A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1990: PROPOSTAS DO BANCO MUNDIAL NO CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO E A AUTONOMIA NA ELABORAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO Isaura Monica Souza Zanardini1 Keila Cristina Batista2 RESUMO: Neste estudo, apresentamos algumas considerações sobre a Reforma do Estado Brasileiro na década de 90, a partir da proposta do ministro Bresser Pereira que sugere um modelo de Estado, para atender as demandas da globalização e do capitalismo. Uma máquina estatal que enfatiza as privatizações, com intuito de substituir a “administração burocrática” pela “administração gerencial”, como forma de garantir o crescimento econômico. Com a Reforma Estatal projetada por Bresser Pereira, as políticas sociais e, principalmente as educacionais passam a atender as diretrizes sugeridas pelos organismos internacionais como Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). As determinações dos diretores, conselheiros e técnicos do Banco Mundial tem influenciado nas políticas educacionais e na autonomia das escolas, nas ações pedagógicas e na construção do Projeto Político-Pedagógico (PPP). Palavras-chave: Reforma Estatal. Políticas educacionais. Autonomia. Introdução A reforma do Estado que aconteceu nos anos 90, segundo o discurso do ministro Bresser Pereira teve por objetivo modernizar o Estado, melhorar seu desempenho em relação aos serviços públicos, buscando atender as demandas da globalização, enxugar a máquina estatal e transferir serviços públicos como saúde e educação para a iniciativa privada. A proposta de Bresser era de substituir a “administração burocrática” pela “administração gerencial”, para garantir o crescimento econômico. A partir da reforma estatal e de acordos feitos com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, as políticas sociais e educacionais passaram a atender as propostas destes organismos internacionais. Observamos que a influência dos diretores, conselheiros e técnicos do Banco Mundial, determinam as políticas educacionais, principalmente no que se refere a autonomia das escolas, as ações pedagógicas e a construção do Projeto Político-Pedagógico. Partindo dessas considerações apresentamos inicialmente alguns aspectos que caracterizam a reforma do Estado brasileiro nos anos 1 Doutora em Educação, docente da UNIOESTE – Campus de Cascavel. Mestre em Educação, professora colaboradora da UNIOESTE – Campus de Francisco Beltrão. E_mail: [email protected] 2 1990. Em seguida, tratamos de elementos referentes as políticas educacionais no Brasil, as orientações dos organismos internacionais e as propostas do Banco Mundial implementadas a partir da década de 1980 até a década de 1990 no campo educacional. Na terceira seção, discutimos aspectos sobre o Projeto Político- Pedagógico apontando elementos relacionados à autonomia no processo de elaboração do documento. Por fim, nas considerações finais nos limites deste texto procuramos retomar alguns aspectos considerados fundamentais para a reflexão em torno do tema em questão. 1. A reforma do Estado brasileiro nos anos 90: considerações iniciais O processo de industrialização, a revolução tecnológica e a globalização exigiram mudanças nas relações de trabalho existentes até a década de 1980. No novo cenário mundial a ordem é melhorar as condições do Estado para atender as novas demandas do mercado de trabalho e as exigências da elite dominante. O Estado passa a assumir um novo papel frente às políticas públicas, pois, a necessidade era uma reforma estatal que “[...] permitisse ao Estado desenvolver a capacidade administrativa, no sentido de melhorar o desempenho público e a qualidade dos serviços dirigidos às necessidades públicas” (ZANARDINI, 2006, p.7). Para Dourado ao criticar o Estado intervencionista os neoliberais defendem ideologicamente a reforma com o discurso de, [...] modernização e racionalização do Estado, objetivando, a superação das mazelas do mundo contemporâneo (desemprego, hiperinflação, redução do crescimento econômico...) e de adaptação às novas demandas pelo processo de globalização em curso. (DOURADO, 2002, p. 235-236). A lógica capitalista de modernizar o Estado e atender as demandas da globalização constitui-se a partir de estratégias para enxugar a máquina estatal e privatizar os bens, deixando de ser um Estado “assistencialista”, transferindo estes serviços para a iniciativa privada. Nesta perspectiva, a estratégia da reforma estatal como Bresser Pereira afirma é a substituição da “administração burocrática” pela “administração gerencial”, ou seja, a reforma é uma maneira de estabilizar e garantir o crescimento econômico. A “proposta” para a reforma estatal foi apresentada como afirma Deitos (2010, p. 6-7) “[...] no receituário do Plano Diretor da Reforma do Estado, que previa com clareza a dimensão da função do Estado no processo de acumulação do capital [...]”. É importante ressaltar que a Reforma do Estado foi realizada quando estava à frente da presidência Fernando Henrique Cardoso (FHC) sendo Bresser Pereira o Ministro da Administração e Reforma do Estado (MARE). No percurso da Reforma, Bresser Pereira discute a problemática do Estado e aponta mecanismos de controle que seriam capazes de tornar este Estado gerencialmente eficiente. Para o autor são quatro problemas que envolvem a reforma do Estado, [...] a) a delimitação do tamanho do Estado; b) a redefinição do papel regulador do Estado; c) a recuperação da governança ou capacidade financeira e administrativa de implementar as decisões políticas tomadas pelo governo; d) o aumento da governabilidade ou capacidade política do governo de intermediar interesses, garantir legitimidade, e governar” (BRESSER PEREIRA,1998, p. 49-50). Conforme o autor, estas recomendações são fundamentais para garantir um Estado eficiente e fortalecer o poder gerenciador. Como é possível perceber em suas palavras, o objetivo da Reforma é a reorganização do estado para gerenciar as políticas sociais e assim garantir a ordem do sistema capitalista. Neste sentido, nas palavras de Bresser Pereira, Reforma significa “[...] transitar de um Estado que promove diretamente o desenvolvimento econômico e social para um Estado que atue como regulador e facilitador ou financiador a fundo perdido desse desenvolvimento” (Idem, ibidem, p. 58). Nesta perspectiva, Bresser apresenta um modelo de Estado do século XXI, delineado da seguinte forma: [...] o Estado do século vinte e um. Não será, certamente, o Estado Social-Burocrático, porque foi este modelo de Estado que entrou em crise. Não será também o Estado Neoliberal sonhado pelos conservadores, porque não existe apoio político nem racionalidade econômica para a volta a um tipo de Estado que prevaleceu no século dezenove. Nossa previsão é a de que o Estado do século vinte-e-um será um Estado Social-Liberal: social porque continuará a proteger os direitos sociais e promover o desenvolvimento econômico; liberal, porque o fará usando os controles de mercado e menos os controles administrativos, porque realizará seus serviços sociais e científicos principalmente através de organizações públicas não-estatais competitivas, porque tornará os mercados de trabalhos mais flexíveis, porque promoverá a capacitação dos seus recursos humanos e de suas empresas para a inovação e a competição internacional (Idem, ibidem, p. 59-60). Mas, o autor afirma que para conseguir o Estado Social-Liberal do século vinte e um, é necessário atender alguns processos básicos no decorrer da Reforma. Para ele é imprescindível a) a delimitação das funções do Estado, reduzindo o seu tamanho em termos principalmente de pessoal por meio de programas de privatização, terceirização e “publicização”; b) a redução do grau de interferência do Estado ao efetivamente necessário por meio de programas de desregulação que aumentem o recurso aos mecanismos de controle via mercado; c) o aumento da governança do Estado, ou seja, da sua capacidade de tornar efetivas as decisões do governo, por meio do ajuste fiscal; d) o aumento da governabilidade, ou seja, do poder do governo. (Idem, ibidem, p.60). Como é possível perceber, os quatros componentes básicos para se conseguir um Estado Social-Liberal, são os mesmos apontados como problemáticas da reforma Estatal, ou seja, os quatro problemas apontados por Bresser Pereira devem necessariamente ser resolvidos garantindo então, tal modelo de Estado. Bresser Pereira (1998, p. 61), também conceitua a reforma do Estado como um processo de “[...] criação ou de transformação de instituições de forma a aumentar a governança e a governabilidade”. Nesta ótica pensada pelo autor a reforma seria uma maneira de definir o papel do Estado, consentir para o setor privado e o setor público não-estatal grande parte das atividades que eram de responsabilidade do Estado. Deste modo, deixariam de ser competência somente do Estado, as atividades da área social e científica, escolas, creches, ambulatórios, hospitais, entre outros, ou seja, [...] não há razão para que estas atividades permaneçam dentro do Estado, sejam monopólio estatal. Mas também não se justifica que sejam privadas, voltadas para o lucro e o consumo privado, já que são, freqüentemente, atividades fortemente subsidiadas pelo Estado, além de contarem com doações voluntárias da sociedade (Idem, ibidem, 1998, p.66). A garantia destes serviços seria através de um processo de publicização, privatização e terceirização para o setor privado controlado pela sociedade que financia e dirige, pois conforme Pereira (1998) no caso de muitas atividades o Estado não é suficientemente eficiente para realizá-las. A delimitação das áreas de atuação do Estado é uma das características da reforma estatal, na qual a lógica é distinguir o espaço público do privado e o espaço público estatal e o não-estatal. Pereira chama de “lógica do leque de mecanismos de controles” (Idem, ibidem, 1998, p.66). Por meio destes mecanismos de controle conforme o autor, as instituições como hospitais, escolas e demais atividades estatais poderiam ser controladas pelo Estado (sistema legal ou jurídico), pelo mercado (sistema econômico) e pela sociedade civil (grupos sociais). Apesar de “sugerir” que tais serviços sejam controlados pelas três instâncias, Estado, mercado e sociedade civil, Bresser (1998) afirma que o mercado constitui-se como o melhor mecanismo de controle, na medida em que a concorrência proporciona melhores resultados, menores custos e sem precisar utilizar-se do poder. Bresser Pereira destaca a governança como um problema que se relaciona as condições financeiras e administrativas, tendo como pressuposto a prática da “administração pública gerencial” ou “nova administração pública”. Essa administração traz como características segundo o autor, a ação do Estado para o cidadão-cliente, o controle dos resultados por meio de contratos de gestão, a transferência dos serviçoes sociais para o setor público não estatal, a terceirização de atividades de apoio que são licitadas (competitividade no mercado), entre outras. Outro elemento apresentado por Bresser Pereira é a questão governabilidade que envolve a reforma política. Para ele, os conceitos de governabilidade e governança são mal definidos e confundidos, ou seja, “[...] A capacidade política de governar ou governabilidade deriva da relação de legitimidade do Estado e do seu governo com a sociedade” (Idem, ibidem, p. 83). Quanto ao conceito de governança este é definido pelo autor como “[...] a capacidade financeira e administrativa em sentido amplo de uma organização de implementar suas políticas” (Idem, ibidem, p. 83). Nessa perspectiva, o autor comenta que a reforma do Estado garantirá maior governabilidade e o tornaria mais democrático, por isso é preciso “[...] dotá-lo de instituições políticas que permitam uma melhor intermediação dos interesses sempre conflitantes dos diversos grupos sociais, das diversas etnias quando não nações, das diversas regiões do país” (Idem, ibidem, p. 88). Contudo, a reforma estatal sugerida pelo autor tem como resultado uma maior eficiência do Estado, para responder ao cidadão. O Estado passa a agir em parceria com a sociedade de acordo com as necessidades que surgirão, será, [...] um Estado menos voltado para a proteção e mais para a promoção da capacidade de competição. Será um Estado que não utilizará burocratas estatais para executar os serviços sociais e científicos, mas contratará competitivamente organizações públicas não-estatais (Idem, ibidem, p. 89). Nesse sentido, é possível perceber que a reforma do Estado atua diretamente nas relações sociais, na qual a função é formular políticas que favoreçam o mercado. Quanto à sociedade civil, a partir do processo de descentralização, a competência é fiscalizar, executar e gerenciar os “projetos sociais”, enfraquecendo a ação do Estado e diminuindo a oferta de políticas sociais de forma universalizada. A reforma do Estado como percebemos na projeção de Bresser Pereira, tem com propostas a organização do sistema estatal para atender o capitalismo, deste modo para atender as diretrizes propostas pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). 2. As políticas educacionais no Brasil e as orientações dos organismos internacionais Nessa parte do nosso estudo, partindo do entendimento de articulação entre reforma do estado, organismos internacionais e ajustes no campo educacional, procuraremos apresentar as propostas do Banco Mundial no campo educacional a partir da década de 1980 até a década de 1990. O Banco Mundial é uma instituição que influência a direção do desenvolvimento mundial, por meio dos empréstimos que faz aos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. O Banco Mundial é composto pelas seguintes instituições, [...] BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento) que abrange quatro outras agências: a IDA (Associação Internacional de Desenvolvimento), a IFC (Corporação Financeira Internacional), a ICSID (Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos) e a MIGA (Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais). Em 1992, o Banco Mundial assumiu ainda a administração do GEF (Fundo Mundial para o Meio Ambiente [...] (SOARES, 1998, p.15-16). Cada instituição citada por Soares realiza empréstimos em determinadas áreas (saúde, educação, entre outras) e, ao mesmo tempo, faz exigências que devem ser atendidas pelos países que receberam o empréstimo. Soares (1998) destaca que desde a criação, o Banco foi influenciado pelos Estados Unidos, que auxilia na execução das políticas externas. Contextualizando brevemente um histórico da influência do Banco Mundial no Brasil, podemos dizer que Durante o período de expansão da economia, que perdurou até o final dos anos 70, o Banco Mundial promoveu a ‘modernização” no campo e financiou um conjunto de grandes projetos industriais e de infraestrutura no país, que contribuíram para o fortalecimento de um modelo de desenvolvimento concentrador de renda e danoso ao meio ambiente (Idem, ibidem, p.17). Conforme a autora, com o endividamento do país nos anos 80, o Banco Mundial e o FMI passaram a impor programas para ajustar a economia do Brasil, ou seja, Nos anos 80, a eclosão da crise de endividamento abriu espaço para uma ampla transformação do papel até então desempenhado pelo Banco Mundial e pelo conjunto dos organismos multilaterais de financiamento [...] o Banco Mundial tornou-se o guardião dos interesses dos grandes credores internacionais, responsável por assegurar o pagamento da dívida externa e por empreender a reestruturação e abertura dessas economias, adequando-as aos novos requisitos do capital globalizado (Idem, ibidem, p. 19-20). A partir desse período a influência do Banco Mundial, cresceu notoriamente, não somente na economia, como também nas políticas educacionais, este determina como os recursos devem ser aplicados garantindo, o recebimento dos empréstimos realizados, além de uma série de exigências e estratégias educacionais como: [...] o aumento de tempo escolar, a ampliação da duração do ciclo escolar, o aumento de capacidade de aprendizagem dos alunos, o apoio à educação pré-escolar, a melhoria do ambiente de sala de aula, o apoio aos sistemas de saúde e de nutrição, a melhoria da capacitação docente, a maior capacitação em habilidades pedagógicas e incrementos para ensinar, a reestruturação administrativa e organizacional com desdobramento do sistema, o desenvolvimento das competências administrativas, criação dos sistemas de avaliação por desempenho, o provimento de sistemas de informações que contemplem eficiência organizacional, a persuasão dos pais acerca do valor da educação e a mobilização da comunidade para os preventos econômicos. (SILVA, 2002, p.83). A partir dessas exigências, o intuito é buscar o envolvimento da comunidade, que passa a assumir o que é de responsabilidade do Estado e, também a transferência para o setor privado do atendimento a educação. Tais exigências definidas pelo Banco Mundial pautam-se no que Dourado (2002, p. 239) compreende que as mesmas têm “[...] caráter utilitarista [...] pois, fragmentam, desarticulam a luta pela democratização da educação em todos os níveis, entendida como um direito social inalienável”. Na medida em que o país terceiriza grande parte dos serviços educacionais, o mesmo deve centralizar, priorizar a educação básica. Nesse sentido, Ao priorizar a educação básica escolar, restrita à aprendizagem das habilidades cognitivas básicas, as propostas do Banco Mundial indicam que o discurso da centralidade do conhecimento, a despeito de enunciado, configura-se como um artifício de retórica e adesão às premissas do neoliberalismo, reduzindo o processo de formação a uma visão de racionalidade instrumental, tutelada, restrita e funcional ante o conhecimento universal historicamente produzido. (DOURADO, 2002, p.240) Dessa forma, os gestores do Banco Mundial, exigem que o ensino fundamental seja prioridade nos “planos” de governo, pois constitui-se essencial para o desenvolvimento do país. Em relação as demais modalidades de ensino como educação infantil, ensino médio, educação de jovens e adultos e ensino superior, são prejudicadas na medida em que há poucos investimentos. Segundo Silva (2002, p. 105) “[...] No documento ‘Educación Primaria’, o Banco Mundial afirma ser a educação primária o pilar do crescimento econômico e do desenvolvimento social, além de principal meio para promover o bem-estar das pessoas”. Assim, os propósitos do Banco Mundial são formar o cidadão para atender as demandas do mercado de trabalho, com conteúdos simplificados e restritos, “[...] Sob o pretexto de sintonia entre a educação e trabalho, os técnicos apregoam que é preciso formar trabalhadores para obter lugar no mercado de trabalho e reduzem a formação plena, considerando-a residual ou desnecessária” (Idem, ibidem, p. 112). E, muitos planos que são elaborados para atender a educação, são burocráticos e restritos, grande parte destes [...] vinculam educação e desenvolvimento, visando a formação de recursos humanos e à apropriação do capital humano, sem conceber a educação como instrumento a serviço de todos que enseje aumentar a probabilidade da criação científica, artística e cultural, resultando na emancipação social e política (Idem, ibidem, p. 184). Assim, a educação é vista como uma possibilidade de atender ao mercado capitalista, as demandas de mão-de-obra qualificada, por meio de uma formação aligeirada, que prepara o sujeito para ser um trabalhador de “chão de fábrica”, sem a possibilidade de buscar novas formas de crescimento intelectual. 3. Projeto Político-Pedagógico: elementos sobre a autonomia na sua elaboração Uma das possibilidades para que o ato de planejar seja concebido e vivenciado no cotidiano escolar como um processo de reflexão das práticas escolares, é a construção do Projeto Político-Pedagógico – PPP. Conforme a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96: Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I- elaborar e executar sua Proposta Pedagógica; Art. 13. Os docentes incumbir-seão de: I - participar da elaboração da Proposta Pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir o plano de trabalho, segundo Proposta Pedagógica do estabelecimento de ensino. Segundo o expresso na LDB os docentes devem participar da elaboração do PPP e organizar seu plano de trabalho conforme o documento da instituição. Veiga (2004) discute que o P.P.P. não deve ser entendido como um documento acabado, mas sim, em construção, tendo em vista que, com o passar dos tempos, algumas práticas precisam ser revistas e modificadas, pois a cada ano surgem diferentes necessidades no contexto escolar. Para Zanardini (1998) as transformações que ocorreram no mundo do trabalho em decorrência da globalização e da reestruturação produtiva provocaram modificações que se refletiram principalmente na educação, pois novas relações de trabalho, ciência e cultura surgiram, resultando em um novo princípio educativo. A educação passou por mudanças e com a evolução global a escola passou a atender as novas demandas de mercado e preparar o trabalhador para tal exigência. Essas mudanças trouxeram para a escola uma fragmentação do trabalho, que se tornou burocrático, formal e hierárquico. Essa forma de considerar a escola como uma empresa, cuja função é atender as demandas do mercado de trabalho, trouxe consigo os movimentos de centralização e descentralização e uma nova organização do trabalho pedagógico que passou a ser norteado pelos diretores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Silva (2003, p. 286) ressalta que desde os anos de 1970, na gestão de MCNamara que o Banco Mundial tem determinado as políticas econômicas e principalmente as educacionais. Os diretores, conselheiros, técnicos do Banco Mundial pressionam o governo para que organize as políticas para atender as propostas do Banco. A política de descentralização tem por objetivo, segundo os neoliberais, o resgate da autonomia, mas na verdade está relacionada ao descaso do Estado na manutenção das escolas, que caminham cada vez mais no rumo das privatizações. Esse imediatismo nas políticas educacionais exclui e deixa os trabalhadores a mercê do conhecimento, como afirma Silva (2003, p. 298) “A lei selvagem que ronda a educação exige formação rápida para o fazer e executar, atendendo satisfatoriamente às demandas de um mercado insaciável”. Em relação ao Projeto Político-Pedagógico, Silva (2003) comenta que algumas escolas têm elaborado seus projetos, mesmo que enfrentem algumas dificuldades, outras recebem o documento pronto e há as que simplesmente fazem pequenas alterações no documento existente na escola. Neste sentido, o P.P.P é Um documento teórico-prático que pressupõe relações de interdependência e reciprocidade entre os dois pólos, elaborado coletivamente pelos sujeitos da escola e que aglutina os fundamentos políticos e filosóficos em que a comunidade acredita e os quais deseja praticar; que define os valores humanitários, princípios e comportamentos que a espécie humana concebe como adequados para a convivência humana; que sinaliza os indicadores de uma boa formação e que qualifica as funções sociais e históricas que são de responsabilidade da escola(Idem, ibidem, p. 296). Para a autora o projeto é um documento que organiza as ações educacionais, o trabalho educativo e as ações reflexivas presentes no fazer pedagógico e que A construção coletiva deve considerar a história da comunidade escolar, afirmar os fundamentos políticos e filosóficos e os valores, assegurar uma boa formação e processos constantes de vivências democráticas, a capacidade de mediar dos conflitos existentes nas relações interpessoais, primar pela capacidade inventiva e criativa de todos, conduzir com presteza processos de avaliação processual e revitalizar a gestão democrática com efetiva participação de todos os membros da escola e da comunidade onde a escola está geograficamente situada. (Idem, ibidem, p. 297). Na análise dessa autora, nos anos de 1980 e 1990, ocorreram alguns movimentos que defendiam a construção coletiva do P.P.P., mas as discussões perderam força com as negociações feitas pelo governo brasileiro com o Banco Mundial. Ao aprovar empréstimos para o governo federal o Banco determina critérios, principalmente relacionados à tomada de decisões, sendo que: “[...] o governo federal subscreveu a política dos gestores do Banco Mundial, e utiliza o MEC e os secretários de Educação para viabilizá-las na prática” (Idem, ibidem, p. 297). Para atender as exigências feitas pelos órgãos governamentais e determinadas pelo Banco Mundial as ações pedagógicas são modificadas dentro da escola, conforme afirma Silva (2003, p. 298) “[...] as ações do Banco Mundial modificam as ações pedagógicas no interior da escola, que aparentemente vem da secretaria”. A autora analisa três exemplos das ações que são modificadas, e aponta a forma de avaliação, que segue normas da Secretaria da Educação, a ausência de um tempo para aprendizagem e aquisição dos saberes e um terceiro exemplo “[...] é o Projeto Político-Pedagógico da escola pública, eixo norteador e integrador do pensar e fazer do trabalho educativo” (Idem, ibidem, p. 298). Para a autora, a construção do PPP é uma oportunidade da comunidade escolar conquistar a autonomia, avaliar o trabalho desenvolvido e organizar suas práticas escolares, mas que atualmente, Na escola pública, o Projeto Pedagógico coletivo tornou-se peça burocrática, pois quase sempre apenas reproduzem a tradicional centralidade política, executando os decretos-lei, as portarias, as resoluções e regulamentações similares, publicados no Diário Oficial e vigiados pelos guardiães do sistema: diretores e supervisores (SILVA, 2002, p. 197). A autora considera que estas práticas causam distanciamento da escola pública e a comunidade que a cerca, banalização do ensino público, a medida que as instituições ficam “alienadas” ao sistema, lhe restando somente cumprir as leis e ordens que lhe são impostas pelo sistema educacional vigente. Quanto ao PPP, a autora destaca que o mesmo é o documento norteador do trabalho desenvolvido na escola, mas que [...] as discussões em torno do projeto político-pedagógico estão hibernadas e que as escolas públicas participam de outros projetos, programas e planos sem ter clareza de suas origens e intenções. Pior, migram rapidamente para outros projetos, programa e planos e arquivam em gavetas o projeto político-pedagógico (SILVA, 2003, p. 299). No contexto atual da escola, a discussão sobre o P.P.P. precisa ser inserida no cotidiano, de modo a pensar uma educação que atenda a formação integral do aluno e as práticas relacionadas à gestão educacional. Silva (2003, p. 299) diz que: “[...] o nosso desafio é recolocar o projeto político-pedagógico no centro de nossas discussões e práticas, concebendo-o como instrumento singular para a construção da gestão democrática”. Considerações Finais A realização deste estudo possibilitou-nos compreender a Reforma do Estado Brasileiro na década de 1990, a partir da perspectiva de Luiz Carlos Bresser Pereira ideólogo da Reforma do Estado, no mandato do Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Para Bresser Pereira, o Estado estava enfrentando uma crise gerencial e para superá-la havia a necessidade de reformar o Estado para desenvolver suas capacidades administrativas, atendendo então as demandas da internacionalização da economia. A lógica do capital na perspectiva da reforma é garantir um Estado gerencialmente eficiente, moderno a partir de uma “administração gerencial”, garantindo assim o crescimento econômico. Outro ponto que merece destaque é que ao modernizar o Estado é necessário “enxugar a máquina estatal, privatizar e terceirizar para o setor privado serviços como creches, hospitais, escolas, entre outros, pois segundo Bresser Pereira devem ser terceirizados e controlados pela sociedade que financia e dirige tais serviços. A Reforma constitui-se dessa maneira como uma possibilidade de atuar/intervir nas relações sociais, reformular as políticas e favorecer o mercado. Nessa direção, juntamente com a Reforma do Estado na década de 1990, acentuaram-se os financiamentos junto aos organismos internacionais como o BID e o BIRD, principalmente na educação. Ao destinar recursos para este setor, o Banco Mundial faz exigências que devem ser atendidas pelo governo, como: aumentar o tempo de permanência na escola e a capacidade de aprendizagem dos alunos, buscar o envolvimento da comunidade na escola, além da transferência do atendimento da educação para o setor privado e as políticas de descentralização. Cabe ressaltar que as ações pedagógicas, a autonomia das escolas e a construção do Projeto Político-Pedagógico também têm sido influenciadas pelas determinações do Banco Mundial. Há uma política que responsabiliza a escola pela elaboração e implementação do seu projeto político-pedagógico, evidenciando a importância de uma ges- tão eficiente para o bom funcionamento das instituições escolares, para que possam ser atendidas a exigências do mercado capitalista. Nesse sentido, consideramos que o PPP e a gestão democrática embora possam apresentar avanços, podem contribuir com a implementação de uma dada hegemonia posta pelo neoliberalismo e pela globalização, ao propor aspectos que caracterizam um projeto que atenda às exigências requeridas ao sistema escolar neste contexto. Bibliografia BRASIL. Lei 9394/96 Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF : MEC, 1996. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A reforma do Estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Lua Nova: Revista de cultura e política, nº 45, p. 49-96, 1998. DEITOS, Roberto Antonio. Estado, organismos internacionais e políticas sociais: aspectos políticos e econômicos e a gestão da política educacional no Brasil (19932010). Versão Preliminar, 2010. DOURADO, Luiz Fernandes. Reforma do estado e as políticas para a educação superior no Brasil nos anos 90. Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 80, setembro/2002, p. 234-252 Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. 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