1 Rua Dias Adorno, 367 – 8º andar – Santo Agostinho 30190-100 – BELO HORIZONTE – MG Telefone: 3330-9515/33308399 – e-mail: [email protected] PARECER TÉCNICO JURÍDICO Nº 010/2011 Objeto: Consulta. Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Comarca de Monte Carmelo. Política Nacional da Hanseníase. Recusa de paciente ao tratamento. Limites da liberdade individual. Perigo à saúde coletiva. Lei estadual nº 15.430, de 2005. Decreto nº 44.269, de 2006. Possibilidade de responsabilização criminal (artigos 131 e 132, do Código Penal). 1. Relatório. Cuida-se de consulta feita pela Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Comarca de Monte Carmelo, para a análise da Política Pública da Hanseníase, com ênfase para os casos de recusa do paciente, portador da doença, em submeter-se ao tratamento médico recomendado, colocando em risco à saúde coletiva pela possibilidade de transmissão do bacilo. 2. Considerações Técnicas sobre a Hanseníase Segundo o Ministério da Saúde (sítio eletrônico www.saude.gov.br), a hanseníase é uma doença crônica granulomatosa, considerada uma das mais antigas que acomete o homem. As referências mais remotas datam de 600 anos Antes de 2 Cristo, e procedem da Ásia, que, juntamente com a África, podem ser consideradas o berço da doença. Trata-se de doença causada pelo Mycobacterium leprae, bacilo descoberto em 1873 pelo médico Amaneur Hansen, na Noruega. Em homenagem ao seu descobridor, o bacilo é também chamado de Bacilo de Hansen, micróbio que apresenta afinidade pela pele e nervos periféricos, com a capacidade de infectar grande número de indivíduos (alta infectividade), no entanto poucos adoecem (baixa patogenicidade), tendo em vista que a maioria das pessoas possui boa resistência ao mesmo. Situações de pobreza como, precárias condições de vida, desnutrição, alto índice de ocupação das moradias e outras infecções simultâneas podem favorecer o desenvolvimento e a propagação da hanseníase, que pode atingir pessoas de ambos os sexos, em qualquer idade, em áreas endêmicas. Entretanto, é necessário um longo período de exposição e, ressalta-se, apenas uma pequena parcela da população infectada adoece. A transmissão, portanto, se dá entre pessoas, sendo que o indivíduo doente que apresenta a forma infectante da doença (multibacilar – MB), estando sem tratamento, elimina o bacilo pelas vias respiratórias (secreções nasais, tosses, espirros), podendo, assim, transmiti-lo para outras pessoas suscetíveis. O contato direto e prolongado com a pessoa doente em ambiente fechado, com pouca ventilação e ausência de luz solar, também aumenta a chance de infecção, porém não há necessidade da pessoa infectada ser afastada do trabalho, nem do convívio familiar e pode manter relações sexuais com seu parceiro ou parceira. 3 Como em outras doenças infecciosas, a conversão de infecção em doença depende de interações entre fatores individuais do hospedeiro, ambientais e do próprio M. leprae. Devido ao longo período de incubação (2 a 7 anos), a hanseníase é menos freqüente em menores de 15 anos, contudo, em áreas mais endêmicas, a exposição precoce, em focos domiciliares, aumenta a incidência de casos nessa faixa etária. Embora acometa ambos os sexos, observa-se predominância do sexo masculino. Insta salientar, assim, que há tratamento e cura para a hanseníase, capaz de cessar a capacidade de transmissão da doença, daí a importância no diagnóstico precoce e na busca por um tratamento adequado, por se tratar de questão de saúde pública, de preocupação nacional. Nesse sentido, o Ministério da Saúde instituiu a Portaria GM nº 3.125, de 7 de outubro de 2010, que aprova as Diretrizes para Vigilância Atenção e Controle da hanseníase, revogando a Portaria Conjunta SVS/SAS nº 125, de 26 de março de 2009 de mesma matéria. A portaria em referência objetiva o fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica da hanseníase, bem como a organização da rede de atenção integral e promoção da saúde com base na comunicação, educação e mobilização social, tendo em vista o modelo de intervenção para o controle da endemia baseado no diagnóstico precoce, tratamento oportuno de todos os casos diagnosticados, prevenção e tratamento de incapacidades e vigilância dos contatos domiciliares e a existência de transmissão ativa da hanseníase no Brasil, com ocorrência de novos casos em todas as unidades federadas, predominantemente nas Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. A atenção à pessoa com hanseníase, suas complicações e seqüelas, deve ser ofertada, portanto, em toda rede do Sistema Único de Saúde, de acordo com a necessidade de cada caso, sendo que sua notificação é compulsória em todo o território 4 nacional e de investigação obrigatória, mediante o preenchimento da ficha de notificação e investigação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação/Investigação – SINAN, constante do Anexo I dessa portaria. Considera-se um caso de hanseníase a pessoa que apresenta um ou mais dos seguintes sinais cardinais e que necessita de tratamento poliquimioterápico: a) lesão(ões) e/ou área(s) da pele com alteração de sensibilidade; b) acometimento de nervo(s) periférico(s), com ou sem espessamento, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas; e c) baciloscopia positiva de esfregaço intradérmico. A classificação operacional do caso de hanseníase, visando definir o esquema de tratamento com poliquimioterapia, é baseada no número de lesões cutâneas, de acordo com os seguintes critérios: PAUCIBACILAR (PB) - casos com até cinco lesões de pele; e MULTIBACILAR (MB) - casos com mais de cinco lesões de pele. Os sinais e sintomas mais freqüentes da hanseníase são manchas em áreas da pele, com diminuição de sensibilidade térmica (ao calor e frio), tátil (ao tato) e a dor, que podem estar em qualquer parte do corpo, principalmente nas extremidades das mãos e dos pés, na face, nas orelhas, no tronco, nas nádegas e nas pernas. O diagnóstico de caso de hanseníase é essencialmente clínico e epidemiológico, realizado através da análise da história e das condições de vida do 5 paciente, do exame dermatoneurológico para identificar lesões ou áreas de pele com alteração de sensibilidade e/ou comprometimento de nervos periféricos (sensitivo, motor e/ou autonômico). O tratamento é eminentemente ambulatorial. Nos serviços básicos de saúde (Atenção Primária), administra-se uma associação de medicamentos, a poliquimioterapia (PQT/OMS). A PQT/OMS mata o bacilo e evita a evolução da doença, prevenindo as incapacidades e deformidades por ela causadas, levando à cura. O bacilo morto é incapaz de infectar outras pessoas, rompendo a cadeia epidemiológica da doença. Assim sendo, conforme salientado anteriormente, logo no início do tratamento a transmissão da doença é interrompida e, se realizado de forma completa e correta, garante a cura da doença. A PQT/OMS é constituída pelo conjunto dos seguintes medicamentos: rifampicina, dapsona e clofazimina, com administração associada. Essa associação evita a resistência medicamentosa do bacilo que ocorre, com frequência, quando se utiliza apenas um medicamento, impossibilitando a cura da doença. É administrada através de esquema padrão, de acordo com a classificação operacional do doente em paucibacilar e multibacilar. A informação sobre a classificação do doente é fundamental para se selecionar o esquema de tratamento adequado ao seu caso. Para crianças com hanseníase, a dose dos medicamentos do esquema padrão é ajustada de acordo com a idade e peso. Já no caso de pessoas com intolerância a um dos medicamentos do esquema padrão, são indicados esquemas alternativos. Ressaltamos que podem suceder reações hansênicas ou estados reacionais que são alterações do sistema imunológico que se exteriorizam como manifestações inflamatórias agudas e subagudas. Ocorrem mais freqüentemente nos 6 casos MB e podem aparecer antes (às vezes, levando à suspeição diagnóstica de hanseníase), durante ou depois do tratamento com Poliquimioterapia (PQT), sendo as seguintes: Reação Tipo 1 ou reação reversa (RR) – caracteriza-se pelo aparecimento de novas lesões dermatológicas (manchas ou placas), infiltração, alterações de cor e edema nas lesões antigas, com ou sem espessamento e dor de nervos periféricos (neurite). Reação Tipo 2, cuja manifestação clínica mais frequente é o eritema nodoso hansênico (ENH) – caracteriza-se por apresentar nódulos subcutâneos dolorosos, acompanhados ou não de febre, dores articulares e mal-estar generalizado, com ou sem espessamento e dor de nervos periféricos (neurite). Esses estados reacionais são a principal causa de lesões dos nervos e de incapacidades provocadas pela hanseníase. Portanto, é importante que o diagnóstico das reações seja feito precocemente, para se dar início imediato ao tratamento, visando prevenir essas incapacidades. O diagnóstico dos estados reacionais é realizado através do exame físico geral e dermatoneurológico do paciente. Tais procedimentos são também fundamentais para o monitoramento do comprometimento de nervos periféricos e avaliação da terapêutica antirreacional. A identificação dos mesmos não contraindica o início do tratamento (PQT/OMS). Se os estados reacionais aparecerem durante o tratamento, esse não deve ser interrompido, mesmo porque reduz significativamente a freqüência e a gravidade dos mesmos. Se forem observados após o tratamento específico para a hanseníase, não é necessário reiniciá-lo e sim iniciar a terapêutica antirreacional. 7 Além da possibilidade de reações em portador de hanseníase, assim como nos medicamentos em geral, aqueles utilizados na poliquimioterapia e no tratamento dos estados reacionais, podem provocar efeitos colaterais. No entanto, os trabalhos bem controlados, publicados na literatura disponível, permitem afirmar que o tratamento PQT/OMS raramente precisa ser interrompido em virtude de efeitos colaterais. No mundo, mais de 25 milhões de pessoas já utilizaram a PQT nos últimos 25 anos. Nos casos suspeitos de efeitos adversos aos medicamentos da PQT deve-se suspender temporariamente o esquema terapêutico, com imediato encaminhamento do(a) paciente para avaliação em serviço de referência (municipal, regional, estadual ou nacional), com apoio de exames laboratoriais complementares e prescrição da conduta adequada. Ademais, a portaria em referência ainda traça, detalhadamente, as diretrizes acerca do tratamento poliquimioterápico, estabelecendo que os pacientes devem ser agendados para retorno a cada 28 dias. Nessas consultas eles tomam a dose supervisionada no serviço de saúde e recebem a cartela com os medicamentos das doses a serem autoadministradas em domicílio. Esta oportunidade deve ser aproveitada para avaliação do(a) paciente, esclarecimento de dúvidas e orientações. Além disso, deve-se reforçar a importância do exame dos contatos, agendando o exame clínico e a vacinação. Os pacientes que não comparecerem à dose supervisionada deverão ser visitados em domicílio, no máximo em até 30 dias, buscando-se continuar o tratamento e evitar o abandono. No retorno para tomar a dose supervisionada, o(a) paciente deve ser submetido(a) à revisão sistemática por médico(a) e/ou enfermeiro(a) responsáveis pelo monitoramento clínico e terapêutico. Essa medida visa identificar reações hansênicas, efeitos adversos aos medicamentos e dano neural. Em caso de reações ou 8 outras intercorrências, os(as) pacientes devem ser examinados a(s) em intervalos menores. A demonstração e a prática de autocuidado devem fazer parte das orientações de rotina do atendimento mensal sendo recomendada a organização de grupos de pacientes e familiares ou de pessoas de sua convivência que possam apoiálos na execução dos procedimentos recomendados. A prática das técnicas de autocuidado deve ser avaliada sistematicamente para evitar piora do dano neural por execução inadequada. Em todas as situações, o esforço realizado pelos(as) pacientes deve ser valorizado para estimular a continuidade das práticas de autocuidado apoiado. O encerramento da Poliquimioterapia (alta por cura) está condicionado, portanto, à regularidade do tratamento, conforme os seguintes critérios: número de doses e tempo de tratamento, sempre com avaliação neurológica simplificada, avaliação do grau de incapacidade física e orientação para os cuidados pós-alta. O Programa Nacional de Controle da Hanseníase ainda salienta a importância do diagnóstico precoce como principal forma de prevenir a instalação de deficiências e incapacidades físicas. A prevenção de deficiências (temporárias) e incapacidades (permanentes) não deve ser dissociada do tratamento PQT. Essas ações devem fazer parte da rotina dos serviços de saúde e serem recomendadas para todos os pacientes. As ações e controle da hanseníase possuem um caráter amplo, de forma a dar atenção desde as áreas de ex-colônias da doença, ainda ocupadas por portadores, apesar do isolamento compulsório no Brasil ter sido abolido desde 1962, até a busca pela estruturação de uma política nacional de vigilância epidemiológica. 9 Essa política engloba a coleta, processamento, análise e interpretação dos dados referentes aos casos de hanseníase e seus contatos. A produção e divulgação das informações subsidiam análises e avaliações da efetividade das intervenções e embasam o planejamento de novas ações e recomendações a serem implementadas. A vigilância epidemiológica deve ser organizada, portanto, em todos os níveis de atenção, da unidade básica de saúde à atenção especializada ambulatorial e hospitalar, de modo a garantir informações sobre a distribuição, a magnitude e a carga de morbidade da doença nas diversas áreas geográficas. Ela propicia o acompanhamento rotineiro das principais ações estratégicas para o controle da hanseníase. A descoberta de caso de hanseníase é feita por meio da detecção ativa (investigação epidemiológica de contatos, e exame de coletividade, como inquéritos e campanhas) e passiva (demanda espontânea e encaminhamento), considerando-se caso novo de hanseníase a pessoa que nunca recebeu qualquer tratamento específico. Por ser a hanseníase uma doença infecciosa crônica, os casos notificados demandam atualização das informações do acompanhamento pela unidade de saúde, por meio do preenchimento mensal do Boletim de Acompanhamento de Hanseníase do SINAN, a ser encaminhado pela unidade de saúde ao final de cada mês, ao nível hierárquico superior informatizado. Configura saída por "abandono" quando o doente que ainda não concluiu o tratamento não compareceu ao serviço de saúde nos últimos 12 meses, tanto nos casos PB quanto nos MB. O controle da hanseníase envolve ainda a investigação epidemiológica no âmbito intradomiciliar e tem por finalidade a descoberta de casos entre aqueles que convivem ou conviveram com o doente e suas possíveis fontes de infecção, 10 considerando-se contato intradomiciliar, para fins operacionais, toda e qualquer pessoa que reside ou tenha residido com o doente nos últimos 5 anos. Ressalta-se que, nesses contatos intradomiciliares, a vacina BCG (Bacilo de Calmette – Guerin) pode ser recomendada desde que sem presença de sinais e sintomas de hanseníase no momento da avaliação, independentemente de serem contatos de casos PB ou MB, sendo que não se trata de uma vacina específica para este agravo e neste grupo é destinada, prioritariamente, aos contatos intradomiciliares, conforme os critérios estabelecidos na portaria em referência. No que tange à organização das ações de controle da hanseníase, destaca-se que o Ministério da Saúde é responsável pela programação, aquisição e distribuição nacional dos medicamentos, com a participação das Secretarias Estaduais de Saúde. Cabe às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde a gestão da distribuição às unidades de saúde onde são dispensados, zelando para que não haja descontinuidade na oferta desses medicamentos. Dessa forma, é de responsabilidade da unidade básica de saúde disponibilizar o tratamento completo Poliquimioterápico (PQT/OMS) para cada caso, conforme faixa etária e classificação operacional. A programação deverá ser feita de acordo com o número de casos PB e MB esperados. O armazenamento da medicação deve ser feito em local arejado, sem umidade, calor ou luminosidade excessiva. Também é de responsabilidade dos serviços de referência municipais, regionais, estaduais e nacionais disponibilizar o tratamento completo para cada caso que necessitar dos esquemas substitutivos, assim como cabe ao Ministério da Saúde disponibilizar às Secretarias de Saúde os medicamentos antirreacionais. 11 Outros insumos, como material para testes de sensibilidade e para coleta de material para baciloscopia, devem estar disponíveis em todos os serviços de saúde, além dos insumos para exames complementares na elucidação de casos de difícil diagnóstico. Para atenção integral à pessoa com hanseníase e suas complicações ou seqüelas, nos serviços com incorporação de tecnologias diferenciadas na rede de saúde, deve-se estruturar, organizar e oficializar as referências estaduais, regionais e municipais, e o sistema de contrarreferência, conforme as políticas vigentes do SUS, definidas através de pactuações nos colegiados de gestão regionais e comissões bipartites e tripartite, que estabelecem as atribuições das Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de acordo com as respectivas condições de gestão e divisão de responsabilidades. Na presença de intercorrências clínicas, reações adversas ao tratamento, reações hansênicas, recidivas e necessidade de reabilitação cirúrgica, além de dúvidas no diagnóstico e na conduta, o caso deverá ser encaminhado para os serviços de referência. Esse encaminhamento deverá ser realizado após agendamento prévio na unidade de referência, acompanhado de formulário contendo todas as informações necessárias ao atendimento (motivo do encaminhamento, resumo da história clínica, resultados de exames realizados, diagnóstico, evolução clínica, esquema terapêutico e dose a que o paciente está submetido, entre outras). Do mesmo modo, a contrarreferência deverá ser acompanhada de formulário próprio, contendo informações detalhadas a respeito do atendimento prestado e das condutas e orientações para o seguimento do (a) paciente no estabelecimento de origem. 12 Também, referida portaria do Ministério da Saúde prevê o procedimento de atendimento do portador de hanseníase, o prontuário, a documentação, o acompanhamento e agendamento da dose supervisionada, assim como o fluxo de informação dos casos detectados, com o envio sistemático de dados e atualização permanente do sistema de informações, desde o nível municipal ao federal. O Programa Nacional de Controle da Hanseníase salienta, por último, a importância da comunicação em saúde, educação e mobilização social do tema, de forma a garantir o controle da doença no território nacional, com a conscientização da população, reintegração social do portador da hanseníase e empenho dos profissionais da saúde no diagnóstico e trato da doença, cabendo às três esferas de governo trabalhar em parceria com as demais instituições e entidades da sociedade civil para a divulgação de informações atualizadas sobre a hanseníase e atenção integral ao portador de hanseníase ou de suas seqüelas. Importante destacar, também, a Portaria nº 150, de 2 de outubro de 2009, da Secretaria de Vigilância Sanitária, que institui o Comitê Técnico de Assessor de Hanseníase – CTAH, de caráter consultivo, com a finalidade de assessorar o Programa Nacional de Controle da Hanseníase - PNCH nos aspectos técnicos necessários ao controle da Hanseníase, e a Portaria nº 594, de 29 de outubro de 2010, do MS/SAS, que inclui na tabela de serviços especializados/classificação do SCNES o Serviço de Atenção Integral em Hanseníase, definindo seus tipos e responsabilidades das Secretarias de Saúde Municipais e Estaduais na implantação do serviço. 3) Recusa de paciente, portador de hanseníase, ao tratamento médico recomendado. 13 No caso concreto, o usuário, residente no município de Romaria, foi diagnosticado com hanseníase há aproximadamente 20 anos, com histórico de alcoolismo e possivelmente usuário de drogas. Recusa-se a submeter-se ao tratamento, apesar das visitas domiciliares da Equipe Multiprofissional da Unidade de Saúde local. Anteriormente, este Centro de Apoio (CAO-Saúde) externou seu entendimento em demanda semelhante, conforme Parecer Técnico Jurídico nº 024/2007 (cópia anexa). Tratava-se de recusa de paciente, portador de tuberculose, ao tratamento médico recomendado. Nosso entendimento foi no sentido de que aquela injustificada recusa oferecia risco à coletividade, à saúde das pessoas do seu convívio, além do iminente risco à vida do paciente. Assim, justificada a atuação sanitária em detrimento da liberdade individual (direito de personalidade) para proteção a saúde coletiva. Apesar de ser uma doença crônica de baixa patogenicidade, ou seja, poucos indivíduos adoecem, já que a maioria da população possui boa resistência ao bacilo, a precariedade ou falta do tratamento está diretamente relacionada à transmissão da moléstia, o que configura um problema de saúde pública. A hanseníase é a doença contagiosa com o menor índice de transmissão, e cerca de 70% dos novos casos diagnosticados são formas não infectantes. Entre 90% e 95% da população têm boa resistência contra a doença. O mais importante é levar a informação para o maior número possível de pessoas para que tenham consciência de que surgindo manchas vermelhas ou brancas na pele o médico deve ser procurado, pois a hanseníase tem cura e quanto mais rápido o diagnóstico menor a possibilidade de se desenvolver seqüelas. Alguns países, como, por exemplo, os Estados Unidos há leis em todos os 50 (cinqüenta) estados americanos com previsão da internação compulsória para os 14 pacientes, portadores de tuberculose, que se recusam ao tratamento médico disponibilizado. Minas Gerais é o primeiro estado brasileiro a instituir uma legislação estadual versando sobre Política de Educação Preventiva contra a Hanseníase e de Combate ao Preconceito. Trata-se da lei nº 15.439, de 11 de janeiro de 2005, regulamentada pelo Decreto nº 44.269, de 31 de março de 2006. Os fundamentos técnicos/jurídicos utilizados no referido Parecer Técnico Jurídico, também podem ser aplicados no caso concreto, ou seja, recusa de paciente ao tratamento de hanseníase. 4. Conclusão Feitas essas considerações, de natureza técnica e jurídica, apresentamos as seguintes conclusões e sugestões: (a) instauração de procedimento administrativo, a partir dos documentos encaminhados pela Secretaria Municipal de Saúde; (b) verificar junto à Secretaria Municipal de Saúde a possibilidade do convencimento do paciente, mediante utilização de todas as estratégias, visando a adesão do paciente ao tratamento supervisionado (diariamente). Essa estratégia poderá ser feita conjuntamente com o apoio de entidades não governamentais, como, por exemplo, associação dos portadores de hanseníase; (c) notificação do usuário, portador da Hanseníase, para os fins de apuração das razões pelas quais tem-se negado ao tratamento, oportunidade que deverá ser esclarecido sobre os riscos da doença para sua saúde e a de seus convivas, 15 com possibilidade de sua responsabilização criminal, se for o caso, (artigo 131 e 132, CP) pela sua omissão; (d) caso concorde com o tratamento, encaminhá-lo para o serviço de tratamento da hanseníase da Secretaria Municipal de Saúde, solicitando ao Gestor SUS que mantenha a Promotoria de Justiça informada sobre o tratamento; (e) havendo a recusa injustificada em se submeter ao tratamento, poderá, se for o caso, adotar as providências de natureza criminal. GILMAR DE ASSIS Promotor de Justiça Coordenador CAO-SAÚDE Nêmora Brant Drumond Cenachi Analista do Ministério Público