Revista Veja – 28/Jan/2007 O governo dá sua cartada Se bem executado, o pacote para turbinar o crescimento pode melhorar a eficiência do Estado. Mas não a da economia Julia Duailibi e Giuliano Guandalini presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou na semana passada seu tão aguardado plano para "destravar" a economia do país. Na presença de 23 governadores, além de ministros e lideranças políticas, Lula expôs as principais linhas de um programa que prevê uma injeção de 503,9 bilhões de reais em investimentos entre 2007 e 2010. Assim, crê a equipe econômica, o Brasil crescerá daqui para a frente 5% ao ano – o dobro do registrado nas últimas duas décadas. O eixo central são projetos de infra-estrutura, como a recuperação de estradas e portos, a construção de usinas hidrelétricas e a ampliação do acesso a água e coleta de esgoto. Embora preconize um aumento dos investimentos públicos, o governo mostrou que manterá rigor no combate à inflação e a trajetória cadente do endividamento público (ver projeções). O plano tem poucas novidades. Boa parte das iniciativas nele previstas já é conhecida. É o caso, por exemplo, de obras na usina de Tucuruí ou da pavimentação da BR-230, que já apareciam no Avança Brasil, uma iniciativa similar anunciada pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 1999. Mesmo sem ser integralmente inédita, no entanto, a iniciativa de Lula tem virtudes. Ela acerta, por exemplo, ao organizar ações estratégicas até então espalhadas entre as três esferas de governo e coordená-las com agentes privados. Com isso, cria uma agenda por meio da qual poderá fiscalizar e ser fiscalizado na perseguição de suas próprias prioridades. Não é pouca coisa, considerando o fracasso de outras iniciativas que se perderam no poço sem fundo da incompetência gerencial do Estado brasileiro. O problema do programa petista é que ele confia demais no papel do Estado, mostra-se tímido quanto às principais urgências econômicas do país e é insuficiente para atingir seu próprio objetivo de elevar o potencial de crescimento do PIB. Não se apresentou nenhuma reforma estrutural que desse a ele segurança jurídica, liberdade ou folga tributária definitiva para apostar no país. Também não se falou uma palavra sobre a reforma trabalhista. E o que é pior: em vez de propor a reforma da Previdência, o governo lavou as mãos, preferindo criar um grupo de trabalho para estudar o assunto – em "governês", criar um grupo de trabalho significa enterrar de vez o assunto. Para se ter uma idéia da dimensão do problema, 42 bilhões de reais esvaíram-se pelo gigantesco ralo da Previdência no ano passado. Por conveniência de marketing político, o plano recebeu um nome de batismo fácil de ser decorado – PAC, abreviatura de Programa de Aceleração do Crescimento. Pelas contas da ministra da Casa Civil e idealizadora do PAC, Dilma Rousseff, pelo menos 76% dos 503,9 bilhões de reais sairão dos cofres governamentais de alguma maneira – via recursos das estatais, do próprio Orçamento federal ou por meio dos empréstimos de bancos públicos. O valor surpreende, mas, felizmente, não reflete nenhuma decisão do governo de arrombar os cofres públicos. O presidente Lula "resistiu à tentação fatal da heterodoxia", nas palavras do ex-presidente do BC Carlos Langoni, e procurou preservar a arquitetura macroeconômica. Há, nesse sentido, medidas cautelosas de isenção de impostos para alguns setores, como informática e construção civil, além de regras para conter o progressivo avanço na despesa com o funcionalismo público. As propostas mais controversas e passíveis de questionamento jurídico são uma indexação do salário mínimo ao crescimento do PIB (o que tende a pressionar ainda mais as contas da Previdência) e a utilização dos recursos do FGTS (uma poupança exclusiva dos trabalhadores) para a criação de um fundo de risco destinado a investir em obras de infra-estrutura. Nada que comprometa (de vez) o controle fiscal. Resta fazer com que as obras de infra-estrutura saiam do papel – missão que caberá à ministra Dilma. Com o PAC, o governo tem como meta elevar a taxa de investimentos para algo em torno de 25% do PIB, patamar apontado pelos economistas como necessário para que o país possa crescer a taxas de 5% ao ano. Há muito tempo os investimentos permanecem estagnados em torno de 20% do PIB, nível insuficiente para destravar a economia. Em resumo, trata-se de um plano que poderá até organizar a vida do Estado, mas não reduzir seu peso de elefante. O país esperava algo mais ambicioso e menos crente no papel do governo como condutor da vida das pessoas e das empresas. Se o PAC tem mesmo méritos, só se saberá quando e se for executado. ARMANDO MONTEIRO NETO PRESIDENTE DA CNI "O programa tem o mérito de trazer para a sociedade a discussão da agenda pró-crescimento. O PAC é benigno, mas só terá alcance efetivo com medidas de contenção fiscal – e até agora elas foram tímidas." JOSÉ JÚLIO SENNA ECONOMISTA/MCM CONSULTORES "Por trás do plano está a idéia de colocar o Estado como motor do crescimento. É uma pena, porque as empresas nunca tiveram tanto dinheiro em caixa para investir. O ideal seria mobilizar esses recursos." FABIO GIAMBIAGI ECONOMISTA/IPEA "O plano vai na direção correta, mas é insuficiente. Acho positiva a medida que limita o aumento real dos gastos com funcionalismo público a 1,5% acima da inflação. Isso deverá evitar o descontrole dessas despesas." EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA ECONOMISTA/IBMEC-SP "Do ponto de vista fiscal, o PAC é expansionista. Os gastos públicos vão aumentar. Isso reduz o espaço para que o Banco Central diminua a taxa de juros." ANTONIO CORRÊA DE LACERDA ECONOMISTA DA PUC-SP "É muito positivo o resgate da visão de planejamento para recuperar a infra-estrutura. O investimento público é pequeno, mas vai fomentar a iniciativa privada ao diminuir gargalos." CLAUDIO SALES INSTITUTO ACENDE BRASIL "As isenções fiscais para novos investimentos são positivas e deverão estimular a construção de mais usinas. Mas a iniciativa ainda é tímida diante da pesada tributação, que chega a 43,7% do valor da conta de luz." ILAN GOLDFAJN CIANO INVESTIMENTOS "Como o governo não vai cortar gastos, a carga tributária não poderá cair. As isenções dadas a alguns setores terão de ser cobertas por uma maior arrecadação sobre outras atividades da economia." SIMÃO DAVI SILBER PROFESSOR DA FEA-USP "O governo deixou as reformas de fora e perdeu mais uma chance de preparar as condições para um crescimento sustentável. Por que favorecer apenas alguns setores? Quais foram os critérios para essa decisão?" JOSÉ PAULO SILVEIRA COORDENADOR DO AVANÇA BRASIL NO GOVERNO FHC "A implementação efetiva dos projetos é o mais importante. Muito do que está aí já constava de planos anteriores. É fundamental que o PAC tenha um acompanhamento, senão não vai andar." JULIO FONTANA NETO PRESIDENTE DA MRS LOGÍSTICA "No que diz respeito a ferrovias, foram anunciados projetos que já vinham sendo discutidos. Mas há um avanço porque, agora, existe uma intenção declarada e enfática do governo. É uma evolução positiva."