A corrente da felicidade e as defesas do Brasil

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A corrente da felicidade e as defesas do Brasil
Gilmar Mendes Lourenço
A única certeza que os meios especializados ostentam, diante do atual ambiente de turbulência nos
mercados financeiros, é a absoluta dúvida quanto à intensidade e à duração da crise. No entanto, a cada
dia que passa, caem por terra os diagnósticos e, principalmente, os prognósticos que sinalizariam a
reduzida profundidade e a curta duração da instabilidade.
O governo e as autoridades econômicas brasileiras procuraram abrandar a retórica ufanista de que
o país não seria atingido pelo terremoto, fertilizado no calote das hipotecas de elevado risco dos Estados
Unidos (EUA), e a utilizar um discurso mais precavido, impregnado de uma postura voltada à adoção de
providências de política monetária visando minimizar a internalização do colapso externo.
Sem dúvida, independentemente dos desdobramentos da derrocada do sistema financeiro
internacional, agudizada em certos momentos pelos embaraços políticos criados pelo Congresso
americano, reveladores da fadiga de um governo impopular em final de mandato, que não apenas
derrubou os alicerces fiscais fincados pela gestão antecedente como fez vistas grossas à verdadeira
“corrente da felicidade” organizada pela base bancária dos EUA.
Em uma frase, a despeito das mensagens triunfalistas emitidas pelo Palácio do Planalto, não
existiriam defesas sólidas para qualquer país inserido, para o bem ou para o mal na globalização
financeira, desenhada e implementada no mundo há quase três decênios.
Em qualquer cenário, por uma ótica macroeconômica, o Brasil sentirá os impactos do subprime, por
meio da redução da rentabilidade das exportações (demanda e preços em queda) e do drástico
encurtamento e encarecimento do crédito. Em caso de depressão mundial e/ou ataque especulativo, os
propagandeados US$ 200,0 bilhões em reservas internacionais podem virar pó.
Ademais, os indicadores financeiros atestam um movimento de subida dos juros e diminuição dos
prazos médios de parcelamento das compras, para pessoas físicas e jurídicas, e maior seletividade das
instituições na renovação ou concessão do crédito, em função da elevação do risco de inadimplência. As
taxas de juros incidentes sobre a comercialização de automóveis foram elevadas entre 10,0% e 25,0%,
dependendo da modalidade, e os prazos dos financiamentos caíram de 72 para 60 meses.
Houve também significativa redução do crédito para exportação (a maior desde a derrocada do real
em 2002), acréscimo dos cancelamentos, declínio dos pedidos no mercado externo e engavetamento dos
planos de investimentos das empresas.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Índice de Confiança Industrial (ICI) atingiu 120,3
pontos em setembro, o menor patamar em quatro meses, evidenciando perda de ímpeto de crescimento
do setor manufatureiro. Lembre-se de que o ICI varia entre 0 e 200 pontos.
Mas, a principal inquietação diz respeito às escolhas estratégicas microeconômicas, mirando um
posicionamento mais adequado ou menos nocivo nas carteiras de aplicações. Curiosamente, nesse
momento, a melhor decisão é não fazer nada ou não agir por impulso.
A fuga das Bolsas, em uma fase de baixa, seria a conquista de um passaporte para o prejuízo
eterno. Se, em curto prazo, os mercados acionários maximizam os sintomas de patologia do sistema
Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.1, n.8, novembro 2008
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econômico, em longo tempo condenam os aplicadores à contabilização de polpudos lucros, em razão das
apostas na expansão econômica e, por extensão, na diversificação das maneiras de capitalização das
empresas. Em paralelo, o dólar reproduz a pior modalidade de depósito de economias em qualquer tempo
e lugar, a não ser em casos tópicos influenciados por movimentos especulativos.
Nesse contexto, o Brasil possuiria duas vacinas apreciáveis. De um ângulo conjuntural, emergem
as aplicações em títulos do tesouro direto, detentores de liquidez, segurança (garantia de recompra) e
rentabilidade (juros Selic, destituídos de taxa de administração). Aliás, foi justamente a alternativa de
continuarem participando da rolagem da dívida pública, a taxas de juros reais mais de três vezes acima da
média internacional, que afastaram as instituições financeiras atuantes em território nacional da farra das
hipotecas norte-americanas.
Parece correto também atribuir a menor vulnerabilidade dos bancos brasileiros diante do colapso
americano a dois instrumentos de socorro público, executados nos anos 90, como forma de viabilização do
ajuste das instituições financeiras às dificuldades impostas pelo desaparecimento do lucro inflacionário,
ocasionado pela estabilidade monetária propiciada pelo Plano Real. Foram eles o Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), criado em novembro de 1995,
destinado às agencias privadas, e o Proes, instituído em agosto de 1996, voltado às entidades públicas.
O Proer envolveu R$ 20,4 bilhões e o Proes exigiu a emissão de R$ 61,0 bilhões em títulos federais, o
que, em conjunto, abocanharam mais de 10,0% do Produto Interno Bruto (PIB). Ambos perseguiram desde o
rearranjo das carteiras de ativos e passivos até processos de fusão e aquisição de instituições.
Também podem ser consideradas atrativas e seguras as cadernetas de poupança, refúgios dos
sacrifícios monetários despendidos por aposentados, pensionistas e outros atores sociais de pequeno
porte, que funcionam como colunas dos empréstimos habitacionais, e que suplantaram, de longa data, a
crise de confiança que as vitimou depois do confisco empreendido pelo governo Collor em março de 1990.
Por um prisma estrutural, o deficit habitacional superior a 7,0 milhões de unidades, o declínio da
carga tributária incidente sobre a venda de insumos da construção civil e a recuperação das linhas de
crédito imobiliário, representam os pilares para a colocação dos excedentes financeiros dos agentes
econômicos desejosos de driblar as agruras do curto prazo.
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