, do MS/SAS, que
inclui na tabela de serviços especializados/classificação do SCNES o Serviço de Atenção
Integral em Hanseníase, definindo seus tipos e responsabilidades das Secretarias de
Saúde Municipais e Estaduais na implantação do serviço.
3) Recusa de paciente, portador de hanseníase, ao tratamento médico
recomendado.
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No caso concreto, o usuário, residente no município de Romaria, foi
diagnosticado com hanseníase há aproximadamente 20 anos, com histórico de
alcoolismo e possivelmente usuário de drogas. Recusa-se a submeter-se ao tratamento,
apesar das visitas domiciliares da Equipe Multiprofissional da Unidade de Saúde local.
Anteriormente, este Centro de Apoio (CAO-Saúde) externou seu
entendimento em demanda semelhante, conforme Parecer Técnico Jurídico nº 024/2007
(cópia anexa). Tratava-se de recusa de paciente, portador de tuberculose, ao
tratamento médico recomendado. Nosso entendimento foi no sentido de que aquela
injustificada recusa oferecia risco à coletividade, à saúde das pessoas do seu convívio,
além do iminente risco à vida do paciente. Assim, justificada a atuação sanitária em
detrimento da liberdade individual (direito de personalidade) para proteção a saúde
coletiva.
Apesar de ser uma doença crônica de baixa patogenicidade, ou seja,
poucos indivíduos adoecem, já que a maioria da população possui boa resistência ao
bacilo, a precariedade ou falta do tratamento está diretamente relacionada à
transmissão da moléstia, o que configura um problema de saúde pública.
A hanseníase é a doença contagiosa com o menor índice de
transmissão, e cerca de 70% dos novos casos diagnosticados são formas não
infectantes. Entre 90% e 95% da população têm boa resistência contra a doença. O
mais importante é levar a informação para o maior número possível de pessoas para
que tenham consciência de que surgindo manchas vermelhas ou brancas na pele o
médico deve ser procurado, pois a hanseníase tem cura e quanto mais rápido o
diagnóstico menor a possibilidade de se desenvolver seqüelas.
Alguns países, como, por exemplo, os Estados Unidos há leis em todos
os 50 (cinqüenta) estados americanos com previsão da internação compulsória para os
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pacientes, portadores de tuberculose, que se recusam ao tratamento médico
disponibilizado.
Minas Gerais é o primeiro estado brasileiro a instituir uma legislação
estadual versando sobre Política de Educação Preventiva contra a Hanseníase e de
Combate ao Preconceito. Trata-se da lei nº 15.439, de 11 de janeiro de 2005,
regulamentada pelo Decreto nº 44.269, de 31 de março de 2006.
Os fundamentos técnicos/jurídicos utilizados no referido Parecer Técnico
Jurídico, também podem ser aplicados no caso concreto, ou seja, recusa de paciente ao
tratamento de hanseníase.
4. Conclusão
Feitas
essas
considerações,
de
natureza
técnica
e
jurídica,
apresentamos as seguintes conclusões e sugestões:
(a)
instauração
de
procedimento
administrativo,
a
partir
dos
documentos encaminhados pela Secretaria Municipal de Saúde;
(b) verificar junto à Secretaria Municipal de Saúde a possibilidade do
convencimento do paciente, mediante utilização de todas as estratégias, visando a
adesão do paciente ao tratamento supervisionado (diariamente). Essa estratégia poderá
ser feita conjuntamente com o apoio de entidades não governamentais, como, por
exemplo, associação dos portadores de hanseníase;
(c) notificação do usuário, portador da Hanseníase, para os fins de
apuração das razões pelas quais tem-se negado ao tratamento, oportunidade que
deverá ser esclarecido sobre os riscos da doença para sua saúde e a de seus convivas,
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com possibilidade de sua responsabilização criminal, se for o caso, (artigo 131 e 132,
CP) pela sua omissão;
(d) caso concorde com o tratamento, encaminhá-lo para o serviço de
tratamento da hanseníase da Secretaria Municipal de Saúde, solicitando ao Gestor SUS
que mantenha a Promotoria de Justiça informada sobre o tratamento;
(e) havendo a recusa injustificada em se submeter ao tratamento,
poderá, se for o caso, adotar as providências de natureza criminal.
GILMAR DE ASSIS
Promotor de Justiça
Coordenador CAO-SAÚDE
Nêmora Brant Drumond Cenachi
Analista do Ministério Público