FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO Instituto de Farmacologia e Terapêutica FARMACOLOGIA Notas sobre os antagonistas dos receptores muscarínicos correntemente mais usados Todos os antagonistas dos receptores muscarínicos em uso terapêutico actual têm os efeitos da atropina. Há entre eles diferenças de: a) potência; b) selectividade para os diferentes subtipos de receptores muscarínicos; c) efeitos e acções farmacológicas adicionais independentes do antagonismo dos receptores muscarínicos; d) anos e extensão de uso médico; e) quantidade e qualidade dos estudos científicos a que foram submetidos; f) farmacocinética; g) práticas e hábitos médicos; h) interesse na sua exploração comercial; i) acesso por compra individual ou nos hospitais. As diferenças de a) são grandes, embora tenham poucas consequências se não forem acompanhadas de discriminação na afinidade para os diferentes subtipos de receptores muscarínicos. As diferenças de b) mais interessantes são as seguintes: a pirenzepina é o mais selectivo para os M1, e a darifenacina para os M3. Há outros antagonistas não usados na clínica mas experimentalmente muito interessantes pela diferença de afinidades para os diferentes subtipos de receptores muscarínicos. A mambatoxina 7 (um veneno das cobras mamba) tem uma afinidade 1000 a 10000 mil vezes maior para os receptores M1 do que para qualquer outro tipo; a mambatoxina 3 tem afinidade preferencial para os M4 e a tripitramina é o composto talvez mais selectivo para os M2. Com excepção da mambatoxina 7 nenhum antimuscarínico é suficientemente selectivo para, isoladamente identificar um subtipo. É necessário calcular a potência de vários antagonistas. As diferenças de c) são importantes. A escopolamina causa sedação e amnésia. A difenidramina, o dimenidrato e a prometazina causam também sedação e são potentes antagonistas dos receptores H1 da histamina (esta acção é considerada como a principal para estes compostos e a acção antimuscarínica uma acção secundária ou lateral). A amitriptilina, a imipramina e a doxepina, medicamentos antidepressores, e a cloropromazina, medicamento antipsicótico, têm também acção antagonista sobre os receptores muscarínicos, que é, obviamente acessória, já que o grande interesse destes medicamentos está nas acções responsáveis pela melhoria dos sintomas da depressão e da esquizofrenia, respectivamente. As diferenças de f) são importantes mas em muitos casos estão muito mal estudadas. O exemplo mais nítido está na duração do efeito midriático e cicloplégico que é de 6 horas para a tropicamida, 1 dia para o ciclopentolato, 1 semana para a escopolamina e 10 dias para a atropina. As diferenças de g), h) e i) são enormes. Há muito mais medicamentos antagonistas dos receptores muscarínicos do que indicações terapêuticas. É necessário fazer uma selecção apesar de ser impossível chegar a um resultado inteiramente concordante. Nalguns casos os factos e fundamentos científicos são claros; noutros casos não há factos mas há usos e costumes aceitáveis. A lista seguinte teve em conta as nossas condições locais e actuais. A lista elaborada para outro país poderia ser diferente. Também é datada porque há medicamentos que vão entrando, saindo e reentrando por decisões apenas de oportunidade comercial. A atropina (hiosciamina) é um medicamento essencial nas farmácias hospitalares sobretudo nas formas farmacêuticas para administração parentérica. Praticamente desapareceu da venda nas nossas farmácias comunitárias onde ainda se encontram medicamentos que contêm misturas de alcalóides de beladona associadas a outros fármacos. Estas associações não fazem sentido. É preferível dispor de medicamentos apenas com atropina ou l-hiosciamina (o isómero mais potente da atropina), mas não tem havido o interesse comercial em mantê-los à venda em Portugal, recorrendo-se a outros antimuscarínicos activos por via oral (ver adiante). A escopolamina (l-hioscina) é também um medicamento presente nas farmácias hospitalares para administração parentérica, sobretudo na prática anestésica geral. Na farmácia de oficina justifica-se a sua presença para o tratamento das cinetoses (enjoo do movimento) na forma farmacêutica oral ou de penso para aplicação cutânea. A 4ª edição do Prontuário Terapêutico (Setembro de 2003) não refere nenhum medicamento com escopolamina disponível nas farmácias de comunidade portuguesas. Para o enjoo do movimento pode recorrer-se a outros antagonistas dos receptores muscarínicos como a difenidramina ou o seu derivado dimenidrato, ou à meclozina por exemplo. Estes antagonistas dos receptores muscarínicos são também antagonistas dos receptores H1 da histamina e, por isso, habitualmente descritos no capítulo dos anti-histamínicos. Em Portugal, o dimenidrato é o mais utilizado. A meclozina está também à venda em Portugal. Os antagonistas dos receptores muscarínicos mais usados no tratamento do trémulo e da doença de Parkinson são a benzatropina, o biperideno e o tri-hexifenidilo. Os antagonistas habitualmente usados nos colírios (formas farmacêuticas para aplicação tópica ocular) são a atropina, a escopolamina, a homatropina, o ciclopentolato e a tropicamida. O ipratrópio e o tiotrópio são os antagonistas utilizados em aerossol para aplicação tópica brônquica através de nebulizadores, no alívio do broncospasmo das doenças pulmonares obstrutivas crónicas. A pirenzepina e a telenzepina são os antimuscarínicos mais indicados para a inibição da secreção ácida do estômago mas caíram em desuso porque os inibidores da ATPase H+-K+ da célula parietal do estômago, como o omeprazol, e os antagonistas dos receptores H2 da histamina, como a ranitidina, são mais eficazes. O marcado efeito relaxante muscular liso dos antimuscarínicos no tubo digestivo e nas vias urinárias é talvez o motivo mais frequente do seu uso. A butilescopolamina, o clidínio (está comercializado numa associação obsoleta e sem justificação em dose fixa com um tranquilizante, o clorodiazepóxido), a mebeverina e a dicicloverina (também chamada diciclomina, é muito usada em crianças mas desaconselha-se o seu emprego antes dos 7 meses de idade) são habitualmente mais usados nas queixas intestinais enquanto que o tróspio, a oxibutinina, e a tolterodina nas queixas urinárias. Prevê-se que grande parte deste uso venha a ser dirigido para a darifenacina, zamifenacina e solifenacina. Estes novos compostos são interessantes porque são os primeiros em que se conseguiu uma selectividade nítida para os receptores M3. Não deixarão de causar xerostomia, midríase, obstipação e retenção urinária porque os receptores M3 estão envolvidos em todos estes casos. DM, 12.11.2004