RELATO DE CASO Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 mai-jun;10(3):238-9 Paracoccidioidomicose na forma aguda. Relato de caso* Paracoccidioidomycosis in acute form. Case report Tarsila Alexandre de Oliveira1, Cíntia Ribas Souza2, Laura de Araujo Castro2, Robisney Ferreira Avelar3, Sérgio Duarte Dortas Junior4 *Recebido do Serviço de Clínica Médica do Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI). Nova Iguaçu, RJ. RESUMO SUMMARY JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A paracoccidioidomicose (PCM) é uma micose sistêmica causada por um fungo que acomete principalmente os pulmões e a pele. É mais frequente em adultos do sexo masculino procedentes de zona rural. As manifestações clí­nicas são variadas. Quando não diagnosticada e tratada pode levar às formas disseminadas graves. O objetivo deste estudo foi apresentar um caso de PCM de forma aguda em jovem imunocompetente, a fim de alertar a importância do diagnóstico e tratamento precoces no prognóstico desta doença de incidência desconhecida. RELATO DO CASO: Paciente do sexo masculino, 17 anos, apresentou quadro de linfadenomegalia cervical com sinais flogísticos, febre e perda de peso há 4 meses. Exames complementares sem alterações significativas. Exame histopatológico do material adquirido em punção de linfonodo permitiu chegar ao diagnóstico de PCM. CONCLUSÃO: O diagnóstico precoce da PCM é importante visto que a terapia é capaz de reduzir a morbidade e a mortalidade desta doença. Portanto, mesmo em regiões de baixa incidência da doença, esta deve ser lembrada como diagnóstico diferencial de linfadenopatias. Descritores: Eosinofilia, Linfadenopatia, Paracoccidioidomicose. BACKGROUND AND OBJECTIVES: Paracoccidioidomycosis (PCM) is a systemic mycosis caused by a fungus that affects mainly the lungs and the skin. It is most frequent in male adults from rural areas. Clinical manifestations are variable. When it is not diagnosed and treated, it can take to severe disseminated forms. We present a case of acute form PCM in a young immunocompetent patient to point how important is the early diagnosis and treatment in the prognosis of this disease with unknown incidence. CASE REPORT: Male patient, 17 years old, has presented cervical lymphadenopathy with flogistic signs, fever and weight loss for 4 months. Complementary exams showed no significative alterations. Histhopathology of the material acquired by lymph node punch managed to get to PCM’s diagnosis. CONCLUSION: PCM´s early diagnosis is important so that therapy is able to reduce morbidity and mortality of this disease. So, even in regions with low incidence of the disease it must be resembled as a differential diagnosis of lymphadenopathy. Keywords: Eosinophilia, Lymphadenpathy, Paracoccidioidomycosis. 1.Graduada em Medicina pela Universidade de Nova Iguaçu (UNIG). Nova Iguaçu, RJ, Brasil 2. Ex-Residente de Clínica Médica do Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI). Nova Iguaçu, RJ, Brasil 3. Mestre em Ciências Biológicas e Doenças Parasitárias pela Faculdade de Medicina da Universidade de Nova Iguaçu (UNIG). Médico do Serviço de Doenças Sexualmente Transmissíveis do Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI). Nova Iguaçu, RJ, Brasil 4. Mestre em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Coordenador da Residência Médica em Clínica Médica do Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI). Nova Iguaçu, RJ, Brasil Apresentado em 13 de julho de 2011 Aceito para publicação em 12 de dezembro de 2011 Endereço para correspondência: Tarsila Alexandre de Oliveira Av. Henrique Duque Estrada Mayer, 953 – Bairro da Posse 26030-380 Nova Iguaçu, RJ. Fones: (21) 9781-0973 – (21) 2767-2954 E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica 238 INTRODUÇÃO A paracoccidioidomicose (PCM) é uma micose sistêmica, causada pelo Paracoccidioides brasiliensis1. É considerada a 8ª causa de mortalidade de doença infecciosa crônica, limitada à América Latina2. No Brasil, a maior incidência ocorre nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro3. Esta doença é adquirida pela inalação do fungo durante atividades agrícolas. A contaminação por meio de ferimentos cutâneos e mucosas é rara4. A infecção está relacionada com a virulência, quantidade de conídios inalados e a resposta do hospedeiro3. A clínica é variada e o diagnóstico definitivo exige o cres­cimento do fungo na amostra micológica ou histológica2. O objetivo deste estudo foi relatar um caso de PCM de forma aguda em jovem imunocompetente, a fim de alertar a importância do diagnóstico e tratamento precoces no prognóstico desta doença de incidência desconhecida. RELATO DO CASO Paciente do sexo masculino, 17 anos, estudante e natural de Nova Iguaçu, RJ. Quatro meses antes da internação iniciou quadro de linfoadenomegalia cervical com sinais flogísticos (Figura 1), picos febris intermitentes e emagrecimento de 20 kg no período. Evoluiu com tosse com expectoração acastanhada. Referia contato com fa- Paracoccidioidomicose na forma aguda. Relato de caso Figura 1 – Linfadenopatia cervical apresentando eritema e edema local. miliar com diagnóstico de tuberculose pulmonar. Havia trabalhado em região rural por alguns meses no último ano. Ao exame físico apresentava-se emagrecido, com linfonodomegalias cervical anterior e posterior bilateral, retro auricular direita, axilar bilateral, supracondilar umeral e inguinal; e lesões ulceradas em face. Exames mostravam anemia normocrômica e normocítica e discreta eosinofilia, PPD não reator, BAAR no escarro negativo, anti-HIV (vírus da imunodeficiência humana) negativo e radiografia de tórax sem alterações. Não realizou outros testes para avaliação da imunidade, pois não apresentava critérios para investigação de imunodeficiência primária5. No material extraído de punção do linfonodo cervical esquerdo observou-se presença de células leveduriformes arredondadas de parede espessa; com múltiplas gemulações sugestivas de Paracoccidioides brasiliensis. Foi iniciado tratamento com anfotericina B com boa resposta clínica, posteriormente substituída por itraconazol. Encontra-se em acompanhamento ambulatorial com boa evolução clínica. DISCUSSÃO Apesar da alta incidência de casos de PCM no Estado do Rio de Janeiro, não há relatos no município de Nova Iguaçu. Não é uma doença de notificação compulsória, portanto, sua real prevalência não pode ser calculada. No entanto, estima-se que a taxa anual de incidência entre a população brasileira seja de 1 a 3 por 100.000 habitantes e a de mortalidade, de 0,14 por 100.000 habitantes. Acredita-se que nas regiões endêmicas existam, aproximadamente, 10 milhões de pessoas infectadas por P. brasiliensis. A maioria destas não apresenta sintomas clínicos. A doença é considerada um grave problema de saúde pública devido à existência de extensas áreas endêmicas associadas às importantes repercussões econômico-produtivas dos indivíduos acometidos6. A infecção pelo P. brasiliensis é adquirida nas duas primeiras décadas de vida, e as manifestações ocorrem mais frequen­temente entre 30 e 50 anos, com predomínio no sexo masculino, por reativação de foco endó­geno latente2. Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 mai-jun;10(3):238-9 As principais formas de apresentação clínica da doença são: a forma crônica que é conhecida como “tipo adulto” por comprometer o pulmão, pele e mucosas, linfadenopatia; e a forma aguda ou subaguda conhecida como “tipo juvenil” que acomete preferencialmente pessoas jovens com presença de adenomegalia generalizada e hepatoesplenomegalia4. O relato em questão é o de uma forma mais rara de apresentação clínica, a forma aguda em pacientes jovens, presente em 3% a 5% dos casos7. A presença de linfonodomegalia generalizada e lesão ulcerada em face colaboraram para a suspeita diagnóstica. Na PCM, os exames laboratoriais são inespecíficos. O padrão-ouro para o diagnóstico e a identificação de elementos fúngicos sugestivos de P. brasiliensis em exame a fresco de escarro ou outro espécime clínico (raspado de lesão, aspirado de linfonodos) e/ou pelo histopatológico. Outro método possível é através da sorologia, também usada para controle de cura5. No presente caso, os exames laboratoriais foram inespecíficos. A única alteração nos exames solicitados foi eosinofilia, a qual pode ser encontrada na forma aguda da doença. A confirmação do diagnóstico ocorreu através do exame do material aspirado de linfonodo cervical. O tratamento da PCM é feito com derivados azólicos ou sulfamídicos nos casos leves a moderados, e anfotericina B em casos graves. O paciente apresentado foi tratado com anfotericina B, pois apresentava importante comprometimento do estado nutricional. Posteriormente, foi mantido o acompanhamento ambulatorial com paciente em uso de medicação oral (derivados azólicos). CONCLUSÃO A paracoccidioidomicose é uma doença preferencialmente de pacientes adultos, com comprometimento sistêmico. Raramente acomete pacientes jovens. O diagnóstico precoce é importante visto que o tratamento implica na redução da morbidade e mortalidade de pacientes com esta doença. Portanto, mesmo em regiões de incidência desconhecida, a doença deve ser aventada como diagnóstico diferencial de linfadenopatias. A notificação compulsória deveria ser realizada com o objetivo de se conhecer o seu real comportamento epidemiológico. REFERÊNCIAS 1. Schechter M, Marangoni D, Wanke B. Doenças infecciosas: conduta diagnóstica e terapêutica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p. 318-23. 2. Brum AV, Brum VL, Brum TL, et al. Comprometimento do sistema nervoso central na paracoccidioido­micose em paciente imunocompetente. Relato de caso. Rev Bras Clin Med 2010;8(1):83-5. 3. Palmeiro M, Cherubini K, Yurgel LS, et al. Paracoccidioidomicose – Revisão da Literatura. Scientia Med 2005;15(4):274-8. 4. Moreira APV, Moschen AZ, Cardoso AV, et al. “Doenças infecciosas e parasitárias”. Ministério da Saúde, Brasília; 2010. p. 318-20. 5.http://www.bragid.org.br/download/10sinais.pdf 6. Moreira APV. Paracoccidioidomicose: histórico, etiología, epidemiologia, patogênese, formas clínicas, diagnóstico laboratorial e antígenos. Bol Epidemiol Paul 2008;5(51):11-24 7. Shikanai-Yasuda MA, Mendes RP, Colombo AL, et al. Consenso em paracoccidioidomicose. Rev Soc Bras Med Trop 2006;39(3):297-310. 239