coréia como primeira manifestação de lúpus - BVS SMS-SP

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Hospital do Servidor Público Municipal
CORÉIA COMO PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DE LÚPUS
ERITEMATOSO SISTÊMICO
LENITA ADRIANA MAZZI
São Paulo
2011
LENITA ADRIANA MAZZI
CORÉIA COMO PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DE LÚPUS
ERITEMATOSO SISTÊMICO
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Comissão de
Residência Médica do Hospital
do Servidor Público Municipal,
para obter o título da Residência
Médica.
Área: Clínica Médica.
Orientadora: Dra. Maria Vitória
de Brito Salgado.
São Paulo
2011
AUTORIZO A INCLUSÃO INTEGRAL DO TCC DE MINHA
AUTORIA NA BIBLIOTECA VIRTUAL EM SAÚDE DO MUNICÍPIO
DE SÃO PAULO.
______________________________
Lenita Adriana Mazzi
Residente de Clínica Médica
FICHA CATALOGRÁFICA
MAZZI, Lenita Adriana
Coréia como primeira manifestação de Lúpus Eritematoso
Sistêmico/ Lenita Adriana Mazzi – São Paulo 2011.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão de
Residência Médica do HSPM-SP, para obter o título de Residência
Médica, na área de Clínica Médica.
Descritores: 1. LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO. 2.
CORÉIA. 3. DEFINIÇÃO. 4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL. 5.
FISIOPATOLOGIA. 6. TRATAMENTO.
Lenita Adriana Mazzi
Coréia como primeira manifestação de Lúpus Eritematoso Sistêmico
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Hospital do Servidor Público
Municipal, para obtenção de título de Residência Médica.
Área: Clínica Médica.
Comissão Examinadora
Dr (a):
Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
Dr (a):
Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
Dr (a):
Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo
Data de aprovação: ______/________/_______
Agradecimentos,
À Dra. Maria Vitória pela
colaboração para a realização
deste trabalho.
Resumo
Introdução: O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) pode acometer o sistema
nervoso, apresentando inúmeras manifestações neurológicas e psiquiátricas,
no momento do diagnóstico ou durante o curso da doença. Dentre as
síndromes neurológicas, as menos comumente presentes são coréia,
neuropatia cranial e mielite transversa. A coréia ocorre em menos de 4% dos
casos de LES. Relato de caso: Paciente de 12 anos, que apresentou
odinofagia, febre, tosse e úlceras orais, evoluindo com quadro de movimentos
involuntários em membros superiores, perda de coordenação motora,
irritabilidade e fala empastada. De acordo com o quadro clínico-laboratorial e
faixa etária, inicialmente, foi feita a hipótese de febre reumática. Com a
presença de outros sinais clínicos, como : eritema malar, úlceras orais;
alterações laboratoriais (leucopenia; proteinúria >0,5g em 24h), associado ao
quadro neurológico, aventou-se como outra hipótese diagnóstica, LES, que,
posteriormente, foi confirmada. Paciente teve positividade para os seguintes
anticorpos: FAN, anti-DNA, anti-Sm, anti-U1RNP e anti-cardiolipina.
Inicialmente, foi tratada com corticóide, haloperidol e difosfato de cloroquina,
obtendo melhora clínica e laboratorial. Discussão: O LES é uma complexa
doença auto-imune, de etiologia multifatorial. A primeira manifestação pode
ocorrer em um único órgão ou sistema, retardando sua suspeita. No Lúpus
Juvenil, as manifestações neurológicas, em geral, e particularmente,
convulsões e coréia têm sido encontradas com maior freqüência do que nos
adultos. A coréia pode ser encontrada antes, após ou no momento do
diagnóstico. Apesar de rara, pode se apresentar como manifestação inicial do
LES, sendo importante afastar outras causas como diagnóstico diferencial.
PALAVRAS-CHAVES:
lúpus
neuropsiquiátricas, coréia.
eritematoso
sistêmico,
manifestações
Summary
Introduction: Systemic Lupus Erythematosus (SLE) can affect the nervous
system and present with many neurological and psychiatric manifestations at
the time of diagnosis or during the course of the disease. Among the
neurological syndromes, are the least commonly present: chorea, cranial
neuropathy and transverse myelitis. Chorea occurs in less than 4% of cases of
SLE. Case report: Patient 12, who had sore throat, fever, cough, oral ulcers,
evolving to involuntary movements of the upper limbs, loss of coordination,
irritability, and slurred speech. According to the clinical, laboratory and age were
initially made the hypothesis of rheumatic fever. With the presence of other
clinical signs, such as malar rash, oral ulcers, laboratory abnormalities
(leukopenia, proteinuria> 0.5 g in 24 hours), associated with neurological
symptoms, suggested as another diagnosis, SLE, which was later confirmed.
Patient was positive for the following antibodies: ANA, anti-DNA, anti-Sm, anticardiolipin and anti-U1RNP. Initially, she was treated with corticosteroids,
haloperidol and chloroquine diphosphate, achieving clinical and laboratory.
Talk: SLE is a complex autoimmune disease of multifactorial etiology. The first
manifestation may occur in a single organ or system, slowing your suspicion. In
Juvenile Lupus, neurological manifestations, in general, and particularly,
convulsions and chorea have been found more frequently than in adults.
Chorea can be found before, after or at the time of diagnosis. Although rare,
may present as the initial manifestation of SLE, it is important to rule out other
causes
such
as
differential
diagnosis.
KEYWORDS: lupus erythematosus, neuropsychiatric manifestations, chorea.
Sumário
1.
Introdução......................................................p. 7
2.
Relato de caso...............................................p. 7
3.
Discussão......................................................p. 12
4.
Referências Bibliográficas.............................p. 17
Introdução
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) pode acometer o sistema nervoso,
apresentando inúmeras manifestações neurológicas e psiquiátricas, ocorrendo
em 10 a 80% dos pacientes, no momento do diagnóstico ou durante o curso da
doença.1,2 As manifestações neuropsiquiátricas podem mimetizar sintomas
relacionados com outras doenças, uso de medicamentos ou distúrbios
funcionais.3 Dentre as síndromes neurológicas, as menos comumente
presentes são coréia, neuropatia craniana e mielite transversa.4 A coréia
ocorre em menos de 4% dos casos, usualmente acompanhada de outros
sintomas e, raramente como manifestação inicial da doença.5,6,7 Relatamos a
seguir, o caso clínico de uma paciente que apresentou como primeira
manifestação do LES, coréia.
Relato de caso
Paciente sexo feminino, 12 anos, estudante, natural e procedente de
São Paulo, assintomática até agosto de 2007, quando apresentou quadro de
odinofagia, febre, tosse e úlceras orais. Foi medicada inicialmente com
sintomáticos, sem melhora do quadro. Aproximadamente 13 dias após o início
dos sintomas acima relatados, paciente iniciou fraqueza em membros
inferiores, evoluindo com dificuldade para deambular, movimentos involuntários
em membros superiores, perda de coordenação motora (dificuldade para
escrever e para movimentos de preensão), irritabilidade e fala empastada,
momento em que a paciente procurou atendimento médico.
Ao exame físico apresentava-se em regular estado geral, corada,
hidratada, acianótica, anictérica, febril, normotensa, fala empastada. Ausculta
pulmonar e cardíaca sem alterações. Abdome sem alterações. Aparelho
locomotor
movimentos involuntários de membros superiores e inferiores;
marcha atáxica. Tegumento rash malar; alopécia em região parieto-occipital,
circular, 3,5 cm de diâmetro; gânglios em cadeias cervical, inguinal e axilar.
Cavidade oral: úlceras em palato superior e lábio inferior. Otoscopia: úlcera em
conduto auditivo direito. Ausência de sinais de irritação meníngea.
Os exames laboratoriais mostravam provas de atividade inflamatória
elevadas, anemia normocítica e normocrômica, leucopenia, hipoalbuminemia,
consumo de complemento 3 (C3) e 4 (C4), escórias nitrogenadas normais,
hipertrigliceridemia; anti-estreptolisina ASLO (232); eletroforese de proteínas
(proteína total: 5,8; alfa 1: 0,2; alfa 2: 1,1; beta: 0,7; gama: 2,0) – figura 1; urina
I (proteinúria 2+ e cilindros hialinos); proteinúria de 24 horas (8,4g);
líquor
(normal) – vide tabela 1.
Tabela 1: Exames da internação
Exames
Resultados
Exames
Exames
Uréia
Resultados
18
Exames
Hemoglobina
Creatinina
Sódio
Potássio
0,5
144
4,0
Resultados
Resultados
11,9
Hematócrito
34,5
VCM/ HCM*
84,8 / 29,2
Leucócitos
3.800
Plaquetas
152.000
Colesterol total
191
HDL-colesterol*
23
Proteínas totais:
albumina
LDL-colesterol*
122
Eletroforese de
proteínas
α1= 0,2; α2=1,1;
β=0,7; γ=2,0
Triglicérides
228
Proteína C reativa
<0,32
Líquor
Cl: 696; Glic: 62;
prot: 195; U: 21;
hemác.: 10,9; cel:
1,25; culturas - ;
citologia diferencial
não realizada.
VHS*
102
Proteinúria de 24h
Complemento 3
28,9
Complemento 4
0
Aslo*
232
Urina I
6,1/1,5
8,4g em 24h
pH: 6; d: 1,015;
prot: 2+; eritro:
47.000; leuco:
80.000; cilindros
hialinos 2+; cristais
de urato amorfo 2+.
*HDL-colesterol (lipoproteína de alta densidade); LDL-colesterol (lipoproteína de baixa densidade); (VHS
(velocidade de hemossedimentação); ASLO (anti-estreptolisina); VCM (volume corpuscular médio); HCM
(hemoglobina corpuscular média).
Figura 1: Eletroforese de proteínas
Os exames de imagem: radiografia de tórax (normal). Ecocardiograma:
incompetência de valva mitral de grau leve, ausência de vegetação. Tomografia
computadorizada de crânio: pequena dilatação, não hipertensiva, às custas de
quarto ventrículo; cisternas basais, fissuras Sylvianas e sulcos corticais
relativamente
alargados;
mega
cisterna
magna.
Ressonância
nuclear
magnética de crânio: imagens de limites imprecisos, com hipersinal em T2 e
em flair, dispersas na substância branca periventricular e em centros semiovais – gliose, doença desmielinizante associada a patologia de base;
acentuação dos sulcos e fissuras para a faixa etária – figura 2. Ultrassonografia
de abdome: hepatomegalia discretamente heterogênea. Ultrassonografia de
rins e vias urinárias: normal.
Figura 2: Ressonância nuclear magnética
Paciente foi submetida inicialmente, ao tratamento com corticóide,
penicilina benzatina e haloperidol. Apresentou melhora dos movimentos
involuntários, da incoordenação, da fala e da marcha, após três dias do início
das medicações.
Devido
a
presença
de
proteinúria,
hipoalbuminemia
e
hipertrigliceridemia, foi realizada a biópsia renal, evidenciando: proliferação
endocapilar discreta e difusa, atrofia tubular focal com fibrose intersticial
discreta e nefrite túbulo-intersticial focal.
No sexto dia de internação, com alterações laboratoriais presentes: FAN
1:1280, pontilhado fino; anti-DNA 1:20 ⁄ 1:40; anti-Sm e anti-cardiolipina
positivos; anti-RNP positivo (tabela 2), dos sinais e sintomas, preenchendo
critérios para LES; foi iniciado difosfato de cloroquina. Paciente evolui com
melhora importante do quadro clínico, recebendo alta , já assintomática e
apenas com eritema malar, após 13 dias do início da cloroquina.
Tabela 2: Tabela de anticorpos no diagnóstico
Anticorpos
Anticorpos
Resultado
Referência
Referência
Anti-DNA
Valores
1: 1280
(pontilhado
fino)
1: 20
Anti-Sm*
Reagente
Não reagente
Anti-coagulante lúpico
Negativo
Negativo
Anti-cardiolipina
IgM: 24;
IgG<10
IgM: 2080=moderadamente
reagente;
IgG<10=não
reagente
Anti-RNP*
Reagente
Não reagente
<10,9
<15
FAN*
Fator reumatóide
<1:80
<1:10
*FAN (fator anti-núcleo); Sm (Smith); Anti-RNP (anti-proteína ribonuclear).
Foi iniciado acompanhamento do caso no ambulatório de reumatologia.
Diante da gravidade do quadro, com comprometimento renal e manifestações
neurológicas, foi iniciada pulso de ciclofosfamida (total de 8) e após,
manutenção com azatioprina. Durante quinze meses, paciente manteve-se
estável, com doença remitida. Neste período, a paciente fez uso de: captopril,
haloperidol (por 9 meses), sinvastatina, corticóide, além dos medicamentos já
citados.
Em janeiro de 2009, paciente apresentou hematúria. A azatioprina foi
suspensa e a pulso de ciclofosfamida, reiniciada. Foram realizadas 6 pulsos,
com remissão clínica e para a manutenção, foi usado micofenolato mofetil.
Paciente tem se apresentado estável, completando 2 anos sem recidiva da
atividade da doença – tabela 3. No momento, está em uso de: prednisona,
captopril, difosfato de cloroquina, micofenolato mofetil.
Tabela 3: Comparação de exames da internação e seguimento.
Exames
FAN*
No diagnóstico
1:1280 (Pontilhado
fino)
Após 4 anos Referência
1:320 (pontilhado
fino)
<1:80
Não reagente
<1:10
Anti-DNA
1:20
C3*
28,9
91,3
90-180
C4*
0
15,7
10-40
Proteinúria 24h
8,4g
VHS*
102
37
Até 20 (mulheres)
<0,32
----
<0,8
PCR*
0
0,03-0,14g em 24h
*FAN (fator anti-núcleo); C3(fração C3 do complemento); C4(fração C4 do
complemento); VHS (velocidade de hemossedimentação); PCR (proteína C
reativa).
Discussão
A paciente descrita apresentou um quadro inicial de dor de garganta,
evoluindo com coréia. De acordo com o quadro clínico-laboratorial e faixa
etária, inicialmente, foi feita a hipótese de febre reumática. Como Critérios de
Jones Modificados, a paciente apresentava: coréia (critério maior); febre e
elevação de provas de atividade inflamatória (critérios menores), sendo
realizado tratamento com penicilina benzatina, corticóide e haloperidol. Diante
da presença de outros sinais clínicos, como: eritema malar, úlceras orais;
alterações laboratoriais (leucopenia; proteinúria >0,5g em 24h), associado ao
quadro neurológico, aventou-se como outra hipótese diagnóstica, LES, que,
posteriormente, foi confirmada, de acordo com os critérios propostos pelo
Colégio Americano de Reumatologia. A seguir, faremos uma revisão da
literatura com relação à ocorrência de coréia como primeira manifestação de
LES.
O LES é uma complexa doença auto -imune, de etiologia multifatorial.
Muitas observações sugerem que fatores genéticos, hormonais, imunológicos e
infecciosos, estejam envolvidos em sua patogênese.8,9 Caracteristicamente,
tem curso crônico e períodos marcados por remissão e exacerbação, com
maior prevalência no sexo feminino (10:1), durante idade reprodutiva (15-45
anos).9 Quando ocorre antes dos 16 anos, considerado como Lúpus Juvenil,
geralmente, tem apresentação e curso mais severos que no adulto. 10,11,12,13,14 A
primeira manifestação pode ocorrer em um único órgão ou sistema, retardando
sua suspeita. As manifestações podem aparecer isoladamente, de forma
consecutiva ou aditiva, no decorrer do tempo, notadamente, nos primeiros 5
anos.11
As manifestações neuropsiquiátricas do LES podem ocorrer no momento
do diagnóstico ou durante o curso da doença, podendo ser classificadas como:
doença primária e secundária.1,5,15 (tabela 4). As síndromes clínicas mais
freqüentes são: disfunção cognitiva (20-80%), AVC (19%), ataques (10-20%),
cefaléia (a mais comum) e neuropatia periférica (10-15%).15,16,17,18 As
síndromes mais raramente encontradas são: movimentos discoordenados,
neuropatia craniana, envolvimento ocular, meningite e mielite transversa. 4
Tabela 4: Manifestações neuropsiquiátricas de lúpus eritemoso sistêmico.
Neurológicas
Psiquiátricas
primárias
Vasculite, vasculopatia
(aterosclerose), embolia
(Libman-Sacks),
anticorpos antifosfolípides
Complicações secundárias
primárias
Psicose
Neurológico
Distúrbio cognitivo
Ataques : uremia,
medicações
Pseudo demência
Crises epilépticas
Migrânea
Mielite transversa
Neurite óptica
Meningite
Psicose
Demência
Alterações cognitivas
Neuropatias
doenças sistêmicas/crônicas
Ansiedade
Meningite: medicações
Infecções
Depressão
Cefaléia
Reação conversiva
Psiquiátrico: psicose,
depressão, hipomania,
coma, ansiedade,
desordem afetiva e de
movimentos.
No Lúpus Juvenil, as manifestações neurológicas, em geral, e
particularmente, convulsões e coréia têm sido encontradas com maior
freqüência do que nos adultos.10,11,19 Spinosa e col. mostraram que a coréia
estava presente em 6,4% dos pacientes com lúpus juvenil envolvidos em seu
estudo.10 Groothuis e col., mostraram em 28 casos de associação de coréia
com LES, que 75% dos pacientes tinham menos de 16 anos e 91% tinham
menos de 20 anos.20 Como manifestações na adolescência, podemos observar
ainda, deterioração progressiva da performance acadêmica, depressão e
isolamento social.21
Entre os distúrbios de movimento no LES, estão: coréia, ataxia,
coreoatetose, distonia e hemibalismo. Usualmente, ocorrem com outros sinais
de envolvimento orgânico ativo associados.2
A coréia caracteriza-se por movimentos involuntários de início abrupto,
explosivo, geralmente de curta duração, repetindo-se com intensidade e
topografia variáveis, assumindo caráter migratório e errático. Os movimentos
voluntários nos segmentos afetados, associados aos movimentos coréicos,
provocam interrupções e desvios de trajetória, gerando movimentos bizarros.
Acompanha-se de certo grau de hipotonia e os reflexos miotáticos tendem a
ser pendulares.22
O diagnóstico diferencial das síndromes coreicas inclui diversas
afecções, como: doenças infecciosas, degenerativas, distúrbios metabólicos,
uso de medicamentos (anticonvulsivantes, lítio, estrogênios, anfetaminas), e
ocasionalmente, doença auto-imune ou doença colagenosa vascular, em que
há um aumento da circulação de auto-anticorpos. 5,22
De modo geral, podemos diferenciar as síndromes em: agudas
(reumática) e crônicas progressivas familiares (doença de Huntington). Nos
casos de coréia aguda, a investigação é centrada nos exames de bioquímica,
dosagem
hormonal,
provas
reumatológicas
e
pesquisa
de
uso
de
medicamentos. A coréia de Sydenham é a forma aguda mais comum e por
apresentar manifestações clínicas semelhantes à de LES, constitui o principal
diagnóstico diferencial.22 O curso evolutivo e os dados laboratoriais, no entanto,
levam ao diagnóstico correto, como foi visto no caso relatado. O estudo do
líquor é fundamental para se excluir processo infeccioso.
A coréia tem ocorrido em menos de 4% dos pacientes com LES. Destes
50% desenvolvem após o diagnóstico, 25% antes e 25% no momento do
diagnóstico. Acomete pacientes de qualquer idade, notadamente antes dos 30
anos. Coréia generalizada ou hemicoréia são mais comuns e usualmente
transitórias, durando de 3 dias a 3 anos. Sua recorrência é observada em 25%
dos casos e raramente, é permanente.5 Schur e col. relataram três casos de
coréia, que se resolveram entre duas a seis semanas, sem tratamento
específico.15
Existem três mecanismos possíveis envolvidos na fisiopatologia da
coréia mediada por anticorpos: 1) anticorpos gerando uma vasculopatia
inflamatória cerebral, resultando em isquemia permanente ou transitória nos
gânglios da base; 2) disfunção neuronal resultante da deposição de
imunocomplexos com inflamação e efeito das citocinas; 3) efeitos imunes e não
imunes de infecção, toxinas e distúrbios metabólicos.5,23,24 Estas alterações
geram lesões no núcleo caudado ou putâmen, resultando em desinibição do
globo pálido externo. Em pacientes submetidos a exames de imagem cerebral,
a ressonância nuclear magnética é capaz de encontrar mais anormalidades
que a tomografia. A localização das lesões, no entanto, não explica a coréia.
Alguns pacientes com coréia tem imagem normal, e alguns pacientes com LES,
sem coréia, tem alterações nos exames de imagem.5,25
A associação das manifestações neuropsiquiátricas (coréia, cefaléia,
mielite, ataques, AVC) com anticorpos antifosfolípides tem sido observada em
alguns estudos.7,26,27,28,29 Asherson e col. relataram 12 casos de coréia em
lúpus. Em nove destes pacientes, antifosfolípides foram detectados em algum
estágio da doença.18 Avcin e col. evidenciaram associação positiva entre LAC
(anticorpo anticoagulante
lúpico)
e coréia em crianças, apenas
28
apresentação, e não, no seguimento.
na
Barbosa e col. mostraram que de 64
pacientes, os três pacientes que apresentaram coréia tinham anticoagulante
lúpico positivo, o que sugere associação entre tal manifestação e a presença
do anticorpo.19 Os anticorpos antifosfolípides predispõem à trombose arterial ou
venosa, através da inibição da proteína C e atividade da prostaciclina e anti trombina III, afetando a membrana das plaquetas.5 Estas alterações são
responsáveis por fenômenos trombóticos arteriais ou venosos, perdas fetais de
repetição
e,
provavelmente,
acometimento
neurológico
e
hipertensão
pulmonar.7,29
O tratamento da coréia no lúpus tem sido proposto baseado no uso de
corticóide e terapias imunossupressoras, além de terapia sintomática com
antagonistas de dopamina 5,23,30 No caso relatado, foi inicialmente, introduzido o
haloperidol e prednisona, ajustando-se as doses de acordo com a necessidade
de controle dos sintomas. Com doses baixas de haloperidol, houve resposta
satisfatória. A introdução do imunossupressor, direcionando o tratamento do
LES, contribuiu para a melhora do quadro.
Concluímos que o lúpus eritematoso sistêmico pode ter como
manifestação inicial, acometimento de sistema nervoso central, como a coréia,
apesar de sua incidência ser rara, e pode gerar confusões de acordo com o
quadro clínico em que se aflora, sendo importante afastar outras causas como
diagnóstico diferencial.
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