O Papel do Tecido Adiposo na Doença Renal Crônica The Role of

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Artigo de Revisão
O Papel do Tecido Adiposo na Doença Renal Crônica
The Role of Adipose Tissue in the Chronic Kidney Disease
Denise Mafra1, Najla Elias Farage2
Adjunto II do Departamento de Nutrição e Dietética - Faculdade de Nutrição – UFF; 2Nutricionista da
Clínica Nefrológica Renalcor e da NutriRim
1Professora
RESUMO
A obesidade em termos epidemiológicos é um fator de risco de mortalidade da população em geral. Todavia, experimentos realizados com pacientes
dialisados revelam que a obesidade (índice de massa corporal elevado) pode estar associada à maior sobrevida desses pacientes. Esse fenômeno tem
sido conceituado como “Epidemiologia Reversa”. Em outra direção, estudos indicam que o tecido adiposo é um órgão complexo com várias outras funções
além do armazenamento de energia, pois, secreta um número significante de adipocinas que podem estar envolvidas em processos inflamatórios. Desta
forma, o aumento de tecido adiposo pode estar associado à inflamação subclínica e/ou sistêmica nesses pacientes. Se confrontarmos os dados dos
estudos sobre obesidade em pacientes renais, percebemos que ainda há muitas controvérsias a respeito da “Epidemiologia Reversa”, pois estes estudos
avaliam obesidade apenas pelo IMC, o que não distingue massa magra e massa gorda. Enquanto o efeito de um aumento do IMC determinado por aumento
da massa muscular poderia ser protetor, o determinado por aumento do tecido adiposo, ao contrário, poderia associar-se a um maior processo inflamatório.
Assim, fica evidente com esta revisão, a necessidade de mais estudos nesta área para se ter um consenso sobre o papel deste tecido na doença renal
crônica. (J Bras Nefrol 2006;28(2):108-113)
Descritores: Tecido adiposo. Adipocinas. Doença renal crônica. Inflamação subclínica. Epidemiologia reversa.
ABSTRACT
Although obesity confers an increased risk of mortality in the general population, observational reports on the dialysis population have suggested that obesity
is associated with improved survival. Then, the association of high body mass index (BMI) with better survival in chronic kidney disease (CKD) has been
considered a "risk factor paradox" or "reverse epidemiology". Adipose tissue is a complex organ with functions far beyond the mere storage of energy and
secretes a number of adipokines that could be involved with inflammatory process. It has been proposed that adipose tissue may be a significant contributor
to increased systemic and/or low grade inflammation. Until now, there are many controversies about the "reverse epidemiology", because the diagnosis of
obesity in uremic patients is based in a high BMI (a parameter that does not differ between muscle mass or adipose tissue). A raise in BMI due to a muscle
mass increase could be protective while the one determined by an increase of adipose tissue could be adverse due to the associated low grade
inflammation. In conclusion, more studies are needed in this area before reaching a consensus as to the role of adipose tissue in the chronic kidney disease.
(J Bras Nefrol 2006;28(2):108-113)
Keywords: Adipose tissue. adipokines. Chronic kidney disease. Low grow inflammation. Reverse epidemiology.
Recebido em 20/07/05 / Aprovado em 15/03/06
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Denise Mafra
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J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 2 - Junho de 2006
INTRODUÇÃO
A redução dos índices de desnutrição e, o aumento
na prevalência de obesidade, têm sido cada vez mais
observado na população geral, e este fato é chamado de
transição nutricional. Com isso, o número de estudos
sobre o tecido adiposo tem aumentado substancialmente,
visto que obesidade tornou-se um grave problema de
saúde pública1.
A relação entre excesso de peso corporal e
mortalidade cardiovascular já é bem estabelecida e documentada na população geral. Com relação à população
renal crônica, a desnutrição sempre foi o foco dos
estudos, principalmente nos pacientes hemodialisados,
pois a desnutrição é uma das causas de morbi mortalidade
nesses pacientes. No entanto, estudos sobre obesidade na
doença renal crônica (DRC) estão começando a serem
desenvolvidos, pois parece que a transição nutricional
também está ocorrendo nos pacientes renais crônicos
hemodialisados.
Porém, enquanto alguns estudos mostram os benefícios do tecido adiposo no paciente renal crônico, no qual
a obesidade pode paradoxalmente aumentar a sobrevida,
outros estudos evidenciam que este tecido pode ser uma
fonte de adipocinas que levaria a um processo
inflamatório subclínico, o que seria prejudicial ao
paciente renal2,3.
Além disso, a obesidade tem sido estudada como
um dos possíveis fatores de risco no desenvolvimento da
DRC, na qual parece haver uma relação entre o índice de
massa corporal (IMC) e proteinúria4,5. Se obesidade é per
se um fator de risco para desenvolvimento de DRC
independente de hipertensão (HAS) e diabetes mellitus
(DM), ainda é incerto. Mas ela inicia uma cascata de
desordens incluindo, HAS e DM, que por sua vez, são as
principais causas de DRC6,7.
Existem muitas questões a serem discutidas sobre
o paciente renal crônico obeso, pois há muitas controvérsias entre os pesquisadores.
Assim, nesta revisão serão abordados os recentes
estudos sobre tecido adiposo e seu papel na DRC e se
discutirá os prós e contras do aumento deste tecido em
pacientes renais crônicos.
TECIDO ADIPOSO
Além de armazenar gordura, o tecido adiposo tem
importante função endócrina, pois secreta uma variedade
de adipocinas, ou seja, proteínas sintetizadas e liberadas
pelos adipócitos. Estas adipocinas têm diferentes funções,
como: regulação de apetite e balanço energético, imu-
109
nidade, sensibilidade à insulina, angiogênese, inflamação
e resposta de fase aguda, pressão sanguínea e, metabolismo de lipídeos8.
Dentre as adipocinas conhecidas estão, a leptina,
citocinas como TNF-α, IL-6, IL-8, fatores de crescimento, adipsina, inibidor do ativador do plasminogênio
(PAI-1), angiotensinogênio, adiponectina, resistina e,
fatores de crescimento vascular8.
Um outro peptídeo foi recentemente descoberto, a
apelina, que se liga ao receptor APJ (localizado em vários
tecidos), e que além de ser sintetizado em alguns órgãos
como rins e coração, foi observado que também pode ser
sintetizado no tecido adiposo e, tem algum papel no
consumo alimentar, no ciclo circadiano, e, alguns dados
recentes têm sugerido que este peptídeo tem papel na
regulação da pressão arterial e no controle da homeostase
de fluídos corporais9,10. Além disso, descobriu-se também
que a insulina exerce um controle direto na expressão do
gene da apelina nos adipócitos9,11. Porém, vale ressaltar
que ainda não existe na literatura nenhum trabalho sobre
apelina em pacientes renais crônicos.
Assim, com a descoberta dessas adipocinas, viu-se
que a obesidade pode ser considerada um fator que leva a
um estado de inflamação subclínica, na qual o aumento do
tecido adiposo pode causar aumento das concentrações de
TNF-α, IL-6, IL-8, IL-1β, IL-10, TGF-β, IL-17D, IL-18,
proteínas de fase aguda, PAI-1, haptoglobina, amilóide A
sérica, α1-ácido glicoproteína e proteína c-reativa (PCR)12.
Pesquisadores tentam descobrir o que leva o tecido
adiposo liberar essas adipocinas. Um link entre aumento
de massa de gordura, hipóxia do adipócito, inflamação e
estimulação de angiogênese, parece plausível8.
Adiponectina, outra adipocina, que foi descoberta
em 1995 por Scherer e cols, é o produto do gene mais
abundante no tecido adiposo, o apM1, porém, parece ter
efeitos benéficos, tendo um importante papel no aumento
da sensibilidade à insulina, pois, leva a uma maior fosforilação da tirosina induzida pela insulina nos receptores
do músculo esquelético. Esta adipocina parece também
ativar a 5`AMP quinase, que regula o gasto energético e o
metabolismo de lipídeos e glicose. A adiponectina tem
propriedades anti-aterogênicas e antiinflamatórias, pois
inibe a produção de TNF-α (citocina que tem efeito direto
na adesão de moléculas no endotélio vascular), modula a
sinalização do NF-Kb (fator de transcrição na resposta
inflamatória), e suprime a transformação de macrófagos
em foam cell13-16.
Em indivíduos obesos, há um feedback negativo
com relação aos níveis de adiponectina, pois quando comparados a indivíduos eutróficos, os obesos apresentam
baixos níveis deste hormônio. Sendo assim, o indivíduo
obeso tem maior risco para desenvolver um processo
110
Tecido Adiposo e Uremia
inflamatório, visto que além de ter um aumento nas
concentrações de várias adipocinas inflamatórias,
apresentam diminuição dos níveis da única adipocina que
parece ser anti-inflamatória17.
A obesidade visceral em diabéticos tipo 2 está
associada com espessamento da carótida, e esta associação parece ser mediada pelos níveis circulantes de IL-6
e PCR, onde a IL-6, pelo menos em parte, originada do
tecido adiposo, estimula o fígado a produzir PCR18.
TECIDO ADIPOSO NA DOENÇA RENAL
CRÔNICA X INFLAMAÇÃO
O tecido adiposo é considerado um sistema ativo
hormonalmente, assim, distúrbios na função endócrina
desse tecido tem se tornado um tema de grande interesse
para os pesquisadores na área de nefrologia, na medida
em que as adipocinas estão envolvidas no alto risco
cardiovascular2. Obviamente, não se pode esquecer de que
existem várias outras causas de doença cardiovascular
(DCV) já bem estabelecidas no paciente renal crônico,
como dislipidemia, peroxidação lipídica, calcificação
metastática, etc.
Alguns pesquisadores têm observado uma relação
entre adipocinas x tecido adiposo x inflamação em
pacientes renais crônicos. No entanto, observamos em
outros trabalhos que as concentrações de adiponectina
estão elevadas nesse paciente, o que pode ser benéfico,
pois esta adipocina, como já citado anteriormente, parece
ter um efeito antiaterogênico e antiinflamatório2,14,17.
Num estudo com 227 pacientes hemodialisados
que foram acompanhados por 30 meses, observou-se que
a concentração de adiponectina foi 2,5 vezes mais elevada
nesses pacientes, quando comparados a indivíduos
saudáveis. Ao final do estudo, 78 pacientes haviam morrido e, 67% desses óbitos foram por DCV, sendo que estes
pacientes apresentaram menores níveis de adiponectina
dos que os pacientes que foram a óbito por outros
motivos. Assim, parece que os baixos níveis de adiponectina foram preditores de doenças cardiovasculares
nesses pacientes2.
Apesar dos níveis de adiponectina estarem elevados em paciente renais crônicos, Marchlewska et al.14
(2004) avaliando a expressão do gene da adiponectina
(ApM1) em pacientes hemodialisados, observaram que a
expressão foi menor nos pacientes quando comparados a
um grupo controle, o que pode ser resultado de um
feedback negativo, devido aos elevados níveis sanguíneos
de adiponectina.
Stenvinkel et al.19 (2004) estudaram a variação
genética da adiponectina em 204 pacientes hemodia-
lisados e observaram que havia um aumento nas concentrações de adiponectina, especialmente nos diabéticos
tipo 1 e, que houve uma correlação negativa entre adiponectina, IMC e concentrações de PCR, concluindo que as
variações genéticas parecem ter pouco impacto nos níveis
de adiponectina circulante, mas que a massa de gordura
visceral e diabetes tipo 1 estão associados com elevados
níveis de adiponectina no plasma e, além disso, baixos
níveis dessa adipocina no plasma foram associados com
inflamação nos pacientes renais.
Lee et al.20 (2004) mostraram que o Índice de
Massa Corporal (IMC) prediz níveis de leptina e
adiponectina e que essas, estão associadas com marcadores inflamatórios (PCR e IL-6), sugerindo que o tecido
adiposo tem papel importante na patogênese da inflamação crônica em pacientes dialisados.
Considerando os achados de que há um link
entre obesidade com presença de inflamação subclínica, 197 pacientes hemodialisados foram avaliados
de acordo com distribuição de gordura corporal e
marcadores inflamatórios e, fortes correlações entre
PCR e IL-6 e distribuição de gordura truncal nesses
pacientes foram observadas. Além disso, houve uma
correlação inversa entre IL-6 com HDL e apo A,
sendo que a resposta inflamatória crônica observada
nesses pacientes, é um importante fator para perfil
de lipoproteína aterogênico na uremia 21 .
A avaliação dos níveis de PCR e a análise do IMC
foram realizadas em 94 pacientes renais pré-dialisados, e
foi observado que pacientes com IMC >30Kg/m2 tinham
concentração de PCR 2,5 vezes maior quando
comparados aos pacientes com IMC<25kg/m2, sugerindo
que a obesidade, um fator de risco tradicional para aterosclerose, está associada com inflamação, um novo fator
de risco para aterosclerose22.
A interleucina-6 (IL-6) é um forte preditor de
mortalidade em pacientes dialisados, e se correlaciona
com espessamento da íntima média da carótida nos
hemodialisados. Vale ressaltar aqui, que esta citocina é
encontrada também no tecido adiposo23-25. Isso implica
que o aumento de massa gorda em paciente renais
crônicos pode se correlacionar com aumento de citocinas
inflamatórias e problemas cardiovasculares.
Numa análise transversal do Modification of Diet
in Renal Disease (MDRD) observou-se que o aumento de
PCR em pacientes renais estava associado com aumento
de IMC26. Com isso há razões para se acreditar que a obesidade pode estar associada com inflamação na DRC27.
Porém, ao mesmo tempo, alguns trabalhos sobre
adiposidade e doença renal mostram que o aumento do
tecido adiposo pode ser benéfico devido à chamada
“Epidemiologia Reversa”.
J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 2 - Junho de 2006
EPIDEMIOLOGIA REVERSA NA DRC
Obesidade, um fator associado com maior mortalidade cardiovascular na população em geral, exibe uma
relação paradoxal em pacientes dialisados19. Isso tem sido
denominado de “Fator de Risco Paradoxo” ou “Epidemiologia Reversa” para doença cardiovascular (DCV) nos
pacientes urêmicos27,28.
Degoulet et al.29 (1982) foram os primeiros a
relatar essa relação paradoxal, pois ao avaliarem 1453
pacientes hemodialisados durante cinco anos, observaram
que a mortalidade era maior nos pacientes com menores
índices de massa corporal. Em 1998, Leavey et al.30
estudaram 3607 pacientes, durante cinco anos, e também
observaram que baixos valores de IMC aumentavam o
risco de mortalidade e, além disso, relataram a ausência
desse risco em pacientes com IMC elevado.
Um estudo realizado com 1346 pacientes, em
1999, identificou pela primeira vez vantagens na
sobrevida para pacientes com sobrepeso e nos obesos31.
Num estudo feito por Kopple et al.32 (1995) com 12965
pacientes, durante um ano, observou-se uma menor taxa
de mortalidade em pacientes obesos. Wolfe et al.33 (2000)
estudando durante dois anos 9165 pacientes, também
observaram uma melhor sobrevida nos pacientes obesos.
Pacientes com sobrepeso tem menores índices de
hospitalização, tempo de internação e melhor sobrevida34,
e de acordo com Hakim & Lowrie35 (1999) para cada
aumento de unidade de IMC, o risco relativo de mortalidade é reduzido em 10%.
Port et al.36 (2002) mostraram que pacientes com
menor IMC tiveram 42% maior risco de mortalidade, e
que os pacientes que se encontravam no maior tercil de
IMC tiveram estes riscos reduzidos. Mais recentemente,
outros pesquisadores observaram que um alto IMC,
adiposidade e massa gorda foram associados com melhora da sobrevida nos pacientes renais crônicos37,38.
Uma revisão feita por Shoji & Nishizawa39 (2005)
mostrou que os pacientes em hemodiálise podem sofrer
de uma “síndrome metabólica com desnutrição” e que o
aumento no peso corporal parece ser benéfico num
estágio avançado da doença.
A síndrome MIA (Malnutrition, Inflammation and
Atherosclerosis) pode ser uma explicação plausível para o
fenômeno da epidemiologia reversa, visto que os pacientes desnutridos e inflamados têm maiores chances de
morrer por doenças cardiovasculares, são mais susceptíveis às infecções ou outros processos inflamatórios28.
Além da síndrome MIA, são levados em consideração fatores como, o tempo pelo qual a desnutrição
causaria mais danos ao paciente quando comparado com
a obesidade, bem como o estado hemodinâmico no
111
paciente obeso é mais estável, parece também que obesos
apresentam uma diminuída resposta ao estresse, liberando
menores quantidades de adrenalina, outra hipótese é de
que o tecido adiposo produz receptores para o TNF-α e
estes receptores neutralizam os efeitos biológicos adversos desta citocina e, desempenham um papel protetor
nestes pacientes, além disso, outra hipótese, é que os
pacientes renais não vivem tempo suficiente para sofrer as
conseqüências da obesidade28.
Enquanto a maioria dos pesquisadores mostra uma
associação positiva entre obesidade e sobrevida em
dialisados, alguns pesquisadores não observaram estas
associações40-42.
Kaizu et al.41 (1998) estudando 116 pacientes
hemodialisados por 12 anos, observaram que pacientes
com IMC acima de 23Kg/m2 mostraram menor sobrevida,
quando comparados com pacientes com IMC normal.
Mcdonald et al.43 (2003) mostraram que a obesidade no início da terapia de substituição renal é um fator
de risco para mortalidade e falhas na técnica de diálise
peritoneal.
Também foi observado que pacientes obesos em
CAPD perdem a função renal residual mais rapidamente
depois que começam a fazer a diálise, quando comparados com grupo de pacientes não obesos43,44. Segundo os
autores, os pacientes devem ser monitorados durante a DP,
e estratégias para perda de peso deveriam ser instituídas.
O aumento do IMC em pacientes sob CAPD pode
também estar correlacionado a maior massa gorda pela
absorção de glicose, o que faz aumentar a concentração de
triglicérides, podendo levar ao desenvolvimento de
arterosclerose e, além disso, podem apresentar hipoalbuminemia, o que comprometeria mais ainda a sobrevida
deles.
Beddhu et al.45 (2003) estudaram 2 grupos de
pacientes HD, grupo 1, com pacientes eutróficos, segundo
IMC (entre 18,5 a 24,9kg/m2) e grupo 2, composto de
pacientes com sobrepeso e obesidade (IMC> 25kg/m2), e
mediram em ambos os grupos a excreção de creatinina
como marcador de massa muscular. Durante 4 anos de
estudo, os autores confirmaram que os pacientes com
maior IMC, apresentaram um menor risco de mortalidade,
porém, os pacientes com IMC elevado em função da
massa adiposa tiveram aumento na mortalidade por
doenças cardiovasculares.
Segundo os autores, a obesidade é um fator de risco para DCV em pacientes renais crônicos e eles mostram
que o efeito protetor conferido aos pacientes com IMC
alto é limitado para aqueles com massa muscular elevada.
O corrente paradigma com relação à doença renal
crônica é de que a desnutrição é fator de risco para aterosclerose e, obesidade é protetora para estes pacientes.
112
No entanto, Beddhu27 (2004) numa revisão, cita que podemos ter além da síndrome MIA, a síndrome OIA, que
seria obesidade, inflamação e aterosclerose. Este autor
acredita que o aumento de IMC devido ao aumento de
massa gorda, está associado com inflamação e
aterosclerose.
Existem ainda várias questões a serem respondidas
com relação à obesidade e doença renal crônica. Segundo
Kalantar-Zadeh46 (2005) parece não ser sensato defender
a obesidade nos hemodialisados, mas por outro lado, desacreditar da teoria da epidemiologia reversa sem examinar
os efeitos verdadeiros do ganho de peso na sobrevida
desses pacientes não seria ético, nem cientificamente
apropriado.
Assim, com a discussão da “Epidemiologia Reversa” e ao mesmo tempo a discussão sobre processo inflamatório subclínico presente na obesidade, surge a seguinte questão: é bom ser um paciente renal crônico obeso?
Vale ressaltar aqui que o IMC não difere massa
magra de massa gorda, e tem sido demonstrado, ao
contrário da maioria das pesquisas citada acima, que
pacientes dialisados com alto IMC devido à elevada
massa gorda, têm maior risco de desenvolver aterosclerose e um maior risco de mortalidade45. Assim, uma
interpretação mais apropriada e criteriosa dos estudos
citados anteriormente deveria ser feita, pois não se sabe se
o aumento do IMC era resultado do aumento de gordura
ou do aumento de massa muscular.
Devido aos inúmeros trabalhos sobre tecido adiposo em pacientes renais crônicos, com diferentes conclusões, até o presente momento, ter uma monitoração do
peso dos pacientes através de avaliações nutricionais constantes, evitar perda peso em pacientes com sobrepeso e/ou
manter IMC normal, parecem ser os procedimentos mais
sensatos. Além disso, é importante ressaltar que os pesquisadores não esclarecem se são os pacientes com sobrepeso ou os obesos, ou ambos, que apresentam melhor
sobrevida. Uma análise mais crítica desses trabalhos
deveria ser feita, porque não podemos afirmar que ser
obeso traz benefícios ao paciente renal, pois sabemos que
a obesidade diminui a sobrevida da população em geral.
Além disso, o fato desses trabalhos citarem que o paciente
renal não sobreviverá o tempo necessário para que a
obesidade traga suas conseqüências, em nossa opinião
não deveria ser levado em consideração.
O aumento do IMC, segundo várias pesquisas, é
um fator protetor para pacientes hemodialisados, porém,
achamos que é extremamente prudente avaliar as
diferenças existentes entre massa gorda e massa magra
nesses pacientes, visto que várias adipocinas estão
relacionadas com o aumento do processo inflamatório no
paciente obeso.
Tecido Adiposo e Uremia
Assim, uma avaliação nutricional mais detalhada
deveria ser feita nesses pacientes, pois não se pode apenas
utilizar o IMC como parâmetro antropométrico para diagnóstico do estado nutricional. Além disso, é de extrema
importância estudar a adiposidade não só nos pacientes
dialisados, mas também nos pacientes pré-dialisados.
Nesta revisão vimos que ainda existem muitas controvérsias sobre questões relacionadas ao tecido adiposo
na doença renal crônica. Assim, fica evidente a necessidade de mais estudos nesta área para termos um consenso sobre o papel deste tecido na doença renal crônica.
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