AUTORITARISMO NO BRASIL. REALIDADE E FICÇÃO NO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT. Fábio Silva Tsunoda1 Palavras-chave: Direitos Humanos, Totalitarismo, Democracia, Autoritarismo, Brasil. Obra resenhada: ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo (Parte 3). São Paulo, Companhia das Letras, 1989. Não foram poucas as vezes que intelectuais decididos a investigar as origens das formas autoritárias e opressivas presentes no Brasil se depararam com um impasse analíticoteórico. Trata-se do que comumente é denominado por legado autoritário. Formas herdadas de um passado que pode ser analisado por sucessivas demonstrações de desrespeito aos Direitos Humanos (DH) e preceitos democráticos fazem parte de tal conceito. Não há dúvidas de que a grande dificuldade em proteger e promover políticas ligadas aos DH tem neste ponto uma de suas origens. A filósofa Hannah Arendt (1906-1975), que abordou de maneira ímpar as possíveis origens dos levantes totalitários que ocorreram no continente europeu na primeira metade do século XX, enxerga, dentre outras razões, que dispositivos presentes no aparato burocrático do regime totalitário, em muito contribuíram para a apatia da população em relação ao regime. Através de artefatos publicitários de manipulação em massa, aos cidadãos foram criados um ambiente fictício. Mentiras de caráter anti-semita e usurpação da auto-estima do indivíduo (e da população), coadunada com a inserção de novos valores, fizeram com que, o movimento totalitário, se tornasse um mecanismo extramente eficiente no recrutamento de pessoas. A apatia que a população tinha em relação a assuntos políticos e o grande afastamento desta para com seus deveres sociais, foram de grande serventia ao regime totalitário, uma vez que, os valores inseridos por ele na população, logo ganharam respaldo devido à ausência de 1 (Faculdade de Filosofia e Ciências – Unesp de [email protected] , trabalho de iniciação científica). Marília, graduando em Ciências Sociais, 137 referências anteriores de organização e associação política, social e cultural (Arendt, 1989, p.362). Assim, as formas opressivas de gestão social encontraram, em uma sociedade composta por indivíduos atomizados e isolados, o ambiente propício para o desenvolvimento da governabilidade totalizante (Arendt, 1989, p.373). Sob um forte espectro que compromete toda e qualquer forma espontânea de manifestação social e sucessivos ataques contra a própria dignidade humana, o regime totalitário proliferou de maneira homogênea por um lado, e fictícia por outro, instrumentalizando a noção que a massa poderia vir a ter da realidade. E, no momento em que se deu a derrocada do nazismo e stalinismo, esta massa retorna à sua forma pretérita. Logo que o movimento, isto é, o mundo fictício que as abrigou, é destruído, as massas revertem ao seu antigo status de indivíduos isolados que aceitam de bom grado uma nova função num mundo novo ou mergulham novamente em sua antiga e desesperada função (ARENDT, 1989, p.413). Obviamente, a comparação entre a experiência totalitária na Europa e com o passado autoritário no Brasil deve ser feita com inúmeras ressalvas, mas pode ser útil utilizar tais paradigmas para as reflexões acerca do tema dos Direitos Humanos e segurança pública. Mesmo com a instauração de o regime democrático no país, nota-se uma excessiva dificuldade em legitimar os DH (Caldeira, 2000). Neste contexto, diversas explicações de caráter duvidoso percorrem as ramificações da malha pública e corroboram o forte processo autoritário no país. Dentre elas, notamos desde idéias que associam diretamente criminalidade e pobreza como as que colocam os Direitos Humanos como “privilégio de bandidos”. Desta forma, o legado autoritário, dito anteriormente, perpassa as expectativas que as pessoas de serem cidadãos de direito, ao invés de simples elementos de massa. Os Direitos Humanos, por não serem naturais, devem ser trabalhados cotidianamente, por forças políticas que vão além do formalismo partidário-governamental (Arendt apud Lafer, 1988). Talvez a maior herança que o passado autoritário legou ao Brasil seja a apatia política, que se manifesta na enorme dificuldade que as pessoas possuem para se organizar e reivindicar direitos, uma sociedade politicamente inativa e na ausência de deveres sociais. 138 Logo, faze-se possível traçar proximidades com o contexto social e cultural presente na percepção totalitária. O afastamento que ambas as sociedades tiveram de seus direitos fez com que, na perspectiva de Hannah Arendt, se criasse um terreno fértil o suficiente para a disseminação de idéias autoritárias, opressivas e repressivas; um ambiente fictício que pouco contribui para a proteção e promoção dos Direitos Humanos, totalmente cerceado por uma superfluidade que afasta as pessoas da realidade. REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras, 1989. CALDEIRA, Teresa. Cidade de muros: Crime, Segregação e Cidadania em São Paulo. São Paulo, Edusp, 2000. LAFER, Celso. A reconstrução dos diretos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo, Companhia das Letras, 1988. 139