UTI ADULTO: A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA

Propaganda
UTI ADULTO: A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA PREVENÇÃO DE SAÚDE
MENTAL
Debora Rickli Fiuza
Psicóloga-Hospital de Caridade São Vicente de Paulo-HSVP
O presente trabalho refere-se à atuação do psicólogo em uma Unidade de Terapia Intensiva no
Hospital de Caridade São Vicente de Paulo-HSVP. Tem como principal objetivo identificar as
contribuições do atendimento psicológico neste contexto hospitalar, como forma de prevenção
e promoção de Saúde Mental. A Unidade de Terapia Intensiva é, de modo geral, um ambiente
que gera angústia intensa, ansiedade e medo da morte. Este sentimento, geralmente, é
compartilhado entre os pacientes, familiares e equipe de saúde. Neste espaço, o psicólogo
encontra uma intensidade de emoções que pode ser direcionadas a um trabalho de prevenção
de transtornos mentais, de alterações psíquicas e comportamentais. O artigo aborda, em
linhas gerais, as principais características a serem consideradas a respeito da UTI e da atuação
do Psicólogo no campo da Saúde Mental.
Psicologia Hospitalar; UTI Adulto; Saúde Mental.
Introdução
A Psicologia Hospitalar é o campo de atuação profissional que se volta para os
aspectos psicológicos que se constróem em torno do adoecimento humano. Segundo
Simonetti (2004) toda doença está repleta de subjetividade e, por isso, pode beneficiar-se com
o trabalho do psicólogo hospitalar. Há um consenso entre a equipe de saúde para a
complexidade que é a doença, em todas as suas dimensões, sejam elas físicas, psíquicas,
sociais, culturais e espirituais. O psicólogo, neste contexto, tem como propósito investigar
qual a implicação do psiquismo diante do real que é a doença, qual a relação que o doente
estabelece com a sua doença e qual o destino que se dá para ela.
A Psicologia está inserida em vários setores dentro do hospital, cada um com suas
particularidades. A Unidade de Terapia Intensiva é o local onde se encontram pacientes em
situações de gravidade e instabilidade clínica. No início, segundo Oliveira (2002), as UTIs
eram reservadas a pacientes com infarto agudo; depois, com a criação de equipamentos mais
sofisticados, passou-se a cuidar também de pacientes portadores de insuficiência respiratória,
insuficiência renal aguda, hemorragia digestiva alta, em estado de coma, estado de choque e
diversas outras situações igualmente graves.
É um ambiente fechado, restrito ao trabalho da equipe. Como apontado por Simonetti
(2004), nesse ambiente são vivenciadas situações de intensidade, sejam elas, físicas ou
psíquicas. Além do paciente, a equipe e os familiares compartilham desta ansiedade e de
limite entre a vida e a morte.
A rotina da equipe de enfermagem é cansativa; são inúmeros os procedimentos
diários entre limpar, entubar, extubar, traqueostomizar, medicar, colocar e retirar a sonda,
realizar exames, entre outros procedimentos. Além disso, a preocupação com a higiene e
limpeza do ambiente é rigorosa, visto o cuidado com o controle de infecções. O local é
climatizado, a luminosidade é controlada, os ruídos do funcionamento dos aparelhos são
permanentes e o equipamento técnico é, em geral, caro e sofisticado.
Os pacientes internados na U.T.I recebem um tratamento especial por parte da equipe.
Em sua maioria, se encontram dependentes e limitados a desempenhar funções que antes lhes
eram naturais, como ir ao banheiro ou alimentar-se sozinho. Além disso, os banhos acontecem
no próprio leito do paciente, despertando sentimentos de constrangimento e vergonha perante
a equipe. O sono é afetado, afinal, constantemente estão presentes ruídos dos equipamentos
que monitoram de forma ininterrupta o paciente. O ambiente é restritivo para permanência do
acompanhante e, por isso, o paciente fica privado da companhia direta de um familiar,
despertando sentimentos de abandono e isolamento.
Silva (2007) discute cinco recomendações dadas pela Associação de Medicina
Intensiva brasileira - AMIB para que a U.T.I adote uma postura humanizada. Nesse sentido,
aponta cinco categorias, entre elas, o ambiente físico, aspectos sensoriais, necessidades do
paciente, necessidades da família e trabalho com a equipe.
A autora citada acima discute o papel do psicólogo diante da intensidade emocional de
pacientes, familiares e equipe da U.T.I. Além disso, discorre sobre a inserção do psicólogo
como o profissional atento e capacitado para intervir nesta demanda, “pode-se constatar que
gradativamente a Psicologia com seus saberes e suas práticas foi sendo inserida na
concepção ampla de ações intensivistas”.
Segundo Angerami-Camon (1994), as características da UTI com a rotina de trabalho,
as situações de morte iminente, somados à dimensão individual do sofrimento da pessoa
internada, tais como a dor, o medo, a ansiedade, o isolamento do mundo, trazem vários fatores
psicológicos que interatuam de maneira grave na enfermidade que a pessoa possui.
Sebastiani (1995) apontou alguns sintomas que são desenvolvidos nesse período de
hospitalização na unidade. A ausência de contato com o mundo externo, somada à falta de
uma conversa e de orientação espaço-temporal acarreta ao paciente que fica mais de três dias
internado na UTI uma perda inicial de tempo cronológico, se agravando com alterações de
consciência, podendo evoluir para a presença de delírios e confusão mental.
O psicólogo na UTI trabalha com o paciente, com a sua família e com a equipe que lhe
assiste. Em algumas situações, se volta para a angústia do paciente e seus familiares, em
outros momentos é necessário escutar a angústia da equipe frente ao paciente crítico.
Junto ao paciente, o psicólogo possibilita um canal de comunicação com a família,
com a equipe e também com a realidade externa a ele. Um dos objetivos do profissional da
Psicologia é estimular a verbalização dos sentimentos decorrentes da internação, da rotina e
do tratamento. O paciente tem muito a dizer em relação a sua vivência e precisa ser
estimulado a expressar e se colocar ativamente neste processo. Orientações quanto ao tempo e
espaço, procedimentos que serão realizados, horário de visita, entre outras informações
auxiliam na orientação espaço-temporal e preservam a dignidade da pessoa internada.
Nesse processo, a família precisa ser inserida e também cuidada. Geralmente, o nível
de ansiedade é muito elevado entre as famílias que estão com um familiar internado na UTI.
O desespero diante do limite entre a vida e a morte, a necessidade de informações sobre o
estado clínico do paciente, a impossibilidade em permanecer com o paciente, somado à falta
de informação sobre o setor intensificam os sentimentos e o sofrimento da família. O
psicólogo se torna uma referência para essa família, afinal, é um profissional que tem acesso
ao paciente e a equipe. Essa relação psicólogo-família-paciente auxilia no enfrentamento e se
torna uma fonte de motivação para o paciente enfrentar a doença e a hospitalização.
A Unidade Intensiva
A Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Caridade São Vicente de Paulo contém
10 leitos, sendo 4 leitos específicos da Unidade Coronariana.
A equipe profissional é formada por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem,
psicólogo, nutricionista e fisioterapeuta. Além dos profissionais, a unidade conta com
estagiários de enfermagem e nutrição, sob a responsabilidade de um supervisor. A rotina é
organizada de acordo com os plantões, sendo subdivididos em três horários, das 7h às 13h,
13h às 19h e das 19h às 7h. Em cada plantão é formado uma nova equipe de enfermagem,
sendo que o médico plantonista permanece das 7h às 19h e das 19h às 7h.
A rotina da equipe de enfermagem refere-se ao controle e manutenção dos sinais
vitais, banhos, mudança de decúbito, exames laboratoriais, medicação e cuidados gerais. Esta
rotina é realizada a cada plantão que se inicia. A visita médica é feita, geralmente, no período
da manhã. No entanto, o médico plantonista assume a assistência ao paciente durante todo o
período que se encontra na Unidade. Os pacientes recebem o café às 8h, o almoço ao 12h,
café da tarde às 15h, janta às 18h e o chá às 21h. O horário de visita é das 11h30minh ao
12h00min e das 17h00min às 17h30minh. A cada visita é permitido a entrada de dois
familiares.
Discussão
Além da dor física que o paciente enfrenta em decorrência de inúmeros procedimentos
e equipamentos invasivos, é necessário considerar o sofrimento psíquico e emocional que está
atrelado a esse processo. Para Angeramin- Camon (1994), o sofrimento psíquico e físico pode
ser considerado como equivalentes e únicos,
Essa compreensão ajuda o psicólogo a quebrar esse círculo vicioso de forma
a tentar resgatar, junto com o paciente, um caminho de saída para o
sofrimento onde, de um lado, as manobras médicas, medicamentos, exames,
introdução de aparelhos intra e extracorpóreos vão se somar às do psicólogo,
que favorece a manifestação dos medos e fantasias do paciente, estimula sua
participação no tratamento, ouve e pondera sobre questões que o afligem
(ANGERAMI-CAMON, 1994, p.31).
Quanto à privacidade e a preservação da individualidade do paciente, a presença de
Box promove um ambiente privativo e seguro. Nos momentos de banho e troca de curativos é
possível identificar o cuidado da enfermagem em fechar o Box durante esses procedimentos.
Junto à enfermeira responsável do setor, a psicóloga aponta a necessidade de condutas que
conservem e respeitem a privacidade do paciente internado, contribuindo para um
atendimento mais humano e diferenciado.
Os pacientes que se encontram internados na Unidade são, na maioria das vezes,
dependentes, com dificuldades na comunicação e que estão enfrentando situações de
gravidade clínica. Durante as visitas psicológicas procura-se estabelecer um primeiro contato
com o paciente e, dessa forma, proporcionar um canal aberto de comunicação entre o paciente
e o psicólogo e, também, entre o paciente e a equipe de saúde.
Com os pacientes sem limitações para a comunicação, é incentivada a verbalização e a
expressão de sentimentos referentes à permanência na Unidade. Orientações sobre a rotina,
horários, realização de exames, visita dos familiares, processo de recuperação, agitação do
ambiente são privilegiadas no período de atendimento. Segundo Teixeira (2008) o psicólogo
na UTI é um facilitador da comunicação entre paciente, família e equipe; e um colaborador no
manejo de quadros psicopatológicos.
O paciente comatoso é tratado semelhantemente ao paciente contactuante,
possibilitando um elo de comunicação com a realidade que o cerca. Orientações
auto/alopsíquica, espaço-temporal, procedimentos que serão realizados (banho, acessos,
fisioterapia, horário de visita) são repassados aos pacientes. De acordo com Souza (2010)
muitos pacientes relatam experiências no seu estado de coma, alegando a escuta de conversas
em torno de seus leitos. É necessário a equipe considerar que há vida psíquica neste paciente,
em particular.
Nas visitas ao paciente, o psicólogo entra em contato com pacientes intubados e
traqueostomizados. Apesar da limitação para a comunicação verbal, são desenvolvidas
estratégias para estabelecer o contato e comunicar-se com o paciente. Nesse sentido, há
situações em que a psicóloga atua como facilitador na comunicação de pacientes com a
equipe e com a sua família.
A comunicação entre e a equipe com a família do paciente deve ser feita de modo
claro e com a utilização de termos que sejam compreensíveis aos familiares, pois a utilização
de expressões técnicas ou de uma linguagem médica pode impedir a compreensão e
assimilação das informações. Quando há uma comunicação inadequada, a família encontra
dificuldades no processo de enfrentamento da hospitalização, aumenta o nível de ansiedade e
insegurança em relação ao tratamento. O psicólogo facilita esse diálogo entre equipe-família e
possibilita a humanização no atendimento.
O cuidado dos familiares é uma das partes mais importantes do cuidado global dos
pacientes internados nas unidades de terapia intensiva. Compreendendo a importância do
papel da família na recuperação e internação do paciente, a Psicologia acompanha as famílias
no horário de visita na UTI. Nesse período, auxilia a comunicação com pacientes intubados e
incentiva o contato verbal e físico da família com o paciente comatoso.
Muitas famílias mantêm-se distantes do paciente inconsciente, acreditando que o
paciente não reage a sua presença. Diante desse fato, é realizado um trabalho de aproximação
e sensibilização da família com o seu paciente, obtendo resultados positivos e significativos.
De acordo com Teixeira (2008), se a família estiver desorganizada, o psicólogo deve verificar
se a mesma possui recursos próprios ou se necessita de intervenções psicológicas para auxiliar
no processo de reorganização.
O horário de visita é um dos momentos mais importantes para o paciente. Nesse
sentido, esse período se torna propício para intervenções psicológicas na UTI. A figura do
psicólogo é vista como referência para o familiar. Alguns familiares procuram o Serviço de
Psicologia em outros momentos fora do horário de visita, apontando a necessidade de
informações e de conforto.
A família precisa ser cuidada neste processo de hospitalização do paciente na UTI.
Considerando a necessidade que o grupo familiar demonstra em receber orientação e atenção
por parte da equipe foi criado um Manual de Orientação aos Familiares com o objetivo de
fornecer orientações sobre a Unidade, aproximar a família do contexto hospitalar e garantir
um atendimento mais humanizado. O familiar que é orientado antes de entrar no setor tem o
nível de ansiedade reduzido e melhores condições psicológicas para realizar a visita
efetivamente.
A equipe de saúde que atua diretamente com o paciente crítico também encontra
dificuldades emocionais e sofrimento psíquico diante da rotina estressante e permeada de
emoções. A enfermagem, equipe que está diretamente envolvida com o paciente enfrenta uma
rotina diária exaustiva, tanto no nível físico quanto emocional. Em decorrência da
desvalorização salarial são levadas a realizar plantões diários e uma carga horária de trabalho
que extrapola o limite do próprio corpo.
O contato com a morte, com o sofrimento do paciente e da família, em muitos casos,
leva a equipe de trabalho ao processo de adoecimento físico e mental. A realidade atual tem
apontado um índice crescente de funcionários que são afastados ou apresentam faltas em
decorrência de problemas emocionais. A rotina do hospital, permeada por intensidades e
situações de urgência, além do contato direto com o sofrimento e com a morte tem afetado e
refletido na dinâmica de trabalho.
Em consideração a essa realidade, a equipe que atua nesta Unidade necessita um
espaço próprio e seguro que possibilite o diálogo e que atue, de certa forma, como uma
válvula de escape em meio ao turbilhão de intensidades que vivenciam diariamente. A equipe
da UTI do Hospital São Vicente de Paulo se reúne, quinzenalmente, com a Psicologia em
rodas de conversa e discute questões que são relevantes ao processo diário de trabalho. Esse
grupo tem contribuído para a promoção de saúde dos funcionários e prevenção de possíveis
transtornos e dificuldades emocionais.
A Psicologia já conquistou o seu espaço entre a equipe intensivista e favorece na
promoção de saúde mental e prevenção de distúrbios emocionais, tanto do paciente, quanto da
família e equipe de saúde. Vale ressaltar que a presença do psicólogo junto à equipe da UTI,
objetiva somar o seu conhecimento e sua prática aos cuidados oferecidos pelos demais
profissionais e, sobretudo, promover um atendimento amplo, global e atendendo a dimensão
biopsicossocial.
REFERÊNCIAS
ANGERAMI-CAMON, W. A. (org.), Psicologia Hospitalar: Teoria e Prática. São Paulo:
Pioneira, 1994.
ANGERAMI-CAMON, W. A. (org.), E a Psicologia Entrou no Hospital. São Paulo:
Pioneira, 2003.
DI BIAGGI, T. M. Relação Médico-família em UTI: a visão do médico intensivista.
Dissertação de Mestrado, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2002.
SILVA, Rosanna. Psicologia e Unidade de Terapia Intensiva. Revista Salus-GuarapuavaPR. jan./jun. 2007; 1(1): 39-41
SEBASTIANI, R.W. (1995). O Atendimento Psicológico no Centro de terapia Intensiva, em
Angerami-Camon, W; Trucharte, F.R; Knijnik, R.B; Sebastiani, R.W (orgs). Psicologia
Hospitalar-Teoria e Prática; Pioneira, PP.29-70, São Paulo.
SOUZA, Raquel (org). Manual: Rotinas de Humanização em Medicina Intensiva. 2ª ed.
São Paulo: Atheneu, 2010.
OLIVEIRA, E. C. N. Viver é resistir: a singularidade da saúde a partir das práticas nos
C.T.I.s. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: UERJ/Instituto de Psicologia, 2002
TEIXEIRA, J.E. Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva do Hospital Central do
Exécito: O Trabalho com a Família. Revista Científica do HCE. Ano III, n 2, 2008.
Download