Artigo de Revisão O Papel do Tecido Adiposo na Doença Renal Crônica The Role of Adipose Tissue in the Chronic Kidney Disease Denise Mafra1, Najla Elias Farage2 Adjunto II do Departamento de Nutrição e Dietética - Faculdade de Nutrição – UFF; 2Nutricionista da Clínica Nefrológica Renalcor e da NutriRim 1Professora RESUMO A obesidade em termos epidemiológicos é um fator de risco de mortalidade da população em geral. Todavia, experimentos realizados com pacientes dialisados revelam que a obesidade (índice de massa corporal elevado) pode estar associada à maior sobrevida desses pacientes. Esse fenômeno tem sido conceituado como “Epidemiologia Reversa”. Em outra direção, estudos indicam que o tecido adiposo é um órgão complexo com várias outras funções além do armazenamento de energia, pois, secreta um número significante de adipocinas que podem estar envolvidas em processos inflamatórios. Desta forma, o aumento de tecido adiposo pode estar associado à inflamação subclínica e/ou sistêmica nesses pacientes. Se confrontarmos os dados dos estudos sobre obesidade em pacientes renais, percebemos que ainda há muitas controvérsias a respeito da “Epidemiologia Reversa”, pois estes estudos avaliam obesidade apenas pelo IMC, o que não distingue massa magra e massa gorda. Enquanto o efeito de um aumento do IMC determinado por aumento da massa muscular poderia ser protetor, o determinado por aumento do tecido adiposo, ao contrário, poderia associar-se a um maior processo inflamatório. Assim, fica evidente com esta revisão, a necessidade de mais estudos nesta área para se ter um consenso sobre o papel deste tecido na doença renal crônica. (J Bras Nefrol 2006;28(2):108-113) Descritores: Tecido adiposo. Adipocinas. Doença renal crônica. Inflamação subclínica. Epidemiologia reversa. ABSTRACT Although obesity confers an increased risk of mortality in the general population, observational reports on the dialysis population have suggested that obesity is associated with improved survival. Then, the association of high body mass index (BMI) with better survival in chronic kidney disease (CKD) has been considered a "risk factor paradox" or "reverse epidemiology". Adipose tissue is a complex organ with functions far beyond the mere storage of energy and secretes a number of adipokines that could be involved with inflammatory process. It has been proposed that adipose tissue may be a significant contributor to increased systemic and/or low grade inflammation. Until now, there are many controversies about the "reverse epidemiology", because the diagnosis of obesity in uremic patients is based in a high BMI (a parameter that does not differ between muscle mass or adipose tissue). A raise in BMI due to a muscle mass increase could be protective while the one determined by an increase of adipose tissue could be adverse due to the associated low grade inflammation. In conclusion, more studies are needed in this area before reaching a consensus as to the role of adipose tissue in the chronic kidney disease. (J Bras Nefrol 2006;28(2):108-113) Keywords: Adipose tissue. adipokines. Chronic kidney disease. Low grow inflammation. Reverse epidemiology. Recebido em 20/07/05 / Aprovado em 15/03/06 Endereço para correspondência: Denise Mafra Rua Theodor Herzl, 56 - apto 103 - Botafogo 22260-030 Rio de Janeiro, RJ Tel: 21 2246-6022, 21 9641-2106 – Fax: 21 2629-9847 E-mail: [email protected] J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 2 - Junho de 2006 INTRODUÇÃO A redução dos índices de desnutrição e, o aumento na prevalência de obesidade, têm sido cada vez mais observado na população geral, e este fato é chamado de transição nutricional. Com isso, o número de estudos sobre o tecido adiposo tem aumentado substancialmente, visto que obesidade tornou-se um grave problema de saúde pública1. A relação entre excesso de peso corporal e mortalidade cardiovascular já é bem estabelecida e documentada na população geral. Com relação à população renal crônica, a desnutrição sempre foi o foco dos estudos, principalmente nos pacientes hemodialisados, pois a desnutrição é uma das causas de morbi mortalidade nesses pacientes. No entanto, estudos sobre obesidade na doença renal crônica (DRC) estão começando a serem desenvolvidos, pois parece que a transição nutricional também está ocorrendo nos pacientes renais crônicos hemodialisados. Porém, enquanto alguns estudos mostram os benefícios do tecido adiposo no paciente renal crônico, no qual a obesidade pode paradoxalmente aumentar a sobrevida, outros estudos evidenciam que este tecido pode ser uma fonte de adipocinas que levaria a um processo inflamatório subclínico, o que seria prejudicial ao paciente renal2,3. Além disso, a obesidade tem sido estudada como um dos possíveis fatores de risco no desenvolvimento da DRC, na qual parece haver uma relação entre o índice de massa corporal (IMC) e proteinúria4,5. Se obesidade é per se um fator de risco para desenvolvimento de DRC independente de hipertensão (HAS) e diabetes mellitus (DM), ainda é incerto. Mas ela inicia uma cascata de desordens incluindo, HAS e DM, que por sua vez, são as principais causas de DRC6,7. Existem muitas questões a serem discutidas sobre o paciente renal crônico obeso, pois há muitas controvérsias entre os pesquisadores. Assim, nesta revisão serão abordados os recentes estudos sobre tecido adiposo e seu papel na DRC e se discutirá os prós e contras do aumento deste tecido em pacientes renais crônicos. TECIDO ADIPOSO Além de armazenar gordura, o tecido adiposo tem importante função endócrina, pois secreta uma variedade de adipocinas, ou seja, proteínas sintetizadas e liberadas pelos adipócitos. Estas adipocinas têm diferentes funções, como: regulação de apetite e balanço energético, imu- 109 nidade, sensibilidade à insulina, angiogênese, inflamação e resposta de fase aguda, pressão sanguínea e, metabolismo de lipídeos8. Dentre as adipocinas conhecidas estão, a leptina, citocinas como TNF-α, IL-6, IL-8, fatores de crescimento, adipsina, inibidor do ativador do plasminogênio (PAI-1), angiotensinogênio, adiponectina, resistina e, fatores de crescimento vascular8. Um outro peptídeo foi recentemente descoberto, a apelina, que se liga ao receptor APJ (localizado em vários tecidos), e que além de ser sintetizado em alguns órgãos como rins e coração, foi observado que também pode ser sintetizado no tecido adiposo e, tem algum papel no consumo alimentar, no ciclo circadiano, e, alguns dados recentes têm sugerido que este peptídeo tem papel na regulação da pressão arterial e no controle da homeostase de fluídos corporais9,10. Além disso, descobriu-se também que a insulina exerce um controle direto na expressão do gene da apelina nos adipócitos9,11. Porém, vale ressaltar que ainda não existe na literatura nenhum trabalho sobre apelina em pacientes renais crônicos. Assim, com a descoberta dessas adipocinas, viu-se que a obesidade pode ser considerada um fator que leva a um estado de inflamação subclínica, na qual o aumento do tecido adiposo pode causar aumento das concentrações de TNF-α, IL-6, IL-8, IL-1β, IL-10, TGF-β, IL-17D, IL-18, proteínas de fase aguda, PAI-1, haptoglobina, amilóide A sérica, α1-ácido glicoproteína e proteína c-reativa (PCR)12. Pesquisadores tentam descobrir o que leva o tecido adiposo liberar essas adipocinas. Um link entre aumento de massa de gordura, hipóxia do adipócito, inflamação e estimulação de angiogênese, parece plausível8. Adiponectina, outra adipocina, que foi descoberta em 1995 por Scherer e cols, é o produto do gene mais abundante no tecido adiposo, o apM1, porém, parece ter efeitos benéficos, tendo um importante papel no aumento da sensibilidade à insulina, pois, leva a uma maior fosforilação da tirosina induzida pela insulina nos receptores do músculo esquelético. Esta adipocina parece também ativar a 5`AMP quinase, que regula o gasto energético e o metabolismo de lipídeos e glicose. A adiponectina tem propriedades anti-aterogênicas e antiinflamatórias, pois inibe a produção de TNF-α (citocina que tem efeito direto na adesão de moléculas no endotélio vascular), modula a sinalização do NF-Kb (fator de transcrição na resposta inflamatória), e suprime a transformação de macrófagos em foam cell13-16. Em indivíduos obesos, há um feedback negativo com relação aos níveis de adiponectina, pois quando comparados a indivíduos eutróficos, os obesos apresentam baixos níveis deste hormônio. Sendo assim, o indivíduo obeso tem maior risco para desenvolver um processo 110 Tecido Adiposo e Uremia inflamatório, visto que além de ter um aumento nas concentrações de várias adipocinas inflamatórias, apresentam diminuição dos níveis da única adipocina que parece ser anti-inflamatória17. A obesidade visceral em diabéticos tipo 2 está associada com espessamento da carótida, e esta associação parece ser mediada pelos níveis circulantes de IL-6 e PCR, onde a IL-6, pelo menos em parte, originada do tecido adiposo, estimula o fígado a produzir PCR18. TECIDO ADIPOSO NA DOENÇA RENAL CRÔNICA X INFLAMAÇÃO O tecido adiposo é considerado um sistema ativo hormonalmente, assim, distúrbios na função endócrina desse tecido tem se tornado um tema de grande interesse para os pesquisadores na área de nefrologia, na medida em que as adipocinas estão envolvidas no alto risco cardiovascular2. Obviamente, não se pode esquecer de que existem várias outras causas de doença cardiovascular (DCV) já bem estabelecidas no paciente renal crônico, como dislipidemia, peroxidação lipídica, calcificação metastática, etc. Alguns pesquisadores têm observado uma relação entre adipocinas x tecido adiposo x inflamação em pacientes renais crônicos. No entanto, observamos em outros trabalhos que as concentrações de adiponectina estão elevadas nesse paciente, o que pode ser benéfico, pois esta adipocina, como já citado anteriormente, parece ter um efeito antiaterogênico e antiinflamatório2,14,17. Num estudo com 227 pacientes hemodialisados que foram acompanhados por 30 meses, observou-se que a concentração de adiponectina foi 2,5 vezes mais elevada nesses pacientes, quando comparados a indivíduos saudáveis. Ao final do estudo, 78 pacientes haviam morrido e, 67% desses óbitos foram por DCV, sendo que estes pacientes apresentaram menores níveis de adiponectina dos que os pacientes que foram a óbito por outros motivos. Assim, parece que os baixos níveis de adiponectina foram preditores de doenças cardiovasculares nesses pacientes2. Apesar dos níveis de adiponectina estarem elevados em paciente renais crônicos, Marchlewska et al.14 (2004) avaliando a expressão do gene da adiponectina (ApM1) em pacientes hemodialisados, observaram que a expressão foi menor nos pacientes quando comparados a um grupo controle, o que pode ser resultado de um feedback negativo, devido aos elevados níveis sanguíneos de adiponectina. Stenvinkel et al.19 (2004) estudaram a variação genética da adiponectina em 204 pacientes hemodia- lisados e observaram que havia um aumento nas concentrações de adiponectina, especialmente nos diabéticos tipo 1 e, que houve uma correlação negativa entre adiponectina, IMC e concentrações de PCR, concluindo que as variações genéticas parecem ter pouco impacto nos níveis de adiponectina circulante, mas que a massa de gordura visceral e diabetes tipo 1 estão associados com elevados níveis de adiponectina no plasma e, além disso, baixos níveis dessa adipocina no plasma foram associados com inflamação nos pacientes renais. Lee et al.20 (2004) mostraram que o Índice de Massa Corporal (IMC) prediz níveis de leptina e adiponectina e que essas, estão associadas com marcadores inflamatórios (PCR e IL-6), sugerindo que o tecido adiposo tem papel importante na patogênese da inflamação crônica em pacientes dialisados. Considerando os achados de que há um link entre obesidade com presença de inflamação subclínica, 197 pacientes hemodialisados foram avaliados de acordo com distribuição de gordura corporal e marcadores inflamatórios e, fortes correlações entre PCR e IL-6 e distribuição de gordura truncal nesses pacientes foram observadas. Além disso, houve uma correlação inversa entre IL-6 com HDL e apo A, sendo que a resposta inflamatória crônica observada nesses pacientes, é um importante fator para perfil de lipoproteína aterogênico na uremia 21 . A avaliação dos níveis de PCR e a análise do IMC foram realizadas em 94 pacientes renais pré-dialisados, e foi observado que pacientes com IMC >30Kg/m2 tinham concentração de PCR 2,5 vezes maior quando comparados aos pacientes com IMC<25kg/m2, sugerindo que a obesidade, um fator de risco tradicional para aterosclerose, está associada com inflamação, um novo fator de risco para aterosclerose22. A interleucina-6 (IL-6) é um forte preditor de mortalidade em pacientes dialisados, e se correlaciona com espessamento da íntima média da carótida nos hemodialisados. Vale ressaltar aqui, que esta citocina é encontrada também no tecido adiposo23-25. Isso implica que o aumento de massa gorda em paciente renais crônicos pode se correlacionar com aumento de citocinas inflamatórias e problemas cardiovasculares. Numa análise transversal do Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) observou-se que o aumento de PCR em pacientes renais estava associado com aumento de IMC26. Com isso há razões para se acreditar que a obesidade pode estar associada com inflamação na DRC27. Porém, ao mesmo tempo, alguns trabalhos sobre adiposidade e doença renal mostram que o aumento do tecido adiposo pode ser benéfico devido à chamada “Epidemiologia Reversa”. J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 2 - Junho de 2006 EPIDEMIOLOGIA REVERSA NA DRC Obesidade, um fator associado com maior mortalidade cardiovascular na população em geral, exibe uma relação paradoxal em pacientes dialisados19. Isso tem sido denominado de “Fator de Risco Paradoxo” ou “Epidemiologia Reversa” para doença cardiovascular (DCV) nos pacientes urêmicos27,28. Degoulet et al.29 (1982) foram os primeiros a relatar essa relação paradoxal, pois ao avaliarem 1453 pacientes hemodialisados durante cinco anos, observaram que a mortalidade era maior nos pacientes com menores índices de massa corporal. Em 1998, Leavey et al.30 estudaram 3607 pacientes, durante cinco anos, e também observaram que baixos valores de IMC aumentavam o risco de mortalidade e, além disso, relataram a ausência desse risco em pacientes com IMC elevado. Um estudo realizado com 1346 pacientes, em 1999, identificou pela primeira vez vantagens na sobrevida para pacientes com sobrepeso e nos obesos31. Num estudo feito por Kopple et al.32 (1995) com 12965 pacientes, durante um ano, observou-se uma menor taxa de mortalidade em pacientes obesos. Wolfe et al.33 (2000) estudando durante dois anos 9165 pacientes, também observaram uma melhor sobrevida nos pacientes obesos. Pacientes com sobrepeso tem menores índices de hospitalização, tempo de internação e melhor sobrevida34, e de acordo com Hakim & Lowrie35 (1999) para cada aumento de unidade de IMC, o risco relativo de mortalidade é reduzido em 10%. Port et al.36 (2002) mostraram que pacientes com menor IMC tiveram 42% maior risco de mortalidade, e que os pacientes que se encontravam no maior tercil de IMC tiveram estes riscos reduzidos. Mais recentemente, outros pesquisadores observaram que um alto IMC, adiposidade e massa gorda foram associados com melhora da sobrevida nos pacientes renais crônicos37,38. Uma revisão feita por Shoji & Nishizawa39 (2005) mostrou que os pacientes em hemodiálise podem sofrer de uma “síndrome metabólica com desnutrição” e que o aumento no peso corporal parece ser benéfico num estágio avançado da doença. A síndrome MIA (Malnutrition, Inflammation and Atherosclerosis) pode ser uma explicação plausível para o fenômeno da epidemiologia reversa, visto que os pacientes desnutridos e inflamados têm maiores chances de morrer por doenças cardiovasculares, são mais susceptíveis às infecções ou outros processos inflamatórios28. Além da síndrome MIA, são levados em consideração fatores como, o tempo pelo qual a desnutrição causaria mais danos ao paciente quando comparado com a obesidade, bem como o estado hemodinâmico no 111 paciente obeso é mais estável, parece também que obesos apresentam uma diminuída resposta ao estresse, liberando menores quantidades de adrenalina, outra hipótese é de que o tecido adiposo produz receptores para o TNF-α e estes receptores neutralizam os efeitos biológicos adversos desta citocina e, desempenham um papel protetor nestes pacientes, além disso, outra hipótese, é que os pacientes renais não vivem tempo suficiente para sofrer as conseqüências da obesidade28. Enquanto a maioria dos pesquisadores mostra uma associação positiva entre obesidade e sobrevida em dialisados, alguns pesquisadores não observaram estas associações40-42. Kaizu et al.41 (1998) estudando 116 pacientes hemodialisados por 12 anos, observaram que pacientes com IMC acima de 23Kg/m2 mostraram menor sobrevida, quando comparados com pacientes com IMC normal. Mcdonald et al.43 (2003) mostraram que a obesidade no início da terapia de substituição renal é um fator de risco para mortalidade e falhas na técnica de diálise peritoneal. Também foi observado que pacientes obesos em CAPD perdem a função renal residual mais rapidamente depois que começam a fazer a diálise, quando comparados com grupo de pacientes não obesos43,44. Segundo os autores, os pacientes devem ser monitorados durante a DP, e estratégias para perda de peso deveriam ser instituídas. O aumento do IMC em pacientes sob CAPD pode também estar correlacionado a maior massa gorda pela absorção de glicose, o que faz aumentar a concentração de triglicérides, podendo levar ao desenvolvimento de arterosclerose e, além disso, podem apresentar hipoalbuminemia, o que comprometeria mais ainda a sobrevida deles. Beddhu et al.45 (2003) estudaram 2 grupos de pacientes HD, grupo 1, com pacientes eutróficos, segundo IMC (entre 18,5 a 24,9kg/m2) e grupo 2, composto de pacientes com sobrepeso e obesidade (IMC> 25kg/m2), e mediram em ambos os grupos a excreção de creatinina como marcador de massa muscular. Durante 4 anos de estudo, os autores confirmaram que os pacientes com maior IMC, apresentaram um menor risco de mortalidade, porém, os pacientes com IMC elevado em função da massa adiposa tiveram aumento na mortalidade por doenças cardiovasculares. Segundo os autores, a obesidade é um fator de risco para DCV em pacientes renais crônicos e eles mostram que o efeito protetor conferido aos pacientes com IMC alto é limitado para aqueles com massa muscular elevada. O corrente paradigma com relação à doença renal crônica é de que a desnutrição é fator de risco para aterosclerose e, obesidade é protetora para estes pacientes. 112 No entanto, Beddhu27 (2004) numa revisão, cita que podemos ter além da síndrome MIA, a síndrome OIA, que seria obesidade, inflamação e aterosclerose. Este autor acredita que o aumento de IMC devido ao aumento de massa gorda, está associado com inflamação e aterosclerose. Existem ainda várias questões a serem respondidas com relação à obesidade e doença renal crônica. Segundo Kalantar-Zadeh46 (2005) parece não ser sensato defender a obesidade nos hemodialisados, mas por outro lado, desacreditar da teoria da epidemiologia reversa sem examinar os efeitos verdadeiros do ganho de peso na sobrevida desses pacientes não seria ético, nem cientificamente apropriado. Assim, com a discussão da “Epidemiologia Reversa” e ao mesmo tempo a discussão sobre processo inflamatório subclínico presente na obesidade, surge a seguinte questão: é bom ser um paciente renal crônico obeso? Vale ressaltar aqui que o IMC não difere massa magra de massa gorda, e tem sido demonstrado, ao contrário da maioria das pesquisas citada acima, que pacientes dialisados com alto IMC devido à elevada massa gorda, têm maior risco de desenvolver aterosclerose e um maior risco de mortalidade45. Assim, uma interpretação mais apropriada e criteriosa dos estudos citados anteriormente deveria ser feita, pois não se sabe se o aumento do IMC era resultado do aumento de gordura ou do aumento de massa muscular. Devido aos inúmeros trabalhos sobre tecido adiposo em pacientes renais crônicos, com diferentes conclusões, até o presente momento, ter uma monitoração do peso dos pacientes através de avaliações nutricionais constantes, evitar perda peso em pacientes com sobrepeso e/ou manter IMC normal, parecem ser os procedimentos mais sensatos. Além disso, é importante ressaltar que os pesquisadores não esclarecem se são os pacientes com sobrepeso ou os obesos, ou ambos, que apresentam melhor sobrevida. Uma análise mais crítica desses trabalhos deveria ser feita, porque não podemos afirmar que ser obeso traz benefícios ao paciente renal, pois sabemos que a obesidade diminui a sobrevida da população em geral. Além disso, o fato desses trabalhos citarem que o paciente renal não sobreviverá o tempo necessário para que a obesidade traga suas conseqüências, em nossa opinião não deveria ser levado em consideração. O aumento do IMC, segundo várias pesquisas, é um fator protetor para pacientes hemodialisados, porém, achamos que é extremamente prudente avaliar as diferenças existentes entre massa gorda e massa magra nesses pacientes, visto que várias adipocinas estão relacionadas com o aumento do processo inflamatório no paciente obeso. Tecido Adiposo e Uremia Assim, uma avaliação nutricional mais detalhada deveria ser feita nesses pacientes, pois não se pode apenas utilizar o IMC como parâmetro antropométrico para diagnóstico do estado nutricional. Além disso, é de extrema importância estudar a adiposidade não só nos pacientes dialisados, mas também nos pacientes pré-dialisados. Nesta revisão vimos que ainda existem muitas controvérsias sobre questões relacionadas ao tecido adiposo na doença renal crônica. Assim, fica evidente a necessidade de mais estudos nesta área para termos um consenso sobre o papel deste tecido na doença renal crônica. REFERÊNCIAS 1. Flegal KM, Graubard BI, Williamson DF, Gail MH. Excess deaths associated with underweight, overweight, and obesity. JAMA 2005; 293:1861-7. 2. Zoccali C, Mallamaci F, Tripepi G, Benedetto FA, Cutrupi S, Parlongo S, et al. Adiponectin, metabolic risk factors, and cardiovascular events among patients with end-stage renal disease. J Am Soc Nephrol 2002; 13:134-41. 3. Wiggins KJ, Johnson DW. The influence of obesity on the developement and survival outcomes of chronic kidney disease. Adv Chronic Kidney Dis 2005; 12:49-5. 4. Eckel RH, Barouch WW, Ershow AG. Report of the National Heart, Lung, and Blood Institute-National Institute of Dieabetes and Digestive and Kidney diseases Working Group on the Pathophysiology of Obesity-Associated Cardiovascular Disease. Circulation 2002; 105:2923-8. 5. Iseki K. Factors influencing the development of end-stage renal disease. Clin Exp Neophrol 2005; 9:5-14. 6. Caravaca F, Martin MV, Barroso S, Arrobas M, Ruiz-Calero R, Garcia MC et al. Obesity and mortality in advanced chronic renal failure patients. Nefrologia 2004; 24:453-62. 7. Hall JE, Crook ED, Jone DW, Wofford MR, Dubbert PM. Mechanisms of obesity-associated cardiovascular and renal disease. Am J Med Sci 2002; 324:127-37. 8. Trayhurn P, Wood IS. Adipokines: inflammation and the pleiotropic role of white adipose tissue. BJN 2004; 92:347-55. 9. Boucher J, Masri B, Daviaud D, Gesta S, Guigné C, Mazzucoteli A, et al. Apelin, a newly identified adipokine upregulated by insulin and obesity. Endocrinology 2005; 146:1764-71. 10. Kershaw EE, Flier JS. Adipose tissue as an endocrine organ. J Clin Endocrinol Metab 2005; 89:2548-56. 11. Sunter D, Hewson AK, Dickson SL. Intracerebroventricular injection of apelin-13 reduces food intake in the rat. Neuroscience Letter 2003; 353:1-4. 12. Hotamisligil GS, Shargil NS, Spiegelman BM. Adipose expression of tumor necrosis factor-alpha-direct role in obesity-linked insuline resistence. Science 1993; 259:87-91. 13. Engeli S. Association between adiponectin and mediators of inflammation in obese women. Diabetes 2003; 52:942-7. 14. Marchlewska A, Stenvinkel P, Lindholm B, Danielson A, Peocits-Filho R, Lönnqvist F, et al. Reduced gene expression of adiponectina in fat tissue from patients with end-stage renal disease. Kidney Int 2004; 66:46-50. J Bras Nefrol Volume XXVIII - nº 2 - Junho de 2006 15. Chandran M, Philips S, Ciaraldi T, Henry RR. Adiponectin: More than just another fat cell hormone? Diabetes Care 2003; 26:244-50. 16. Zoccali C, Mallamaci F, Tripepi G. Adipose tissue as a source of inflammatory cytocines in health and disease: Focus on end-stage renal disease. Kidney Int 2003; 63(Suppl. 84):65-8. 17. Guebre-Egziabher F, Bernhard J, Funahashi T, Hadj-Aissa, Fouque D. Adiponectin in chronic kidney disease is related more to metabolic disturbances than to decline in renal function. Nephrol Dial Transplant 2005; 20:129-34. 18. Diamant M, Lamb HJ, Van de Ree MA, Endert EL, Groeneveld Y, Bots ML, et al. The association between abdominal visceral fat and carotid stiffness is mediated by circulanting inflammatory markers in uncomplicated type 2 diabetes. J Clin Endocrinol Metab 2005; 90:1495-501. 19. Stenvinkel P, Marchlewska A, Pecoits-Filhos R, Heimbürger O, Ahang Z, Hoff C, et al. Adiponectin in renal disease: Relationship to phenotype and genetic variation in the gene encoding adiponectin. Kidney Int 2004; 65:274-81. 20. Lee CT, Lee CH, Su Y, Chang YC, Tsai TL, Cheni JB. The relationship between inflammatory markers, leptin and adiponectin in chronic hemodialysis patients. Int J Artif Organs 2004; 27:835-41. 21. Axelson J, Qureshi AR, Suliman ME, Honda H, Pecoits-Filho R, Heimbürger O, et al. Truncal fat mass as a contributor to inflammation in end-stage renal disease. Am J Clin Nutr 2004; 80:1222-9. 22. Ramkumar N, Cheung AK, Pappas LM, Roberts WL, Beddhu S. Association of obesity with inflammation in chronic kidney disease: a cross-sectional study. J Renal Nutr 2004; 14:201-7. 23. Pecoits-Filho R, Barany P, Lindholm B, Heimburger O, Stenvinkel P. Interleucin-6 is an independent predictor os mortality in patients starting dialysis treatment. Nephrol Dial Transplant 2002; 17:1688-98. 24. Kimmel PL, Chawla LS, Amarasinghe A, Peterson RA, Weihs KL, Simmens SJ et al. Anthropometric measures, cytocines and survival in haemodialysis patients. Nephrol Dial Transplant 2003; 18:326-32. 25. Kato A, Odamaki M, Takita T, Maruyama Y, Kumagai H, Hisbida A. Association between interleukin-6 and carotid atherosclerosis in hemodialysis patients. Kidney Int 2002; 61:1143-52. 26. Menon V, Wang C, Greene T, Beck GJ, Kusek JW, Marcovina SM. et al. Relationship between C-reactive protein, albumin, and cardiovascular disease in patients with chronic kidney disease. Am J Kidney Dis 2003; 42:44-52. 27. Beddhu S. The body mass index paradox and an obesity, inflammation, and atherosclerosis syndrome in chronic kidney disease. Seminar in Dialysis 2004; 17:229-32. 28. Kalantar-Zadeh K, Abbott KC, Salahudeen AK, Kilpatrick RD, Horxich TB. Survival advantages of obesity in dialysis patients. Am J Clin Nutr 2005; 81:543-54. 29. Degoulet P, Legrain M, Reach I, Aime F, Devries C, Rojas P, et al. Mortality risk factors in patients treated by chronic hemodialysis. Report of the Diaphrane collaborative study. Nephron 1982; 31:103-10. 113 30. Leavey SF, Strawderman RL, Jones CA, Port FK, Held J. Simple nutritional indicators as independent predictors of mortality in hemodialysis patients. Am J Kidney Dis 1998; 31:997-1006. 31. Fleischmann E. Teal N, Dudley J, May W. Bower JD. Salahudeen AK. Influence of excess weight on mortality and hospital stay in 1346 hemodialysis patients. Kidney Int 1999; 55:1560-7. 32. Kopple JD, Zhu X, Lew NL, Lowrie EG. Body weight-forheight relationships predict mortality in maintenance hemodialysis patients. Kidney Int 1999; 56:1136-48. 33. Wolfe RA, Ashby VB, Daugirdas JT, Agodoa LY, Jones CA, Port FK. Body size, dose of hemodialysis, and mortality. Am J Kidney Dis 2000; 35:80-8. 34. Salahudeen AK. Is it good to be fat on dialysis? Nephrol Dial Transplant 2003; 18:1248-52. 35. Hakim RM, Lowrie E. Obesity and mortality in ESRD: is it good to be fat? Kidney Int 1999; 55:1580-1. 36. Port FK, Ashby VB, Dhingra RK, Roys EC, Wolfe RA. Dialysis dose and body mass index are strongly associated with survival in hemodialysis patients. J Am Soc Nephrol 2002; 13:1061-6. 37. Jonhasen KL, Young B, Kaysen GA, Chertow GM. Association of body size with outcomes patients beginning dialysis. Am J Clin Nutr 2004; 80:324-32. 38. Kalantar-Zadeh K, Kilpatrick RD, McAllister CJ. Time dependant association between body mass index and cardiovascular mortality in hemodialysis patients. J Am Soc Nephrol 2004; 15(suppl):126A. 39. Shoji T, Nishizawa Y. Chronic kidney disease as a metabolic syndrome with malnutrition – Need for strict control of risk factors Internal Medicine 2005; 44:179-87. 40. Marcen R, Teruel JL, de la Cal MA, Gamez C. The impact of malnutrition in morbidity and mortality in stable hemodialysis patients. Spanish Cooperative Study of Nutrition in Hemodialysis. Nephrol Dial Transplant 1997; 12:2324-31. 41. Kaizu Y, Tsumega Y, Yoneyama T, Sakao T, Hibi I, Miyaji K et al. Overweight as another nutritional risk factor for the longterm survival of non-diabetic hemodialysis patients. Clin Nephrol 1998; 50:44-50. 42. Combe C, Chaveau P, Laville M, Fouque D, Azar R, Cano N, et al. Influence of nutritional factors and hemodialysis adequacy on the survival of 1,610 French patients. Am J Kidney Dis 2001; 37:81-8. 43. Mcdonald SP, Collins JF, Johnson DW. Obesity is associated with worse peritoneal dialysis outcomes in the Australia and New Zealand patient populations. J Am Soc Nephrol 2003; 14:2894-901. 44. Tzamaloucas AH, Murata GH. Obesity and patient survival in chronic dialysis. Adv Perit Dial 2004; 20:79-5. 45. Beddhu A, Pappas LM, Ramkumar N, Samore M. Effects of body size and body composition on survival in hemodialysis patients. J Am Soc Nephrol 2003; 14:2366-72. 46. Kalantar-Zadeh K. Causes and consequences of the reverse epidemiology of body mass index in dialysis patients. J Ren Nutr 2005; 15:142-7.