Velhos trabalhadores velhos e seus direitos desrespeitados

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Velhos trabalhadores velhos e seus direitos desrespeitados, violados e
silenciados – quem é o principal responsável pelo cumprimento da
legislação social e do direito: o Estado, a sociedade ou o cidadão? 1
Serafim Fortes Paz 2
[email protected]
Morvan Alexandrino 3
[email protected]
Horrana Campos Ferreira4
[email protected]
Introdução
Este trabalho está relacionado à pesquisa vinculada ao NUPPESS – Núcleo de
Estudos e Pesquisas sobre Poder Local, Políticas Públicas e Serviço Social da ESS –
Escola de Serviço Social de Niterói, devidamente cadastrados ao CNPQ e bolsas de
iniciação científica da UFF e FAPERJ.
O estudo nessa temática nasce a partir da percepção que os dados sobre violência na
velhice, ainda se encontram fragmentados como ocorrências e denúncias, em geral
coletados com critérios díspares. Além do mais, trata-se de uma temática que ganha uma
relevância especial, ao passo em que a população idosa cresce, afinal, há perspectivas
que em 2025, o Brasil tenha uma população em torno de 32 milhões de idosos (ONU e
OMS), e diretamente proporcional a esse fato, ocorre o aumento das denúncias e
incidências referindo-se a violência contra o segmento idoso.
Estes temas vinculam-se em nossa pesquisa e se relacionam, com as cada vez mais
freqüentes, leis que asseguram direitos, porém, na prática, vêm-se deflagrando e se
tornando comum o descumprimento delas, evidenciando-se situações de violência, maus
tratos, negligência, desrespeito e violação aos direitos . Estudos têm demonstrado que os
maiores índices de violência e maus tratos se dão nas famílias. Além disso, também vem
sendo freqüentes, no Estado do Rio de Janeiro, embora também comum em todo o Brasil,
matérias e notícias com a exposição desses fatos, principalmente nas médias e grandes
cidades, logo há mais de 10 (dez) anos têm surgido diversos programas governamentais
e ações ligadas a gabinetes de captação de denúncias.
É necessário considerar, que as violências contra pessoas mais velhas precisam ser
vistas sob, pelo menos, três parâmetros: demográficos, sócio-antropológicos e
1
Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la
coyuntura latinoamericana: desafíos para su for mación, articulación y acción profesional. Universidad Católica
Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009.
2
Professor adjunto da Escola de Serviço Social de Niterói – UFF – RJ – Brasil.
3
Estudante da Escola de Serviço Social de Niterói - UFF – RJ – Brasil – Bolsista de iniciação Científica da UFF.
4
Estudante da Escola de Serviço Social de Niterói - UFF – RJ – Brasil – Bolsista de iniciação Científica da FAPERJ .
1
epidemiológicos. No primeiro caso, deve-se situar o recente interesse sobre o tema,
vinculado ao acelerado crescimento nas proporções de idosos em quase todos os países
do mundo. Esse fenômeno quantitativo repercute nas formas de visibilidade social desse
grupo etário e na expressão de suas necessidades. No Brasil, por exemplo, dobrou-se o
nível de esperança de vida ao nascer em relativamente poucas décadas, em uma
velocidade muito maior que os países europeus que levaram cerca de 140 anos para
envelhecer.
No entanto, apesar de toda essa veloz mudança, a maioria dos velhos está na faixa de
60 a 69 anos (a faixa onde a vitimação por violência, incide mais freqüentemente),
constituindo-se em menos de 10% da população total. Assim, sendo a população idosa
tão significativa em nosso país, a violência contra os idosos e os problemas que lhes
dizem respeito não podem passar despercebidos no país. Embora a vitimação dos velhos
seja um fenômeno cultural de raízes seculares e suas manifestações, facilmente
reconhecidas, desde as mais antigas estatísticas epidemiológicas, esse problema não
tem se apresentado como relevância social. Neste momento histórico, a quantidade
crescente de idosos oferece um clima de publicização das informações produzidas sobre
eles, tornando-as um tema obrigatório da pauta de questões sociais, e é aí que ganha
relevância os programas governamentais de captação de denúncias e ouvidoria,
destacando o advento do Estatuto do Idoso.
Antropológica e culturalmente, a idade cronológica é ressignificada como um princípio
norteador de novos direitos e deveres. Isso quer dizer que a infância, a adolescência, a
vida adulta e a velhice não constituem propriedades substanciais que os indivíduos
adquirem com o avanço da idade. Pelo contrário,
"o processo biológico, que é real e pode ser reconhecido por sinais externos do
corpo, é apropriado e elaborado simbolicamente por todas as sociedades, em
rituais que definem, nas fronteiras etárias, um sentido político e organizador do
sistema social" (Minayo & Coimbra Jr., 2002:14).
Geralmente, nos diferentes contextos históricos, há uma atribuição de poderes para
cada ciclo da vida. Mas também faz parte da história um "desinvestimento" político e
social na pessoa do idoso, onde a maioria das culturas tende a separar esses indivíduos,
segregá-los e, real ou simbolicamente, a desejar sua morte.
No caso brasileiro, as violências contra a geração a partir dos 60 anos se expressam
em tradicionais formas de discriminação, como o atributo que comumente lhes é
impingido como "descartáveis" e "peso social". Por parte do Estado, esse grande
regulador do curso da vida, o idoso hoje é responsabilizado pelo custo insustentável da
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Previdência Social e, ao mesmo tempo, sofre uma enorme omissão quanto a políticas e
programas de proteção específicos. É bem verdade que em 1994 foi promulgada a Lei
Federal 8.842 (Brasil, 1994), buscando ordenar a proteção aos idosos. No entanto, como
é o caso de muitas leis no Brasil, a implementação é ainda precária. No âmbito das
instituições de assistência social e saúde, são freqüentes as denúncias de maus tratos e
negligências. Mas nada se iguala aos abusos e negligências no interior dos próprios lares,
onde choque de gerações, problemas de espaço físico, dificuldades financeiras costumam
se somar a um imaginário social que considera a velhice como "decadência" (Minayo &
Coimbra Jr., 2002).
Convêm destacar o conceito de violência estabelecido pela Organização Mundial de
Saúde, que define violência como um conceito referente aos processos, às relações
sociais interpessoais, de grupos, de classes, de gênero, ou objetivadas em instituições,
quando empregam diferentes formas, métodos e meios de aniquilamento de outrem, ou
de sua coação direta ou indireta, causando-lhes danos físicos, mentais e morais.. Esse
conjunto de termos se refere a abusos físicos, psicológicos e sexuais; assim como a
abandono, negligências, abusos financeiros e autonegligência. Ressaltando, que a
negligência, conceituada como a recusa, omissão ou fracasso, é uma das formas de
violência mais presentes tanto em nível doméstico quanto institucional em nosso país,
dela advêm, freqüentemente, lesões e traumas físicos, emocionais e sociais para a
pessoa (sendo essa categoria de violência uma das mais relacionadas aos idosos).
Assim, devemos contextualizar a violência ao segmento idoso e traçar uma relação
com a lógica do sistema capitalista e a teia das mediações intergeracionais.
“A violência contra a pessoa idosa está situada nesse contexto de negação da
vida, de destruição do poder legitimado pelo direito, seja pela transgressão da
norma e da tolerância, seja pela transgressão da confiança intergeracional, pela
negação da diferença, pela negação das mediações do conflito e pelo
distanciamento das realizações efetivas dos potenciais dos idosos ou ainda pelo
impedimento de sua palavra, de sua participação.” (Faleiros, 2004)
Devemos ressaltar também, o mercado da velhice, afinal os idosos só são lembrados,
quando a pauta envolve, por exemplo, poupança, fundos de pensão, compra de pacotes
para férias ou abrigos, bailes, e outros programas para o lazer. Afinal, para o sistema
capitalista, e sua lógica empresarial, pautada na produtividade e competitividade, um
desempregado com 40 anos, já torna-se obsoleto (pois talvez não saiba lidar com as
modernas tecnologias) e mais caro do que um empregado jovem. Percebemos também a
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“utilidade” dos idosos, ao participarem de propagandas publicitárias, como de automóveis,
por exemplo, sempre fazendo alguma espécie de alusão ao tempo em que eram jovens.
Afinal, segundo a lógica capitalista, sempre pautada da produtividade, os idosos por
serem considerados na maior parte das vezes, não produtivos, tendem à caracterização
enquanto “mercadorias” em defasagem e obsolescência, ou seja, não é mais o tempo que
envelhece, mas a programação produtiva da improdutividade.
“No mundo pós-industrial, a temporalidade mudou de configuração, não
dependendo da ação do tempo sobre as coisas e a vida, mas das próprias coisas e
da vida programada para um determinado tempo” (Faleiros, 2004)
Percebemos então, a relevância cada vez mais atual desta temática e de estudos no
que dizem respeito a violência aos idosos, e por conseqüência, da análise dos
organismos responsáveis pela captação de denúncias e ouvidoria.
Conforme disposto no projeto, os estudos estão sendo realizados em duas etapas,
sendo a primeira caracterizada por levantamento de dados bibliográficos de relevância
para a pesquisa e a segunda pelo levantamento de dados estatísticos, tratamento dos
mesmos para adequação para pesquisa e análise científica e a discussão dos mesmos
posteriormente.
3.1 – Fase I (Levantamento de dados bibliográficos):
Caracterizada inicialmente pela busca de bibliografia com relevância tanto no acervo
do Núcleo de Políticas Públicas, Espaços Públicos e Serviço Social, no acervo pessoal do
Professor Orientador e no acervo da Biblioteca Central do Gragoatá quanto através da
Internet, em especial, do Portal de Periódicos da CAPES. A seleção de material pautou-se
na busca de obras ou artigos em periódicos que tratassem da questão da violência física
e moral. Nesta fase foram coletados dados não apenas que tratassem da pessoa idosa,
evitando o risco de descontextualizarção das discussões.
3.2 – Fase II (Levantamento e tratamento de dados estatísticos)
Centrada na obtenção de dados, a fase II iniciou com intenso contato com órgãos
governamentais e programas de captação de denuncias para obtenção de informações.
Posteriormente, tais dados foram tratados e agrupados em diversas categorias, abrindo
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espaço futuro para uma avaliação do trabalho realizado pelos profissionais dos diversos
programas.
3.3 – Execução da metodologia proposta
Foram programadas reuniões semanais com o Professor Orientador, realizadas no
Núcleo de Políticas Públicas, Espaços Públicos e Serviço Social - NUPPESS. Através das
reuniões periódicas houve avaliação constante do trabalho desenvolvido, discussão da
bibliografia levantada, avaliação de pesquisas relacionadas desenvolvidas por outros
pesquisadores com potencialidade de parcerias e, finalmente, sobre os dados levantados
junto aos programas de captação de denuncias.
Através de infra-estrutura fornecida pelo NUPPESS foi possível o contato com os
programas e órgãos pertinentes através de meios de telecomunicação ou fisicamente,
quando necessário. O tratamento dos dados levantados, através de software adequado,
foi também realizado com apoio do Núcleo.
Alguns resultados obtidos
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) assinala que este goza de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana e que o envelhecimento é um direito
personalíssimo e a sua proteção um direito social, com o correspondente dever do Estado
e a respectiva proteção quando os direitos reconhecidos na Lei forem ameaçados ou
violados (art.43), definindo ainda que:
“nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência,
crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão será
punido na forma da lei” (art. 4o), acrescentando que é dever de todos prevenir a ameaça
ou violação aos direitos do idoso. Este consagra o paradigma do pacto dos direitos como
forma de combate a violência, mas há uma clara distância entre o formal e o real na
implementação desses direitos, constatando-se a violação de direitos e a transgressão
permanente dos mesmos pelo Estado, pela família e pela sociedade.
Estudos nacionais e internacionais evidenciam que existe um perfil do abusador
familiar: por ordem de freqüência, costumam ser, em primeiro lugar, os filhos homens
mais que as filhas; e a seguir, noras e genros; e esposos. A caracterização do agressor
foi mais aprofundada por alguns autores que se perguntaram pelas situações de risco que
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os idosos vivenciam nos lares, ressaltando as seguintes: agressor e vítima viverem na
mesma casa; o fato de os filhos serem dependentes financeiramente de seus pais de
idade avançada; ou de os idosos dependerem da família de seus filhos para sua
manutenção e sobrevivência; o abuso de álcool e drogas pelos filhos, outros adultos da
casa ou pelo próprio idoso; haver, na família, ambiente e vínculos frouxos, pouco
comunicativos e pouco afetivos; isolamento social dos familiares e da pessoa de idade
avançada; o idoso ter sido ou ser uma pessoa agressiva nas relações com seus
familiares; haver história de violência na família; os cuidadores terem sido vítimas de
violência doméstica; padecerem de depressão ou qualquer tipo de sofrimento mental ou
psiquiátrico
Com destaque para a realidade observada no Ligue Idoso do município do Rio de
Janeiro (majoritariamente estudado), e com base em suas cartilhas e materiais,
constatou-se que o Ligue Idoso, caracteriza-se como um serviço de atendimento
especializado, desenvolvido pelo Programa de Atendimento ao Idoso – PAI, que orienta e
informa aos idosos os direitos contidos na Constituição Federal, na Política Nacional do
Idoso, no Estatuto do Idoso e em Leis Estaduais.
O programa "Ligue Idoso/Ouvidoria" - é esse seu nome completo - encontra-se em
atividade desde julho de 1999. O programa tem como objetivo "atender e encaminhar as
denúncias de maus tratos e de desrespeito à legislação concernente a pessoa idosa,
quanto a abuso e lesões de seus direitos, servindo para identificar situações de risco e no
combate à violência doméstica física e psicológica, exploração, discriminação e outras
ações classificadas na linha de maus tratos." (Relatório Anual do Ligue Idoso/Ouvidoria,
2000, p.01)
Os assistentes sociais tenta(va)m extrair o máximo possível de informações sobre o
caso para que possam orientar o denunciante/usuário com mais segurança. Grande parte
das ligações são de pessoas que desejam obter alguma informação sobre serviços
públicos e legislação ou de denúncias de maus tratos. Cada atendimento deve ser
relatado por escrito, preservando ao máximo as expressões utilizadas pelo usuário. Os
profissionais elaboram um resumo acerca do atendimento contendo a caracterização do
agressor, o estado físico da vítima e a situação de agressão
O assistente social é responsável também pelo seu encaminhamento aos órgãos
competentes. O encaminhamento obedece a uma classificação prévia do conteúdo dos
telefonemas. A classificação foi elaborada pelas próprios assistentes sociais junto com a
coordenadora do programa e organiza-se da seguinte forma (durante o primeiro ano do
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Programa, ou seja, no governo de Antony Garotinho – classificação muda de acordo com
os critérios da equipe multidisciplinar que trabalhe na ouvidoria)
a) "Denúncias de maus tratos: conflito familiar, conflito de vizinhança, conflito entre
casal, conflito interpessoal, agressão física, ameaça de morte, negligência asilar,
negligência hospitalar, discriminação, abandono e apropriação de bens." (Relatório Anual
do Ligue Idoso, p.03) Cada um desses tipos de maus tratos é definido segundo suas
características.
b) "Denúncias de desrespeito: descumprimento das leis que amparam o idoso, com
referência a: transportes, atendimento em repartições públicas, bancos, supermercados,
ingressos à casa de cultura, internações e atendimentos hospitalares, pagamento de
impostos, utilização de espaços públicos." (Relatório Anual do Ligue Idoso, p.04)
c) "Denúncias previdenciárias: problemas na revisão de cálculos de aposentadorias e
pensões, interrupção de pagamento de benefícios, andamento de processos iniciais de
aposentadoria e pensão, recadastramento de beneficiários, liberação de pagamento de
benefícios, pagamento bloqueado de benefícios" (Relatório Anual do Ligue Idoso, p.05)
d) "Denúncias de desaparecimento"
e) "Ouvidoria: situações de atendimento imediato sem que haja demanda de
encaminhamento formal do Ligue Idoso ao órgão competente. Destina-se a orientar e
esclarecer o idoso ou o denunciante quanto a seus direitos e reivindicações junto aos
órgãos de competência" (Relatório Anual do Ligue Idoso, p.05)
Com o telefonema registrado e classificado, os assistentes sociais, através de fax e/ou
telefone, contactam as instituições competentes, expõe a situação e solicitam
providências. Dependendo do conteúdo do caso, as denúncias podem ser enviadas para:
Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa de Terceira Idade, Núcleo Especial para
Atendimento da Pessoa Idosa/Defensoria Pública, órgãos responsáveis pelo serviço de
transporte urbano, INSS, PROCON, rede hospitalar municipal e estadual, coordenadorias
regionais e secretarias municipais de promoção social. Também faz parte da atividade
dos assistentes sociais, checar se as denúncias foram efetivamente respondidas pelos
órgãos acionados. Isso se faz através de recebimento de resposta por escrito da
instituição acionada para resolver o caso, declarando seu parecer - o que a instituição
deve fazer em no máximo quinze dias, o que normalmente não ocorre, ou também
procurando contato direto com as vítimas para saber como está sua situação. Algumas
vezes, as próprias assistentes sociais verificam denúncias In loco ou recebem usuários
pessoalmente, o que não é oficialmente incentivado. (ALVES, 2001)
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Estudos nacionais (ALVES, 2001), nos apontam que no primeiro ano de programa,
registraram-se 863 denúncias, o que perfaz uma média de 3,5 atendimentos/dia. Desse
universo, 308 correspondem a denúncias que se encaixam na classificação de maus
tratos, 245 são casos que se apresentam sob a rubrica de ouvidoria e 148 são denúncias
acerca do uso dos meios de transporte coletivo nas cidades.
Se tomarmos o universo dos chamados "casos resolvidos", observamos que, em sua
maioria, referem-se também às três áreas apontadas acima: maus tratos, ouvidoria e
transportes. Em um ano de programa, foram resolvidas 481 denúncias, ou mais de 50%
dos casos; O que se entende por "caso resolvido" é a denúncia que, sendo encaminhada
ao órgão competente, recebeu por parte deste algum tipo de atenção, ou seja, uma
resposta escrita foi enviada ao "Ligue Idoso", atestando que alguma providência estava
sendo tomada para solucionar a situação.
Outro fato que gostaríamos de destacar e que o trabalho do "Ligue Idoso" nos revela, é
que os acordos verbais para solução de conflitos são feitos baseados na crença da
instituição de que ela pode exercer algum tipo de autoridade moral sobre os indivíduos.
(ALVES 2001). Nos demais municípios pesquisados, entre eles: Duque de Caxias e Volta
Redonda observamos a reprodução das ações, por vezes burocráticas, elencadas no
município do Rio de Janeiro. O repasse das denúncias para outras instâncias, diante da
precariedade das estruturas físicas e materiais que se apresentam os programas de
captação de denúncia, torna as resoluções dos casos uma incerteza constante.
O serviço prestado tem por objetivo geral, prestar serviço de utilidade pública, ouvindo,
orientando e esclarecendo acerca dos direitos sociais da população idosa, contribuindo
para a diminuição de maus-tratos e violência.
Já em caráter específico, tem por objetivos: receber, anonimamente ou não, denúncias
e reclamações de quaisquer formas de discriminação, desrespeito ou maus-tratos ao
idoso; encaminhar as denúncias às instituições competentes, após avaliação de uma
equipe multidisciplinar e servir como instrumento de estudos e pesquisas para a
elaboração de políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade de vida da pessoa
idosa.
Possui parcerias com:
•
Delegacia de Atendimento à Pessoa Idosa da terceira Idade – DEAPTI;
•
Núcleo Especial de Atendimento à Pessoa Idosa da Defensoria Pública – NEAPI;
•
Secretarias Municipais de Assist6encia Social municipais;
•
Ministério Público
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•
Conselhos Nacional, Estadual e Municipais de Defesa dos Direitos da Pessoa
Idosa;
•
Vigilância Sanitária
•
Secretaria Municipal de Transporte Urbano- SMTU
•
Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro – DETRO
•
INSS e PROCON
Outros aspectos que merecem destaque, o fato de não haver nenhuma perspectiva de
trabalho com o agressor, o primeiro contato de quem recorre ao serviço ser realizado por
um técnico administrativo (que depois vem a encaminhar a equipe técnica) e as
concepções de maus-tratos (“Qualquer ação ou omissão que venha interferir
negativamente na integridade física ou psíquica do idoso”) e de desrespeito (“Qualquer
ação ou omissão que venha descumprir as leis que amparam o idoso”), presentes na
cartilha explicativa acerca do serviço, que conta ainda com vários exemplos desses
conceitos.
Analisando dados, percebemos que, segundo o Censo de 2000 (IBGE,2002), pode-se
observar que a proporção de pessoas com 60 anos ou mais de idade responsáveis por
domicílio era de 65% entre os que ganham até 1 salário mínimo, de 17,2% entre os que
ganhavam mais de 1 até 5 salários mínimos, e de 4,3% entre os que ganhavam mais de
cinco salários mínimos; vimos assim, que quanto mais pobre a população, mais ela
depende do trabalho dos componentes idosos.
Já segundo o PNAD de 1997, vemos que 65% dos idosos analfabetos ou com até 3
anos de estudo encontravam-se trabalhando, e 50% para os que tinham mais de 8 anos
de estudo; assim como 81% dos que ganhavam até 1 salário mínimo estavam
trabalhando, esse número cai para 43%, para os que ganhavam acima de 5 salários
mínimos. Ou seja, o trabalho continua sendo muito mais intenso para idosos pobres e
analfabetos (sendo estes mesmos pobres, os que têm menos acesso às políticas
públicas, à aposentadoria, à Justiça, às condições de saúde...)
Percebemos também, que até 2001, caso não existisse a LOAS e o BPC, cujo critério
de acesso é extremamente baixo e limitado (de ¼ de salário mínimo per capita para a
família), milhares de idosos pobres com idade acima de 67 anos teriam ficado sem
subsídio de sobrevivência. Em 2001 havia 469.047 idosos usando o Benefício de
Prestação Continuada, e apenas 301.011 nos Serviços de Ação Continuada. Dando
prosseguimento a essas constatações, o Censo de 2000, nos mostra que 44,5% dos
9
idosos acima de 60 anos chefes de domicílio, ou seja, 3.989.238 idosos tinham
rendimento inferior a um salário mínimo; e 5%, ou seja 448.227 não tinham nenhum
rendimento, situação que se agrava no Nordeste, onde 63,9% dos maiores de 60 anos
têm rendimento de até 1 salário mínimo, e 5% estão sem rendimento.
Sem considerarmos outras formas de violência por parte do Estado em relação à
população idosa, como a falta de acesso à saúde e medicamentos, ou os abusos
praticados por parte dos Planos de Saúde. Assim, a violência da desigualdade corta
potencialidades de realização do idoso, de seus projetos e das condições de vida
autônoma.
O Documento das Organizações das Nações Unidas (2002) que preparou a
Conferência Internacional sobre o envelhecimento define os maus tratos contra a
pessoa idosa e considera abusivo:
“qualquer ato único ou repetido ou falta de ação apropriada que ocorra em
qualquer relação supostamente de confiança que cause dano ou angústia a uma
pessoa idosa”
Evidenciando o caráter de negação do outro, e de ruptura do pacto social de confiança,
em especial nas situações de violência intra-familiar, podendo mesmo ser um revide em
relação ao que os filhos acham que sofreram em seus passados.
Vemos com alguns desses dados, que a violência contra idosos está disseminada na
sociedade, em diferentes formas e estão sendo relatadas nas suas igualmente diferente
formas, impossibilitando a elaboração de estudos comparativos.
No Brasil, as informações sobre morbidade por causas violentas em idosos ainda são
pouco consistentes, fato observado também na literatura internacional que ressalta a subnotificação em todo o mundo. Por meio de investigações mais localizadas, com trabalho
de campo e busca ativa, alguns autores estimam que cerca de 70% das lesões e traumas
sofridos pelos velhos não estão incluídos nas estatísticas (Chavez, 2002). Considerando
essa limitação, entende-se que os dados existentes permitem perceber a gravidade dos
problemas e observar onde devem ser realizados investimentos do sistema de saúde e
das políticas sociais de proteção. Por isso, a opção é trabalhar a partir do que existe,
buscando melhorar as informações desde sua origem.
Voltando a realidade da pesquisa e aos dados fornecidos pelo Ligue Idoso do RJ de
janeiro de 2008 à setembro de 2008, nos debruçamos com a seguinte realidade:
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No prosseguimento da pesquisa, analisaremos mais dados com base nas
metodologias dos serviços e nos textos estudados, dessa forma avançaremos nos
resultados obtidos por esta.
Considerações finais
Em qualquer política de prevenção e atenção à violência contra os idosos, atualmente,
precisa-se considerar as diferentes formas de configuração do problema. Devem ser
objeto de atenção: políticas públicas que redefinam, de forma positiva, o lugar do idoso na
sociedade e privilegiem o cuidado, a proteção e sua subjetividade, tanto em suas famílias
como nas instituições, tanto nos espaços públicos como nos âmbitos privados. Por
exemplo, a travessia mais segura das ruas, a conservação das vias, a reeducação de
motoristas de coletivos para garantirem a segurança na subida e no interior dos veículos,
maior tempo de sinalização para a travessia podem colaborar para a prevenção de
acidentes nesta faixa etária. Do mesmo modo, cuidados básicos de segurança,
principalmente nas moradias, apoio nos banheiros, tapetes antiderrapantes e melhor
iluminação, entre outros, poderiam evitar a ocorrência de quedas fatais. Embora as
campanhas publicitárias tenham efeito duvidoso quando feitas isoladamente, é importante
usar esse instrumento ou outras formas criativas de comunicação para sensibilizar a
sociedade quanto ao envelhecimento da população e aos cuidados que a maior idade
demanda.
Em todas as formas de aumentar o respeito à população mais velha, todas as políticas
públicas voltadas para sua proteção, cuidado e qualidade de vida precisa-se considerar a
participação dos idosos, grupo social que desponta como ator fundamental na trama das
organizações sociais do século XXI. Ricos ou pobres, ativos ou com algum tipo de
dependência, muitos sustentam famílias, dirigem instituições e movimentam um grande
mercado de serviços que vão do turismo, lazer, estética, cosmética, produtos e
assistência médica e social.
Devemos tomar cuidado ao tratar desse tema. O aumento do número de leis voltadas
para as pessoas mais velhas não corresponde necessariamente a um atendimento das
demandas reais dessas pessoas, mas a um crescimento de sua visibilidade enquanto
grupo social específico e a criação de uma imagem do que deve ser a velhice e os velhos.
Outro fator importante para se ter em mente ao falarmos dos denunciantes no "Ligue
Idoso" é o fato de que a ligação para o programa, além de depender de um custo
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financeiro e social - posse de telefone, custo da ligação ou acesso fácil a esse meio de
comunicação - depende também da circulação de informação na sociedade sobre a
existência do serviço, um entendimento de seus objetivos e uma valorização da eficácia
desse tipo de ação estatal. Esses requisitos acabam por limitar o alcance do programa
aos setores "mais bem informados" da sociedade e que encontram-se, em maior
proporção, entre as pessoas de estratos médios da população. Outro fator importante,
que coopera para a precariedade das resoluções das denúncias, é a falta de recursos
matérias e humanos para a execução das ações a serem tomadas para solucionar, mais
rapidamente, os casos denunciados.
Contudo a realidade enfrentada por esse segmento social necessita receber a devida
atenção por parte do Estado, que por muitas vezes tenta passar a responsabilidade para
as famílias e comunidades em geral.
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