Holding, Interpretação e a presença de Winnicott. Marisa Bortoletto Peter na eterna busca da terra do nunca Resumo: o trabalho trata da psicoterapia psicanalítica de um paciente que ao se deparar com perdas e limites do passar do tempo se vê num estado depressivo. Seu temor maior era o de não conseguir seguir com seu hobby predileto (trilhas de jipe), pois, em suas viagens era acometido por fobias. O caso clínico mostra a presença de holding e interpretações significativas. A experiência clínica excepcional de Winnicott, D. (1962) nos sensibiliza a compreender a condição pessoal do psicoterapeuta. Ele nos ensina que ao praticar psicanálise é preciso se “manter bem”, atento e autêntico. E quem sabe, estar com o paciente tal como ele é e respeitá-lo em sua singularidade. A teoria desenvolvida pelo psicanalista inglês está ancorada na prática clínica, o que torna a identificação com os conceitos, inevitavelmente, intensa e criativa. Outeiral, J. (2008), no livro “Seminários Gaúchos” nos oferece um roteiro de leitura da obra de Winnicott, mas nos alerta que para abarcar os textos a de se ter as próprias associações e quem sabe imitar os Beatles na música, Let it be, isto é, “deixa estar” e conceber o que é possível a cada aproximação teórica. Assim, o entendimento de todo paciente abrangerá uma nova história clínica, manejo clínico específico, o holding necessário e os destinos das interpretações. Peter era uma dessas pessoas que jamais havia pensado que um dia necessitaria de uma psicoterapia. Seguro de si levava a vida de forma a poder refugiar-se das adversidades por meio dos esportes e hobbies. Aos cinquenta se aposenta e entra como sócio numa empresa de alimentos. Na mesma época seu casamento de mais de vinte anos termina. Conta de uma infância triste, o sentimento de rejeição do pai e mãe super protetora. Era tido na família como o mal-humorado e desajeitado para tarefas do cotidiano. Uma criança fechada embora atenta e curiosa. Desde a adolescência gostava de praticar esportes, viajar, pescar, mergulhar. Nos últimos anos, comprou um jipe de uma marca diferenciada e assim tinha um grupo de amigos com quais viajava em estradas e trilhas para carros com tração nas quatro rodas. Um dos motivos para a busca da terapia foi o fato de que passara mal nessas viagens, isto é, em algumas ocasiões era tomado pelo medo de seguir adiante, tornavase fóbico, não conseguindo dirigir o veículo. Sua tristeza era a de pensar que corria o risco de perder esse lazer que adorava. Além de dirigir o jipe, o que mais apreciava era conhecer pessoas novas e diferentes em cada cidade que chegava. Tornou-se um contador de “causos”, tendo muito prazer em acumular histórias em seu repertório. Peter parecia encontrar na relação terapêutica um lugar para a expressão de suas aventuras. Ora transformava a relação num encontro de amigos, ora parecia um menino a contar à sua mãe quanto havia visto e aprendido no mundo lá fora, numa mistura de carência de afeto e exibicionismo de suas façanhas. Contudo, também contava as histórias entretendo a terapeuta, de forma a não permitir que uma palavra ou interpretação estragasse aquele sonho: qualquer interferência só poderia ser mais aborrecimento. O estado narcísico o isolava na própria sessão. Desta maneira, afastava a possibilidade de sentir, dentro do encontro terapêutico, a sustentação egoíca suficientemente boa e essencial para superação do estado fóbico. Seu comportamento oscilava entre o desânimo e o entusiasmo. E o interesse pela terapia seguia o mesmo curso. Era frequentador assíduo e pontual que ao mesmo tempo ameaçava desistir. Tal atitude combinava com o que relatava, quando viajava nos fins de semana sentia-se feliz, porém era só pensar na segunda-feira que o humor mudava. Oscilava entre um sujeito simpático e engraçado, que “provocava” a terapeuta, e um homem “pesado”, envelhecido e sem qualquer perspectiva de futuro. O forte sentimento depressivo se misturava com a intensa frustração de sua vida não ser mais como desejava. As viagens constantes mostravam não apenas desejo pelo novo e diferente, mas uma forma de permanecer um “jovem” aventureiro, cheio de esperanças e desafios pela frente. O que parecia garantir um” mundo”, que lembrava a ‘ terra do nunca” tão bem preservado e escondido por “Peter Pan”? A cada novo vilarejo que parava sentia-se uma espécie de celebridade (porque todos queriam saber quem era o dono daquele carro tão diferente), era convidado para almoçar, quando podia encantar os moradores contando suas aventuras por lugares nunca vistos... Era na estrada que estavam seus amigos, as pessoas que como ele buscavam essa sensação sempre do novo e do inusitado. A tristeza o invadia, dizia não saber por quanto tempo mais poderia realizar essas viagens. Peter já tinha sido mergulhador, pescador, motoqueiro, uma vida sempre à espera dos fins de semana, ou seja, dessa terra do nunca, numa adolescência não superada. A cidade em que morava é onde se sentia perdido, mas perdido principalmente nos afetos, sem saber se teria seu lugar de volta com a filha, namorada e a terapeuta. Peter ao escutar a interpretação de que parecia não saber lidar com as relações afetivas mais próximas, fica tomado de uma forte emoção. E conta que deixou de estar com a filha para viajar; ao saber que ela teve saudade dele, foi assolado por forte sentimento de culpa. As interpretações apontam para o paciente aprender e tolerar seus próprios aspectos e desejos infantis. Uma elaboração emocional complexa para o paciente. Todavia, quem sabe poderá promover a reconciliação de partes de si mesmo anteriormente inaceitáveis. Além de favorecer um bom acordo com desejos e fantasias antes ameaçadores, Sandler, A.M (2005). A depressão evidenciava essa impossibilidade de aceitar o passar dos anos e toda sorte de mudanças. Talvez esse homem pouco tenha aprendido com a vida. A fuga para esse mundo imaginário cegou-o para o inevitável, isto é, as perdas, mas principalmente para os ganhos que a maturidade pode trazer. Como Peter Pan, Peter não tinha “sombra”, nem olhos para ver o que se passava consigo. A vida ia passando como num filme, o qual ele acreditava que não teria fim. Essa cisão mental tão bem estabelecida colocava-o num estado de sofrimento intenso. A transferência positiva aparecia quando podia contar com a terapeuta como uma “amiga diferente”, para quem expunha suas mazelas, sonhos e afetos. Era nítida a carência e o perigo que sentia de tornar-se dependente da psicoterapia. Em algumas, sessões, a presença da terapeuta não o perturbava. Ficava ele a falar livremente o que sentia, e de alguma maneira alcançava o que Winnicott (1958) chamou da capacidade de estar só, mas na presença do outro. Winnicott considerava essa capacidade como a matriz da transferência: um estado emocional em que a pessoa se sente segura para falar de si e as ameaças internas ficam apaziguadas. Em geral, os pacientes se sentem acolhidos, então podem sentir o apoio do terapeuta no sentido de sustentação, holding. Na verdade, trata-se de um paradoxo:” a capacidade de ficar só quando mais alguém está presente”. A presença do outro, como na terapia, não é sentida como uma interferência naquilo que o sujeito tem de mais precioso, em termos de reservas afetivas e intelectuais. Importante considerar que é o próprio paciente quem descobre as repostas para suas emoções; a tarefa do terapeuta é torná-lo capaz de identificar quais são os objetos úteis e necessários à sua vida. Como sabemos, parte das vezes reconhecer a natureza das reais necessidades permanece obstruída pelo forte apego aos desejos. Os sentimentos de insegurança, medo, entre outros, surgem quando essas reservas afetivas são abaladas. Em Peter essa questão aparecia quando do isolamento nas sessões onde se refugiava em suas angústias. Qualquer um, nesses momentos, seria sentido como invasor a tentar violar esse estado, aí a necessidade de manter-se à distância das supostas ameaças. A capacidade de estar só na presença do outro constitui uma manifestação de desenvolvimento emocional. Quando isso ocorre, a pessoa torna-se capaz de redescobrir o impulso pessoal, indo à busca das próprias gratificações, numa expressão de saúde e maturidade emocional. Peter, após alguns anos de psicoterapia, decide fazer uma nova faculdade e ali encontra uma maneira interessante de manter a jovialidade, sem esquecer o cuidado com suas oscilações de humor depressivo e eufórico. Referências Bibliográficas: Abram, J. A linguagem de Winnicott, RJ: Revinter, 2000. Bortoletto, M. Convênios psicológicos e psicoterapia psicanalítica. Escuta: SP, 2009. Outeiral, J.e organizadores, Winnicott Seminários Gaúchos. Revinter: RJ, 2008. Sandler, A.M. Sobre interpretação e holding na análise de crianças. In: Graña, R.B; Piva, A. B. S, Atualidades da psicanálise de crianças. Casa do Psicólogo:SP,2005. Winnicott. (1958) A capacidade para estar só. In: O ambiente e os processos de maturação. Artmed: Porto Alegre, 1982. _______, (1962) Os objetivos do tratamento psicanalítico. . In: O ambiente e os processos de maturação. Artmed: Porto Alegre, 1982. Marisa Bortoletto é fundadora e diretora da Verbo Clínica Psicológica. Responsável técnica pela orientação e supervisão dos procedimentos técnicos e psicológicos junto ao CRP-SP. Mestre em Psicologia Clínica PUC-SP. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica-CEPSI USP. Presidente da Associação de Psicoterapia Psicanalítica APP. Supervisora teórico-clínica e psicoterapeuta psicanalítica. Autora: Convênios Psicológicos e psicoterapia psicanalítica,Escuta: SP, 2009 Consultório: Rua Verbo Divino, 130, Granja Julieta – São Paulo – SP BrasilTel (11) 51829359 Cel. (11) 76551928. E-mail: [email protected] ou [email protected]