a agricultura como condição de vida para os quilombolas do distrito

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A AGRICULTURA COMO CONDIÇÃO DE VIDA PARA OS QUILOMBOLAS
DO DISTRITO DE TIJUAÇU / SENHOR DO BONFIM – BA
Monyque Santana dos Santos
UPE - Universidade de Pernambuco - Campus Petrolina
[email protected]
Raimunda Áurea Dias de Sousa
Orientadora – UPE/Campus Petrolina
[email protected]
INTRODUÇÃO
As comunidades quilombolas, cada vez mais, lutam por seus territórios e quando conquistam
tornam-se um espaço de transformações, lutas e resistência. Tais mudanças vêm ocorrendo
desde a certa “libertação”, até os dias de hoje, diante de vários problemas vividos por esses
negros, reflexo de um mundo capitalista, muitos sofrem e resistem a essa exclusão.
Assim, é notório que, a luta para ser reconhecido como quilombola, é incessante e longa, pois
há grandes etapas para percorrem, não apenas pelos documentos exigidos, mais pela visão
do mundo sobre as classes quilombolas, como também em todas as classes excluídas em
nosso país. Logo, nas pequenas palavras de Marx confirma: À igualdade “logicamente
impossível” das classes, opõe a sua abolição “historicamente necessária”. (2006, pg. 244).
O grande objetivo dessa pesquisa é refletir sobre as classes desprivilegiadas como exemplo a
classe quilombola, pois sofrem nesse mundo capitalista, que usufrui e conduz a exploração
dos mesmos, mediante a grande desigualdade social visível em nosso país.
Sendo assim, a Comunidade Quilombola de Tijuaçu, apesar da luta pelo seu
auto-reconhecimento já concretizada, falta muito para tornar-se “livre” e aceitos. Pois, muitos
sofrem com as desigualdades sociais e raciais, e pela exploração da mão de obra. Valendo
ressaltar que não vivem da “exploração escrava” como há tempos atrás, mais da luta por um
trabalho digno que possam sustentar suas famílias, como exemplo a agricultura de subsistência
produzida na comunidade e vendida nas cidades, produzindo: milho, feijão, melancia, abóbora
entre outros.
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Visando uma melhor análise, recorreu-se a fontes bibliográficas sobre a temática em questão
com o propósito de entender a situação quilombola na Comunidade de Tijuaçu. Valeu-se
ainda, de entrevistas com os sujeitos envolvidos a fim de vivenciar a realidade dos mesmos.
Utilizou-se como categoria geográfica território, por entender que ele é conquistado a partir
da relação de poder entre os que querem viver e o Estado capitalista que os explora. Dentro
dessa perspectiva, só o método dialética é capaz de analisar a realidade como ela é, tendo
como entendimento o local dentro da totalidade dos fatos.
Dessa forma, o trabalho aborda a agricultura como condição de vida na Comunidade
Quilombola de Tijuaçu, no Distrito de Senhor do Bonfim-Ba, dentro de um contexto geral da
luta dos negros no nosso país, por uma vida sem exclusão e com direito e deveres iguais a
todos. Portanto, o conhecimento geográfico foi e é imprescindível para entender a
exploração, a luta, e a resistência, dessas classes excluídas, exposta pelo capitalismo.
SER QUILOMBOLA – A LUTA PARA SER RECONHECIDO COMO SUJEITO
No Brasil, a escravidão teve início com a produção de açúcar na primeira metade do século
XVI, e para isso, eram utilizados os negros da África. O transporte desses para o Brasil foi
feito em porões dos navios negreiros, amontoados, em condições desumanas onde muitos
morriam antes de chegar ao País, sendo seus corpos lançados ao mar.
Assim, os escravos eram vendidos e comercializados. Caso tentasse a fuga, seriam punidos,
podendo chegar à morte. Logo, as origens da escravidão tinham três vertentes: os perdedores
de guerras, a escravidão por dívida e por nascimento. Assim, afirma Gonçalves:
Os escravos perdedores de guerras tinham duas opções: morrer
ou viver nessa condição. Pela convivência viver como escravo
seria vantagem diante da possibilidade de perder a vida,
justificando a grande desigualdade social. A escravidão por
divida se justificava pela incompetência daqueles que não
tinham condições de administrar seus negócios domésticos; assim
era vantagem alienar seu corpo e sua vida para alguém que
tivesse mais competência e alem do mais garantir o básico para a
sobrevivência. Quanto à escravidão natural, para os submetidos
a esta condição não havia opção, para o filho de escravo só
restava depositar a culpa a natureza que lhe havia determinado
esse destino. (2008, p. 70).
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Os negros também reagiam contra a escravidão. Eram comuns as revoltas nas fazendas de
onde grupos de escravos fugiam, formando nas florestas os famosos quilombos, que eram
comunidades bem organizadas, onde os integrantes viviam em liberdade, através de uma
organização comunitária aos moldes do que existia na África.
Com essa “liberdade”,
poderiam praticar sua cultura, falar sua língua e exercer seus rituais religiosos.
Logo, para compreendermos essa dita “libertação”, entende-se que os negros, cada vez mais,
procuraram a luta pela sobrevivência, através da formação de grupos quilombolas por todo o
Brasil. A exploração da força de trabalho escrava era uma das causas desse refúgio.
Partindo disso, Oliveira afirma (1999, p. 15)
Entre as várias formas que os negros tinham para lutar contra o
sistema de opressão, uma das mais significativas foi à formação
de quilombos. Os quilombos eram lugares de resistência negra.
As pessoas que moravam nos quilombos se chamavam
quilombolas. Os quilombos eram um sistema comunitário de vida
na floresta para onde iam os negras que conseguiam fugir da
escravidão. Às vezes eram cinco, seis casas apenas. Outras vezes
chegavam a formar verdadeiras cidades. Estes quilombos eram
sempre perseguidos pelos exércitos dos fazendeiros.
Com o capitalismo brasileiro nascente, surgiu a falsa libertação, em 1888, com a Lei Áurea.
Antes disso a Lei de Terras (1850) serviu para legalizar as terras dos latifundiários que as
teriam recebido da Coroa Portuguesa assim como os que não tinham registro poderiam
regularizar, mas as pessoas as quais não tinham terra teriam que comprá-las. Logo, libertaram
os escravos, mas escravizaram as terras, pois, sem o acesso a essas terras, a escravidão não
deixou de existir, só mudou de forma. É por isso que Gorgen (2004, p.21), afirma que:
Quando o capitalismo brasileiro nascente obrigou-se à farsa da
libertação dos escravos, criou antes a Lei de Terras (1850).
Legalizando seus latifúndios recebidos da coroa e fecharam as
portas do acesso a terra para quem viesse depois. Libertaram os
escravos, mas escravizaram a terra.
É importante citar que, no Brasil, a escravidão trouxe uma consequência para nossa
contemporaneidade, pois o racismo e o preconceito ainda persistem em existir por parte de
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muitos. Os negros lutaram e lutam pela dignidade e liberdade de expressar sua opinião e, até
mesmo, fazer parte dessa sociedade injusta e desse sistema de opressão.
Com a formação dos quilombos, há uma grande dificuldade de se provar suas origens, pois,
na sociedade brasileira, que é muito arraigada na concentração de propriedade,
lastimavelmente ainda existam preconceitos contra os negros. Com isso, os movimentos vêm
de encontro para acabar com essa mentalidade “dominante” que considera apenas quem tem
dinheiro. Assim, no Art. 1º, da Constituição 68:
As ações e atividades voltadas para o alcance dos objetivos da
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais deverão ocorrer de forma
intersetorial, integrada, coordenada, sistemática e observar os
seguintes princípios: O reconhecimento, a valorização e o
respeito à diversidade socioambiental e cultural dos povos e
comunidades tradicionais, levando-se em conta, dentre outros
aspectos, os recortes etnia, raça, gênero, idade, religiosidade,
ancestralidade, orientação sexual e atividades laborais, entre
outros, bem como a relação desses em cada comunidade ou
povo, de modo a não desrespeitar, subsumir ou negligenciar as
diferenças dos mesmos grupos, comunidades ou povos ou, ainda,
instaurar ou reforçar qualquer relação de desigualdade.
(Decreto n°6.040, de 7/02/2007).
Com isso, o Estado garantiu a propriedade da terra aos ocupantes remanescentes dos
quilombos (artigo 68 da Constituição, 2007), estabeleceu que "aos remanescentes das
comunidades dos quilombos, que estejam ocupando suas terras, seja reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos". Logo, há um
processo ideológico, racial e cultural, para a aprovação do mesmo.
Assim, o reconhecimento desses quilombos é intimamente ligado à identidade do povo,
preservação cultural, unificando a ideologia que buscam os negros. A respeito das questões
culturais das comunidades quilombolas, pelo seu reconhecimento e valorização, Moura afirma:
“É preciso que, desde cedo brasileiros saibam que os africanos que aqui chegaram
eram homens e mulheres livres nas suas terras e tinham conhecimento do seu
manuseio.” (2009).
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Referente à estrutura social, econômica e cultural dos quilombos, percebe-se que é muito
precária, pois a maioria dos quilombos busca a liberação em terras, pois muitos as perdem
para grileiros e latifundiários (opressores). O governo considera a terra assegurada aos
quilombolas uma forma de reparar a injustiça histórica cometida à população negra no Brasil,
aliando dignidade social à prevenção da herança material e imaterial brasileiro.
Como, no nosso país, há um desprivilegio à classe minoritária, os quilombos sofrem e lutam
pelo seu reconhecimento, e sabe-se que não é só a terra que essa minoria reivindica, mas
também a condição de sobrevivência, de trabalho e de lazer, que vem contra a propriedade
capitalista, onde a terra é produto de mercadoria e lucro.
Dessa forma, os quilombos têm “conquistado” o seu território, não alcançando sozinhos, mas
coletivamente; a conquista é feita pela luta à dignidade, ao respeito, à propriedade e à
liberdade. A luta pela terra e pelo direito de plantar, colher, estudar e ao livre arbítrio. Com
isso, estão inseridas aos movimentos sociais onde buscam a liberdade, conquista territorial e a
democracia, tentando extinguir essa visão de uma classe esquecida e “extinta” pelos poderes
políticos, apesar de não existir essa separação entre o político e econômico.
VIVER NO CAMPO – A AGRICULTURA É A CONDIÇÃO
A luta de mais de 500 anos dos descendentes de escravos no Brasil evidencia que a luta pela
terra não é nova. Trabalhadores da terra e escravizados - os quilombolas- ajudaram a
construir a história do Brasil, pois negavam o modelo econômico centrado no período
colonial, o regime de doação de sesmarias (1534), e com a criação da Lei de Terras (1850).
Atualmente, a realidade não difere do período colonial, pois os frequentes conflitos com
fazendeiros e grandes empresas multinacionais estão causando um desgaste para os
remanescentes de escravos que vivem no Brasil. Diante disso, os problemas sociais no
campo do Brasil, não é exclusividade desse momento histórico, mas vêm desde a escravidão
dos índios pela Coroa Portuguesa, quando se apropriou das terras dos mesmos,. Por isso:
Uma vez tomada a decisão de colonizar o território, a Coroa
Portuguesa muda radicalmente a sua relação com os povos
indígenas. A guerra e extermínio estão entre as primeiras
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medidas para expulsar os nativos de grandes extensões de terra
e para submetê-los à escravidão. GENARRI (2008, p. 15).
Com o passar do tempo, grandes lutas foram se formando e acontecendo os grupos de
movimentos sociais no século XX que foram se intensificando, e grandes conflitos por terras
foram se concretizando, pois a terra para o homem do campo é mais que terra, é a condição
de trabalho.
A terra e o fruto para esses povos são como condição de existência, de trabalho e de lazer;
sendo o campo um espaço fundamental para a sobrevivência. Assim, afirma Shanin: “O
campesinato é o modo de vida” (2008, p. 37).
Logo, essa combinação terra e trabalho trazem em si a grande condição para vida do
camponês, índio e do negro (quilombolas), ou seja, para aqueles que, sem a terra, não há
nenhuma possibilidade de reprodução familiar.
Assim, apesar do trabalho no campo ser extremamente “duro”, depende muito da diversidade
cultural e produtiva própria da vida camponesa, sendo a melhor maneira de lidar com a
biodiversidade. Por isso, os camponeses são os melhores guardiões da mãe natureza na arte
necessária de produzir alimentos para sustentar a humanidade. Eles sobrevivem, longe do
capital; a agricultura cresce mais saudável, sendo o alimento, de fato, do povo brasileiro.
A agricultura camponesa não é só um jeito de produzir no campo, é caracterizada pela força
do trabalho familiar, da subsistência, da coletividade, do modo de viver, vida comunitária, não
assalariada, diversidade na produção, autoconsumo, pequena propriedade, e nunca do
trabalho assalariado, nem da produção de mercadoria e da força do trabalho operário e
explorador que impõe o capital. Logo, Gorgem afirma características da Agricultura
Camponesa: a) Pequenas áreas de terra; b) Produção de subsistência para o
autoconsumo familiar; c) Produção diversificada, policultivos, grande variedades de
criação de animais; d)Trabalho familiar, mão de obra própria, autônoma; e)Produção
voltada ao mercado interno; f) Controle da tecnologia utilizada, desde a seleção e
conservação das sementes e mudas, ao controle das doenças. (2004, p. 20)
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Viver no campo é muito mais que terra; é meio de vida, de sobrevivência, de ser o que é. É
viver à base da agricultura, e crescer ajudando a família, e trabalhar coletivamente. É respeitar
seu tempo. Segundo Shanin:
Eles são (camponês), também, donos de seu próprio trabalho e
assim são capazes de escolher sua própria maneira de
descansar, o que é importante. Se olharmos para um camponês
real, não o camponês abstrato, quando ele está trabalhando,
veremos que ele é capaz de sentar-se à sombra de uma arvore
numa hora quente do dia e comer um pouco da comida que
trouxe de casa, saboreá-la ou ate tirar uma soneca.Então,
quando o calor diminui, ele retoma o trabalho, e ai ele trabalha
realmente pra valer e termina o que tem que ser feito, só Deus
sabe quando. Essa é uma peculiaridade do trabalho camponês, é
o trabalho de um homem que é dono do seu próprio trabalho e
pode decidir como utiliza-lo. (2008, p.38)
A terra como propriedade tem um valor econômico. Assim há vários conflitos, entre
latifundiários e camponeses, pois é nela que o latifúndio planta sua monocultura, trabalha
“assalariadamente” e escraviza a mão de obra. Assim, como tudo no capital se transforma em
mercadoria, infelizmente, essa terra passa por grandes transformações, adquirindo valor, onde
essa pode ser comercializada. Harvey (1990) apud Silva (2004, p. 45):
No campo, um instrumento fundamental da produção é a terra.
Nas análises feitas no Brasil a respeito da expansão capitalista
no campo, com umas poucas exceções, a terra é erroneamente
considerada capital. Afinal de contas, ela é comprada com
dinheiro e é utilizada como instrumento para explorar a força de
trabalho do trabalhador. Ela opera, portanto como capital. No
entanto o capital é produto do trabalho assalariado. Já a terra
não é produto nem do trabalho assalariado nem de nenhuma
outra forma de trabalho. É um bem natural, finito, que não pode
ser criado pelo trabalho.
Como o capital se apropria do trabalho, a terra também será apropriada, tornando uma
mercadoria. O campo para os quilombolas é de suma importância para a produção e para
subsistência de toda a família, que vive do fruto do trabalho no campo – agricultura, pecuária,
artesanato.
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Agricultura camponesa contradiz aqueles que afirmam que, no campo, não há mais
camponeses. Vivemos um processo continuado de afirmação e de tentativas de varrê-la do
mapa, tais sujeitos (camponeses), mostram que sua existência, resistência e sua luta
permanente fazem com que sempre exista, pois é por meio dela que sobrevivemos.
No momento histórico em que vivemos, ela está sob pressão do mercado capitalista que
força as migrações constantes, pois a terra de negócio é para produção, para exploração do
trabalho e é para o latifúndio todo investimento do Estado. Diante dessa realidade, o
camponês é expropriado. Assim, surgem vários movimentos como: Movimento Camponês,
Movimento sem Terra, os Quilombolas entre outros, que encontram na luta pela terra, a luta
pela vida e pela existência.
Agricultura camponesa e o modo de vida camponês são, ao mesmo tempo, um patrimônio
histórico da sociedade humana, um processo da construção coletiva e uma utopia de vida
para uma parte da sociedade.
ANALISANDO A REALIDADE DOS QUILOMBOLAS – NO DISTRITO DE
TIJUAÇU / SENHOR DO BONFIM – BA
É importante compreender quem são, como surgiram, de onde vieram, como sobrevivem,
onde se localizam os grupos quilombolas e, em especial, estudar e analisar a organização dos
quilombos, dando ênfase à realidade dos mesmos, através do modo de produção do cultivo
agrícola na comunidade camponesa de quilombolas do Tijuaçu localizado a 23 km do centro
de Senhor do Bonfim, às margens da Rodovia Lomanto Junior, em direção a Salvador.
Sendo um distrito de Senhor do Bonfim, Tijuaçu está localizado ao norte do estado da Bahia,
na região dominada de Piemonte da Diamantina. Situado no semiárido, encontra-se a 450
metros acima do mar. É um território conquistado através do esforço de cada cidadão da
região, com uma área de aproximadamente 2.277,9370; limitando-se ao norte da Fazenda
Santana e atravessando o Mulato e Ricocho; ao sul com Fazenda Alegre, a leste com a
Fazenda Forja e Várzea da Pedra; e a oeste, com a Fazenda Curral Derrubado.
Comprova-se que a economia dos grupos de quilombos está ameaçada, pois já se naturalizou
a miséria no Brasil. Assim:
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Hoje, há uma economia enfraquecida, predominando a pequena
produção, nas roças, onde dependem da chuva, se cultivam
milho, melancia, maxixe, batata-doce, abóbora, umbu, feijão de
arranca, feijão de corda, andu, mandioca e palma.
(MACHADO, 2004, p. 35).
Portanto, fica claro que boa parte da população de Tijuaçu vive do campo, onde há uma
agricultura de subsistência. Partindo do entendimento da relação contraditória imposta pelas
ações do capitalismo, que tenta ocultar o modo de vida a exclusão social do camponês na
atualidade, os quais têm prevalecido e contribuído no processo produtivo da agricultura
brasileira, Gorgem, afirma que: “A agricultura camponesa resistiu e cresceu, integrada a
população pobre do país, produzindo os alimentos básicos que vão a sua casa.”(2004,
pg 21)
É importante analisar que, por localizar-se em uma região do semiárido, apresenta uma
grande deficiência de água, havendo chuvas só no período de fevereiro a abril. Tem
aproximadamente 4.990 habitantes.
Resalta-se que na comunidade quilombola, há: a) difícil convivência com os “brancos”, por
esses terem perdidos suas terras para alguns fazendeiros; b) o parentesco entre os
quilombolas; c) a grande resistência à discriminação; d) os aspectos sócioculturais, as suas
origens, os aspectos educacionais, a agricultura como condição de subsistência (agricultura
camponesa), com uma pequena produção de policultura no campo, pois dependem das
chuvas e do cultivo para alimentação dos quilombos. As lutas dos negros ocorriam das várias
formas. Nesse particular, Machado (2004, pg.18) registrou que:
a) Quando já não tinham nada para comer e a terra seca não produzia nada, tendo a
terra como única propriedade de valor, as pessoas negras de Tijuaçu a trocavam por
comida para si, para sua família, indo em busca de trabalho no Sul, onde chovia; quando
a morte estava colhendo as vidas por causa da fome, ninguém pensava no futuro, mas na
sobrevivência imediata.
b) Partindo com a família para o Sul, alguns faziam um trato com os fazendeiros que,
depois de voltarem, deveriam de voltar às suas terras. Infelizmente, muitas vezes
regressando, depois quando a chuva caía, encontravam as suas terras cercadas,
roubadas, apropriadas, guardadas pelas pessoas armadas a serviços de novos donos.
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c) Vendo a um fazendeiro um pedaço da terra, este entrava com seus homens e cercava
uma área muito maior da terra do que esta, que lhe foi vendida. Aproveitava-se da
ignorância do povo e quanto à lei, esta só funcionava a serviço do mais forte e mais
rico, então, ninguém podia reclamar algo.
Diante disso, os conflitos sociais no campo, no Brasil, não são exclusividade da atualidade,
mas, desde o século XVI, onde os índios eram atraídos pelas mercadorias , e suas terras
ocupadas, essa era um instrumento de guerra e luta, pois há uma relação entre índios e a terra,
como há entre os quilombolas, os sem-terra e outros, havendo uma batalha dolorosa,
sangrenta e mortal.
Hoje, assim como os demais movimentos sociais lutam pelas terras, os quilombos cada vez
mais conquistam seus territórios, mediante a luta pela terra de trabalho a partir das lutas pela
suas terras de volta, mas nem sempre isso ocorre. Alguns vivem em terras de amigos vizinhos
e familiares, pois há entre ele um laço de dignidade e fraternidade pela sua raça.
Logo, a terra para os quilombolas não é apenas vista como um meio de produção, venda,
luxo ou acumulação, mas ter sua independência ou mesmo sua “liberdade”, sendo em
comunidades bem organizadas, onde os integrantes vivem com liberdade, através de uma
organização comunitária, podendo praticar sua cultura, falar sua língua e exercer seus rituais
religiosos, plantar, colher e sobreviver.
A agricultura entre eles é escassa, pouco se colhe, devido à seca, mas muitos que conseguem
utilizam desses alimentos para sobreviver e o pouco que sobra é vendida na cidade de Senhor
do Bonfim, produzindo, assim, uma policultura, como o cultivo do milho, feijão-de-corda,
feijão-de-arranca, feijão-andu, mandioca, palma e outros alimentos da agricultura camponesa
que, de fato, alimentam o povo brasileiro. Gorgem argumenta:
Apesar do abandono, da falta de apoio e da ausência de polícas
publicas do estado, da repressão da negação da Reforma
Agrária, foi a agricultura camponesa que alimentou de fato o
povo brasileiro durante toda a sua história. (2004, pg. 23).
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Dessa forma, os quilombos têm conquistado o seu território, não alcançando sozinhos, mas
com toda a população; a conquista é feita pela luta à dignidade, ao respeito, à propriedade e
à liberdade. Com isso estão inseridas aos movimentos sociais onde buscam a liberdade, a
conquista territorial e a democracia, tentando extinguir essa visão de uma classe esquecida e
“extinta” pelos poderes políticos, apesar de não existir essa separação entre o político e
econômico. “O político e o econômico submetendo o social, as relações sociais de modo
geral”. (DAMIANI, 2002, p. 18).
A condição alimentar das famílias negras quilombolas de Tijuaçu, em Senhor do Bonfim-Ba, é
bem precária, contando com os alimentos retirados da lavoura, no caso da produção
apresenta alguns prejuízos ocasionados pela má distribuição de chuvas e o solo seco, tendo
influências diretamente na alimentação do pequeno produtor. Nesse caso, a carência em
nutrientes e diversificação na qualidade da alimentação é bem precária em relação à jornada
de trabalho enfrentada pelos negros camponeses no trabalho desgastante da lavoura, que
demanda grande disposição para garantir rentabilidade no desenvolvimento das atividades no
campo. A colheita é realizada de forma manual, contando com a participação de toda a
família, para a realização do transporte da produção, que é feito por animais, através do
auxílio de carroça ou de caminhões trazidos por atravessadores, comerciantes conhecidos
como intermediários que compram a pequena produção, como o cultivo do milho,
feijão-de-corda, feijão-de-arranca, feijão-andu, mandioca, palma, e outros da comunidade
para comercializar nos centros urbanos.
Assim, evidencia-se que o processo de diferenciação social não se realiza de forma
homogênea e que, nem sempre, promove a proletarização dos agricultores. Muitos negros do
quilombo de Tijuaçu foram vitimados pela expropriação, pois os “brancos” tomavam suas
terras, normalmente aproveitando a penúria pela qual esses passavam por causa da seca, da
falta de água e da comida, encontrando, na forma da posse, a maneira de entrar na terra. A
posse abriu, portanto, uma possibilidade de os agricultores quilombolas conquistarem a
autonomia do seu trabalho. Foi por meio dela e pela luta a liberdade que os negros
conseguiram ocupar o território no distrito de Senhor do Bonfim, conseguindo em 1998, a
aprovação e o reconhecimento territorial da comunidade Negra Rural de Tijuaçu.
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Desse modo, as contradições que existem no mundo, onde o capitalismo impõe a
desigualdade social, econômica e política são muitas. O importante é enquanto estudante de
Geografia, entender que o espaço agrário brasileiro é cheio de conflitos e que, para ser
respeitado diante de um sistema perverso, é preciso muita luta contrária ao atual modelo
econômico.
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