Metabolismo do Glicogénio

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Metabolismo do Glicogénio; Rui Fontes
Metabolismo do Glicogénio
Índice
1-
A estrutura do glicogénio e a pressão osmótica nas células ....................................................................................... 1
2-
A maior parte do glicogénio do organismo está no fígado e nos músculos esqueléticos ........................................... 1
3-
O papel da glicogenina como iniciador na síntese de novas moléculas de glicogénio .............................................. 2
4-
A síntese de glicogénio a partir de glicose ................................................................................................................. 2
5- A glicogénese indireta envolve a produção de lactato assim como a captação e conversão deste lactato em
glicogénio (via glicose-6-fosfato) nos hepatócitos periportais ........................................................................................... 3
6-
Na glicogenólise as ligações α(1→4) rompem-se por fosforólise e as α(1→6) por hidrólise.................................... 3
7-
A ativação da glicogénese no período pós-prandial contribui para amortecer a subida da glicemia ......................... 3
8-
No período pós-absortivo, a glicogenólise hepática contribui para cerca de metade da produção endógena de glicose
4
9- O glicogénio armazenado numa determinada fibra muscular serve para suprir as necessidades energéticas dessa
fibra muscular ..................................................................................................................................................................... 4
10- A síntase e a fosforílase do glicogénio são reguladas por fosforilação/desfosforilação ............................................ 5
11- Mecanismos alostéricos envolvidos na regulação da síntase e da fosforílase do glicogénio ..................................... 5
12- O papel da glicagina, da insulina e das catecolaminas na regulação do metabolismo do glicogénio ........................ 6
13- No fígado, a glicagina estimula a glicogenólise e inibe a glicogénese via estimulação da cíclase do adenilato e,
consequentemente, da PKA ................................................................................................................................................ 6
14- A ação homeostática da glicagina na correção de situações de hipoglicemia ............................................................ 6
15- Ação da glicose na inibição da glicogenólise e na estimulação da glicogénese hepáticas via ligação a um sítio
alostérico na fosforílase do glicogénio fosforilada ............................................................................................................. 7
16- Mecanismos da ação da glicose na atividade da hexocínase IV ................................................................................ 7
17- Ação da glicose-6-fosfato na estimulação da glicogénese hepática via ligação a um sítio alostérico na síntase do
glicogénio fosforilada ......................................................................................................................................................... 8
18- Mecanismos da ação da insulina na ativação da síntase do glicogénio hepática e muscular ..................................... 8
19- Mecanismos da ação da insulina na ativação da glicogénese e na inibição da glicogenólise nas fibras musculares
esqueléticas ......................................................................................................................................................................... 8
20- Ação das catecolaminas no metabolismo do glicogénio hepático e muscular ........................................................... 8
21- Estimulação da glicogenólise nas fibras musculares em contração ........................................................................... 9
22- Estimulação da glicogenólise hepática durante o exercício físico ............................................................................. 9
1- A estrutura do glicogénio e a pressão osmótica nas células
O glicogénio é um polímero que contém resíduos de glicose ligados por ligações glicosídicas
α(1→4) e, nos locais de ramificação, glicosídicas α(1→6). A sua estrutura pode ser comparada a uma
árvore em que o tronco (1ª camada) se ramifica em dois ramos (2ª camada) e assim sucessivamente.
Estima-se que, in vivo, uma molécula de glicogénio contenha até 60 000 resíduos de glicose e que
cerca de 1/6 das ligações seja de tipo α(1→6). Porque a pressão osmótica depende apenas do número de
moléculas e não do tamanho destas, a formação do glicogénio permite a acumulação de glicose nas
células sem aumentar a pressão osmótica dentro destas.
2- A maior parte do glicogénio do organismo está no fígado e nos músculos esqueléticos
O glicogénio existe no citoplasma de todas as células do organismo, mas é mais abundante no
fígado e músculos esqueléticos e muito escasso na maioria das outras células como, por exemplo, as do
cérebro, do coração e dos rins.
A concentração de glicogénio hepático flutua normalmente entre 1 e 6% (massa/massa de fígado).
Nos músculos esqueléticos as concentrações limite são cerca de 5 vezes inferiores às do fígado mas,
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porque a massa dos músculos é muito superior à do fígado, há normalmente mais glicogénio nos
músculos que no fígado.
Um adulto, após várias refeições ricas em glicídeos, pode acumular cerca de 100 g de glicogénio
no fígado mas, após um ou dois dias em jejum, o glicogénio hepático pode aproximar-se de zero. No caso
dos músculos de um adulto sem treino atlético, o valor máximo pode ser na ordem dos 350 g diminuindo
se, simultaneamente, se fizer exercício físico e a dieta for pobre em glicídeos. É de notar que o glicogénio
que um indivíduo pode acumular no organismo (450 g) é equivalente à glicose que um indivíduo adulto,
com uma dieta normal (e com cerca de 70 kg de peso), oxida por dia.
3- O papel da glicogenina como iniciador na síntese de novas moléculas de glicogénio
Cada molécula de glicogénio encontra-se ligada a uma proteína denominada glicogenina por uma
ligação glicosídica que envolve o “primeiro resíduo de glicose do tronco” e um resíduo de tirosina da
glicogenina. (Numa molécula de glicogénio, o “primeiro resíduo de glicose do tronco” é o único em que o
carbono anomérico não está ligado a outro resíduo de glicose.) A denominação de glicogenina tem
origem no facto de esta proteína estar na génese de cada uma das moléculas de glicogénio funcionando
como iniciador (primer) na formação de uma nova molécula de glicogénio.
4- A síntese de glicogénio a partir de glicose
A glicogénese (ver Fig. 1) é a via metabólica pela qual as moléculas de glicogénio crescem por
transferência de resíduos glicose para os grupos 4-OH livres dos resíduos glicose das extremidades
(camada mais periférica).
(i) Se partirmos de glicose a primeira enzima a atuar é uma cínase de hexoses (no caso do fígado
a hexocínase IV, também conhecida como cínase da glicose) que catalisa a sua fosforilação a glicose-6fosfato (ver Equação 1).
(ii) Pela ação catalítica da fosfoglicomútase, a glicose-6-fosfato sofre isomerização convertendose em glicose-1-fosfato (ver Equação 2).
(iii) A glicose-1-fosfato formada reage com o UTP (uridina-trifosfato) levando à formação de
UDP-glicose (uridina-difosfato de glicose) e PPi (ação catalítica da pirofosforílase da UDP-glicose; ver
Equação 3). Tal como já acontecia na glicose-1-fosfato, na UDP-glicose, a ligação entre o resíduo de
glicose e o fosfato β do UDP é de tipo glicosídica porque envolve o carbono anomérico da glicose.
(iv) No processo de transferência de unidades de glicose para os ramos periféricos do glicogénio
“em crescimento” o dador é o UDP-glicose, a ligação entre a unidade de glicose adicionada e o resíduo de
glicose que a precede é de tipo glicosídica α(1→4) e a enzima que catalisa o processo designa-se por
síntase do glicogénio (ver Equação 4).
(v) Quando um dado ramo atinge um mínimo de 11 resíduos atua a enzima ramificante que
catalisa a transferência intramolecular de uma cadeia com cerca de 7 resíduos de glicose de uma
extremidade para um grupo 6-OH livre de um resíduo de glicose de uma cadeia vizinha. Neste processo
rompe-se uma ligação α(1→4) e forma-se uma ligação α(1→6).
Com exceção da reação catalisada pela fosfoglicomútase todas as reações da glicogénese são
fisiologicamente irreversíveis; no caso da ação da pirofosforílase da UDP-glicose a irreversibilidade é
uma consequência da ação da pirofosfátase inorgânica (ver Equação 5) que mantém a concentração de
PPi dentro das células praticamente nula. A molécula de UTP que se consome durante a glicogénese é
regenerada pela ação da cínase de nucleosídeos-difosfato (ver Equação 6).
Equação 1
Equação 2
Equação 3
Equação 4
Equação 5
Equação 6
glicose + ATP → glicose-6-fosfato + ADP
glicose-6-fosfato ↔ glicose-1-fosfato
glicose-1-fosfato + UTP → UDP-glicose + PPi
UDP-glicose + glicogénio(n resíduos)  glicogénio(n+1 resíduos) + UDP
PPi + H2O → 2 Pi
ATP + UDP ↔ ADP + UTP
O somatório das Equações 1-6 é a Equação 7. A adição de uma molécula de glicose na síntese do
glicogénio é um processo endergónico que ocorre acoplado com a “hidrólise de ligações ricas em energia”
do ATP e do UTP. Considerando a ação da cínase dos nucleosídeos-difosfato também é legítimo dizer
que, partindo de glicose, se gastam duas “ligações ricas em energia” do ATP na formação de uma ligação
glicosídica no glicogénio. O gasto de ATP é uma situação comum nas vias anabólicas.
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Equação 7
glicogénio(n resíduos) + glicose + 2 ATP → glicogénio(n+1 resíduos) + 2 ADP + 2 Pi
5- A glicogénese indireta envolve a produção de lactato assim como a captação e conversão
deste lactato em glicogénio (via glicose-6-fosfato) nos hepatócitos periportais
A via metabólica descrita acima é comumente designada por glicogénese sem mais qualificativos.
No entanto, a seguir a uma refeição que contenha hidratos de carbono (estado pós-prandial) há, pelo
menos no fígado, uma outra via metabólica através da qual a glicose também se converte em glicogénio e
que se designa por glicogénese indireta (ver Fig. 2). A subida da glicemia provoca um aumento no
catabolismo da glicose em múltiplos tecidos incluindo o fígado (hepatócitos perivenosos) o que provoca
aumento da formação e da concentração plasmática de lactato. Este lactato é captado pelos hepatócitos
periportais e, nestas células, através da ação catalítica das enzimas da gliconeogénese forma-se glicose6-fosfato que, por ação das enzimas da glicogénese contribui para a síntese de glicogénio [1, 2]. Esta via
complexa que inclui a glicólise anaeróbica, a gliconeogénese e a conversão da glicose-6-fosfato em
glicogénio designa-se por glicogénese indireta e, quando importa fazer a distinção, a via descrita pelas
Equações 1-6 designa-se por glicogénese direta.
6- Na glicogenólise as ligações α(1→
→4) rompem-se por fosforólise e as α(1→
→6) por hidrólise
No metabolismo do glicogénio, a glicogenólise é a via catabólica (ver Fig. 3).
(i) A fosforílase do glicogénio catalisa a fosforólise do glicogénio; ou seja, catalisa a
transferência de resíduos glicose das extremidades periféricas (com grupos 4-OH livres) para o Pi
formando glicose-1-fosfato (ver Equação 8). Neste processo rompe-se uma ligação glicosídica α(1→4)
entre dois resíduos de glicose e forma-se uma outra ligação glicosídica entre o carbono anomérico da
glicose e o fosfato; por ação da fosforílase os ramos periféricos do glicogénio vão sendo encurtados por
subtração de resíduos de glicose.
(ii) A glicose-1-fosfato formada pela ação da fosforílase sofre isomerização gerando glicose-6fosfato (ver Equação 2).
(iii) A desramificação do glicogénio é catalisada por uma enzima (enzima desramificante) com
duas atividades catalíticas que atuam sequencialmente: (1) transferência intramolecular de maltotriose (3
resíduos de glicose ligados por ligações α(1→4)) de um ramo com 4 resíduos que expõe um resíduo de
glicose ligado por ligação α(1→6) e (2) hidrólise desta ligação α(1→6). Assim, na atividade de
transferência rompe-se uma ligação α(1→4) e forma-se uma outra do mesmo tipo num “ramo” próximo
daquele onde ocorreu a rotura, enquanto na atividade hidrolítica um resíduo de glicose que estava ligado
ao resto da molécula por uma ligação α(1→6) resulta na formação de glicose livre (ver Equação 9).
Equação 8
Equação 9
glicogénio(n resíduos) + Pi → glicogénio(n-1 resíduos) + glicose-1-fosfato
glicogénio(n resíduos; resíduo de glicose “exposto” ligado por ligação α(1→6)) + H2O
→ glicogénio(n-1 resíduos) + glicose
7- A ativação da glicogénese no período pós-prandial contribui para amortecer a subida da
glicemia
No fígado, a glicogénese está ativada e a glicogenólise inibida quando, durante a absorção
intestinal de hidratos de carbono, a glicemia aumenta. Estima-se que, aquando da absorção de uma
refeição contendo glicídeos, cerca de 1/5 da glicose absorvida seja convertida em glicogénio hepático
durante as 5 horas que se seguem à refeição [3, 4]. Uma outra fração de valor provavelmente semelhante
é acumulada como glicogénio muscular [1]. O aumento de glicemia após uma refeição contendo hidratos
de carbono é amortecido1 e acaba, ao fim de algum tempo, por regressar ao valor basal, quer porque parte
da glicose absorvida se converte em glicogénio, quer porque uma outra parte se oxida a CO2 ou se cinde a
lactato. No período pós-prandial a síntese de glicogénio fica estimulada, mas também se acelera o
catabolismo da glicose em diferentes tecidos do organismo (nomeadamente nos tecidos muscular,
hepático e adiposo)2.
1
Considerando que há cerca de 12 g de glicose livre no líquido extracelular poderia esperar-se que, na ausência de
mecanismos homeostáticos, a ingestão de, por exemplo, uma refeição com 60 g de glicose poderia aumentar a glicemia
em mais de 6 vezes. No entanto esse aumento é apenas na ordem dos 50-100%.
2
No cérebro, o combustível preferencial é sempre a glicose e só após um período de jejum muito prolongado (mais de
um dia) há substituição de parte desta glicose por compostos derivados das gorduras que se designam por corpos
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8- No período pós-absortivo3, a glicogenólise hepática contribui para cerca de metade da
produção endógena de glicose
Quando a velocidade de entrada de glicose no sangue passa a ser menor que a velocidade com
que é captada nas células do organismo, a glicemia começa a descer. Isto acontece no fim do processo
absortivo quando a velocidade de entrada de glicose do lúmen intestinal para o sangue diminui
marcadamente.
A descida da glicemia leva, no fígado, ao desencadear de mecanismos homeostáticos que
envolvem a ativação da glicogenólise e a inibição da glicogénese. No fígado, a presença de glicose-6fosfátase (ver Equação 10) permite que a glicogenólise (a par com a gliconeogénese) leve à formação de
glicose livre que, vertida na corrente sanguínea, é consumida pelos tecidos extra-hepáticos. A Equação 11
é a equação soma relativa às ações sequenciadas da fosforílase do glicogénio (ver Equação 8), da
fosfoglicomútase (ver Equação 2) e da glicose-6-fosfátase (ver Equação 10). É de notar que o fosfato
inorgânico consumido durante a ação da fosforílase se liberta durante a ação da glicose-6-fosfátase.
Equação 10
Equação 11
glicose-6-fosfato + H2O → glicose + Pi
glicogénio(n resíduos) + H2O → glicose + glicogénio(n-1 resíduos)
O fígado é um órgão central no metabolismo da glicose tendo um papel importante na
regulação da glicemia. O fígado acumula glicose na forma de glicogénio quando a glicemia está elevada
e, via glicogenólise e gliconeogénese, forma glicose que verte para o sangue (e, em última análise, para os
outros tecidos) quando a glicemia baixa durante o jejum. O glicogénio hepático acumula-se nas 4-5 horas
que se seguem a uma refeição contendo glicídeos e começa a diminuir se outra refeição não for ingerida
após este intervalo de tempo [3]. Num adulto com cerca de 70 Kg de peso, cerca de 10-12 horas após a
última refeição (antes do pequeno-almoço) a produção endógena de glicose é de cerca de 8 g/hora sendo
que cerca de metade deriva da glicogenólise hepática e metade da gliconeogénese hepática e renal [1, 3,
5]. À medida que o tempo de jejum se prolonga a quantidade de glicogénio vai diminuindo e,
relativamente à gliconeogénese, a glicogenólise vai perdendo relevância na produção endógena de
glicose. Quando o glicogénio hepático se esgota ao fim de um ou dois dias de jejum, a produção
endógena de glicose passa a depender exclusivamente da gliconeogénese [6].
Porque a produção endógena de glicose é, durante o jejum, quase igual ao consumo, a descida da
glicemia só muito raramente atinge valores abaixo dos 60 mg/dL. Antes do pequeno almoço, cerca de
metade da glicose produzida endogenamente está a ser oxidada a CO2 no cérebro (4 g/hora). A outra
metade (também 4 g/h) está a ser oxidada ou a cindir-se a lactato noutros tecidos.
9- O glicogénio armazenado numa determinada fibra muscular serve para suprir as
necessidades energéticas dessa fibra muscular
Nos músculos esqueléticos, o papel do glicogénio é muito distinto do do fígado. Nos músculos
esqueléticos, a acumulação de glicogénio está favorecida durante o repouso e quando a glicemia está
elevada. O repouso de um músculo onde, previamente, ocorreu descida dos níveis de glicogénio favorece
a acumulação de glicogénio nesse músculo. A velocidade da degradação do glicogénio numa
determinada fibra muscular aumenta quando aumenta a atividade contráctil dessa fibra muscular.
Nos músculos, a glicose-6-fosfato (formada por ação sequenciada da fosforílase e da fosfoglicomútase;
ver equações 8 e 2) e a glicose (formada por ação da enzima desramificante; ver Equação 9) originadas
durante a glicogenólise são convertidas em lactato ou oxidadas (via glicólise) na fibra muscular onde se
formaram.
Porque a hexocínase presente nas fibras musculares (hexocínase II) converte todas as moléculas
de glicose em glicose-6-fosfato e porque a glicose-6-fosfátase não existe no músculo, as fibras musculares
não libertam glicose para o sangue. No músculo (e noutros tecidos) a degradação do glicogénio serve as
necessidades energéticas da célula onde foi armazenado.
cetónicos. Assim, no cérebro, só se pode falar de estimulação da oxidação da glicose pela ingestão de glicose se esta
ingestão for precedida de um período de jejum prolongado. Neste caso, os corpos cetónicos são substituídos por glicose.
3
Em artigos científicos é frequente usar-se a expressão período ou estado pós-absortivo para designar o estado em que
se encontra um indivíduo após um jejum de 10-14h.
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10- A síntase e a fosforílase do glicogénio são reguladas por fosforilação/desfosforilação
Os estudos sobre a regulação da glicogénese e glicogenólise incidiram de forma particular sobre a
síntase do glicogénio (ver Equação 4) e a fosforílase do glicogénio (ver Equação 8). Na regulação da
atividade destas enzimas participam mecanismos de fosforilação reversível assim como mecanismos
alostéricos, não tendo relevância mecanismos de indução ou inibição da expressão genética.
As Figuras 1, 3 e 4 ilustram a maioria dos mecanismos de regulação destas enzimas discutidos
neste texto.
A síntase do glicogénio é mais ativa na forma desfosforilada que na forma fosforilada e o
contrário acontece no caso da fosforílase do glicogénio. É comum usarem-se as letras a e b para referir,
respetivamente, as formas mais ativas e menos ativas destas enzimas. Assim, a síntase de glicogénio a
corresponde à forma desfosforilada e a fosforílase do glicogénio a corresponde à forma fosforilada.
Várias cínases, como, por exemplo, a PKA4, a cínase-3 da síntase do glicogénio e a cínase da
fosforílase do glicogénio, estão envolvidas na fosforilação e consequente inativação da síntase do
glicogénio (ver Equação 12).
Em contraste com o grande número de cínases que catalisam (e inativam) a síntase do glicogénio,
a fosforilação e consequente ativação da fosforílase do glicogénio é o resultado da ação catalítica de uma
única cínase: a cínase da fosforílase do glicogénio (ver Equação 13). Esta enzima, catalisando a
fosforilação, quer da síntase do glicogénio, quer da fosforílase do glicogénio, inativa a síntese de
glicogénio e ativa a sua fosforólise.
Equação 12
Equação 13
síntase do glicogénio a + ATP → síntase do glicogénio b (fosforilada) + ADP
fosforílase do glicogénio b + ATP → fosforílase do glicogénio a (fosforilada) + ADP
A desfosforilação da síntase de glicogénio (ativação) e da fosforílase do glicogénio (inativação) é
o resultado da ação catalítica de uma mesma fosfátase: a fosfátase 1 de proteínas (ver Equação 14 e
Equação 15).
Equação 14
Equação 15
síntase do glicogénio b + H2O → síntase do glicogénio a (desfosforilada) + Pi
fosforílase do glicogénio a + H2O → fosforílase do glicogénio b (desfosforilada) + Pi
11- Mecanismos alostéricos envolvidos na regulação da síntase e da fosforílase do glicogénio
Para além dos mecanismos de fosforilação/desfosforilação, os mecanismos alostéricos também
têm relevância na regulação da síntase e da fosforílase do glicogénio.
(i) A glicose-6-fosfato que resulta da fosforilação da glicose é um ativador alostérico da síntase
do glicogénio (quer muscular quer hepática) podendo ativar a forma fosforilada da enzima (a síntase do
glicogénio b, supostamente inativa). A glicose-6-fosfato é, também, inibidora da fosforílase do glicogénio
muscular, mas não tem ação na isoenzima hepática [7]. Assim, a glicose-6-fosfato estimula a síntese de
glicogénio no fígado e no músculo e inibe a glicogenólise muscular.
(ii) O AMP, um nucleotídeo cuja concentração aumenta nas células quando o consumo de ATP é
elevado, é um ativador alostérico da fosforílase do glicogénio sendo esta ação muito mais marcada na
isoenzima muscular que na hepática. A ligação do AMP à forma desfosforilada da fosforílase b
(supostamente inativa) provoca a sua ativação.
(iii) Um aspeto da regulação da glicogénese cujos mecanismos moleculares são ainda mal
compreendidos é a ação do próprio glicogénio: quando os níveis de glicogénio estão baixos, a glicogénese
é estimulada e, inversamente, quando estão elevados, a glicogénese é inibida [8, 9].
4
PKA é a cínase de proteínas dependente do AMP cíclico. O AMP cíclico é semelhante ao AMP; no caso do AMP o
resíduo de fosfato está ligado no carbono 5 da ribose enquanto no AMP cíclico o fosfato liga-se simultaneamente aos
carbonos 3 e 5 da ribose. A hidrólise do AMP cíclico é catalisada por enzimas que se designam por fosfodiestérases
(AMPc + H2O → AMP) porque quando um mesmo resíduo de fosfato está envolvido em duas ligações éster diz-se que a
ligação é de tipo fosfodiéster. A síntese de AMPc é catalisada por uma enzima designada de cíclase do adenilato (ATP →
AMPc + PPi) que é estimulada quando a célula que a contém é ativada pela glicagina (caso do fígado) ou por
catecolaminas (casos do fígado, tecido adiposo e músculo).
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12- O papel da glicagina, da insulina e das catecolaminas na regulação do metabolismo do
glicogénio
Algumas hormonas como a glicagina (no caso do fígado) e as catecolaminas e a insulina
(fígado e músculo) têm um papel relevante na regulação do metabolismo do glicogénio.
(1) A glicagina é uma proteína sintetizada nas células α dos ilhéus pancreáticos e a sua síntese e
secreção estão estimuladas quando a glicemia baixa. A glicagina tem uma ação homeostática na glicemia.
Na membrana celular dos hepatócitos (mas não no músculo) existem recetores para a glicagina cuja
estimulação vai favorecer a glicogenólise (e a gliconeogénese) e inibir a glicogénese (e a glicólise)
hepáticas.
(2) A insulina é uma proteína sintetizada nas células β dos ilhéus pancreáticos e, de forma oposta
ao caso da glicagina, a sua síntese e secreção estão estimuladas quando a glicemia aumenta. A sua ação é
hipoglicemiante porque promove a acumulação de glicogénio no fígado e no músculo, inibe a
gliconeogénese hepática e estimula a captação e a oxidação de glicose em vários tecidos.
(3) A libertação de adrenalina e noradrenalina na medula da glândula suprarrenal, assim como a
de noradrenalina nos terminais nervosos do sistema simpático está estimulada em situações de stress. As
catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) têm recetores no fígado, nos músculos e nas células
endócrinas do pâncreas. As catecolaminas, por interação direta com os seus recetores no fígado e nos
músculos, mas também via inibição da secreção pancreática de insulina, favorecem a degradação do
glicogénio muscular e hepático.
13- No fígado, a glicagina estimula a glicogenólise e inibe a glicogénese via estimulação da
cíclase do adenilato e, consequentemente, da PKA
Durante o jejum, estimuladas pela hipoglicemia, as células α dos ilhéus pancreáticos libertam
glicagina. A ligação da glicagina aos seus recetores hepáticos induz a ativação da cíclase do adenilato
que leva ao aumento da concentração de AMP cíclico no citoplasma do hepatócito. O AMP cíclico ativa
a PKA que é uma cínase capaz de catalisar a fosforilação de muitas proteínas (ver Equação 16). Dentre
estas são de destacar a cínase da fosforílase, a síntase do glicogénio, a fosfátase 1 de proteínas e o
inibidor-1 (o inibidor-1 é uma proteína inibidora da fosfátase 1). A fosforilação destas proteínas leva à
estimulação da glicogenólise e à inibição da glicogénese; assim, a glicagina estimula a degradação do
glicogénio e a libertação de glicose no fígado.
Equação 16
enzima.alvo + ATP → enzima.alvo-P + ADP
A ação da PKA promove a fosforilação da cínase da fosforílase; a forma fosforilada é a forma
ativa (forma a) e, por isso, esta fosforilação ativa a cínase da fosforílase. A atividade catalítica da cínase
da fosforílase leva à fosforilação da fosforílase do glicogénio e da síntase do glicogénio e,
consequentemente, à ativação da fosforílase e à inativação da síntase.
A fosfátase 1 de proteínas catalisa a hidrólise dos resíduos fosfato ligados nestas três enzimas:
cínase da fosforílase, fosforílase do glicogénio e síntase do glicogénio (ver Equações 17, 14 e 15). Estas
desfosforilações têm efeitos que promovem a acumulação de glicogénio: ativação da síntese de glicogénio
e inativação da sua fosforólise. Contudo, a PKA ao catalisar a fosforilação da fosfátase 1 de proteínas
inativa-a. Para a inativação da fosfátase 1 de proteínas também contribui a fosforilação do inibidor-1 (por
ação da mesma PKA) que fosforilado funciona como inibidor da fosfátase 1 de proteínas.
Equação 17
cínase da fosforílase a + H2O → cínase da fosforílase b (desfosforilada) + Pi
Assim, da ativação da PKA pelo AMP cíclico resultam a ativação da cínase da fosforílase,
da fosforílase do glicogénio e do inibidor-1 assim como a inativação da síntase do glicogénio e da
fosfátase 1 de proteínas.
14- A ação homeostática da glicagina na correção de situações de hipoglicemia
Esquematizando os mecanismos de resposta a situações de hipoglicemia induzidos pela glicagina
no metabolismo hepático do glicogénio:
glicemia ↓ ⇒ glicagina ↑ ⇒ AMPc ↑ ⇒ PKA ↑ ⇒ (1) e (2)
(1) fosforilação ativadora da cínase da fosforílase e do inibidor-1 (que inibe a fosfátase 1 de proteínas)
(2) fosforilação inativadora da síntase do glicogénio e da fosfátase 1 de proteínas
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15- Ação da glicose na inibição da glicogenólise e na estimulação da glicogénese hepáticas via
ligação a um sítio alostérico na fosforílase do glicogénio fosforilada
Quando, após uma refeição normal, a glicemia aumenta, a estimulação da glicogénese e a
inibição da glicogenólise levam à acumulação de glicogénio no fígado.
No fígado, os efeitos da glicemia elevada no metabolismo do glicogénio hepático devem-se, em
grande parte, a ações diretas da própria glicose e da glicose-6-fosfato que se forma por ação da cínase
da glicose (ou hexocínase IV; ver Equação 1).
No fígado, os transportadores de glicose (GLUT2) estão permanentemente ativos permitindo que
exista equilíbrio entre as concentrações de glicose no sangue da veia porta e dentro dos hepatócitos.
Assim, quando a glicemia aumenta durante a absorção intestinal de glicose também aumenta a
concentração de glicose nos hepatócitos. Para além de ativar a hexocínase IV (ver à frente), este aumento
da concentração intrahepatocitária de glicose também vai, por um mecanismo que envolve a fosfátase 1
de proteínas, estimular a síntase de glicogénio e inibir a fosforílase do glicogénio.
Quando a glicemia está baixa, a forma fosforilada da fosforílase do glicogénio hepática
(fosforílase a) está ligada à fosfátase 1 de proteínas; esta ligação é não covalente e a fosforílase a inibe a
atividade da fosfátase. A subida de concentração de glicose dentro do hepatócito vai provocar a
desfosforilação da fosforílase a (que passa a b) o que, simultaneamente, provoca inativação da fosforílase
e desinibição da fosfátase 1 de proteínas. O mecanismo de inativação da fosforílase do glicogénio
(passagem da forma a à forma b) envolve a ligação da glicose a um sítio alostérico desta enzima que vai
fazer com que a fosforílase passe a ser um melhor substrato para a ação da fosfátase 1. A ligação da
glicose à fosforílase a modifica a sua conformação de tal forma que os resíduos de fosfato a ela ligados
ficam acessíveis à ação hidrolítica da fosfátase 1 (ver Equação 15). Ou seja, o aumento da concentração
de intrahepatocitária da glicose vai estimular a ação inativadora da fosfátase 1 na fosforílase.
A fosforílase do glicogénio b assim originada não tem ação inibidora na fosfátase 1 de proteínas
permitindo que esta passe a atuar também nas outras proteínas alvo. Uma outra das proteínas alvo da
fosfátase 1 de proteínas é o inibidor 1 que, na forma desfosforilada, deixa de atuar como inibidor (ver
Equação 18). As outras proteínas alvo são a cínase da fosforílase do glicogénio (que passa de a a b) e a
síntase do glicogénio que passa de b a a (ver Equação 17 e Equação 14). Assim, a glicose, ativando
processos de desfosforilação catalisados pela fosfátase 1 de proteínas, vai inibir a glicogenólise e
promover a glicogénese (ver Fig. 5).
Equação 18
inibidor 1 a + H2O → inibidor 1 b (desfosforilado) + Pi
Esquematizando a ação da glicose na ativação indireta da síntase de glicogénio e na inativação da
fosforílase:
glicose ↑⇒ ligação da glicose à fosforílase a ⇒ fosfátase 1 desfosforila a fosforílase inativando-a ⇒
fosfátase 1 desliga-se da fosforílase ⇒ fosfátase 1 desfosforila a síntase do glicogénio ativando-a (e também o
inibidor-1 e a cínase da fosforílase diminuindo a atividade destas proteínas).
16- Mecanismos da ação da glicose na atividade da hexocínase IV
A via de síntese de glicogénio inicia-se quando a glicose é fosforilada a glicose-6-fosfato por ação
de hexocínases.
Para além de, no pâncreas estimular a síntese e libertação de insulina e por esta via estimular a
transcrição do gene da hexocínase IV (ver à frente), a glicose tem, no fígado, uma ação direta e de
instalação rápida na estimulação da hexocínase IV. Um dos mecanismos é muito simples e é uma
consequência de o Km da glicose na ação da hexocínase IV ser muito alto (8 mM). Isto faz com que
aumentos na glicemia como os que ocorrem após as refeições provoquem aumento da atividade desta
enzima. Um outro mecanismo é uma consequência da ligação da glicose a uma proteína hepática
designada por proteína inibidora da hexocínase IV. Esta proteína está em condições basais ligada à
hexocínase IV inibindo-a, mas desliga-se (deixando de ter ação inibidora) quando a glicose aumenta
dentro do hepatócito: a ligação da glicose à proteína inibidora da hexocínase IV diminui a sua afinidade
para a hexocínase IV.
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17- Ação da glicose-6-fosfato na estimulação da glicogénese hepática via ligação a um sítio
alostérico na síntase do glicogénio fosforilada
Pelo menos no fígado, a concentração intracelular de glicose-6-fosfato aumenta quando a
atividade da hexocínase IV (ver Equação 1) é estimulada pela glicose e pela insulina [10].
No caso do fígado, a insulina induz a síntese da hexocínase IV e inibe a síntese de glicose-6fosfátase (ver Equação 10) o que, via aumento da concentração da glicose-6-fosfato, estimula a síntase do
glicogénio. Estas ações da insulina são de instalação lenta porque envolvem a indução e a inibição de
genes, mas a ação ativadora da glicose na hexocínase IV é, como já referido, um processo rápido.
A glicose-6-fosfato para além de, como já referido, ser um ativador alostérico da síntase do
glicogénio também tem, nesta enzima, um efeito semelhante ao descrito para o caso da glicose na
fosforílase do glicogénio. A ligação da glicose-6-fosfato à síntase do glicogénio no estado fosforilado
torna esta enzima um melhor substrato para a ação da fosfátase 1 de proteínas. Ou seja, a glicose-6fosfato estimula a síntase do glicogénio por dois mecanismos: ativação alostérica direta e facilitadora
da ação ativadora da fosfátase 1 [10].
18- Mecanismos da ação da insulina na ativação da síntase do glicogénio hepática e muscular
Ao contrário do que acontece no músculo, onde as ações ativadoras da insulina na glicogénese e
inibidoras da glicogenólise são claras e inequívocas, as ações da insulina no metabolismo hepático do
glicogénio poderão ser menos relevantes que as ações diretas da glicose e da glicose-6-fosfato [7].
No entanto, quer no fígado, quer no músculo, um mecanismo pelo qual a insulina favorece a
atividade da síntase do glicogénio é a sua ação inativadora na cínase-3 da síntase do glicogénio (ver
Equação 12). A cínase-3 da síntase do glicogénio é uma das enzimas que participam (quer no fígado, quer
no músculo) na fosforilação (e consequente inativação) da síntase de glicogénio. Ao diminuir a atividade
desta enzima a insulina favorece a síntese de glicogénio. A insulina promove a síntese de glicogénio
contribuindo para que a síntase do glicogénio fique no estado desfosforilado, mas o efeito da insulina na
cínase-3 da síntase do glicogénio envolve a fosforilação desta enzima: a forma inativa da cínase-3 da
síntase de glicogénio é a forma fosforilada e a via de sinalização da insulina promove esta fosforilação
(ver Equação 19).
Equação 19
cínase-3 da síntase do glicogénio(desfosforilada, ativa) + ATP →
cínase-3 da síntase do glicogénio(fosforilada, inativa) + ADP
Um outro efeito da insulina que promove a glicogénese relativamente à glicogenólise, mas cujos
mecanismos são ainda mal conhecidos, envolve a ativação da fosfátase 1 de proteínas. Além disso, a
insulina também estimula a síntese (e consequentemente a atividade) de uma fosfodiestérase que catalisa
a hidrólise do AMP cíclico (ver Equação 20) contraindo a ação da glicagina na sua ação ativadora da
glicogenólise via PKA.
Equação 20
AMP cíclico + H2O → AMP
19- Mecanismos da ação da insulina na ativação da glicogénese e na inibição da glicogenólise
nas fibras musculares esqueléticas
No caso do músculo, a ação estimuladora da insulina na síntese de glicogénio é, em grande
parte, exercido através da indução da translocação de transportadores de glicose para a membrana
sarcoplasmática (GLUT4): desta forma a insulina acelera a entrada de glicose para dentro das fibras
musculares permitindo a formação de glicose-6-fosfato e a acumulação de glicogénio [11]. A glicose-6fosfato é um ativador alostérico da síntase de glicogénio e é também um inibidor da fosforílase muscular.
A estimulação pela insulina da entrada de glicose para dentro das fibras musculares fornece a
estas o substrato para a síntese de glicose-6-fosfato (via ação catalítica da hexocínase II) que é,
simultaneamente, precursor do glicogénio, ativador da síntase e inibidor da fosforílase. Como já referido,
no músculo, a ação da insulina no metabolismo do glicogénio também envolve a inativação da cínase-3
da síntase do glicogénio e a ativação da fosfátase 1 de proteínas.
20- Ação das catecolaminas no metabolismo do glicogénio hepático e muscular
A secreção de adrenalina e de noradrenalina para o sangue aumenta quando existem situações de
stress agudo que, se houver uma resposta do indivíduo, vão levar a um aumento do consumo de
combustíveis pelo organismo.
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A adrenalina e a noradrenalina atuam em recetores adrenérgicos β hepáticos e musculares
levando ao desencadear de uma cascata de reações semelhante à discutida para o caso da ação da
glicagina no fígado. A estimulação dos recetores adrenérgicos β leva à ativação da PKA que catalisa
fosforilações ativadoras da cínase da fosforílase e do inibidor 1, assim como fosforilações inativadoras da
síntase do glicogénio e da fosfátase 1 de proteínas.
A adrenalina também atua sobre recetores adrenérgicos α. Via estimulação destes recetores, há
aumento da concentração citoplasmático do ião Ca2+ que estimula (ativação alostérica) a cínase da
fosforílase do glicogénio e, consequentemente, também há estimulação da glicogenólise por esta via.
No caso do fígado a estimulação adrenérgica leva ao aumento da produção endógena de glicose
mas, no caso do músculo a glicogenólise não leva à formação de glicose. No músculo, mesmo a glicose
que se forma por ação da enzima desramificante (ver Equação 11) não é vertida no plasma; a glicose que
entra para fibras musculares ou que se forma por ação da enzima desramificante é imediatamente
fosforilada pela hexocínase II. Como já referido, os glicogénios hepático e muscular têm papéis distintos:
enquanto o glicogénio hepático serve para manter a glicemia fornecendo glicose aos outros órgãos o
glicogénio muscular serve para fornecer combustível à própria célula onde foi armazenado. No fígado, a
glicagina e a adrenalina promovem a glicogenólise (e a glicagina a gliconeogénese) e inibem a
glicogénese; no músculo, as catecolaminas promovem a glicogenólise e a glicólise e inibem a glicogénese
(não existindo gliconeogénese). No entanto na ausência de contração muscular as catecolaminas não são
capazes de, por si só, iniciarem o processo de fosforólise nos músculos [1].
5
21- Estimulação da glicogenólise nas fibras musculares em contração
Nos músculos esqueléticos o fator mais importante na regulação da degradação do glicogénio é o
exercício.
Na origem da contração muscular está um estímulo nervoso que induz aumento na concentração
citoplasmática do ião cálcio. Este aumento leva à contração muscular mas também à estimulação
alostérica da cínase da fosforílase muscular com a consequente estimulação da glicogenólise. Por outro
lado, o trabalho muscular leva (via consumo de ATP e via cínase do adenilato) ao aumento do AMP; o
AMP é um ativador alostérico da fosforílase do glicogénio muscular podendo estimular a forma
desfosforilada da fosforílase muscular que é ativa na sua presença. O aumento da atividade contrátil
também leva à diminuição da concentração intracelular da fosfocreatina (que se converte em creatina) e
esta diminuição da fosfocreatina é acompanhada de aumento do Pi (que é substrato da fosforílase). Esta
subida da concentração citoplasmática do Pi durante a contração muscular também contribui para o
aumento da glicogenólise6 [1]. Assim o exercício físico leva à diminuição do glicogénio presente nas
fibras musculares que se contraíram.
22- Estimulação da glicogenólise hepática durante o exercício físico
Por ação independente da insulina, o exercício físico também promove a mobilização para a
membrana sarcoplasmática de GLUT 4 e, consequentemente, a entrada de glicose mas não há,
normalmente, hipoglicemia durante o exercício físico. Durante o exercício físico a glicogenólise hepática
aumenta permitindo que o músculo possa oxidar glicose derivada do glicogénio acumulado no fígado
[12]. Atualmente pensa-se que a estimulação da glicogenólise hepática durante o exercício físico é
causada pela diminuição da concentração de insulina e aumento da de glicagina provocados pelo
exercício e não pela estimulação adrenérgica direta no fígado [13]. A estimulação adrenérgica tem um
papel indireto no aumento da produção hepática de glicose pois a estimulação adrenérgica das células
endócrinas pancreáticas leva à diminuição da secreção de insulina [1].
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3. Roden, M., Petersen, K. F. & Shulman, G. I. (2001) Nuclear magnetic resonance studies of hepatic glucose
metabolism in humans, Recent Prog Horm Res. 56, 219-37.
5
Epinefrina e norepinefrina (termos usados nos EUA) são, respetivamente, sinónimos de adrenalina e noradrenalina.
Quando a creatina-fosfato desce de concentração no início do processo contrátil, as reações pertinentes são as
catalisadas pela ATPase da miosina (ATP + H2O → ADP + Pi) e pela cínase da creatina (creatina-fosfato + ADP → ATP
+ creatina) cujo somatório corresponde à hidrólise da creatina-fosfato (creatina-fosfato + H2O → Pi + creatina).
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4. Taylor, R., Magnusson, I., Rothman, D. L., Cline, G. W., Caumo, A., Cobelli, C. & Shulman, G. I. (1996) Direct
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Fig. 1 – Representação esquemática de mecanismos estimuladores da glicogénese e inibidores da glicogenólise
hepáticas durante o período pós-prandial.
A glicose estimula a hexocínase IV e a ação da fosfátase 1 de proteínas na sua atividade hidrolítica relativamente à
fosforílase do glicogénio (que passa da forma a à forma b). A fosforílase b, ao contrário da fosforílase a, não tem ação
inibidora na fosfátase 1 que passa a exercer os seus efeitos ativadores na síntase de glicogénio (passa da forma b à forma
a) e inativadores na cínase da fosforílase (passa da forma a à forma b). A insulina favorece a glicogénese e desfavorece a
glicogenólise porque ativa a fosfátase 1 de proteínas e porque inativa a cínase 3 da síntase de glicogénio.
A glicose-6-fosfato também é uma ativador alostérico da síntase do glicogénio e, quando se liga à forma fosforilada da
síntase (a forma b) torna esta enzima um melhor substrato para a ação (ativadora) da fosfátase 1.
Nos músculos, a ação da insulina como hormona promotora da glicogénese é mais marcada que no fígado porque para
além dos efeitos acima referidos também promove a translocação de transportadores de glicose (GLUT4) de vesículas
situadas no citoplasma para a membrana sarcoplasmática.
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Fig. 2: Papéis dos hepatócitos perivenosos e dos hepatócitos periportais na síntese de glicogénio.
O sangue chega ao fígado através de vénulas (derivadas da veia porta) e de arteríolas (derivadas das artérias hepáticas)
situadas nos espaços porta. Daqui flui através dos sinusoides hepáticos até às vénulas que vão drenar o sangue para as
veias supra-hepáticas (que convergem para a veia cava inferior). Os hepatócitos perivenosos situam-se no centro dos
lóbulos hepáticos, são mais ricos em enzimas próprias da glicólise e recebem sangue menos rico em oxigénio. Os
hepatócitos periportais situam-se na periferia dos lóbulos, recebem sangue mais rico em oxigénio e são mais ricos em
enzimas próprias da gliconeogénese. No período pós-prandial a glicogénese que ocorre nos hepatócitos perivenosos
ocorre exclusivamente por via direta. A glicogénese indireta envolve ambos os tipos de hepatócitos: os hepáticos
perivenosos (conjuntamente com muitas outras células do organismo) desempenham o papel catabólico cindindo glicose
a lactato (que passa para o sangue), enquanto os hepatócitos periportais desempenham o papel anabólico captando e
convertendo o lactato em glicogénio.
Fig. 3 – Representação esquemática de mecanismos estimuladores da glicogenólise e inibidores da glicogénese
hepáticas durante o jejum.
Quando, durante o jejum, a glicemia desce, a glicogenólise hepática contribui para a produção endógena de glicose. A
glicagina promove a glicogenólise hepática via ativação da adenilcíclase com o consequente aumento de concentração de
AMP cíclico e ativação da PKA. A PKA catalisa a fosforilação da cínase da fosforílase que passa da forma b à forma a e
que catalisa a fosforilação da fosforílase do glicogénio (ativando-a) e da síntase do glicogénio (inativando-a). Outra das
ações da PKA é inibir a glicogénese catalisando a fosforilação (e consequente inativação) da síntase do glicogénio e da
fosfátase 1 de proteínas. A insulina está baixa quando a glicemia baixa e deixa de exercer os efeitos promotores da
glicogénese e inibidores na glicogenólise.
Nos músculos, a estimulação da glicogenólise não depende de variações na glicemia nem de fatores hormonais, mas sim
da atividade contrátil. O estímulo do nervo motor aumenta a concentração de Ca2+ citoplasmático que estimula
(estimulação alostérica) a cínase da fosforílase. O aumento da concentração de AMP (resultante do aumento de
velocidade de hidrólise do ATP) e do Pi (resultante da diminuição de concentração da creatina-fosfato) estimulam a
glicogenólise muscular porque o AMP é um ativador alostérico e o Pi é um ativador isostérico da fosforílase do
glicogénio.
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Fig. 4 – Representação esquemática dos mecanismos de ação da insulina e da glicagina na atividade de
enzimas (e do inibidor 1) envolvidas no metabolismo do glicogénio.
As ações da insulina exercem-se no fígado e nos músculos, mas a glicagina só atua no fígado.
A glicagina aumenta (via adenilcíclase e AMP cíclico) a atividade da PKA que catalisa a fosforilação de várias proteínas.
No caso da cínase da fosforílase, a fosforilação aumenta a sua atividade catalítica e, no caso do inibidor 1, aumenta a sua
ação inibidora na fosfátase 1 de proteínas. Nos casos da fosfátase 1 de proteínas e da síntase do glicogénio, a fosforilação
pela PKA diminui as suas atividades. A cínase da fosforílase catalisa a fosforilação ativadora da fosforílase e inativadora
da síntase do glicogénio.
A insulina ativa a fosfátase 1 de proteínas e inibe a cínase 3 da síntase do glicogénio. Via ativação da fosfátase 1 e a
consequente desfosforilação das proteínas alvo, a insulina promove a ativação da síntase do glicogénio e a inativação da
cínase da fosforílase, da fosforílase e do inibidor 1. Via fosforilação inativadora da cínase 3 da síntase do glicogénio, a
insulina impede a fosforilação e a consequente inativação da síntase do glicogénio. Uma outra ação da insulina é a
ativação de uma fosfodiestérase que catalisa a hidrólise do AMP cíclico. A insulina contraria a ação da glicagina, quer
porque ativa a fosfodiestérase, quer porque ativa a fosfátase 1 de proteínas.
Fig. 5: Efeito da glicose na inativação
da fosforílase e na ativação da
fosfátase 1 de proteínas no fígado.
A fosforílase a liga-se e inibe a fosfátase 1 de
proteínas. Quando a concentração de glicose
aumenta no citoplasma dos hepatócitos ligase à fosforílase a num sítio alostérico e
modifica a conformação da fosforílase de tal
forma que esta enzima passa a ser substrato
da fosfátase. A hidrólise dos resíduos de
fosfato que estavam ligados à fosforílase a
convertem-na em fosforílase b. Esta
conversão, para a além de ativar a fosforílase
na sua atividade fosforolítica relativamente
ao glicogénio, faz com que a fosforílase deixe
de ser inibidora da fosfátase 1. Assim, a
fosfátase 1 passa a atuar noutras enzimas
como a síntase do glicogénio que passa da
forma b à forma a. Desta forma a glicose
inibe a glicogenólise e promove a
glicogénese hepáticas.
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