MicroRNAs: Novos Biomarcadores para Cancro da Próstata Ana Luísa Teixeira1,2*, Joana Silva1,2*, Rui Medeiros1,2 1 Grupo de Oncologia Molecular- CI, Instituto Português de Oncologia do Porto FG, EPE Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, Universidade do Porto * Estes autores contribuíram de igual modo na elaboração do presente trabalho 2 Resumo Os miRNAs representam uma nova abordagem no diagnóstico/prognóstico de diversas patologias humanas. Estas moléculas consistem em pequenas sequências de RNA não codificantes, que actuam como silenciadores da expressão genética, actuando sobre mRNAs-alvo. Apesar do estudo de miRNAs ser algo recente, a sua expressão anómala tem vindo a ser relacionada com diversas neoplasias, nomeadamente com CaP, podendo estas moléculas funcionar como oncogenes ou genes supressores tumorais. Desta forma, os miRNAs desempenham um importante papel na carcinogénese, assumindo-se de futuro como uma importante ferramenta na estratificação de grupos com impacto no diagnóstico e no prognóstico de CaP. Abstract miRNAs represent a new approach in the diagnosis/prognosis of several human diseases. These molecules consist in small non-coding RNAs sequences that negatively regulate gene expression by inhibiting translation of target mRNAs. Despite the miRNAs study is somewhat recent, the aberrant expression of these molecules has been associated to several tumors, namely prostate cancer, where they may act as oncogenes or tumor suppressors. In this manner, miRNAs have an important role in carcinogenesis, representing a potential tool to identify groups with different impact in prostate cancer diagnosis and prognosis. Introdução A elevada heterogeneidade apresentada pelo cancro da próstata (CaP), torna relevante o estudo das vias moleculares envolvidas no seu desenvolvimento/progressão, bem como a identificação de genes chave envolvidos nas diferentes etapas da história natural da doença. (Ferlay et al. 2010) A aplicação do antigénio específico da próstata (PSA) como biomarcador permitiu grandes avanços na detecção de CaP, sendo actualmente utilizado no programa de rastreio da doença. No entanto, ainda existem alguns problemas relacionados com a sua utilização, nomeadamente no que diz respeito aos valores de sensibilidade e especificidade (Steuber et al. 2007). Os níveis de PSA no soro, o estadiamento do tumor primário e o grau de Gleason apresentam limitações quando usados como factores preditivos do outcome do doente, tornando-se relevante a identificação de novos marcadores de diagnóstico e de agressividade. A utilização de marcadores mais sensíveis e específicos será uma estratégia adequada na escolha de abordagens terapêuticas mais efectivas, em especial no tratamento de estadios avançados de desenvolvimento da doença. Deste modo, torna-se importante a descoberta de novos biomarcadores que ajudem no diagnóstico e prognóstico do CaP, de forma a evitar o seu desenvolvimento/progressão para doença metastática, possibilitando também o desenho de novas terapias mais efectivas e individualizadas. Recentemente, têm surgido evidências que suportam um importante papel dos microRNAs (miRNAs) no diagnóstico e prognóstico de diferentes neoplasias. Estas moléculas consistem em pequenos RNAs não codificantes, com cerca de 18 a 25 nucleótidos de comprimento, e que actuam como reguladores da expressão de genes envolvidos em processos celulares fundamentais tais como desenvolvimento, diferenciação, proliferação, sobrevivência e morte (Ambros 2004). Biogénese de miRNAs Os miRNAs são normalmente transcritos através da acção da RNA polimerase II, resultando em transcritos primários de tamanho variável (normalmente entre 1kb e 3kb), denominados pri-miRNAs (Lee et al. 2004) (Figura 1). Estes pri-miRNAs são posteriormente clivados ainda no núcleo pela RNase III, Drosha e o seu co-factor DGCR8 (do inglês DiGeorge syndrome critical region gene 8), resultando em moléculas precursoras do miRNA maduro, com cerca de 70-100 nucleótidos, denominadas pré-miRNAs (Lee et al. 2003), que são por sua vez transportadas do núcleo para o citoplasma através da exportina 5 (Exp5) (Bohnsack et al. 2004). Chegado ao citoplasma, o pré-miRNA é processado por outra ribonuclease, Dicer, originando um miRNA de dupla cadeia, maduro e com comprimento variável (18-25 nucleótidos). Este produto é depois incorporado num complexo multimérico denominado RISC (do inglês RNA-induced silence complex), que inclui as proteínas argonautas como principais componentes, juntamente com outros factores proteicos (Garzon et al. 2010). Apenas uma das cadeias do miRNA permanece no complexo RISC para controlar a expressão dos genes-alvo, enquanto a outra cadeia é normalmente degradada (Schwarz et al. 2003). Modo de regulação dos miRNAs A regulação exercida pelos miRNAs depende do grau de complementaridade entre estes e os respectivos genes-alvo. Quando o miRNA e a sequência-alvo do RNA mensageiro (mRNA) apresentam uma complementaridade perfeita, o complexo RISC induz a degradação do mRNA. Caso ocorra o emparelhamento imperfeito entre o miRNA e a sequência alvo de mRNA, a tradução proteica é bloqueada (Bartel 2009). Independentemente do evento que ocorra, o resultado final é um decréscimo na quantidade de proteínas codificadas pelos mRNA alvos. Uma vez que o emparelhamento completo entre miRNAs e genes-alvo não é uma condição essencial para a sua acção, cada miRNA pode regular um grande número de genes (em média cerca de 500 para cada família de miRNAs) (Garzon et al. 2010). Desta forma, os miRNAs desempenham um papel fundamental na regulação da sinalização celular, constituindo poderosas ferramentas para a sua compreensão. Análises bioinformáticas prevêem que a região 3’ UTR de um único gene serve frequentemente de alvo para diferentes miRNAs (Lewis et al. 2003. Krek et al. 2005). Muitas destas previsões têm sido confirmadas experimentalmente, sugerindo que os miRNAs possam cooperar para regular a expressão genética (Ivanovska e Cleary 2008). Para além dos mecanismos de regulação genética por interacção de miRNAs com as regiões 3’ UTR anteriormente referidos, existem outros, não tão bem estabelecidos, que têm vindo a surgir, nomeadamente a capacidade dos miRNAs em se ligarem a ribonucleoproteinas, bem como ao próprio DNA (Eiring et al. 2010, Beitzinger e Meister 2010, Khraiwesh et al. 2010, Gonzalez et al. 2008 e Kim et al. 2008). De um modo geral, estes dados revelam a complexidade e vasta regulação da expressão genética por parte dos miRNAs, que se deve ter em conta quando de desenvolvem terapias baseadas neste tipo de moléculas. miRNAs e Cancro O desenvolvimento neoplásico resulta da acumulação de múltiplos eventos genéticos e epigenéticos que resultam na desregulação de genes e proteínas. A apoptose, o ciclo celular, a adesão celular, a estabilidade cromossómica e a reparação de DNA são processos frequentemente desregulados durante a carcinogénese. Atendendo à função dos miRNAs como reguladores de diferentes vias, coordenando respostas integradas nas células e tecidos normais, supõe-se que estes também desempenhem um papel chave na coordenação do desenvolvimento neoplásico (Quadro I). O padrão de expressão de miRNAs tem se revelado como uma ferramenta muito útil da classificação tumoral, atendendo ao estadio de diferenciação e tecido de origem, podendo também para fins de diagnóstico ser mais facilmente associado com a função de um gene do que RNAs mensageiros, uma vez que não necessitam de ser traduzidos em proteína para exercerem o seu efeito biológico (Siva et al. 2009). Vários estudos demonstraram que tecidos malignos provenientes de doentes com cancro exibem padrões de expressão de miRNAs distintos, existindo uma relação com o tipo de neoplasia apresentada, o que sugere a existência de possíveis assinaturas genéticas capazes de identificar tumores específicos (Lu et al. 2005 e Volinia et al. 2005). Isto conduziu à hipótese que miRNAs possam actuar como oncogenes ou genes supressores tumorais. A sobre-expressão de miRNAs poderá funcionar como oncogene por sub-regular genes supressores tumorais e/ou genes que controlam a diferenciação celular e apoptose. Por outro lado, a sub-expressão de miRNAs poderá comportar-se como gene supressor tumoral, regulando negativamente oncogenes e/ou genes que controlam a diferenciação celular e apoptose (Zhang et al. 2007 e Croce et al. 2008). Por outro lado, foi também descoberto que genes que codificam miRNAs se encontram frequentemente localizados em zonas frágeis e de perda de heterozigotia, em zonas de amplificação e ainda em breakpoints associados ao cancro (Calin et al. 2004). Apesar dos avanços recentes na compreensão dos mecanismos adjacentes à desregulação de miRNAs, a principal tarefa passa por elucidar o papel biológico dos miRNAs na iniciação e no desenvolvimento tumoral. Detecção de miRNAs em circulação associados ao CaP O estudo do perfil de miRNAs em diferentes tecidos tem revelado que este são altamente informativos e mais preditivos do que a caracterização de mRNA. Actualmente, ainda é limitado o número de estudos sobre o papel de miRNAs na regulação do CaP, ao contrário do que acontece em outros modelos neoplásicos. Não existindo consenso relativamente ao perfil de expressão de miRNAs associado especificamente a CaP, existindo alguns estudos inconclusivos e alguma inconsistência de resultados (Coppola et al. 2010). Contudo, já se encontra estabelecido que diferentes miRNAs possam estar desregulados no CaP encontrando-se sobre-expressos ou sub-expressos. MiRNAs como o Let-7c, mir-195, mir-203, mir-125b, mir-221, mir-222 encontram-se sobreexpressos enquanto os mir-143, mir-145, mir-128a, mir-146a, mir-126 estão subexpressos (Ruan et al. 2009), verificando-se que em diferentes fases da doença ocorre alterações da expressão de miRNAs específicos (Figura 2). A detecção de ácidos nucleicos em circulação é uma das abordagens mais promissoras no diagnóstico precoce de neoplasias malignas. Desregulações na expressão de miRNAs em vários tecidos tem sido associada a uma grande variedade de neoplasias malignas. Num estudo realizado por Chen e colaboradores (Chen et al. 2008), verificou-se que o perfil de miRNAs em circulação era significativamente diferente quando se comparava doentes com cancro colo-rectal e indivíduos normais. Trabalhos desenvolvidos por Porkka e colaboradores (Porkka et al. 2007) demonstram ser possível diferenciar carcinomas de próstata de hiperplasia benigna da próstata atendendo ao perfil de expressão de miRNA, assim como classificar os tumores de acordo com a sua dependência androgénica. Verificando-se que a avaliação dos níveis de miRNAs no soro ou plasma são mais estáveis, reproduzíveis e consistentes do que o estudo de outros ácidos nucleicos em circulação. Os miRNAs surgem como uma classe ideal de biomarcadores uma vez que 1) a sua expressão é aberrante em casos de cancro, 2) há a ocorrência de perfis de expressão tissue-specific, 3) são moléculas estáveis, existindo evidências da sua adequada preservação em amostras de tecidos fixados em parafinas assim como em amostras congeladas. A associação da expressão aberrante de miRNAs durante a carcinogénese e a caracterização funcional de alguns miRNAs também tem demonstrado a utilidade da utilização de miRNAs como alvos para a realização de terapias dirigidas. A utilização do anti-miRNA 2-O-metil dirigido ao onco-miR-21 demonstrou capacidade de diminuir tumores mamários (Heneghan et al. 2009). Os miRNAs surgem assim como importantes intervenientes da oncogénese, assumindo-se de futuro como uma importante ferramenta na estratificação de grupos com impacto no diagnóstico e no prognóstico. Agradecimentos Parte dos trabalhos desenvolvidos no âmbito deste artigo foram financiados pela Fundação Calouste Gulbenkian-Projectos na área da Oncologia (Projecto Nº 96736). Os autores agradecem também o apoio da Liga Portuguesa Contra o Cancro – Núcleo Regional do Norte e FCT-Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/47381/2008). Referências Bibliográficas Ambros, V. (2004) The functions of animal microRNAs. 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Hallmarks do cancro Resistência a sinais antiproliferativos e independência de factores de crescimento Evasão à apoptose Função do miRNA Estimulação da proliferação miRNAs miR-21, cluster miR-17, miR-221, miR-222 Inibição da proliferação Let-7, miR-519, miR-146ª Estimulação da apoptose Cluster miR-34, miR-29, miR-15, miR-16 Inibição da apoptose Cluster miR-17-92, miR-21 Regulação da Potencial de replicação ilimitado imortalização e miR-290, miR-24, miR-34ª senescência Indução da angiogénese Evasão ao sistema imunológico Invasão do tecido e metastização Instabilidade Genómica Estimulação da angiogénese Escape a vigilância miR-15, miR-16, miR-20ª, miR-20b miR-155, Cluster miR-17-92, miR-20ª, miR-93, imunológica miR-106b, miR-372, miR373 Estimulação da miR-10b, miR-21, miR-373, miR-520c, miR- metastização 155 Inibição da metastização Let-7, miR-335, miR-206, miR-126, miR-146ª Promoção da instabilidade Delecções e subexpressão de miR-17, miR- genómica 20ª, miR-15, miR-16-1, let7 Figura 2. miRNAs com funções no desenvolvimento/progressão no cancro da próstata.