Rev Bras Cardiol. 2010;23(6):344-350 novembro/dezembro Artigo Original 5 Bündchen et al. Qualidade de Vida em Pacientes Hipertensos Artigo Original Qualidade de Vida de Hipertensos em Tratamento Ambulatorial e em Programas de Exercício Físico Quality of Life Among Hypertensive Patients in Outpatient Treatment and Exercise Programs Daiana Cristine Bündchen,¹ Rafaella Zulianello dos Santos,¹ Maria Helena Antunes,² Cícero Augusto de Souza,¹,² Artur Haddad Herdy,² Magnus Benetti,¹ Tales de Carvalho¹ Resumo Abstract Fundamentos: Em relação à avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde, parâmetro fundamental para a compreensão da repercussão causada pelas doenças crônicas e seus distintos tratamentos, há uma lacuna em relação à hipertensão arterial sistêmica. Objetivo: Avaliar a qualidade de vida relacionada à saúde entre hipertensos sedentários atendidos em ambulatório, e hipertensos regularmente ativos participantes de programas de exercícios físicos. Métodos: Estudados 87 sujeitos estratificados em dois grupos: sedentários (n=47; 54,2±11,4 anos, 65,2% mulheres) e ativos (n=40; 64,7±9 anos, 75,6% mulheres). Para avaliação da qualidade de vida utilizou-se o Miniquestionário de qualidade de vida em hipertensão arterial – MINICHAL. Para comparação entre os grupos utilizaram-se os testes t de Student, U de Mann Whitney, qui-quadrado e correlação de Spearman. Resultados: No domínio estado mental, a média no grupo sedentário foi 6,57±5,1 pontos e no grupo ativo foi de 3,78±3,8 pontos (p<0,001). No domínio manifestações somáticas a média no grupo sedentário foi 4,68±4,3 e no grupo ativo foi 2,93±2,6 pontos (p=0,05). Conclusão: Pacientes hipertensos fisicamente ativos apresentaram qualidade de vida relacionada à saúde superior aos sedentários, principalmente no que diz respeito ao estado mental, mesmo sendo o grupo ativo composto por indivíduos mais idosos e com histórico maior de eventos cardiovasculares e doenças cardiovasculares instaladas. Background: When evaluating the quality of life in terms of Health as a basic parameter for understanding the repercussions of chronic illnesses and their various treatments, there a gap with regard to hypertension. Objective: To evaluate the health-related quality of life among sedentary hypertensive patients attended at a clinic and active hypertensive patients who participate regularly in exercise programs. Methods: 87 subjects were divided into two groups: sedentary (n=47; 54.2±11.4 years, 65.2% women) and active (n=40, 64.7±9 years, 75.6% women), using the Quality of Life Mini-Questionnaire for Hypertension (MINICHAL) to evaluate the health-related quality of life among them. The groups were compared through the Student t, Mann Whitney U and Chisquare tests, in addition to the Spearman correlation coefficient. Results: The mental status of the sedentary group reached an average of 6.57±5.1 and 3.78±3.8 points average for active group, with somatic manifestations for the sedentary group at 4.68±4.3 and 2.93±2.6 for the active group. Conclusion: Hypertensive patients who are physically active enjoy a better health-related quality of life than sedentary hypertensive patients, particularly with regard to their emotional status, although the active group is older and with a higher incidence of cardiovascular events and cardiovascular diseases. Palavras-chave: Hipertensão; Qualidade de vida; Exercício; Estilo de vida sedentário Keywords: Hypertension; Quality of life; Exercise; Sedentary lifestyle ¹ Núcleo de Cardiologia e Medicina do Exercício - Universidade do Estado de Santa Catarina - Florianópolis (SC), Brasil ² Instituto de Cardiologia de Santa Catarina - São José (SC), Brasil Correspondência: [email protected] Daiana Cristine Bündchen | Núcleo de Cardiologia e Medicina do Exercício | Rua Pascoal Simone, 358 - Bairro Coqueiros Florianópolis (SC), Brasil | CEP: 88080-350 Recebido em: 28/08/2010 | Aceito em: 17/11/2010 344 Bündchen et al. Qualidade de Vida em Pacientes Hipertensos Artigo Original Introdução A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma doença que devido ao seu caráter crônico-degenerativo pode provocar déficits nos aspectos físico, emocional e social 1. O principal objetivo do tratamento antihipertensivo é reduzir a morbidade e mortalidade das doenças cardiovasculares associadas aos valores elevados da pressão arterial1. No entanto, quando baseado apenas na terapia farmacológica, esse tratamento pode afetar a qualidade de vida (QV) dos indivíduos pelas reações adversas das drogas e pelas doenças que podem estar associadas à HAS1. A terapia farmacológica tem sido habitualmente a única opção para o tratamento de pacientes hipertensos, o que pode ser considerada uma conduta equivocada2,3. Dentre as terapias não farmacológicas, destaca-se a prática de exercícios físicos, considerado importante recurso no controle da pressão arterial e das complicações advindas da HAS2,4. No entanto, existem poucas pesquisas sobre o impacto de diferentes tratamentos sobre a QV de pacientes hipertensos5. Existem vários instrumentos que buscam a avaliação da QV, alguns disponíveis e validados como o SF366, MacNew QLMI7 e WHOQOL-1008. No entanto, são instrumentos genéricos e não específicos para a população de hipertensos. O método de avaliação da QV pelo Miniquestionário de qualidade de vida em hipertensão arterial – MINICHAL, validado recentemente no Brasil, engloba a QV relacionada à saúde. Avalia fatores mais diretamente ligados à condição física, psíquica e social do hipertenso, correspondendo à tentativa de avaliar mais especificamente os principais fatores relacionados à HAS que podem influenciar a sensação de bem-estar do paciente5. Assim, o objetivo deste estudo foi comparar a percepção subjetiva da QV relacionada à saúde entre hipertensos sedentários atendidos em ambulatório, e hipertensos regularmente ativos participantes de programas de exercícios físicos, utilizando um instrumento de maior especificidade do que os convencionais. Metodologia F or a m a v a l i a d o s 8 7 p a c i e n t e s h i p e r t e n s o s, estratificados em: a) Grupo Ativo (GA) constituído por indivíduos que participavam, há no mínimo seis meses, do Programa de Reabilitação Cardiopulmonar e Metabólica do Centro de Ciências da Saúde e do Esporte, da Universidade do Estado de Santa Catarina (CEFID-UDESC), em Florianópolis, e do Rev Bras Cardiol. 2010;23(6):344-350 novembro/dezembro programa Palhoça Ativa (n=40) do município de Palhoça; b) Grupo Sedentário (GS) constituído por pacientes atendidos, há no mínimo seis meses, no Ambulatório do Instituto de Cardiologia de Santa Catarina (n=47) do município de São José. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com a resolução CNS 196/96. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o nº 185/07. Os dados sobre comorbidades, tempo de diagnóstico e uso de medicamentos foram obtidos por meio de entrevista individual e leitura dos prontuários médicos. Os componentes do GA realizaram exercício físico aeróbio baseado nas características de cada programa. Os pacientes do CEFID-UDESC exercitavam-se três vezes por semana e os pacientes do Programa Palhoça Ativa realizavam exercício duas vezes por semana. Em ambos os programas as sessões tinham duração média de 60 minutos. Os componentes do GS realizaram consultas médicas periódicas, a cada dois meses, e recebiam orientações verbais sobre hábitos de vida saudáveis com abordagem sobre alimentação correta, prática de exercícios e estratégias para o controle do estresse. Para medidas antropométricas foram utilizados os parâmetros estatura (cm), aferida por meio de estadiômetro de resolução de 1cm; e massa corporal (kg) determinada por meio de balança Filizola® com resolução de 100g. Esses dados foram utilizados para cálculo do índice de massa corporal (IMC) kg/cm². A circunferência abdominal foi aferida por meio de fita antropométrica de metal Sanny® com precisão de 0,1cm9. Para mensurar a percepção subjetiva da QV relacionada à saúde foi utilizado o Miniquestionário de qualidade de vida em hipertensão arterial – MINICHAL-Brasil. Esse questionário é composto por 17 itens e dois domínios. As respostas dos domínios estão distribuídas em uma escala de frequência do tipo Likert e tem quatro opções de respostas de 0 (Não, absolutamente) a 3 (Sim, muito). Nessa escala, quanto mais próximo de 0 estiver o resultado, melhor a QV. O domínio estado mental é composto por nove questões, com pontuação máxima de 27 pontos. O domínio manifestações somáticas contém sete questões, com o máximo de 21 pontos. O paciente deve responder às questões fazendo referência aos últimos sete dias. A questão 17, que avalia a percepção geral de saúde do paciente, é pontuada na mesma escala Likert, porém não se inclui em nenhum dos dois domínios5. 345 Rev Bras Cardiol. 2010;23(6):344-350 novembro/dezembro Bündchen et al. Qualidade de Vida em Pacientes Hipertensos Artigo Original Análise Estatística Na análise descritiva dos dados foram determinadas: mediana e média±desvio-padrão. As distribuições das variáveis foram analisadas por meio de histogramas e testadas por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Para análise estatística de dados paramétricos foi utilizado teste t independente, e para dados não paramétricos para duas amostras independentes o teste de Mann-Whitney. Para verificar a magnitude das diferenças entre os grupos, utilizou-se o d de Cohen. O teste do qui-quadrado foi utilizado para a comparação entre os grupos nas variáveis categóricas. Para análise das correlações entre variáveis contínuas foi utilizada a correlação de Spearman. Em todos os testes estatísticos adotouse como nível de significância p<0,05. Resultados A caracterização dos sujeitos está sumarizada na Tabela 1. No grupo GS, 65,2% eram do sexo feminino e no grupo GA, 75,6%. Não houve diferença significativa entre os grupos em relação ao IMC e ao tempo de diagnóstico. No entanto, a idade do grupo de indivíduos ativos foi significativamente mais elevada que a dos sedentários (p<0,001) e a circunferência abdominal dos indivíduos do GS foi maior que a do GA (p=0,01). Não ocorreu diferença em relação ao número de comorbidades apresentadas entre os grupos; no entanto, observou-se que houve maior ocorrências das mesmas no GA. No que se refere ao número de medicamentos, ainda que o GS o houvesse utilizado em maior quantidade, não houve diferença significativa entre os grupos. Os resultados da avaliação da QV relacionada à saúde nos domínios estado mental e manifestações somáticas estão dispostos na Tabela 2. O GA apresentou menor escore de QV relacionada à saúde tanto no domínio estado mental quanto no domínio manifestações somáticas. No entanto, a diferença foi maior em relação à parte emocional (d de Cohen=0,63) do que em relação à física (d de Cohen=0,50). Os valores de magnitude do efeito (d de Cohen) indicam que a diferença entre os Tabela 1 Caracterização dos grupos estudados GS (n=47) GA (n=40) Médias Idade (anos) IMC (kg/m2) CA (cm) Tempo de diagnóstico (anos) Comorbidades Diabetes mellitus 54,2 ± 11,4 31,8 ± 5,9 97,9 ± 19,8 64,7 ± 9 29,4 ± 4,5 92,5 ± 9,4 10,5 ± 7,7 10,4 ± 6,3 8 10 n % 44,4 0,23 2457,1 18 42,9 – 3100 IAM RM DAC DAP Número de drogas anti-hipertensivas 0 1 25,0 433,3 3 75,0 8 66,7 3100 n n % 2 4,3 1634,0 3 715,0 4 – – 1 2 17 2144,7 12,1 0,01* 0,79 39,5 Dislipidemia 100 0,10 Valor de p 26 2 <0,001* % 55,6 Obesidade Tabagismo 60,5 n Valor de p % 717,8 11 27,5 13 32,5 8 20,0 1 2,5 0,36 0,49 0,57 0,33 0,09 0,12 0,09 Valor de p 0,24 0,24 0,24 0,24 0,24 GS=grupo sedentário; GA=grupo ativo; CA=circunferência abdominal; IAM=infarto agudo do miocárdio; RM=revascularização miocárdica; DAC=doença arterial coronariana; DAP=doença arterial periférica *p<0,05 346 Bündchen et al. Qualidade de Vida em Pacientes Hipertensos Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2010;23(6):344-350 novembro/dezembro grupos em ambos os domínios pode ser considerada de “médio efeito”. A questão 17, que avalia a percepção geral de saúde do paciente, não foi analisada neste estudo por ser considerada de caráter ambíguo e levar à má interpretação nas alternativas de resposta. No que se refere às comorbidades e fatores de risco associados, não ocorreram diferenças entre os grupos. No entanto, como observado na Tabela 3, quando se relaciona a QV com o número de comorbidades, observa-se que quanto maior o número de comorbidades quanto mais a QV é afetada na parte física (rho=0,259; p=0,015), indicando que 7% da variação da QV no domínio manifestações somáticas podem ser explicados pelo número de comorbidades. Na parte emocional (rho=0,237; p=0,027), a variação foi semelhante, de 5,6%. Quando analisada separadamente, 12% da variância dos escores no domínio estado emocional do GA puderam ser atribuídas às comorbidades. No GS essa variância foi de 7%. No domínio manifestações somáticas, a variância foi cerca de 8% para ambos os grupos. Não houve correlação entre os escores de QV em ambos os domínios e o número de medicamentos utilizados pelos pacientes. Assim como não foi observada correlação entre o tempo de diagnóstico e os escores de qualidade de vida. A QV teve maior relação com as comorbidades do que com o número de medicações utilizadas pelos hipertensos, sendo essa relação mais evidente nos indivíduos ativos. Mesmo os participantes do GA tendo apresentado e s c o re s d e Q V m e n o re s , p a re c e m s e r m a i s influenciados emocionalmente pelas comorbidades e fatores de risco associados. Isso pode ser explicado por ser este grupo, em geral, composto por indivíduos mais idosos, com histórico maior de eventos cardiovasculares e doenças cardiovasculares instaladas. Discussão Este estudo avaliou a QV relacionada à saúde de hipertensos sedentários e praticantes de exercícios físicos. As características clínicas dos grupos foram semelhantes, exceto em relação à idade que foi maior nos pacientes do GA. Assim, realizou-se normatização para a idade, de modo a tornar a casuística mais homogênea. No estudo Syst-Eur10, ocorreu uma correlação inversa entre idade e QV; isso não se reproduziu nos resultados aqui encontrados, provavelmente devido à influência do exercício físico na QV dos indivíduos ativos, com média de idade mais elevada que os sujeitos sedentários. No mesmo estudo, também, foram observados escores de QV piores conforme aumentava o tempo de diagnóstico de HAS e presença de Tabela 2 Escores de qualidade de vida relacionada à saúde nos domínios estado mental e manifestações somáticas Domínios Grupos Ativo EM MS Sedentário Sedentário Ativo Média (±DP) Mediana 3,78 (3,81) 3,00 6,57 (5,08) 4,68 (4,34) 2,93 (2,63) EM=estado mental; MS=manifestações somáticas *p<0,05 IC 95% p 5,00 5,08-8,07 <0,001* 3,00 3,41-5,96 0,056 2,00 2,56-4,99 2,08-3,77 Tabela 3 Correlação entre o número de comorbidades, medicamentos e os domínios de QV relacionada à saúde na população e nos grupos estudados Geral Ativos Sedentários Comorb.Medicamentos Comorb.Medicamentos Comorb. Medicamentos EM R 0,240,070,340,00 0,260,14 P 0,03* 0,51 0,03* 0,99 0,07 0,35 MS R 0,260,070,290,00 0,290,08 P 0,01* 0,53 0,07 0,79 0,05 0,61 EM=estado mental; MS=manifestações somáticas; Comorb.=comorbidades *p<0,05 347 Rev Bras Cardiol. 2010;23(6):344-350 novembro/dezembro comorbidades. Os dados do presente estudo não mostraram correlação com o tempo de diagnóstico e apontaram que além do GA ser mais idoso, apresentou maior percentual de diabetes, infarto do miocárdio, revascularização do miocárdio, doença arterial coronariana e doença arterial periférica. Entretanto não ocorreram diferenças significativas entre os grupos com relação às comorbidades e fatores de risco. Destaca-se que o GA se enquadra na categoria sobrepeso (IMC≥25-29,9kg/m2) e o GS na categoria obesidade I (≥30-34,9kg/m2). Estes dados refletem os dados mundiais, nos quais se observa que o aumento na prevalência da HAS ocorre concomitantemente ao aumento de IMC na população11; verifica-se, ainda, que há estreita relação de causa e efeito entre obesidade e HAS 12. Resultados do Framingham Heart Study sugerem que aproximadamente 78% dos casos de HAS em homens e 65% em mulheres são atribuídos à obesidade13. Quanto à circunferência abdominal, a média do GS esteve acima dos valores esperados (≥94cm para homens) enquanto o GA apresentou valores aceitáveis9, tendo se observado diferença significativa entre os dois grupos (p=0,01). Vários estudos têm registrado que a circunferência abdominal, indicadora de distribuição da gordura corporal, está associada à ocorrência de doenças metabólicas e cardiovasculares, dentre estas a HAS14-17. Como esperado, no presente estudo, foram encontrados valores de IMC e circunferência abdominal menores em indivíduos ativos quando comparados aos sedentários. Em parte isto poderia ser explicado pela maior propensão às mudanças nos hábitos de vida pelos sujeitos ativos, ressaltando que o exercício físico regular auxilia na perda e/ou manutenção do peso, por meio de mecanismos que contribuem para o maior gasto energético, aumentando a taxa metabólica após o repouso18,19. No presente estudo não se discriminou a classe medicamentosa, mas apenas o número de drogas utilizadas, o qual não mostrou correlação com os escores de QV de ambos os grupos. O trabalho de Lawrence et al20, verificou que a mudança na QV estava associada mais ao número de medicamentos ingeridos do que as classes farmacológicas utilizadas. Na pesquisa de Youssef et al 21 , pacientes com complicações advindas da HAS apresentaram baixa QV; entretanto, o número de medicamentos prescritos e as doses diárias não mostraram ter influência na QV, resultados corroborados por este estudo. Os resultados encontrados indicam que os indivíduos sedentários utilizaram maior número de medicamentos 348 Bündchen et al. Qualidade de Vida em Pacientes Hipertensos Artigo Original que os ativos, porém não houve diferença significativa entre os grupos avaliados. Fato que pode ter ocorrido devido ao tamanho da amostra e sua segmentação em razão da variedade de possíveis combinações de medicamentos. Já outro estudo que avaliou 1539 pacientes hipertensos verificou que os fatores clínicos independentes: obesidade, lesão em órgãos-alvo e número de drogas anti-hipertensivas representaram 37,1% da variância na QV geral22. Em relação aos dados apresentados por este estudo, chama a atenção o fato de que indivíduos ativos, mesmo mais velhos, com maior número de comorbidades e doenças associadas utilizavam menor número de medicamentos, podendo sugerir a influência do exercício físico na menor utilização de medicamentos anti-hipertensivos. A QV é um conceito subjetivo que sofre influência de inúmeros fatores. A QV relacionada à saúde procura limitar o estudo dos fatores mais diretamente ligados à condição física, psíquica e social do indivíduo 5. Ainda são poucos os estudos demonstrando que outros fatores, como o exercício físico, podem contribuir para melhorar a QV dos hipertensos. Em relação à QV relacionada à saúde, os indivíduos que praticavam exercícios físicos apresentaram melhores escores, tanto no domínio físico quanto emocional. A maioria dos estudos sobre QV está no formato de ensaios clínicos para o desenvolvimento de medicamentos individuais, priorizando o controle da pressão arterial visando a minimizar os efeitos adversos24. Esse é um dos pontos-chave no tratamento da HAS, já que os efeitos adversos causados pelos fármacos podem provocar consequências desfavoráveis à QV tanto no âmbito físico como emocional dos indivíduos23,25. Dados da literatura atual propõem que a principal causa do escasso controle da pressão arterial na população é a falta de aderência ao tratamento por parte dos pacientes. Isto sugere a necessidade de um olhar atento dos profissionais da saúde para que a seleção terapêutica seja adequada e bem tolerada pelos pacientes, uma vez que um dos fatores independentes que influenciam esse cumprimento terapêutico é a adaptação à medicação 21 . Entretanto, avanços importantes mostram maior tolerabilidade clínica de novos medicamentos; assim, deslocou-se a atenção para um conceito mais subjetivo, a QV relacionada à saúde, como medida que influencia o resultado do tratamento23. Foi realizado um estudo comparativo para avaliar se há ou não diferenças na QV de hipertensos e normotensos, agrupando 90 pares desses dois grupos, de forma que as características de idade, sexo, etnia e local de atendimento fossem semelhantes. O grupo de Bündchen et al. Qualidade de Vida em Pacientes Hipertensos Artigo Original hipertensos mostrou um prejuízo na QV quando comparado ao grupo de normotensos. Apresentou um menor status de saúde, maior incidência de faltas ao trabalho, mais relatos de sintomatologia e prejuízo no bem-estar psicológico. Esse prejuízo na QV pode ser resultante da própria doença, dos efeitos adversos da terapia farmacológica ou decorrentes do próprio diagnóstico, que tende a provocar uma espécie de rotulagem ou estigma para o paciente23. O presente estudo não avaliou a ausência ao trabalho isolado ou entre grupos, porém o estudo de Battersby et al25 mostrou que indivíduos hipertensos têm uma QV pior que normotensos e um prejuízo de saúde maior. Não se encontrou nenhum outro estudo comparando a QV entre hipertensos ativos e sedentários que avaliasse os itens citados anteriormente. Em doenças assintomáticas como a HAS, a QV é um dos fatores importantes a serem levados em consideração tanto pela área médica como pela social, porém, tem despertado pouco interesse entre os profissionais de saúde 26. As recomendações do JNC VII27 e da V Diretrizes de HAS28 definem bem as normatizações para resultados clínicos na HAS, mas não definem padronização quanto aos resultados humanísticos, como a QV. O GA apresentou melhor escore de QV tanto no domínio estado emocional quanto nas manifestações somáticas. Uma possível explicação para estes resultados pode estar no tipo do tratamento, considerando que no tratamento deste grupo houve atuação de equipe multiprofissional, possibilitando que aspectos educativos e informativos se acentuassem para uma melhor compreensão da doença hipertensiva como fator de risco cardiovascular29. Estudo avaliando a QV em hipertensos por meio de questionário genérico (SF-36) aponta a percepção das manifestações somáticas com escores inferiores ao estado mental, corroborando com os resultados aqui encontrados. Os autores acreditam que esses achados podem ter sido influenciados pela idade média dos sujeitos (60,3±10,4 anos), que é semelhante à idade média dos pacientes (59,5±10,2 anos) deste estudo29. Outro trabalho também utilizando o SF-36 verificou que a QV relacionada à saúde de 131 hipertensos apresentou comprometimento tanto nas manifestações somáticas quanto no estado mental30. Compreende-se que os problemas do cotidiano somados a outras intercorrências que surgem como decorrência da doença crônica, necessitam ser considerados como aspectos que refletem a interação e a adaptação do indivíduo à doença e ao meio31. As intervenções por meio de exercícios físicos, além dos benefícios fisiológicos que permitem melhor controle Rev Bras Cardiol. 2010;23(6):344-350 novembro/dezembro sobre a HAS, proporcionam maior integração social. Neste estudo, o fato de integrar grupos de reabilitação cardiopulmonar e metabólica, possuir maior acesso às informações e melhor educação sobre a doença pode explicar a melhor percepção de QV dos pacientes do GA32. Limitações do estudo No presente estudo utilizou-se amostra não probabilística. É evidente que as pesquisas probabilísticas possuem superioridade em relação à possibilidade de generalização dos resultados. Portanto, pode ser considerada uma limitação do estudo o uso de amostra selecionada por conveniência, o que aumenta a chance de eventual viés nos resultados. Conclusão Pacientes hipertensos fisicamente ativos apresentaram escores de QV relacionada à saúde superiores aos de hipertensos sedentários, principalmente no que diz respeito ao estado emocional, mesmo sendo o grupo ativo (GA) composto por indivíduos mais idosos e com histórico maior de eventos cardiovasculares e doenças cardiovasculares instaladas. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Universitária Este estudo faz parte da dissertação de Mestrado de Daiana Cristine Bündchen e Rafaella Zulianello dos Santos pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Referências 1. Gusmão J. A qualidade de vida da pessoa com hipertensão arterial. In: Pierin AMG. Hipertensão arterial: uma proposta para o cuidar. Barueri (SP): Manole; 2004. 2. Sociedade Brasileira de Cardiologia. 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