Filosofia para todos? (Paloma Américo Costa) A pergunta central deste texto: jovens e crianças podem filosofar? Sabemos que a resposta não é simples, já que no meio acadêmico sofre preconceitos e não é foco de interesses; pois grandes e tradicionais correntes filosóficas negam essa possibilidade. A questão da possibilidade do ensino de filosofia já vem sendo discutida há muito tempo, Platão, no livro VII de A República, nos adverte para que crianças não se exponham a dialética, ao exercício do filosofar, pois ao não estarem preparadas, podem colocar em risco a integridade e a credibilidade da filosofia. Só depois de muito tempo de estudo (por volta dos trinta anos de idade) e de um meticuloso exame de seleção é que os mais capazes poderiam se iniciar nos estudos da dialética, tomando certas precauções. Acreditava-se que nem as mulheres teriam competência para adentrar o território da filosofia, somente no final do séc. XIX, é que as mulheres conseguem transpor essa barreira. A filosofia concebida no sentido acadêmico é tida como algo que não é simples, pois para se fazer filosofia seria preciso adentrar um universo complexo e repleto de termos técnicos, conhecer as várias tradições e sistemas de pensamento. A argumentação filosófica deveria ser bem elaborada, sofisticada, difícil. De fato, trilhando este caminho denso e tortuoso, a filosofia seria um trabalho para poucos iniciados, que só viriam a filosofar depois de um longo processo de estudos e acúmulo cultural. Nesse sentido, a filosofia seria um estudo para especialistas, uma elite filosófica, aceita por outros especialistas que galgaram este mesmo caminho. A exemplo dessa argumentação podemos citar Max Scheler que fazendo uma referência a Platão nos diz: “as massas nunca serão filósofas”. Homens que escolhem fazer parte dessa tradição trilham um caminho árduo, mesmo eles tendo muitas habilidades já desenvolvidas, como inserir jovens e crianças nesse meio? Dessa forma se tornaria realmente impossível. A filosofia para crianças não é essa mesma filosofia que nos foi apresentada. Gadotti pode contribuir na argumentação: “Uma filosofia para crianças e jovens não estaria preocupada em formar discípulos para perpetuar uma certa corrente filosófica, uma certa visão de mundo, mas para ajudar a pensar e transformar o mundo. Conceber a filosofia como uma especialidade é derrotá-la antes mesmo de iniciar a batalha por ela”. A filosofia surge de uma inquietação que nos conduz ao questionamento. Essas inquietações decorrem da necessidade (inerente a todo ser humano) de compreender o significado do mundo e de si mesmo, ou seja, do nosso dia-a-dia. A maioria de nós nos confrontamos com perguntas como: Quem eu sou? O que penso sobre mim? O que você pensa do mundo? Qual o sentido da vida? Nesse processo significamos e resignificamos, questionamos, e com isso surgem novos questionamentos. Construímos nossa visão de mundo em torno dessas relações que a todo tempo podem ser reelaboradas, pois as respostas são provisórias. Sabemos que nesse movimento podemos ir e recuar. O pensamento nos permite isso, nos dá essa liberdade. Observando as crianças podemos perceber que elas possuem essa inclinação natural ao questionamento, são curiosas, querem descobrir o mundo que está ao seu redor. Admiram-se com tudo e passam por esse processo do questionamento, querem saber como as coisas e as pessoas funcionam. Elas constroem um mundo e é por isso que é fundamental que elas aprendam a pensar e refletir , discutindo conceitos que façam parte de sua vida, e as ajudem a elaborar e significar esse mundo. As crianças podem estar mais próximas da filosofia do que muitos adultos, pois elas estão ligadas a essência do pensar filosófico. Essa primeira admiração. Os adultos com a “correria” e com suas preocupações cotidianas deixam de admirar-se com a existência, com o mundo. Segundo Aristóteles, em sua Metafísica, o espanto é o princípio da filosofia. Cito: “ ... en un principio móvio a los hombres a hacer las primeiras indagaciones filosóficas, fué, como lo es hoy, la admiración.” (ARISTÓTELES, 1943, p.19). Descartes também nos diz que a admiração está na raiz da dúvida, que nos impulsiona a busca da verdade, da clareza das idéias. As crianças têm essa capacidade de admirar o mundo, pois tudo é novo para elas, no processo de construir e significar. Não possuem suas certezas e valores estabelecidos. Estão sempre dispostas a destruir seus projetos de edifícios de conhecimento, colocá-los em xeque, para quem sabe, construir um totalmente diferente. Elas não têm problemas em desistir de seus conceitos, não têm verdades inquestionáveis, pois não vivem em mundos com sistemas fechados, não estão presas a dogmas. Elas não têm medo de não saber, de assumir a ignorância perante a determinadas coisas. As crianças e os jovens podem sim adentrar esse terreno da filosofia para ampliar cada vez mais as suas possibilidades de mundos. Vamos tentar descobrir como fazer isso sem romper com o exercício que é considerado filosófico (campo dos especialistas), sem cair também em um exercício de reflexão vazio e sem sentido.