TÍTULO:TRABALHO CRIATIVO NUMA EXPERIÊNCIA EM UM AMBULATÓRIO PSIQUIÁTRICo AUTORES: Margarida Maria Elia Assad1 Cleide Pereira Monteiro2 João Mendes de Lima Júnior3 Alzira Edjane da Nóbrega Xavier, Elizabeth Gonçalves Sampaio de Carvalho,Laura Daniel Antunes Rezende, Lucione Andriola de Aquino, Ubiratan Pereira de Oliveira4 INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR: Universidade Federal da Paraíba E-MAILS: [email protected] [email protected] [email protected] [email protected] [email protected] [email protected] [email protected] ÁREA TEMÁTICA: Saúde O projeto “O Tratamento Psicanalítico no Contexto da Reforma Psiquiátrica” é uma atividade de extensão do Departamento de Psicologia do CCHLA/UFPB. O objetivo geral desse trabalho é oferecer um serviço especializado para o acolhimento de uma demanda que encontra poucos espaços onde se faça possível sua inclusão. O público alvo são pacientes com quadro psicótico ou transtorno grave, oriundos da população de baixa renda da cidade de João Pessoa e cidades circunvizinhas. Este funciona num Hospital Geral1, nos moldes de um serviço ambulatorial. Embora a demanda seja de pacientes que já tenham uma história clínica psiquiátrica, este serviço tem como característica a escuta do sujeito –portanto, a fala do paciente- com o referencial da Psicanálise de orientação lacaniana. Assim sendo, não se constitui como um ambulatório de psiquiatria e, sim, como um ambulatório de demanda psiquiátrica. O trabalho com oficinas constitui uma das modalidades de atendimento a esses pacientes. Além disso, todos os pacientes recebem um acompanhamento em sessões individuais. O objetivo dessas oficinas está dividido em dois eixos: a) possibilitar um espaço terapêutico onde seja possível o estabelecimento do laço social entre os pacientes; b) utilizar a arte como um recurso clínico de acesso às produções do inconsciente, tendo como alvo a estabilização do quadro psicótico. O atendimento é sempre em grupo onde são utilizados diversos tipos de materiais tais como papel, tinta guache, colagem, argila, entre outros, com o intuito de se conseguir, com ato criacionista, uma porta de acesso a determinadas produções do inconsciente. Partimos da constatação de que a criação artística, assim como o delírio, é resultado de uma tentativa de dar significado, ou seja, produzir sentido para aquilo que não pode ser simbolizado no quadro de experiências do paciente. Dessa 1 Hospital Universitário Lauro Wanderley, UFPB. forma tem-se como recurso o fazer artístico, o ato criacionista onde o analista participa como espécie de ‘secretário’ dessas produções, fazendo as pontuações e escanções necessárias auxiliando, assim, o paciente em seu delírio e a criação artística a se inserirem no universo da linguagem. O conteúdo desses trabalhos realizados nas oficinas é estudado pela equipe de técnicos, tornando possível uma articulação entre essas produções e os atendimentos individuais. Ao pensar na função da arte para psicose não se pode utilizar as proposições freudianas sobre a sublimação, como ocorre para os neuróticos, sendo um dos possíveis caminhos da pulsão. A arte para a psicose aponta para uma contenção, refreamento, um enquadramento possível ao gozo do Outro, tido como ameaçador. Tenório (2001) aponta que, “... para Lacan, a criação artística pode funcionar como um ‘nó’ que amarra e organiza a experiência subjetiva. Não a construção delirante, mas a obra, o fazer, a criação, tendo o efeito de tratar o gozo para não ser aniquilado por ele.” Observa-se que esse tratamento do gozo ocorre no real a partir da obra criada. Na psicose, a lei simbólica é abolida, o que impedirá a travessia do édipo, o sujeito então apresenta no real aquilo que foi foracluído. A obra exerce dessa forma a função de conter o gozo do Outro, incondicionalmente no real, pelo fato de não ser possível tratá-lo através de uma metáfora, no outro registro. O real serve assim de suporte ao simbólico, ou seja, passa a fazer uma certa suplência ao que falha no processo de simbolização. Tudo aquilo que ameaça invadir e destroçar o sujeito serve como tema das obras. O Outro invasor é ‘contido’ e ‘dominado’ pela obra. Dessa forma o sujeito se defende da ameaça de despedaçamento. Esta é uma forma encontrada para que o Outro possa estar submetido a uma determinada ordem que lhe imponha limites de contenção. A escolha do material a ser trabalhado pode ser de imensa importância para essa finalidade. Várias experiências mostram que o sujeito escolhe, por exemplo, massa de modelar ou argila –entre outros materiais possíveis- para dar forma, dar contorno, emassar, engessar, fazer com que determinadas figuras aterrorizantes percam seu estatus de ameaçadoras na medida que adquirem a forma de estátuas. Enrijecidas, estas figuras jamais irão significar ameaça. Nos ditos de Quinet (1997), diante da ausência de um significante que barre o gozo invasor, o sujeito “usará o recurso do delírio ou da arte, sendo ambos da ordem da criação – criação sui generis, pois não passa pela ordem estabelecida da cultura que é estruturada simbolicamente segundo a ordem do pai simbólico”. Ora, se o mecanismo da psicose acarreta para o sujeito uma dificuldade de inserir-se no universo simbólico, evidentemente para ele a arte não pode funcionar com simbolização do real - como acontece com o neurótico -, muito menos serve como via de sublimação da pulsão. A sublimação é o mecanismo pelo qual se torna possível o tramite, o escoamento, o esvaziamento de um excesso pulsional que insiste em esvair-se. A arte para a psicose, como criação, tem a função propiciar uma determinada jurisdição ao gozo desregrado que ‘invade’ o psicótico; assim sendo, ao invés de possibilitar a tramitação de alguma coisa, nesse caso, o fazer artístico tem a finalidade de conter, demarcar, propiciar uma fronteira onde o gozo invasor não despedace o sujeito. Cria-se uma jurisdição e define-se uma jurisprudência para o gozo do Outro; todavia nos moldes de um suporte, de uma suplência. Não resta dúvida de que o processo e o produto do trabalho criativo representam a busca de uma certa condição de saúde. Como afirma Tenório (2001), “... é preciso insistir: a proposição de que o trabalho do delírio ou a atividade criacionista são “tentativas de cura” costuma ser muito simplista a à experiência concreta do tratamento dos psicóticos”. Trabalhar com arte, nesses moldes, deve ser encarado não com o lúdico, e sim, como uma possibilidade de dar um suporte ao processo de cura auxiliando, assim, a estabilização do quadro clínico. Não se trata de um trabalho ocupacional, não se trata de ocupar o tempo do paciente. Tratase de um dispositivo que serve de auxílio à cura. Um trabalho dessa natureza não corresponde a uma ‘fabrica de artistas’. Um conceito de arte utilizado aqui implica em um processo -o fazer- bem como no produto -a obra- de fundo criacionista que traz em si ou uma demanda de sentido ou a expressão de que algo está sendo posto em movimento em busca de significação. Seguramente este trabalho não tem a intenção de se enquadrar em escolas ou tendências da arte. Como bem defendia Nise da Silveira, esta mais pode ser considerada uma arte bruta, algo que não passa pelo crivo da escolástica conceitual. Procedimentos: As oficinas terapêuticas são realizadas semanalmente e em caráter semi-aberto onde são utilizados diversos meios de expressões criativas da arte (desenho, pintura, argila, etc.), participam pacientes com quadro de psicoses ou transtornos graves, oriundos da comunidade de baixa renda e encaminhados por instituições hospitalares e clínicas psiquiátricas. Ao final da atividade é incentivado aos participantes que verbalizem sobre suas criações. No decorrer do projeto temos observado quão é valioso esse espaço. Em primeiro lugar, ele oferece um suporte inigualável ao acompanhamento individual por possuir a característica singular de dispor para o paciente a possibilidade de lidar ativamente com aquilo que lhe ameaça, dessa forma ele adquire uma ‘instrumentação’ para não estar tão vulnerável frente ao que lhe aterroriza; em segundo lugar, o psicótico -que estruturalmente possui um prejuízo no que diz respeito ao estabelecimento do laço social- tem no grupo a possibilidade de estar em contato com o outro seja em tarefas nas quais é necessário haver a participação de todos para a finalização da atividade, seja na teia de identificações que se estabelecem na medida que se partilha com o coletivo a angústia individual. Considerações Finais: Observa-se que com o desenvolvimento das oficinas houve uma significativa estabilização no quadro psicótico dos pacientes atendidos. O trabalho com as oficinas tem efeitos na clínica das psicoses, porém torna-se imprescindível que se veja a singularidade de cada caso, pois para cada psicótico a atividade criativa terá uma função, de acordo com seu modo de operar. Segundo Alvarenga (1996), mesmo que o sujeito não tenha nada a dizer sobre o objeto produzido, algo foi posto em movimento, isso acontece pelo fato de que o trabalho é endereçado a alguém. Neste caso, se o analista ou o destinatário da atividade criativa do sujeito psicótico receber ativamente o que lhe é endereçado, estará fazendo falar o sujeito, embora não necessariamente sobre o que foi criado. Este trabalho pode ter efeitos apaziguadores para um sujeito, na medida que tem um efeito de condensação, depósito e separação de um gozo que só se dá porque tal atividade acontece sobre um fundo de linguagem, onde a fala está potencialmente presente. Referências Bibliográficas ALVARENGA, E. O Trabalho Criativo e seus Efeitos na Clínica da Psicose. Psicanálise e Saúde Mental. Belo Horizonte. Curinga. n . 13, p118-121, set. 1996. QUINET, A. Teoria e Clínica da Psicose. Rio de Janeiro. Forense Universitária. 1997. TENÓRIO, F. Da Reforma Psiquiátrica à Clínica do Sujeito. In. Psicanálise e psiquiatria: Controvérsias e Convergências – Antônio Quinet (org.) – Rio de Janeiro. Rios Ambivalentes. 2001.