Receitas sem critério

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Antibióticos
Receitas sem critério
Quase metade
dos médicos
que visitámos
prescreveram
antibiótico para
uma dor de
garganta simulada,
sem sinais de
infeção bacteriana.
A generalidade das
farmácias recusou
a venda sem
prescrição médica
O NOSSO ESTUDO
50 consultas e 70 farmácias
teste saúde 109 junho/julho 2014
• Para saber se os médicos prescrevem antibióticos em
situações em que são desnecessários e se as farmácias
os vendem sem receita médica, pedimos a colaboradores para visitarem 120 estabelecimentos escolhidos ao
acaso, na Grande Lisboa e no Grande Porto, tendo em
conta a necessidade de obter uma consulta rapidamente. Queixaram-se de uma dor de garganta fictícia, com
ligeiro incómodo ao engolir. Não apresentavam outros
sintomas e apenas estavam a tomar chá. Os colaboradores foram avaliados clinicamente antes e durante o
estudo para garantir a ausência de problemas.
32
• Nas consultas médicas em que não foram receitados
antibióticos espontaneamente, “os nossos doentes”
perguntaram, sem insistir, se não seria melhor tomar
um daqueles medicamentos. Nas farmácias, pediram
um antibiótico sem apresentar receita médica.
• As visitas ocorreram em janeiro e fevereiro de 2014.
Os resultados revelam uma fotografia de momento, sem
pretensão de representatividade estatística.
Segundo a Direção-Geral da Saúde (dados de 2010), Portugal está
no lote dos 10 países da Europa
que mais consomem antibióticos
fora dos hospitais. Nestes, o consumo também é superior à média
europeia.
Mas a utilização será sempre justificada? O nosso estudo mostra
que, muitas vezes, os médicos
prescrevem os ditos medicamentos de forma pouco rigorosa.
Receitas sem conta
nem medida
■ Queixámo-nos de uma dor de
garganta simulada em 50 consultas de clínica geral e otorrinolaringologia – especialidade que trata
afeções da garganta, dos ouvidos
e do nariz –, em estabelecimentos
privados. Apesar de todos terem
observado uma garganta sem sinais de infeção, 21 médicos passaram uma receita com antibiótico:
20 fizeram-no espontaneamente
e um, por sugestão do paciente.
O último profissional frisou que a
receita só deveria ser aviada caso
a situação se agravasse, ou seja,
se aparecessem pontos brancos
(pus) na garganta – indicadores de
infeção bacteriana. Esta atitude é
mais prudente do que a dos que se
limitaram a passar a receita, mas
continua a facilitar o acesso aos
antibióticos.
■ Em 2007, num estudo idêntico,
efetuámos 44 consultas, na Grande Lisboa e no Grande Porto, e
saímos com receita de antibióticos de 25, ou seja, 57% dos profissionais receitaram um destes
fármacos para uma situação em
que era desnecessário e inútil.
Na atual investigação, a percentagem de receitas imprudentes
diminuiu (42%), mas a situação
continua preocupante: perante os
sintomas apresentados, nenhum
profissional deveria ter recomendado antibióticos.
■ Em 27 visitas, os nossos pacientes foram aconselhados a tomar
analgésicos e/ou anti-inflamatórios ou outros produtos para a
garganta.
■ Em três estabelecimentos (Policlínica de Benfica e Hospital da
Cruz Vermelha, de Lisboa, e Clínica Mariani, de Vila Nova de Gaia),
o médico disse-lhes (e bem) que
não via nada de anormal e não
passou qualquer receita - atitude
mais sensata para o nosso cenário.
■ Antes de efetuarem a prescrição, quase todos os profissionais
procuraram inteirar-se da história
clínica do paciente, se tomava medicamentos, se era alérgico a algum fármaco e se, habitualmente,
sofria de amigdalite. As respostas
foram sempre negativas. A grande
maioria procurou também aprofundar os sintomas, perguntando
se tinha tido febre, tosse, dores de
ouvidos, nariz entupido e dificuldade em engolir. Os nossos colaboradores só sentiam um ligeiro
incómodo ao engolir.
Portugal
está entre
os 10 países
europeus
que mais
consomem
antibióticos,
alerta a
Direção-Geral
da Saúde
Apenas um desvio
■ Queixámo-nos da mesma dor
de garganta em 70 farmácias da
Grande Lisboa e do Grande Porto e pedimos um antibiótico sem
apresentar receita. Os estabelecimentos foram escolhidos ao acaso, excluindo aqueles em que os
nossos colaboradores pudessem
ser reconhecidos.
■ A Farmácia Faria, de Matosinhos,
foi a única a dispensar de imediato
um antibiótico, tendo aconselhado a toma durante três dias, sem
outras recomendações. Do outro
lado do balcão, só se preocuparam
em saber se o cliente era alérgico a
algum fármaco.
■ Nas restantes visitas, os profissionais procuraram aprofundar os
>
Unidades de saúde Prescrição desnecessária de antibióticos
Prescreveu?
GRANDE LISBOA
Estabelecimento e localidade
Prescreveu?
Policlínica de Benfica Lisboa
Não
British Hospital Lisboa
Sim
Pragal Médica Almada
Não
Centro Clínico da Junta Freguesia de Benfica Lisboa
Não
Renovar Cliniped Almada
Não
Centro de Medicina Santo Amaro Almada
Sim
UCSP Pinhal Novo Pinhal Novo
Não
Centro Médico de Moscavide Lisboa
Sim
Walk'in Lisboa Lisboa
Não
Centro de Saúde de Sete Rios Lisboa
Não
GRANDE PORTO
Clínica de Chelas Lisboa
Não
Casa de Saúde da Boavista Porto
Sim
Clínica do Campo Grande Lisboa
Não
Centro Clínico Moss Porto
Não
Clínica Jardim da Piedade Almada
Não
Clínica Central de Gaia Vila Nova de Gaia
Não
Clínica Médica e Diagnóstico de Sacavém Sacavém
Sim
Clínica da Lourinha Rio Tinto
Não
Clínica Monserrate Almada
Não
Clínica do Bonfim Porto
Sim
Clínica Nova de Almada Almada
Sim
Clínica Mariani Vila Nova de Gaia
Não
Clínica Nuno Álvares Almada
Não
Clínica Médica da Foz Porto
Não
Clínica Sampedro Lisboa
Sim
Clínica ORL Porto
Não
Clínica São João de Deus Lisboa
Sim
Clínica Saúde Atlântica Porto
Sim
Clisa - Clínica de Santo António Lisboa
Sim
Clipóvoa Porto
Sim
Hospital CUF Descobertas Lisboa
Sim
Dermo Korpus Matosinhos
Não
Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa Lisboa
Não
Hospital CUF Porto
Sim
Sim
Hospital da Ordem Terceira Porto
Não
Hospital Privado da Boa Nova Porto
Sim
Hospital da Luz Lisboa
HPP - Hospital dos Lusíadas Lisboa
*
Sim
Malo Clinic Lisboa
Sim
Hospital Privado de Alfena Valongo
Não
Medicil Lisboa Lisboa
Sim
HPP - Hospital da Boavista Porto
Sim
MJP - Clínica Médica Lisboa
Não
Labmed Saúde Vila Nova de Gaia
Não
MMP - Clínica Otorrino Almada
Não
Liga das Associações Mutualistas do Porto Porto
Não
O Vigilante Amadora
Não
Medicil Porto
Não
Policlínica de Almada Almada
Sim
Medimar Clínica Matosinhos
Não
* Com recomendação para tomar caso piorasse
teste saúde 109 junho/julho 2014
Estabelecimento e localidade
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antibióticos
>
sintomas, em particular, se o paciente tinha febre ou dificuldade
em engolir. Em 29 casos, quiseram
saber se já tínhamos tomado “alguma coisa para as dores” e quatro
pediram para ver a garganta.
■ Avaliada a situação, 60 das 70
Tratamento
com
antibióticos
está limitado
a sete dias
farmácias visitadas venderam-nos
ou recomendaram medicamentos
para as dores e/ou para a inflamação. Nove não indicaram nenhum
produto.
■ No geral, o comportamento dos
profissionais das farmácias face à
venda de antibióticos sem receita
parece, agora, mais prudente do
que no passado: em 2007, fizemos
um estudo idêntico em 60 farmácias da Grande Lisboa e do Grande Porto e sete venderam medicamentos desta categoria.
Farmácias Venda de antibióticos sem receita
Estabelecimento e localidade
Vendeu?
teste saúde 109 junho/julho 2014
GRANDE LISBOA
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Estabelecimento e localidade
Vendeu?
Farmácia Saraiva Loures
Não
Farmácia Alameda Lisboa
Não
Farmácia Sousa Lisboa
Não
Farmácia Alcoitão Alcabideche
Não
Farmácia Veritas Oeiras
Não
Farmácia Alentejo Lisboa
Não
Farmácia Vilar Carcavelos
Não
Farmácia Ana Leal Oeiras
Não
Gare do Oriente Lisboa
Não
Farmácia Aragão São Domingos de Rana
Não
GRANDE PORTO
Farmácia Artur Brandão Parede
Não
Farmácia Almeida Porto
Não
Farmácia Azevedo & Filhos Lisboa
Não
Farmácia Antunes Porto
Não
Farmácia Barreto Lisboa
Não
Farmácia Avenida Porto
Não
Farmácia Central de Odivelas Odivelas
Não
Farmácia Boavista Porto
Não
Farmácia Clotilde Dias São Marcos
Não
Farmácia Central de Rio Tinto Rio Tinto
Não
Farmácia Codivel Odivelas
Não
Farmácia Central do Porto Porto
Não
Farmácia da Beloura Sintra
Não
Farmácia Chão Verde Rio Tinto
Não
Farmácia das Areias São João do Estoril
Não
Farmácia Cristo Rei Porto
Não
Farmácia de Famões Famões
Não
Farmácia Cruz Maia Gondomar
Não
Farmácia do Fórum de Sintra Rio de Mouro
Não
Farmácia Celestial O. Terceira da Santíssima Trindade Porto
Não
Farmácia do Junqueiro Parede
Não
Farmácia da Foz Porto
Não
Farmácia do Marquês Lisboa
Não
Farmácia da Liga Vila Nova de Gaia
Não
Farmácia Dom Dinis Odivelas
Não
Farmácia da Vilarinha Porto
Não
Farmácia Duque de Ávila Lisboa
Não
Farmácia D'Arrábida Vila Nova de Gaia
Não
Farmácia Fontes Rocha São Domingos de Rana
Não
Farmácia das Devesas Vila Nova de Gaia
Não
Farmácia Grincho Parede
Não
Farmácia de Fânzeres Fânzeres
Não
Farmácia Jardim da Amoreira Ramada
Não
Farmácia do Aviz Porto
Não
Farmácia Judite de Oliveira Lisboa
Não
Farmácia do Lago Ramalde
Não
Farmácia Leitão Ribeiro Pontinha
Não
Farmácia do Pinheiro Manso Porto
Não
Farmácia Lourenço Sacavém
Não
Farmácia Falcão Porto
Não
Farmácia Nova do Infantado Loures
Não
Farmácia Faria Matosinhos
Sim
Farmácia Paula de Campos Portela
Não
Farmácia Fátima Porto
Não
Farmácia Rana São Domingos de Rana
Não
Farmácia Garantia Porto
Não
Farmácia Ribeiro Oeiras
Não
Farmácia Leonardo Vila Nova de Gaia
Não
Farmácia Sacoor do Riviera Carcavelos
Não
Farmácia Matosinhos Sul Matosinhos
Não
Farmácia Sacoor Oeiras
Não
Farmácia Menezes Nogueira Baguim do Monte
Não
Farmácia Santo António Santo António dos Cavaleiros
Não
Farmácia Moderna Matosinhos Matosinhos
Não
Farmácia Santos Ferreira Carcavelos
Não
Farmácia Pinhais da Foz Porto
Não
Farmácia São Domingos de Rana São Domingos de Rana
Não
Farmácia Portela Vila Nova de Gaia
Não
Farmácia São Pedro Parede
Não
Farmácia Sá Bandeira Porto
Não
Toma consciente
Resista à automedicação
O uso adequado de antibióticos pelos consumidores é importante
para limitar o desenvolvimento das resistências
´
Não tome antibióticos sem indicação médica. Se o seu médico
lhe disser que os mesmos não se justificam, não insista para que os
prescreva. A maioria das infeções respiratórias, por exemplo, é causada por vírus, sobre os quais os antibióticos não produzem efeito.
´
Tome o medicamento conforme a recomendação médica. Não
interrompa o tratamento por se sentir melhor ou porque julga que
não está a produzir efeito.
´
´
Se o estado de saúde não melhorar ao fim de três dias, fale com
o médico. Pode ser necessário reajustar a medicação.
Combate à resistência
■ A utilização inapropriada de antibióticos pelo Homem é um importante promotor de resistências
nas bactérias: a exposição das bactérias ao medicamento permite-lhes criar defesas naturais contra
o mesmo. Quanto mais frequente
e inadequado for o contacto, mais
rapidamente se desenvolvem as
bactérias resistentes.
■ Existem já bactérias imunes a
vários antibióticos a que, outrora,
eram sensíveis. Os fármacos mais
usados os que encontram têm
mais microrganismos resistentes.
■ Se o problema não for atacado
com medidas adequadas, o combate às infeções tornar-se-á cada
vez mais difícil, e algumas das
bactérias que hoje são facilmente
eliminadas com antibióticos deixarão de o ser. Estes microrganismos transmitem as resistências
adquiridas aos seus descendentes
e, nalguns casos, a outras estirpes.
Para travar este grave problema
de saúde pública, é indispensável
promover o uso racional de antibióticos, garantindo, por exemplo,
que os médicos os prescrevem
apenas em caso de real necessidade e que as farmácias só os dispensam mediante a apresentação
de receita médica.
■ O consumo humano não é, contudo, o único responsável: o mau
uso destes medicamentos na criação de animais também contribui.
Por isso, é necessário desenvolver
um combate em várias frentes.
■ Em Portugal, a Direção-Geral da
Saúde (DGS) coordena um grupo
de trabalho com representação de
várias entidades, entre as quais a
DECO, que pretende encontrar
formas de preservar a eficácia dos
antibióticos.
■ Recentemente, a DGS decretou
que os médicos não podem receitar estes medicamentos por mais
de sete dias. A medida será avaliada ao longo do ano e, caso não sejam alcançados os resultados pretendidos, poderá haver alterações.
■ Esperamos que outras decisões
nesta área se sigam a curto prazo,
para que preservemos os antibióticos e continuemos a sobreviver
às infeções.
consumidores exigem
Normas de prescrição
´
O nosso estudo mostra que muitos médicos
prescrevem antibióticos desnecessários. Urge
alterar a situação, pelo que o Ministério da Saúde deverá apostar fortemente em campanhas
de sensibilização dos profissionais. Estas questões devem estar mais presentes, por exemplo,
na formação universitária e integrar um plano
de formação contínua.
´
À Direção-Geral da Saúde exigem-se normas
para garantir maior qualidade da prescrição de
antibióticos e a monitorização da mesma. Esperamos que a limitação do período de utilização
a sete dias, recentemente decretada por esta
entidade, funcione como pontapé de saída para
orientações mais completas e abrangentes.
´
As autoridades devem insistir na promoção
do uso racional de antibióticos junto dos consumidores e de alertá-los para os riscos do abuso.
´
É preciso também controlar a aplicação de
antibióticos nas explorações pecuárias e garantir
que só são usados para fins terapêuticos.
teste saúde 109 junho/julho 2014
O antibiótico não combate vírus, que são
responsáveis pela maioria das infeções respiratórias
Se sobrar medicamento, por exemplo, porque não havia embalagens com tamanho adequado à duração do tratamento, entregue-o
na farmácia. Assim, evita a ingestão por engano ou em situações para
que não é apropriado.
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