MÓDULO 4 Identidade de gênero e identidade sexual Para uma melhor compreensão acerca dos termos identidade de gênero e identidade sexual, faz-se fundamental entendermos inicialmente o que se pensa sobre identidade. Desta forma, quando nos referimos à identidade pretendemos destacar que esta é de maneira geral um conjunto de aspectos individuais que caracteriza o individuo, estando diretamente ligada a forma como o ser humano se percebe, tanto individual quanto socialmente, podendo esta ser modificada ao longo da vida de acordo com as transformações pessoais do ser humano. (CIAMPA, 2001 apud MATOS, 2010). No que tange a identidade de gênero, o psicólogo John Money (1921-2006) nos diz que esta vai além do sexo como marca genital englobando o ser masculino e feminino. Para ele a criança aprenderia a ser menino ou menina como aprendia a falar. A natureza faria apenas a criação e a sociedade estabeleceria as normas, ou seja, ele inverte o sinal sexual, e estampa no corpo de meninos a noção de que “não se nasce homem” (TORRES, 2010). Neste contexto, a formação da identidade pessoal serve como base para a formação de uma identidade sexual (GUIMARÃES, 1995), visto que esta se fundamenta na percepção individual sobre o próprio sexo, evidenciado no papel de gênero assumido nas relações sexuais como pontua Heilborn (2004, p. 43) “[...] essa identidade opera motivada por uma orientação erótica espontânea [...] ”. Já os papéis sexuais vêm a ser as formas de agir, pensar, padrões de comportamento criados e regulados pela sociedade e suas instituições. Observamos então que, a identidade de gênero compreende os papéis sexuais, bem como tende a defini-los de acordo com o modelo social. Para Louro (1999), é “através do aprendizado de papéis” que “[...] cada um/ a deveria conhecer o que é considerado adequado (inadequado) para um homem ou para uma mulher [...]”, o que não levaria em conta as diferentes formas de masculinidade e de feminilidade e as “complexas redes de poder” que constituem hierarquias entre os gêneros. Assim, o conceito de gênero não pode ser resumido aos papéis que são socialmente atribuídos a mulheres e homens. Deve-se compreender, portanto, o gênero como constituinte das identidades dos sujeitos, podendo então assumir várias identidades, como de raça, nacionalidade, etnia, idade, etc. Essas identidades não são fixas ou inatas, são construídas e reconstruídas nas relações sociais e de poder. Poder que é exercido por diversas instituições presentes na sociedade, moldando essas identidades. De acordo com as relações sociais e culturais que são estabelecidas para as crianças desde o seu nascimento, elas vão identificando-se em determinado gênero, onde a família, a escola, a igreja e as demais instituições sociais vão influenciar nesse processo de construção de uma identidade de gênero. Assim, Nunes e Silva (2000) entendem a identidade de gênero como um conjunto de significações causais que explicam o que é ser homem e o que é ser mulher, sendo que as primeiras identidades de gênero são observadas em narrações míticas, cosmológicas e cosmogônicas no que diz respeito a origem de homens e mulheres, narrativas estas permeadas por determinismos de poder e simbologias de diferenciação entre ambos os sexos. Na identidade de gênero são estabelecidos pela sociedade diferentes valores, padrões de comportamento, características ditas como “naturais” ao sexo feminino. Esses estereótipos são histórico e culturalmente formados e modificados. Tudo que foge a essas características consideradas “ideais” sofre um processo, às vezes oculto, de discriminação. Os estereótipos são crenças socialmente compartilhadas a respeito dos membros de uma categoria social, que se referem às suposições sobre a homogeneidade grupal e aos padrões comuns de comportamento dos indivíduos que pertencem a um mesmo grupo social. Sustentam-se em teorias implícitas sobre os fatores que determinam os padrões de conduta dos indivíduos, cuja expressão mais evidente encontra-se na aplicação de julgamentos categóricos, que usualmente se fundamentam em suposições sobre a existência de essências ou traços psicológicos intercambiáveis entre os membros de uma mesma categoria social. Etimologicamente, o termo estereótipo é formado por duas palavras gregas, stereos, que quer dizer rígido, e tupos, que significa traço. Este termo era referente a uma placa metálica de características fixas destinada à impressão em série. Para o pesquisador Pereira (2002, p. 157), os estereótipos podem ser caracterizados por: Como artefatos humanos socialmente construídos, transmitidos de geração em geração, não apenas através de contatos diretos entre os diversos agentes sociais, mas também criados e reforçados pelos meios de comunicação, que são capazes de alterar as impressões sobre os grupos em vários sentidos. Dessa forma, entende-se por estereótipo a criação de rótulos, representações conceituais, simbólicas e institucionais, sobre o comportamento especifico do homem e da mulher. Os estereótipos são identificados por sua irracionalidade, congelando aquelas características que são conjunturais e passiveis de serem compreendidos como acidentais, secundários, como se fossem naturais e determinantes. Então, expressões como “é típico de mulher esse sentimento”, “isto é para homem”, revelam o mais genuíno sexismo expresso na mais cabal forma estereotipada. Existem também estereótipos que são reforçados pelo senso comum, constituídos sobre imagens rotuladas, símbolos pejorativos, na maioria das vezes explicitando situações de violência e de desprezo, de forma mais intensa sobre a mulher. Estes rótulos que, são culturalmente construídos, perpassam pelo imaginário social e popular enquadrando comportamentos e representando situações como se fossem naturais e predeterminadas. Cláudia Viana (1997) ao falar da polarização freqüente entre homens e mulheres aponta que, as mulheres geralmente simbolizam a reprodução da espécie, isto é, a natureza, enquanto os homens são associados ao social. Assim, colocam-se estereótipos de homem agressivo, forte e racional; e de mulher dócil, relacional, frágil e afetiva e guiada pelas emoções. A escola, na visão de muitas pessoas, ainda detém certa neutralidade, que sabemos não condiz com a realidade, já que é lugar de produção, reprodução e/ou transformação da sociedade. Segundo Louro (1998) a escola tem se preocupado ao longo da história em “disciplinar e normalizar os indivíduos”, sendo, portanto um dos principais meios de regulação e formação de identidades. A criança quando inicia o Ensino Fundamental já tem determinados posicionamentos acerca de gênero, atributos que são designados a cada sexo, já sabem características “próprias” de seu sexo e o que podem esperar do sexo oposto. Dentro do universo escolar, nas atitudes de professores(as), esses atributos vão encontrar reforço e legitimação e o posicionamento das crianças pode ser observado em atitudes, gestos, brincadeiras, palavras, preferências, dentre outras. A maioria das meninas já tem interiorizado que devem ser meigas, comportadas e por muitas vezes passiva, principalmente quando percebem que os(as) professores(as) valorizam esse tipo de comportamento. Nas escolas, o modelo de “bom aluno” sempre se encaixa melhor às meninas, pois são colocadas como características próprias ao sexo feminino ser obediente, cuidadosa e não se opor às determinações do professor. Nas aulas de Educação física, por exemplo, as meninas preferem atividades que envolvam menos movimento, ou “menos sujeira e suor”, sendo que já há comumente uma separação, pelo professor, de atividades para meninos ou para meninas. A preferência é sempre por atividades que a sociedade determina e valoriza como femininas que desenvolvam a sensibilidade, a docilidade, a graciosidade e o cuidado, como produção de textos, desenhos, pesquisas, atividades de leitura e a dança como atividade física. As meninas preocupam-se mais em cuidar do material escolar e da sua aparência. Elas se vêem como mais frágeis e por isso evitam contato muito próximo com os meninos, pois se tem a visão de que os meninos são mais agressivos e “brigões”. Para Guacira Louro (1999), é ainda na infância que meninas aprendem a ocupar um espaço corporal bastante limitado e em conseqüência disto desenvolvem certa timidez corporal. Desde pequenas são “treinadas” para o cuidado, o “instinto maternal” quando brincam com bonecas, já os meninos desenvolvem mais o raciocínio lógico, a agilidade com brinquedos de montar, construir, moldar, dentre outros. Isso virá a refletir na sua escolarização, atividades que envolvem cálculos são de preferência masculinas, e apesar de terem a mesma possibilidade, as meninas acreditam serem menos capazes, ou não aptas, para a Matemática. A maioria dos meninos adota um comportamento diferente das meninas (o normal para a sociedade seria o oposto), já possuindo inculcados que devem ser mais agitados, desinibidos, racionais, ágeis, curiosos, ativos e por muitas vezes agressivos. Atitudes agressivas praticamente não são reprimidas por mães, pais, professores (as) exatamente por acreditarem ser “natural” esse tipo de comportamento, isso pode acarretar em graves problemas futuros (e também no presente) em suas relações interpessoais. Desorganização, falta de concentração em atividades, ser mais agitado, mais agressivo são características atribuídas aos meninos, e também aos alunos “problemáticos”. Os meninos, assim como as meninas vão preferir atividades que são determinadas e valorizadas pela sociedade de acordo com seu sexo biológico. As características, os papéis socialmente atribuídos, poderiam ser de qualquer indivíduo, só que a sociedade cria modelos que a maioria das crianças segue para que se sintam excluídos. Observamos que os sujeitos podem exercer sua sexualidade de diferentes formas, eles podem "viver seus desejos e prazeres corporais" de muitos modos (WEEKS, apud BRITZMAN, 1996). Suas identidades sexuais se constituiriam, pois, através das formas como vivem sua sexualidade, com parceiros(as) do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem parceiros(as) (LOURO, 1997, p.26). A família é a primeira responsável pela inculcação dessas características, pela bipolarização dos sexos. Aos meninos e meninas são atribuídas(o)s brincadeiras, atitudes, roupas, carinhos, normas, cuidados, possibilidades e realidades diferentes. Na escola esses padrões não são modificados, o critério para divisão dos alunos em grupo é o sexo. A(o) professora(o) tem diferentes expectativas com relação às atitudes, experiências, e o desempenho de meninos e meninas na sociedade e na reflexão crítica sobre a construção de diferentes estereótipos relacionados ao sexo.