Desindustrialização e a ortodoxia Um mundo à deriva

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Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 26/4/2012 (20:23) - Página 15- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW
Enxerto
Quinta-feira, 26 de abril de 2012
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Valor
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A15
Opinião
Desindustrialização e a ortodoxia
José Luis Oreiro
R
ecentemente alguns expoentes do pensamento ortodoxo ainda prevalecente no Brasil
trouxeram à baila a velha cantilena de que a injustiça social reinante em nosso país é resultado
das políticas desenvolvimentistas em voga desde a era Vargas,
que protegeram o setor industrial, atuando assim como catalizador de um processo injusto de
redistribuição de renda da maioria da sociedade para alguns
poucos setores privilegiados da
economia brasileira. O governo
da presidente Dilma Rousseff estaria, portanto, reeditando os erros do passado ao adotar medidas de proteção da indústria nacional, as quais só irão gerar ineficiência na alocação de recursos
e piora na distribuição de renda.
Ainda segundo os representantes de nossa ortodoxia, a industrialização só se justificaria
com base na tese da “deterioração
secular dos termos de troca”, ou
seja, num contexto em que os
preços dos bens primários apresentam uma tendência secular de
redução comparativamente aos
preços dos bens industriais. Como nos últimos anos os preços
dos bens agrícolas têm aumentado relativamente aos preços dos
bens industriais, então a indústria teria perdido a sua funcionalidade para o desenvolvimento
de países como o Brasil.
Por fim, os paladinos da ortodoxia argumentam que a desvalorização cambial requerida para devolver a competitividade da indústria brasileira, se factível, levaria a
uma redução permanente do salário real dos trabalhadores, sendo
assim incompatível com os interesses das classes trabalhadora.
Essa argumentação da ortodoxia é falaciosa, pois se baseia em
premissas incorretas e/ou em interpretações equivocadas a respeito dos fundamentos do pensamento desenvolvimentista.
Primeiramente, devemos ressaltar que atribuir à industrialização a culpa pela péssima distribuição de renda prevalecente em
nosso país é, no mínimo, desconhecer a história do Brasil. Para
vergonha de todos os brasileiros,
nosso país foi o último lugar do
mundo a acabar com a escravidão, ao final do século XIX, e isso
por uma iniciativa pessoal do imperador D. Pedro II e de sua filha,
a princesa Isabel (o que lhes custou o fim da monarquia). Além
disso, a estrutura fundiária prevalecente no Brasil, definida desde os tempos das capitanias hereditárias, era (e ainda é) altamente concentrada.
Num contexto em que a propriedade era concentrada nas
mãos de poucos e onde até quase
o final do século XIX a esmagadora maioria da força de trabalho não recebia qualquer tipo de
remuneração, não é de estranhar
que a distribuição de renda seja
altamente concentrada na forma
de rendimentos de propriedade
(lucros, aluguéis, renda da terra)
e, portanto, nas mãos de uma pequena minoria da população.
Ainda que desconsideremos as
causas históricas da concentração de renda no Brasil, deve-se ter
em conta que nas fases iniciais do
processo de desenvolvimento
econômico, quando a mão de
obra é transferida dos setores de
baixa produtividade (agricultura
e mineração) para os setores de
alta produtividade (indústria), os
salários reais tenderão a crescer
abaixo da produtividade do trabalho devido ao excesso estrutural de força de trabalho.
Nessas fases iniciais do processo de desenvolvimento, a participação dos salários na renda ten-
de a permanecer estagnada ou a
cair, o que gera uma tendência a
concentração da distribuição
pessoal da renda. Essa tendência
à concentração de renda será revertida quando a economia alcançar o chamado “ponto de
Lewis”, ou seja, quando o “exército industrial de reserva” for esgotado devido ao desenvolvimento
das forças produtivas do capitalismo industrial. Isso requer o
término do processo de migração rural-urbano e a absorção da
mão de obra existente pelos setores modernos da economia.
Atribuir a culpa
pela má distribuição de
renda à industrialização
é, no mínimo,
desconhecer a história
Em segundo lugar, a defesa da
industrialização não depende unicamente da validade da “tendência a deterioração dos termos de
troca”. Com efeito, a indústria é o
motor de crescimento de longo-prazo das economias capitalistas por ser a fonte das economias
estáticas e dinâmicas de escala, o
setor que possui os maiores encadeamentos para frente e para trás
na cadeia produtiva e ser a fonte
ou o principal difusor do progresso técnico para o restante da eco-
nomia. Nesse contexto, abrir mão
da indústria significa condenar o
país a um crescimento medíocre,
se tanto, no longo prazo.
Em terceiro lugar, é verdade que
a desvalorização da taxa real de
câmbio produz uma redução do
salário real, mas essa redução é
apenas de caráter temporário. Isso
porque se a desvalorização cambial for bem-sucedida, ela será capaz de, a médio e longo prazo, restaurar a dinâmica da economia,
acelerando o crescimento do produto e da produtividade do trabalho. Se o ponto de Lewis tiver sido
alcançado isso permitirá um crescimento mais rápido dos salários
reais, fazendo com que, num intervalo curto de tempo, os trabalhadores mais do que compensem as
perdas salariais.
Por fim, a desvalorização cambial não requer unicamente um
aumento do superávit primário
como afirmam os expoentes de
nossa ortodoxia. Como boa parte
da apreciação cambial brasileira
deve-se à doença holandesa, a introdução de um imposto sobre a
exportação de commodities, à
semelhança do que a Austrália
fez recentemente, atuaria de forma decisiva na eliminação da sobrevalorização cambial.
José Luis Oreiro é professor do
departamento de economia da
Universidade de Brasília. [email protected].
Economias emergentes podem ajudar com recursos, mas querem mais poder. Por Jeffrey D. Sachs
Um mundo à deriva
O
s encontros anuais de
primavera (no hemisfério Norte) do Fundo
Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial proporcionaram uma oportunidade
para observar duas tendências
fundamentais que vêm guiando
a economia e a política mundial.
A geopolítica afasta-se de forma
decisiva de um mundo dominado por Europa e EUA para um
com várias potências regionais,
sem líder mundial. E uma nova
era de instabilidade econômica
está próxima, decorrente tanto
dos limites ao crescimento como
da turbulência financeira.
A crise econômica europeia
dominou os encontros deste ano
do FMI e Banco Mundial. O FMI
busca criar um mecanismo de
resgate emergencial para o caso
de as economias europeias, fragilizadas, precisarem de outro pacote de auxílio financeiro e voltou-se às grandes economias
emergentes — Brasil, China, Índia, aos exportadores de petróleo do Golfo Pérsico e outros —
para ajudar a fornecer os recursos necessários. A resposta deles
foi clara: sim, mas apenas em troca de maior poder e mais direito
a voto no FMI. A União Europeia
(UE) quer um escudo financeiro
internacional; terá de concordar.
A demanda das economias
emergentes por mais poder, naturalmente, já é uma história
bem conhecida. Em 2010, na ocasião anterior em que o FMI aumentou seus recursos financeiros, os países emergentes aceitaram o acordo apenas depois de
ver seu direito a voto no FMI ser
aumentado em 6%, com a Europa
perdendo cerca de 4%. Agora, os
mercados emergentes exigem
poder ainda maior.
Não é difícil entender qual é o
motivo básico. De acordo com os
próprios dados do FMI, os atuais
membros da UE representavam
31% da economia mundial em
1980 — calculado a partir do Produto Interno Bruto (PIB) de cada
país, ajustado pela paridade de
poder de compra. Em 2011, a
proporção caiu para 20% e o FMI
projeta que até 2017 diminuirá
ainda mais, para 17%.
O declínio reflete o baixo crescimento da Europa tanto em termos de população como de produção por pessoa. Por outro lado,
a participação dos países em desenvolvimento asiáticos, como
China e Índia, no PIB mundial,
aumentou de cerca de 8% em
1980 para 25% em 2011 e deverá
chegar a 31% em 2017.
Nosso mundo
interconectado e
superpovoado
tornou-se uma
embarcação muito
complicada de navegar.
Para que sigamos
adiante, precisamos
começar a remar na
mesma direção, mesmo
sem ter um capitão
único na direção.
Os EUA, em atitude típica dos
tempos atuais, garantem que
não se juntarão a nenhum novo
pacote de auxílio do FMI. O Congresso dos EUA vem adotando
políticas econômicas cada vez
mais isolacionistas, especialmente no que se refere a auxílio
financeiro a outros países. Isso,
também, reflete a diminuição do
poder dos EUA no longo prazo. A
participação dos EUA no PIB
mundial, em torno a 25% em
1980 caiu para 19% em 2011 e deverá passar a 18% em 2017, ano
em que o FMI prevê que a China
terá superado a economia americana em tamanho absoluto
(ajustado pela paridade do poder de compra).
A transferência de poder global, no entanto, é mais complexa
do que apenas uma questão de
declínio do Atlântico Norte (UE e
EUA) e a ascensão das economias
emergentes, especialmente o
Brics (Brasil, Rússia, Índia, China
e África do Sul). Também estamos passando de um mundo
unipolar, liderado principalmente pelos EUA, para um mundo genuinamente multipolar,
em que EUA, UE, Brics e potências menores (como Nigéria e
Turquia) possuem peso regional,
mas são reticentes em assumir liderança global, especialmente
pelos encargos financeiros que
isso acarretaria. A questão não é
apenas o fato de haver cinco ou
seis grandes potências atualmente; também é que todas querem avançar à custa das outros.
A passagem para um mundo
multipolar tem a vantagem de
que nenhum país ou bloco pequeno pode dominar os outros.
Cada região pode acabar tendo
espaço de manobra para encontrar seus próprios caminhos. Um
mundo multipolar, no entanto,
também traz riscos, especialmente o fato de que importantes
desafios mundiais não serão
abordados, porque nenhum país
ou região é capaz de coordenar
uma reação mundial ou mesmo
de participar de uma.
Os EUA passaram rapidamente da liderança global para esse
tipo de tentativa de avançar à
custa dos outros, parecendo ter
contornado o estágio de cooperação mundial. Os EUA, dessa
forma, atualmente se eximem da
cooperação mundial sobre mudanças climáticas, dos pacotes de
auxílio financeiro do FMI, das
metas de apoio ao desenvolvimento mundial e de outros pontos de colaboração mundial para
proporcionar bens públicos
mundialmente.
A fragilidade da cooperação
em políticas globais é especialmente preocupante diante da
gravidade dos desafios que precisam ser enfrentados. A atual crise
financeira, é claro, vem logo à
mente, mas há outros desafios
ainda mais significativos.
Os encontros do FMI e Banco
Mundial, na verdade, também
abordaram um segundo desafio
fundamental na economia mundial: a alta volatilidade e os altos
preços das commodities primárias são atualmente uma grande
ameaça para a estabilidade e crescimento econômico mundial.
Desde 2005, os preços das
principais commodities dispararam. O petróleo, carvão, cobre,
ouro, trigo, milho, minério de
ferro e muitas outras commodities dobraram, triplicaram ou subiram ainda mais. A tendência
de alta incluiu combustíveis,
grãos e minerais. Alguns atribuíram a elevação a bolhas nos preços, amplificadas pelas baixas taxas de juros e facilidade de crédito para a especulação com commodities. A explicação mais convincente, no entanto, é quase certamente ligada a fundamentos.
O problema, no entanto, vai
além de limitações na oferta. O
crescimento econômico mundial
também provoca uma crise ambiental cada vez maior. Os preços
dos alimentos estão elevados
atualmente, em parte porque regiões produtoras por todo o
mundo sofrem com os impactos
adversos de mudanças climáticas
induzidas pelo homem (como
mais secas e tempestades mais
graves) e da escassez de água, decorrente do uso excessivo de água
doce de rios e aquíferos.
Em resumo, a economia mundial passa por uma crise de sustentabilidade, na qual as limitações de recursos naturais e as
pressões ambientais vêm provocando grandes choques nos preços e instabilidade ecológica. O
desenvolvimento
econômico
precisa rapidamente tornar-se
um desenvolvimento sustentável, adotando tecnologias e estilos de vida que reduzam as pressões nocivas sobre os ecossistemas da Terra. Isso, também, vai
exigir um grau de cooperação
mundial ainda não visto em nenhum lugar.
Os encontros do FMI e Banco
Mundial nos lembram de uma
verdade predominante: nosso
mundo interconectado e superpovoado tornou-se uma embarcação muito complicada de navegar. Para que sigamos adiante,
precisamos começar a remar na
mesma direção, mesmo sem ter
um capitão único na direção.
(Tradução de Sabino Ahumada)
Jeffrey D. Sachs é professor de
economia e diretor do Instituto Terra, da
Columbia University. É também assessor
especial do secretário-geral das Nações
Unidas no tema das Metas de
Desenvolvimento do Milênio. Copyright:
Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Frase do dia
“Não está na
hora de
aumentar o
preço dos
combustíveis”
Da presidente da Petrobras, Maria
das Graças Foster, ao dizer que as
oscilações do preço internacional
do barril do petróleo não afetam os
investimentos da companhia e não
são o único critério para avaliar
reajustes internos. Mas afirmou
que a estatal pode aumentá-lo caso
o barril ultrapasse US$ 130.
Cartas de
Leitores
Sem pão nem brioche
O poder político francês pulverizado ou, em outras palavras, o
povo e as correntes políticas que
pretendem representá-lo, sem
exceção, ficaram atordoados
(editorial de ontem). Sarkozy
perdeu votos não só por sua incontinência pessoal, que provocou ojeriza em grande parte do
eleitorado, mas por atrelar-se a
Ângela Merkel num sentido insuportável para os franceses.
Boa parte da história da Europa
antepôs a França à Alemanha,
que mantinham suas posições
de força ainda que tivessem de
renegar seus dogmas, como o
fez o cardeal Richelieu, ao subestimar seus princípios cristãos
para opor-se ao povo do norte. A
receita de Hollande é demagógica e incapaz de segurar a comunidade europeia em sua queda
ladeira abaixo.
Os partidos menores, tanto de
esquerda quanto de direita, atiraram indiscriminadamente, o
que lhes importava mesmo era
captar votos em momentos de
crise, porque sabiam que jamais
lhes seriam carreados em tempos de primavera econômica.
Nau sem rumo, sem porto, em
mar bravio, eis a velha França de
Maria Antonieta em 2012.
Amadeu R. Garrido
[email protected]
Neymar
A Câmara Municipal de São Paulo vai dar o título de cidadão
paulistano ao jogador Neymar,
do Santos. Sou santista desde
criancinha, mas me pergunto
quais foram exatamente os relevantes serviços prestados à cidade pelo jogador. E ele nem nasceu em São Paulo, mas em Mogi
das Cruzes. Melhor fariam os senhores vereadores se olhassem
para a cidade de São Paulo com
mais atenção e parassem de distribuir títulos por aí afora.
José Paulo Ramos
[email protected]
Cotas
O Supremo Tribunal Federal
(STF) está julgando a constitucionalidade da política de cotas em
instituições de ensino no Brasil.
Quem contesta o programa argumenta que trechos da lei que o
criou ofendem os princípios
constitucionais da igualdade e
da isonomia. O tema, dizem, foi
amplamente discutido em audiências públicas realizadas pelo
Supremo em março de 2010. Eu
acho que usar apenas a questão
racial como critério é insuficiente. Vivemos em uma sociedade
muito desigual e por isso deveria
ser levado em conta também a
renda do candidato. Com essas
duas condições talvez a lei possa
ser mais justa e atender a todos
os estudantes que precisam realmente desse tipo de incentivo.
Luiz Mariano
[email protected]
Ilícito
E eu que pensava que enriquecimento ilícito, por ser ilícito e fruto de roubo, já fosse crime e punível como tal!
Silvano Corrêa
[email protected]
Correspondências para
Av. Francisco Matarazzo, 1.500 Torre New York - CEP 05001-100 Água Branca - SP ou para
[email protected], com nome,
endereço e telefone. Os textos
poderão ser editados.
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