Mesa-redonda - Inclusão escolar: desafios

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Mesa-redonda - Inclusão escolar: desafios
Gladis Perlin
Mestra em educação de surdos; pesquisadora no Núcleo de
Pesquisa para Pessoas Surdas e Doutora pela UFRS.
Vou falar exclusivamente sobre a questão da comunidade surda. Dirijo-me
a eles com muito conforto, porque estão aqui do meu lado. Uma das minhas grandes angústias e preocupações é com relação à questão dos intérpretes
estarem inseridos no processo educacional da pessoa surda. Eles nos ajudam a
mostrar a nossa identidade surda e são direito da nossa comunidade. Às vezes,
a tradução das palavras, principalmente da palavra "inclusão", para a comunidade surda, implica retirada do surdo da própria comunidade e coloca-o junto
com ouvintes. Isso o angustia muito, porque não é uma inclusão verdadeira.
Para o surdo, falta muito conhecimento do real sentido do ter-mo "inclusão".
Excluir a língua e as emoções da comunidade surda é mostrar que a inclusão
às vezes está embasada em muitos preconceitos relativos à comunidade surda.
O estereótipo da comunidade surda começa dentro da própria família, que não
quer a surdez daquela criança e a encaminha para uma escola, para que ela
seja incluída junto de crianças ouvintes. Também temos uma falsa idéia da
tradução desta palavra "inclusão", quando a terminologia "surdo"se confunde
muitas vezes no senso comum com a terminologia "deficiente auditivo". O problema do deficiente auditivo não é de falta, é um problema que pode ser corrigido
com recursos fonoaudiológicos, não é o problema da comunidade surda. A comunidade surda está interessada na inclusão a partir da língua de sinais. Colocar os
surdos junto com ouvintes pode gerar conseqüências, como o não acesso ao conhecimento, o desenvolvimento intelectual imperfeito. Percebemos que a maioria
dos surdos não tem acesso à universidade, não consegue ter acesso ao mundo
dos ouvintes, nem ao conhecimento que os ouvintes têm; não está apta a uma
competição com ouvintes. O surdo precisaria ter o mesmo nível dos ouvintes.
A identidade ouvinte acaba por reprimir o sentimento de inferioridade do surdo
em relação às pessoas que ouvem.
Eu gostaria de citar um exemplo: há pouco tempo eu estava em Porto Alegre, na Faculdade de Teologia. Todos os meus colegas eram ouvintes e captavam
70% do ensino. Pedi para que eles me ajudassem, que me empurrassem para
eu conseguir chegar a ser como eles. Eu precisava sempre de alguém para me
assessorar e às vezes não conseguia captar todos os conhecimentos com a mesma
rapidez que os outros alunos; não conseguia acompanhar. Meus colegas sempre
estavam à minha frente, eu me sentia sempre inferior a eles, aprisionada. Por
isso represento a comunidade surda, que se sente do mesmo jeito. Agora finalizei
o mestrado e estou fazendo a minha tese de doutorado. De-pois que eu consegui essas coisas, minha vida mudou muito, tenho mais autonomia, pro-duzo os
meus próprios textos, elaboro minhas próprias idéias, penso em língua de sinais,
abuso dos meus recursos visuais e posso expressar minhas idéias para apoiar
a comunidade surda em sua luta. Acredito que seja muito importante pensar
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na educação de surdos. É preciso que a escola de surdos tenha um currículo
igual às de ouvintes, associado à língua de sinais. Acredito que, na instrução
fundamental, todo o conteúdo das matérias deva ser passado para o surdo em
línguas de sinais, e que o ensino da língua portuguesa seja considerado como
ensino de segunda língua, que vai nos ajudar a conviver com uma outra forma
de língua. Nossa dificuldade maior é com relação ao conhecimento elaborado,
à aprendizagem do português como segunda língua. Queremos utilizá-lo para
acessar o mundo dos ouvintes. Por exemplo, a necessidade da leitura é muito
importante para a comunidade surda, porque o português é lido e escrito em
todo o Brasil, mas nós surdos usamos muito pouco o português oral. A comunidade surda elaborou um conjunto de propostas prevendo a necessidade de
novas alterações com relação à educação dos surdos. Pensamos que a presença
do professor surdo dentro da sala de aula é de suma importância. Porque o
professor surdo é o sujeito da identidade da comunidade surda dentro de sala
de aula. No primeiro momento, o professor surdo estaria ensinando a língua de
sinais também para pessoas ouvintes, para que elas saibam que a língua de sinais
é uma língua tão completa quanto o português. Estou falando com quarenta
anos de conhecimento disso. A importância do professor surdo dentro de sala
de aula atuando em língua de sinais se dá a partir da identidade e do acesso
ao conhecimento. Em termos pedagógicos, o professor surdo em sala de aula é
muito importante, porque quando a criança surda mira o professor surdo, ela
se sente refletida nesse professor, ela sabe que, se esse professor chegou lá, ela
também pode chegar. Com relação ao professor ouvinte, a criança surda tem
uma grande dificuldade de se identificar numa perspectiva de futuro. Então essa
criança se sente excluída no processo de formação de sua própria identidade. O
professor de surdo pode ser o modelo de como nós, surdos, precisamos ser, em
termos lingüísticos e culturais. Uma comunidade tão forte quanto a comunidade
dos ouvintes. Não estou dizendo que os ouvintes não possam estar num processo
integrado com os surdos, mas vamos precisar muito do intérprete. Estou aqui,
fazendo uma palestra para vocês que são ouvintes, e seria impossível. A minha
voz não é compreensível para quem não me conhece, então tenho a Geralda
como minha tradutora, que vai ler os meus sinais e falar o português, para que
todas as pessoas tenham acesso às minhas idéias e aos meus pensamentos.
Como representante da comunidade surda, também acredito que a nossa
luta tem mostrado um movimento muito parecido com a dos ouvintes. O professor ouvinte não tem formação para atuar com o aluno surdo. A comunidade
surda, reunida em Porto Ale-gre, elaborou um documento que foi encaminhado
ao MEC, sobre a formação dos professores. O documento solicitava que os professores ouvintes tenham conhecimento e uso fluente da língua de sinais, sejam
usuários constantes da língua de sinais, para poder passar esse conhecimento
para sua turma de alunos surdos e que o professor tenha uma participação
constante no movimento de luta da comunidade surda por uma educação melhor. Percebemos que é muito complicado respeitar uma língua quando não se
conhece esta língua. Então exigimos um respeito à nossa língua, à nossa comunidade, que é di-ferenciada. O professor usuário da língua de sinais vai ter um
conhecimento profundo da comunidade e da cultura surda, das expressões, das
habilidades e das possibilidades de inserção do surdo na sociedade. Também
percebemos que a presença do professor ouvinte vai, a partir de agora, ser melhorada, quando ele entender que o português deve ser ensinado como segunda
língua. Normalmente, a gente escuta que o surdo não sabe escrever, não sabe ler
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o português e é analfabeto. Mas o professor ainda não percebeu que o português
é uma segunda língua para a comunidade surda, que se sente muito angustiada
porque não consegue ter acesso à informação da mesma forma que os ouvintes.
Os ouvintes têm uma prática autoritária em relação à educação dos surdos.
Também pensamos que a família do surdo é muito mal informada. Nosso conferencista da Suécia falou da necessidade de o próprio deficiente estar à frente
do seu movimento. É um pecado o fato de o médico otorrino orientar a família
a tirar o surdo do convívio com a comunidade surda, porque, convivendo com
uma sociedade oral, ele não se identifica enquanto comunidade. Isso faz parte
de um processo de discriminação do surdo no mundo. Também a comunidade
surda vem solicitando muito que as salas especiais para surdos sejam analisadas
num contexto em que os objetivos sejam pedagógicos e as abordagens sejam
coerentes com as necessidades da comunidade surda. A tecnologia tem que ser
visual, as estratégias têm que ser voltadas para essas tecnologias. Por exemplo, vocês, ouvintes, têm telefones que são tecnologias para vocês. Nós, surdos,
temos que ter mais acesso ao fax, que é uma forma de comunicação visual. O
sistema de campainha acoplada às luminárias é outro recurso que nós, surdos,
precisamos ter nas escolas.
Questiono aqui por que nas escolas de surdos não há intérpretes. Gostaria
de frisar que o respeito à diferença do surdo não é um respeito só à educação
do surdo, mas à pessoa surda.
A educação da pessoa surda está basicamente inserida no contexto da sua
identidade como cidadã, porque a marginalização se dá quando a gente percebe
que a inclusão não é realizada no seu sentido amplo. As metodologias não têm
obedecido às nossas demandas. Segundo o conferencista que nos precedeu, a
pessoa é cultura. Por isso, é importante que a pessoa surda conviva com sua
comunidade, porque é lá dentro que ela vai se sentir um sujeito culturalmente
identificado.
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