Arq Bras Cardiol 2001; 76: 239-41. Portela e cols Relato de Caso Correção endoluminal de fístula arteriovenosa femoral Remissão de Insuficiência Cardíaca Através de Correção Endoluminal de Fístula Arteriovenosa Femoral com o Uso de Stent Recoberto Antenor Portela, Raldir Bastos, Benjamim Pessoa, Renato Duarte, Marcos Medeiros, Jayro Paiva Teresina, PI Relatamos caso de um homem de 21 anos, com insuficiência cardíaca de alto débito, devido a uma fístula arteriovenosa femoral, provocada por ferimento de arma de fogo. Um novo stent balão expansível, recoberto com politetrafluoretileno foi implantado na artéria para ocluir a fístula arteriovenosa. A fístula foi imediatamente ocluída com perviabilidade da artéria. No dia seguinte, o paciente sentia-se bem melhor, sem sintomas de insuficiência cardíaca. Acompanhamento adicional será necessário para consubstanciar a utilidade desse procedimento menos invasivo no tratamento das fístulas arteriovenosas. As fístulas arteriovenosas periféricas causadas por trauma vascular são condição rara e de difícil resolução cirúrgica 1. Seu reconhecimento e correção são imperativos para se evitar complicações locais e sistêmicas, como isquemia e ulceração dos membros e insuficiência cardíaca congestiva 2,3. A correção cirúrgica é o tratamento tradicional. Nos últimos anos, o tratamento percutâneo tem sido cada vez mais realizado 3. Relatamos a correção de uma fístula arteriovenosa femoral, causando insuficiência cardíaca congestiva de alto débito em jovem, que sofreu ferimento por arma de fogo na coxa esquerda, com o uso de uma prótese metálica recoberta com politetrafluoretileno (PTFE). Relato do Caso Homem de 21 anos foi admitido na emergência queixando-se de dispnéia e palpitações taquicárdicas, um mês após ter sofrido ferimento por arma de fogo na coxa esquerda. Ao Hospital São Marcos - Teresina Correspondência: Antenor Portela – Rua Des. Pires de Castro, 584 – Sul – 64001280 – Teresina, PI Recebido para publicação em 24/2/00 Aceito em 7/6/00 exame, encontrava-se taquipnéico, taquicárdico (120bpm), pressão arterial de 140/60mmHg, palidez cutâneo mucosa ++/ 4, pulsos amplos. Massa pulsátil com frêmito foi palpada no terço médio da coxa esquerda, com temperatura local aumentada. Um sopro em regurgitação estava presente no local. A ausculta cardíaca mostrava bulhas normofonéticas, arrítmicas, taquicárdicas, sem sopros. A ausculta pulmonar era normal. O eletrocardiograma mostrava sinais de sobrecarga do ventrículo esquerdo, extra-sístoles supraventriculares e taquicardia sinusal. O ecodopplercardiograma mostrou aumento discreto dos diâmetros cavitários, e um débito cardíaco de 10L/min. Uma arteriografia periférica foi realizada, delineando a extensão e localização da fístula arteriovenosa no terço médio da coxa esquerda, medindo aproximadamente 12mm de extensão (fig. 1). Diante das dificuldades técnicas do tratamento cirúrgico convencional, com possibilidade de lesão vascular venosa, sangramento, dificuldade de acesso, optou-se pelo tratamento percutâneo. Foi feita punção de artéria femoral direita e a colocação de introdutor valvulado 9F, introdução de cateter de Simmons 6F com manipulação até artéria femoral superficial contralateral, realizada arteriografia que revelou fístula arteriovenosa femoral de alto débito no terço médio da coxa esquerda, medindo aproximadamente 12mm. Colocado guia de troca 0,35” de 260cm de comprimento através do cateter . O cateter foi retirado e introduzido o jostent periférico graft (standard version Jomed) de 38mm de comprimento, montado em balão de angioplastia periférica de 8x40mm; essa tentativa de implante do stent pela artéria femoral contralateral não foi bem sucedida, pois o stent deslocou-se do balão ao se tentar passar da artéria ilíaca direita para a esquerda na altura da aorta distal, conseguimos puxar o stent e retirá-lo por arteriotomia. Dissecamos então a artéria femoral esquerda e procedemos punção anterógrada com visão direta, introduzindo o introdutor 9F e dirigindo-o para a fístula. O stent foi então Arq Bras Cardiol, volume 76 (nº 3), 239-41, 2001 239 Portela e cols Correção endoluminal de fístula arteriovenosa femoral Arq Bras Cardiol 2001; 76: 239-41. Fig. 3 – Arteriografia pós-implante evidenciando oclusão da fístula. Fig. 1 – Fístula arteriovenosa fêmoro-femoral esquerda. Fig. 2 – Stent-graft implantado na fístula. implantado com sucesso na região da fístula arteriovenosa (fig. 2). A confirmação do implante ótimo e da oclusão da fístula foi feita por injeção de contraste através do introdutor (fig.3). O paciente necessitou de anestesia geral por se encontrar agitado no momento do procedimento. No dia seguinte, o paciente encontrava-se bem, sem queixas. A evolução hospitalar foi sem intercorrências. Após 75 dias do procedimento, em retorno ambulatorial, o membro inferior encontrava-se com aspecto normal, não havia queixas de insuficiência cardíaca, nenhum sopro no membro inferior foi auscultado e os pulsos periféricos estavam cheios e simétricos sem nenhuma evidência de trombose do stent. Discussão As fístulas arteriovenosas adquiridas ocorrem mais fre- qüentemente por ferimento por arma de fogo e apesar de poder envolver qualquer parte do corpo, ocorrem mais freqüentemente na coxa 4. O reparo cirúrgico com excisão geralmente é aconselhável nas fístulas que se desenvolvem após trauma. O estado de alto débito cardíaco associado a tais fístulas depende do tamanho da comunicação e da magnitude da redução da resistência vascular sistêmica 5. Um outro fator que também importa para o aparecimento da insuficiência cardíaca é o início súbito da lesão, como o caso dos ferimentos por arma de fogo. Apesar da correção cirúrgica tradicional produzir resultados satisfatórios 1, cada vez mais se tem realizado o tratamento menos invasivo por implante de stents recobertos 6,7. O jostent graft periférico é um novo stent recoberto que tem sido usado para tratar aneurismas, pseudo-aneurismas e fístulas periféricas 3,8. Esta prótese é feita de dois stents metálicos com uma camada de politetrafluoretileno entre os dois corpos de stent. Não conseguimos implantar o stent percutaneamente por punção femoral contralateral, porque a flexibilidade do stent não foi suficiente para cruzar a bifurcação da aorta distal, provavelmente por que estávamos navegando com a prótese sem bainha vascular, usando apenas o fio guia. A prótese foi efetiva para oclusão da fístula. Trombose tardia da prótese é uma complicação descrita e que requer seguimento maior, pois foi relatada no final do 1º ano, mais freqüentemente nos pacientes com fluxo sangüíneo distal pobre 9. Ao final de 75 dias após o procedimento, o paciente aqui relatado não apresentava nenhum sinal de complicação, ao exame clínico. Desta forma, a correção endoluminal de fístula arteriovenosa periférica com stent recoberto foi uma alternativa terapêutica para a cirurgia vascular neste caso, acarretando resolução dos sintomas de insuficiência cardíaca 7,8,10. Referências 1. 2. Khoury G, Stein R, Nabbout G, Jabbour-Khoury S, Fahl M. 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