A PRESENÇA DA FILOSOFIA N0 ENSINO MÉDIO (Prof. Francisco P. Greter) Subsídios para reflexão dos participantes da 1ª Reunião Regional da APROFFESP com professores de Filosofia do Estado de São Paulo. INTRODUÇÃO Entre avanços e retrocessos, a presença da Filosofia na educação escolar é hoje uma realidade no Ensino Médio de todas as escolas do país, públicas e particulares. Mas a obrigatoriedade de seu ensino (PLC 04/2008) não garante, por si só, o êxito de sua tarefa pedagógica. Aliás, muitos contestam a possibilidade do ensino da Filosofia; outros repetem a antigo jargão atribuído a Kant, de que “não se ensina Filosofia, mas filosofar”. As dificuldades do ensino da Filosofia são por demais repetidas, sejam quanto aos conteúdos, seja quanto à didática ou a metodologia. Sabe-se, desde os céticos, que não há uma só filosofia, mas várias concepções até antagônicas. O conceito do Conceito de filosofia não se define, os filósofos discutem entre si e não chegam a conclusões definitivas, a “verdade” não se desvela...Talvez aqui esteja o verdadeiro significado do que seja filosofar, que não pretende ser um saber acabado, mas o próprio trabalho do pensamento sempre em busca, aberto, crítico, reflexivo. A LIGAÇÃO HISTÓRICA ENTRE FILOSOFIA E EDUCAÇÃO Se ensinamos Filosofia ou filosofar, o fato é que veio a ser chamado de philo+sophia – “amizade ao saber” (Pitágoras) é um conceito que sempre esteve ligado ao ato de educação, ao pedagogo, à Paideia grega. Não se pode pensar filosofia sem pensar educação e vice-versa; não sabemos, pois, quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha. A Filosofia, desde os seus primórdios na Grécia Clássica, esteve sempre intimamente ligada com o ato de educar, o que vemos na Alegoria da Caverna de Platão, quando aquele que consegue se livrar das correntes e alcança a luz volta à caverna para ajudar os seus companheiros a também se libertarem, não entendemos por que até hoje continuamos a nos perguntar se devemos ou não introduzir a Filosofia nas escolas, na educação dos jovens. A própria Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles nascem como centros de formação e de discussões filosóficas, estudo, pesquisa científica, esportes e artes. Não havia, pois, esta separação entre as áreas do saber, entre Filosofia e Ciência, entre “física” e “metafísica”. Portanto, ao se questionar a Filosofia e o seu significado, ao indagarmos sobre os porquês de seu ensino, ao se falar sobre sua inutilidade ao ser comparada com as disciplinas técnico-científicas, não podemos fazê-lo a não ser a partir de pressupostos filosóficos, de visões de mundo, de posições políticas e ideológicas. Em suma, “não dá pra não filosofar”, mesmo quando se critica a filosofia. A QUESTÃO DOS CONTEÚDOS E DA METODOLOGIA PARA O ENSINO DE FILOSOFIA Como é próprio da reflexão filosófica, quando falamos de seu “ensino” já nos deparamos com questões de fundo filosófico, tais como: É possível ensinar Filosofia ou a filosofar? O que visamos ao trabalhar Filosofia com os jovens do Ensino Médio? Qual a especificidade do trabalho filosófico no currículo do Ensino Médio? Há conteúdos específicos ou tudo poder ser objeto da reflexão filosófica? Que metodologia empregar para desenvolver um trabalho produtivo e prazeroso com os nossos jovens? Se os professores de outras disciplinas também fazem estas perguntas, parece que elas se tornam obrigatória quando se trata do ensino de Filosofia. Por quê? Ao falarmos em “volta da filosofia” nesse grau de ensino, nos deparamos de início com as várias concepções sobre o próprio significado da Filosofia e de seu ensino. Como praticamente todos os professores renomados de filosofia no Brasil e no mundo concordam, não há uma Filosofia, mas sim filosofias...Então caímos no relativismo? Porém, embora não existam conteúdos pré-determinados para a elaboração do Plano de Ensino de Filosofia (e é bom que não haja), em função do próprio caráter da disciplina, é necessário que o professor escolha, a partir do vastíssimo referencial que a História da Filosofia apresenta, os conteúdos que achar mais adequados para servirem de “suporte” à construção da reflexão filosófica pelos alunos (estilo reflexivo). Daí o rigor com que deve ser tratado o aspecto metodológico. Aqui se trata do “recorte” na tradição filosófica ou a “seleção estratégica de conteúdos” (cf. FAVARETTO, Celso). O recorte a que nos referimos significa a opção que o professor deve fazer por alguns conteúdos (temas) e áreas, considerando a História da Filosofia como referencial obrigatório na formulação do Plano de Ensino. Não é qualquer assunto que se torna automaticamente um tema filosófico. Mas o professor fará o seu recorte de acordo com sua formação, interesse e o contexto onde ele e seus alunos se encontram situados; por que “discutir um assunto, filosoficamente, implica em ser interrogado por ele, para que a filosofia não seja reduzida a cadáver” (Celso Favaretto), isto é, um discurso vazio, estéril e desvinculado da experiência, do mundo real e da vida dos educadores e educandos. Lembramos novamente que estudar os textos dos filósofos em si mesmos poderá trazer, talvez, muita erudição, mas convenhamos que esta não é a tarefa da Filosofia no Ensino Médio. Aliás, isto vale para todas as disciplinas, já que no Médio, no dizer de D. Saviani, o conhecimento está a serviço da formação do aluno e não o contrário. Em outras palavras, não estamos, nesse grau de ensino, formando gramáticos, matemáticos, químicos, sociólogos, mas pessoas e cidadãos. A especialização deve vir depois. A esse respeito, a contribuição da Filosofia é decisiva! “Seja qual for o programa escolhido, não de pode esquecer que a leitura filosófica manifesta o essencial da atividade filosófica. Mas é preciso frisar que uma leitura não é filosófica só pelo fato de os textos serem de filósofos” (Proposta Curricular de Filosofia, SECENP - 1992, p.48). O filosofar incessante e permanente, à busca crítica do saber e da sabedoria é que Franklin Leopoldo e Silva, professor do Departamento de Filosofia da USP irá denominar “estilo reflexivo”. A especificidade do ensino de Filosofia se expressa exatamente pela questão de que o ato de “ensinar” filosofia não se confunde com a mera transmissão de conteúdos em si, mas com a aquisição, pelo aluno, de um modo peculiar de pensar que chamamos reflexão filosófica. “Esse estilo (...) pode ser ilustrado quando professor e alunos refazem o percurso da interrogação filosófica, identificando a maneira peculiar pela qual os filósofos construíram suas questões e suas respostas (histórica e socialmente situados), para que se possa também hoje problematizar questões e construir respostas originais no contexto histórico e social em que se situa o homem contemporâneo” (Proposta Curricular de Filosofia, SECENP - 1992, p. 20). Portanto, se o desenvolvimento do pensamento crítico não provém de genéricas discussões de temas e problemas, não provém também de uma coleção de conceitos, doutrinas, problemas e textos. O pensamento reflexivo é fruto de uma aprendizagem significativa, que “supõe o domínio e a posse dos procedimentos reflexivos, e não apenas de conteúdos”. (FAVARETTO, Celso). Todavia, a competência reflexiva não pode ser ensinado formal e diretamente, como uma técnica, como um mero exercício de raciocínio lógico, embora a lógica também seja importante para desenvolvê-lo. Filosofar não se reduz a uma ginástica intelectual ou a “arte de pensar”. A FUNÇÃO CRÍTICA E TRANSOFORMADORA DA FILOSOFIA “Os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo. Cabe agora transformá-lo” (MARX, Teses contra Feuerbach). Esta frase de Karl Marx à primeira vista parece negar o valor da Filosofia. Porém sabemos que ela estabelece, filosoficamente, o marco divisório entre o idealismo metafísico essencialista que dominou o pensamento ocidental até o século XIX e uma nova maneira de conceber o exercício do filosofar: a “filosofia da práxis”. A partir daí, somando-se o criticismo kantiano e a “filosofia a marteladas” (genealogia) de Nietzsche, entre outras vertentes contemporâneas, a Filosofia nunca mais foi a mesma...Embora muitos ainda naveguem nas águas da Metafísica e do Idealismo (!). O fato é que, hoje, pensar a Filosofia sem levar em conta as condições reais da existência dos alunos, dos jovens, sua formação, suas aspirações como pessoa e futuro cidadão, suas crises existenciais e sonhos, é certamente impossível. Ficar no “livre pensar é só pensar” de Millôr, é negar a necessária consequência prática do pensamento crítico: a transformação real da vida e do mundo, tanto na sua dimensão individual, pessoal, como na coletiva e social. Consideramos que o visado em filosofia é, em última instância, que o jovem adquira o hábito de refletir com rigor (método), radicalidade (com fundamento) e globalidade, indo às raízes das questões; que aprenda a pensar com a própria cabeça, mas de forma filosófica, ou seja, de forma crítica (cf. SAVIANI, 1980). É a isso que chamamos, na experiência da reflexão filosófica, adquirir o estilo reflexivo! “Não se deve iludir com o famoso adágio kantiano – “Não se ensina filosofia, mas filosofar” – para justificar o espontaneísmo de professores e alunos, o que tem muito pouco de filosófico” (Idem). Nestes dois mil e quinhentos anos de tradição filosófica (considerando a origem histórica do pensamento filosófico na Grécia – século VI A.C.), tantos filósofos, tantas questões levantadas – quantas respostas? Dúvidas? Tantas ainda a serem postas! Muitos temas tornaram-se clássicos na tradição filosófica, várias áreas se firmaram, algumas questões são perenes...Mas, como se diz, o filosofar se encontra mais em levantar questões do que em respondê-las; ou ainda: cada época e cada filósofo dá a sua resposta, pois parece que não se considera mais o “missão” da filosofia determinar “verdade absolutas”! Porém, como escreveu o Prof. Franklin Leopoldo e Silva: “O filósofo não é o homem das verdades absolutas, mas se recusa a ser, como político, o homem das certezas momentâneas”. Cabe a nós, filósofos e professores de Filosofia, manter acesa esta chama crítica e transformadora do pensar filosófico, principalmente no contexto da educação dos jovens, sem nunca se esquecer da frase atribuída ao que foi considerado o primeiro grande filosófico: “Eu sei que não sei”. E no reconhecimento de nosso não-saber é que se dá o princípio da sabedoria. BIBLIOGRAFIA GRETER, Francisco P. A especificidade do ensino de filosofia no 2o Grau, 1997. 115p. Dissertação (mestrado em educação), FEUSP. São Paulo; ROCHA, Ronai Pires. Ensino de filosofia e currículo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. KOHAN, Walther O. Filosofia: caminhos para o seu ensino. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta curricular para o ensino de filosofia: 2o Grau. São Paulo: SE/CENP, 1992. 63p.