Clique aqui para realizar o

Propaganda
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
LEZINETE REGINA LEMES
O DISCURSO AUTORAL NOS LIVROS DIDÁTICOS
DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO MÉDIO:
ANÁLISE LINGUÍSTICA
CUIABÁ-MT
2009
LEZINETE REGINA LEMES
O DISCURSO AUTORAL NOS LIVROS DIDÁTICOS
DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO MÉDIO:
ANÁLISE LINGUÍSTICA
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagem da
Universidade Federal de Mato Grosso como parte
dos requisitos para a obtenção do título de Mestre
em Estudos de Linguagem, sob a orientação da
professora Dra. Simone de Jesus Padilha.
CUIABÁ-MT
Ficha Catalográfica
L544d
LEMES, Lezinete Regina.
O discurso autoral nos livros didáticos de Língua Portuguesa do
Ensino Médio: análise linguística. Lezinete Regina Lemes. – Cuiabá/
MT: [s.n.], 2009.
202 p.: il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Linguagem). Universidade Federal de
Mato Grosso. Instituto de Linguagens. Programa de Pós-Graduação em
Estudos de Linguagem.
Orientador: Profª. Dra. Simone de Jesus Padilha.
Inclui bibliografia.
1. Livro Didático. 2. Língua Portuguesa. 3. Autoria. 4. Análise
Lingüística. I. Título.
CDU: 81’1:371.671
Dedico este trabalho aos meus pais —
Alexandre e Elezina — por fazerem parte
de todos os momentos importantes da
minha vida.
AGRADEÇO
A Deus, pelo conforto espiritual;
À minha orientadora, professora Dra. Simone de Jesus Padilha, pela orientação,
pela confiança, pela sua seriedade e competência intelectual e por ter me ajudado a
compreender o pensamento de Bakhtin;
Aos professores Doutores Valdemir Miotello (UFSCar-SP) e Cláudia Graziano Paes
de Barros (UFMT) pela leitura atenta, pelas contribuições e sugestões valiosas no
exame de qualificação;
Aos docentes do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem, pelas
contribuições teóricas que foram dadas durante o curso ― Maria Rosa, Maria Inês,
Simone, Baronas, Ana Antônia, Sérgio Flores, Cláudia;
Aos amigos do Rebak, Jefferson e Timotheu, pelos diálogos estabelecidos durante a
escritura de nossas dissertações. Com certeza, nossos diálogos constituem a
autoria deste trabalho;
À Jucelina, minha querida amiga, obrigada pelo apoio e pela confiança depositada
em mim. Obrigada pelos momentos de alegria e por ter me ajudado na finalização
deste trabalho;
Aos amigos da Pós-Graduação: Adriana, Alba, Alessandra, Arivan, Eliana, Soeli pela
amizade construída neste processo, como também agradeço à Alba e Sônia Renata
pela disponibilidade em ler meu trabalho e dar suas contribuições;
Aos meus queridos amigos ― Lena, Rodney, Josi ― obrigada pelas palavras
amigas, pelos momentos de descontração e por participarem das minhas
conquistas;
Aos amigos aqui não nomeados ― obrigada pelos abraços, pelos risos, pela torcida;
Aos professores e ex-colegas de trabalho do Departamento de Letras da UFMT ―
Soraia, Patatas, Maria Lúcia, Marta, Eliane, Irene ― obrigada por acreditarem na
minha capacidade profissional e por terem me ajudado em vários momentos no
exercício da minha docência;
Aos meus irmãos ― Nil, Ney e Neila ― por estarem sempre torcendo por mim.
A vida é dialógica por natureza. Viver significa
participar de um diálogo: interrogar; escutar;
responder; concordar etc. Neste diálogo o homem
participa todo e com toda a sua vida: com os olhos,
os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo
todo, com as suas ações. Ele se põe todo na palavra, e
esta entra no tecido dialógico da existência humana,
no simpósio universal.
Mikhail M. Bakhtin
RESUMO
A presente pesquisa procurou desvelar a constituição da autoria discursiva em
relação à análise linguística, presente nos livros didáticos de Língua Portuguesa do
Ensino Médio e nos seus respectivos Manuais do Professor. Para realização desta
pesquisa, tomamos os livros didáticos de Língua Portuguesa (doravante LDP) como
gêneros discursivos a fim de analisar as atividades de análise linguística —
comumente denominada por eixo da reflexão sobre a linguagem ou da prática de
análise linguística (GERALDI, 1984). Para tanto, selecionamos dois livros didáticos
de Língua Portuguesa do Ensino Médio e seus respectivos Manuais do Professor —
um dos livros selecionados foi usado pelas escolas estaduais de Cuiabá. Além
disso, esses livros foram submetidos à avaliação do Programa Nacional do Livro
Didático para o Ensino Médio (PNLEM/2004). A análise dos dados foi conduzida
pela teoria enunciativo-discursiva do Círculo de Bakhtin, que considera a linguagem
enquanto processo e produto das relações interativas, em que o eu sempre se
constitui a partir do outro, numa compreensão ativa e responsiva dos atos
interlocutivos. A análise evidencia que há uma complexa rede de correlações entre
os discursos dos autores de LDP nos seus materiais didáticos e os discursos oficiais
difundidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM),
pelas Orientações Curriculares do Ensino Médio (OCEM) e pelo Programa Nacional
do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), como também dialoga com os
usuários dos LDP, professores e alunos. Isso nos permitiu afirmar que há uma
relação tensa na constituição do discurso autoral, tendo em vista que os autores
respondem aos discursos revozeados tanto pelos documentos oficiais quanto pela
produção acadêmico-científica e pelos usuários dos livros didáticos. Além disso,
consideramos que as forças centrífugas e centrípetas (BAKHTIN, 1934-1935/1975)
agem, em boa medida, sobre o discurso dos autores na didatização das atividades
de análise linguística.
Palavras-chave: livro didático, autoria, análise linguística.
ABSTRACT
This study intends to investigate the constitution of discursive authorship in relation to
linguistic analysis, present in Portuguese course books at High School Level and in
the respective Teachers’ Books. In order to do this, Portuguese course books (LDP)
were considered as discourse genres to analyze the linguistic analysis activities –
generally denominated according to their line of reflection on the language or practice
of linguistic analysis (GERALDI, 1984). Two Portuguese course books were chosen
along with their respective Teachers’ books – one of which has been used by the
State Schools in Cuiabá. These books were also submitted to the evaluation of the
National Course Book Program for High School Level (PNLEM/2004). The analysis
of data was conducted by the enunciative-discursive theory of the Bakhtin Circle, that
considers language as the process and product of interactive relations where the I is
always constituted from the other, in an active and responsive comprehension of the
interlocutory acts. The analysis shows that there is a complex network of correlations
between the discourse of the authors of LDP in their course material and the official
discourses used in the National Curriculum Parameters for High School (PCNEM)
and by the National Course Book Program for High School Level (PNLEM). The
course books also establish a dialogue with their users, teachers and students. This
brought the conclusion that there is a tense relation in the constitution of authorial
discourse, considering that authors respond to discourse revoiced by official
documents as well as by academic-scientific production and by users of the course
books. It was also considered that the centrifugal and centripetal forces (BAKHTIN,
1934-1935/1975) act, in a large measure, on authors discourse in the didactization of
linguistic analysis.
Keywords: course book, authorship, linguistic analysis
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11
CAPÍTULO I – LÍNGUA PORTUGUESA, GÊNEROS DO DISCURSO, ANÁLISE
LINGUÍSTICA ............................................................................................................. 16
1.1 Breves considerações ........................................................................................... 16
1.2 Um diálogo com a teoria do Círculo de Bakhtin .................................................... 19
1.2.1Características do enunciado como unidade da comunicação discursiva .......... 24
1.3 A esfera escolar ....................................................................................................
28
1.3.1 A esfera escolar: a disciplina Língua Portuguesa e sua relação com o LD .......
29
1.3.2 O ensino da gramática na disciplina Língua Portuguesa anterior à publicação
dos documentos oficiais .............................................................................................. 35
1.3.3 A publicação dos documentos oficiais — uma proposta de trabalho para o
ensino de LP: a análise linguística .............................................................................. 40
CAPÍTULO II O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A AUTORIA .....
50
2.1 Notas introdutórias ................................................................................................
50
2.2 Livro didático de Língua Portuguesa: um gênero do discurso ..............................
51
2.3 LDP: Transposição didática e didatização ............................................................
64
2.4 Os conceitos de autoria e os LDP ......................................................................... 68
2.4.1 O conceito de autor por Roland Barthes ............................................................ 69
2.4.2 A autoria para Michel Foucault ..........................................................................
70
2.4.3 Tripartição autoral da teoria bakhtiniana nos LDP .............................................
77
CAPÍTULO III METODOLOGIA DE PESQUISA ........................................................
82
3.1 Breves considerações ...........................................................................................
82
3.2 A teoria enunciativo-discursiva na pesquisa em Ciências Humanas ....................
82
3.3 Metodologia de coleta de dados ...........................................................................
85
3.4 Critérios de escolha para nível de ensino e para os livros didáticos ..................... 86
3.4.1 Os livros selecionados .......................................................................................
88
3.4.2 Descrição do LDP1 selecionado ........................................................................
88
3.4.3 Descrição do LDP2 selecionado ........................................................................
90
3.4.4 Os corpora ........................................................................................................
91
3.5 Metodologia de análise de dados .........................................................................
91
CAPÍTULO IV ANÁLISE DE DADOS ......................................................................... 98
4.1 Considerações iniciais ..........................................................................................
98
4.2 O Manual do Professor .........................................................................................
98
4.2.1 Manual do professor do LDP1 ...........................................................................
104
4.2.2 Manual do professor do LDP2 ...........................................................................
115
4.3 O discurso autoral nas atividades de análise linguística no LDP1 e LDP2 ........... 120
4.3.1 Compreendendo as seções do LDP1 destinadas à reflexão linguística ............
120
4.3.1.1 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise linguística:
Conceito de Língua(gem) ............................................................................................ 132
4.3.1.2 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise linguística:
Variantes Linguísticas................................................................................................. 137
4.3.1.3 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise linguística:
Plural dos substantivos e dos adjetivos compostos .................................................... 144
4.3.2 Compreendendo as seções do LDP2 destinadas à reflexão linguística ............
147
4.3.2.1 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise linguística:
Enumerações e uso do verbo haver ..................................................................... ..... 155
4.3.2.2 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise linguística:
Sinais de pontuação ................................................................................................... 159
4.3.2.3 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise linguística:
Verbos e Transitividade verbal .................................................................................... 161
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................
166
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................
171
ANEXOS .....................................................................................................................
178
INTRODUÇÃO
A justificativa para desenvolvermos nossa pesquisa de Mestrado nasce de
uma angústia, vivenciada durante a docência, num primeiro momento, depois
quando assumimos a função de professora autora de um livro didático de uma
escola privada de Cuiabá.
Escrever material destinado a um grande número de alunos do Ensino Médio
exigiu de nós um olhar muito diferenciado do que estávamos habituadas a ter.
Manusear um livro didático e verificar suas lacunas e seus pontos positivos é uma
prática constante e, com certeza, é mais simples por que não dizer cômoda, se
pensarmos do ponto de vista de quem escreve uma obra didática. Entretanto,
quando nós somos chamados a escrever, logo vem a pergunta inquietante: como
fazer? E nós vivenciamos essa inquietação, pois fomos convidadas para escrever
um material didático apostilado.
Como sabemos, escrever material didático é uma atividade profissional que
requer vasto conhecimento da área para qual se vai escrever, disponibilidade para
pesquisar e redigir. Além disso, é preciso saber lidar com situações adversas que
envolvem a produção de um livro, tais como: orçamento, tempo, número de agentes
necessários para desenvolver o trabalho, entre outros aspectos.
Após termos aceitado a proposta de escritura do material apostilado, fomos
investigar se havia teses, dissertações, artigos direcionados ao Ensino Médio, que
nos ajudassem e, assim, pudessem estar em consonância com as recentes
discussões sobre essa etapa de ensino. Mas, no período em que escrevemos,
encontramos poucas fontes destinadas ao Ensino Médio.
Em virtude disso, quando decidimos optar pelo objeto de nossa pesquisa o
discurso autoral nas atividades de análise linguística, não hesitamos em dizer que os
corpora seriam os livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Médio. Após
isso, buscamos as escolas estaduais Cuiabá, para, numa conversa informal, saber
11
quais livros foram adotados pelos professores de Língua Portuguesa no ano letivo
de 2007. Essa conversa nos possibilitou selecionar um dos livros didáticos que
seriam objeto de nossa investigação.
O que propomos, neste trabalho, é discorrer sobre o ensino de língua materna
no que tange ao módulo de ensino denominado análise linguística, mas procurando
entender o projeto autoral na elaboração das atividades e nas orientações
destinadas ao professor. A nomenclatura análise linguística foi proposta por Geraldi
(1984) e tem por objetivo criar situações didáticas em que exista um trabalho
reflexivo com a língua, visando trabalhar este eixo para o estudo da linguagem: uso
– reflexão – uso.
Esse eixo, proposto por Geraldi, comumente denominado de eixo da reflexão
sobre a linguagem ou da prática de análise linguística, é uma possível solução para
um dos grandes temas da área, o ensino da gramática. Pensar em gramática é
trazer à tona diferentes perspectivas que a consideram imprescindível para a
formação de bons leitores e produtores de textos. Dominar a gramática, pelo
conhecimento da nomenclatura, é, para alguns, sinônimo de se dominar a língua,
pois o usuário competente seria o que “conhece essas normas e as domina tanto
nocionalmente quanto operacionalmente” (FRANCHI, 2006, p. 16). Já para outros,
isso está na contramão do que se pensa sobre ensino-aprendizagem de língua, pois
a variedade padrão não é a realidade linguística da grande maioria dos usuários da
nossa língua.
Isso evidencia que didatizar conteúdos gramaticais diante de novos enfoques
no ensino de língua materna é um trabalho árduo, pois, por exemplo, não abordar a
gramática nos livros didáticos é negar uma concepção de ensino que fora instituída
desde o período grego.
Nosso ponto de vista é corroborado por Franchi (2006, p. 52), quando afirma
que
A crítica aos estudos gramaticais em nossas escolas só tem razão
porque é crítica a um certo modo de conceber a gramática e de
prática com nossos alunos. Ou melhor, porque na verdade não existe
propriamente uma só concepção servindo de base às noções,
conceitos, relações e funções com que se opera nas análises e
descrições feitas na escola e em nossos livros didáticos. Trata-se de
uma tradição (num sentido quase mecânico de tradição) que foi
acumulando e catalogando questões, problemas, soluções
específicas, definições: um baú de guardados. Alguns trazem marcas
12
de um tempo que vai lá longe aos Aristóteles e Platões; outros
lembram Port-Royal ou Jespersen ou Martinet ou Sapir ou Saussure
ou Soares Barbosa [...]
Essas considerações de Franchi nos mostram que muitas discussões sobre o
ensino de Língua Portuguesa buscam compreensão sobre os diferentes problemas
que cercam esse conteúdo curricular, desde a concepção de gramática à formação
de professores.
Em nossa pesquisa, nosso olhar busca compreender as diferentes visões
pelas quais passou o ensino de língua materna, para que pudéssemos discutir com
um pouco de mais propriedade o discurso da inovação no ensino de gramática
versus o ensino tradicional, que envolve o ensino de Língua Portuguesa, como
também a fragmentação que envolve o currículo do Ensino Médio (PCNEM, 1999).
Aliás, essa etapa de ensino, nos últimos anos, tem recebido atenção dos
pesquisadores, uma vez que os documentos oficiais (PCNEM, PCN+, OCEM) nos
dizem que se deve ter uma formação centrada em competências e habilidades a fim
de que os alunos sejam cidadãos autônomos para uso de sua língua em qualquer
situação social em que eles estejam inseridos.
Por sabermos disso, consideramos a nossa pesquisa relevante, pois nosso
objetivo é desvelar a constituição da autoria discursiva em relação à análise
linguística, presente nos livros didáticos de Língua Portuguesa e nos seus
respectivos Manuais do Professor. A fim de entendermos essa constituição autoral,
lançamos mão das seguintes questões de pesquisa:
•
Como se constitui o discurso autoral nos livros didáticos de Língua
Portuguesa do Ensino Médio em relação à análise linguística?
•
O livro do aluno coloca em prática as orientações dadas pelo Manual do
Professor em relação à análise linguística?
Assim, no capítulo I, abordamos alguns conceitos teóricos mais relevantes do
Círculo de Bakhtin. Além disso, numa perspectiva enunciativo-discursiva, fazemos
um breve histórico acerca da esfera escolar, procurando relacioná-la com o uso do
livro didático e com a história da criação da disciplina Língua Portuguesa.
13
Finalizamos o capítulo discutindo o ensino de gramática antes e após a publicação
dos documentos oficiais (PCNLP, PCNEM, PCN+, OCEM).
No capítulo II, apresentamos a releitura do livro didático de Língua
Portuguesa enquanto gênero do discurso, conforme Bunzen (2005, 2007), Bunzen &
Rojo (2005), Padilha (2005), Barros-Mendes (2005). Para compreendermos como os
objetos de conhecimento são transformados em objetos de ensino, discorremos
sobre os conceitos transposição didática e didatização, conforme Chevallard (1985),
Canellas-Trevisi (1997). Finalizamos a fundamentação teórica buscando explorar a
questão da autoria, procurando compreender o pensamento de alguns teóricos,
dentre eles, Barthes (1968), Foucault (1969, 1970), Buescu (1998) e Bakhtin (19221924).
No capítulo III, tratamos dos procedimentos metodológicos que auxiliaram na
escolha dos livros didáticos e do objeto de ensino bem como na análise do corpus
que compõe esta pesquisa, em que são apresentados estes aspectos: a teoria
enunciativo-discursiva de Bakhtin na pesquisa em Ciências Humanas, os
procedimentos adotados para a seleção do corpus, a metodologia de análise e a
descrição dos LDP a serem analisados.
No capítulo IV, trazemos as análises feitas nos livros didáticos de Língua
Portuguesa e nos seus respectivos Manuais do Professor, procurando responder às
questões de pesquisa sobre a constituição do discurso do autor no que tange à
análise linguística e à operacionalização das orientações dadas nos Manuais do
Professor no livro do aluno.
Por fim, apresentamos as considerações finais de nossa pesquisa, seguidas
pelas referências bibliográficas e pelos anexos.
Isso posto, nossa pesquisa de Mestrado não se configura como mais um
estudo sobre o ensino de língua materna, em que se discute o que se deve ou não
ensinar. Pelo contrário, nosso objetivo é contribuir para uma discussão ainda
reservada a poucos trabalhos no que concerne à autoria, e mais, no que se refere à
didatização dos conteúdos gramaticais.
Ao enveredarmos por esse tema pelo viés da análise linguística, percebemos
que os autores são sujeitos dialógicos, que, por sua vez, estão procurando o melhor
caminho para se didatizar os diferentes objetos de ensino em seus livros didáticos.
Nesse sentido, nossa pesquisa permitirá que todos aqueles que têm o livro
14
didático como objeto de investigação possam compreender o processo de
elaboração das atividades de análise linguística e, assim, re(pensar) os enunciados
que são ditos e apreendidos nos diversos projetos autorais dos livros didáticos de
Língua Portuguesa.
15
CAPÍTULO I
LÍNGUA PORTUGUESA, GÊNEROS DO DISCURSO,
ANÁLISE LINGUÍSTICA
1.1 Breves considerações
O ensino-aprendizagem de língua materna, desde a década de 80, tem sido
preocupação das recentes políticas educacionais que têm proposto mudanças no
currículo em relação à metodologia de ensino.
O objetivo dessas políticas é o desenvolvimento de competências, capacidades
e habilidades1 que permitam aos alunos uma interação participativa e crítica na
realidade social que os cerca, a qual será conquistada por meio da competência
discursiva, textual e semântica. Essas competências e habilidades, quando
adquiridas pelos alunos, permitirão que eles tenham mais autonomia em relação à
sua participação nos diferentes contextos sociais em que se fizerem inseridos.
Esse redimensionamento do ensino está evidenciado nos documentos
parametrizadores e programas oficiais de avaliação2 que propõem uma nova
organização do currículo de Língua Portuguesa no que tange às concepções de
ensino-aprendizagem, como também direcionam a uma concepção de linguagem
enunciativo-discursiva, constituindo, como tem denominado a Academia, a chamada
virada discursiva no ensino da língua materna (ROJO & CORDEIRO, 2004).
1
Sabemos que há uma vasta bibliografia que trata da questão das competências e habilidades. Em
virtude disso, assumimos a posição de Rojo (s/d) que define o conceito de competências como um
conjunto de conhecimentos (saberes), juntamente com as habilidades (saber-fazer relacionado à
ação física ou mental que indica a capacidade adquirida) mais as atitudes (saber-ser: aspectos éticos,
cooperação, solidariedade, participação).
2
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, Ensino Fundamental I e II (1997 e 1998);
Parâmetros Curriculares do Ensino Médio de Língua Portuguesa (1999), PCN+ (2000), Orientações
Curriculares do Ensino Médio (2006), as avaliações do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
(1ª a 4ª séries e 5ª a 8ª séries) e o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM).
16
Apesar de todas essas mudanças, ainda não rompemos de fato com a
problemática em torno de alguns conceitos teórico-metodológicos, como por
exemplo, a concepção de língua(gem) a ser adotada pelo professor; a inexistência
de uma prática eficaz quanto ao trabalho com a análise linguística; o ensino de
leitura nas salas de aula etc.
Os documentos oficiais assumiram o papel de propor tais caminhos,
assetando-se sobre uma teoria de língua(gem) advinda dos pensadores russos
Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Volochinov e Pável N. Medvedev3, os quais
consideram a linguagem como sendo uma relação entre os indivíduos, circunscritos
a certos meios sociais, num dado contexto sócio-histórico.
Essa concepção de linguagem contrapõe-se a outras duas correntes
filosóficas que desenvolveram estudos acerca da linguagem — linguagem como
expressão do pensamento e linguagem como instrumento de comunicação.
A primeira corrente filosófica, a linguagem como expressão do pensamento,
compreende a linguagem como um ato individual, que caracteriza a exteriorização
do pensamento. Essa corrente, na Antiguidade, foi formada a partir das observações
feitas pelos sábios e filósofos gregos. Para o filósofo grego Parmênides (535-450
a.C.) apud Bizzocchi (2000, p. 39), “ser e pensar são uma só e a mesma coisa”, ou
seja, para se compreender o pensamento é necessário estudar a linguagem.
Baseados nessa concepção, os gregos procuraram entender e conceituar as regras
a serem seguidas para a organização lógica do pensamento e linguagem.
Segundo Travaglia (1995, p. 21), nessa concepção, “presume-se que há
regras a serem seguidas para a organização lógica do pensamento e,
consequentemente, da linguagem”, quer dizer, em uma situação de interação, o
interlocutor “(para quem se fala)” e o contexto “(onde, como, quando) para quem se
fala” não têm importância para o locutor (TRAVAGLIA, 1995, p. 22).
Já a segunda corrente, linguagem como instrumento de comunicação,
preocupa-se em desenvolver a competência comunicativa, a qual será conseguida
3
Esses pensadores constituíram o Círculo de Bakhtin. Esse Círculo nasceu do encontro de dois
grupos de intelectuais que se reuniam para discutir filosofia e para debater ideias em Nevel (antiga
Rússia Ocidental) no ano de 1918. Nesse período, os grupos tinham de um lado como membros
Vladimir Zinoviévich Ruguévitch, Valentin Nikolaiévitch Volochinov e Boris Mikhailóvitch Zubákin; de
outro, Mikhail M. Bakhtin, Lev Vasiliévitch Pumpiânski e Maria Veniaminova Iudina. Além desses,
havia outros intelectuais que ajudaram na difusão das ideias do grupo, como Matvei Isaiévitch Kagan,
Pável Nikolaiévitch Miedviédiev. Recomendamos a leitura da obra de Clark e Holquist (2004), que
fizeram uma importante pesquisa sobre Bakhtin e seu Círculo.
17
por meio da competência gramatical ou linguística. Para essa concepção, a língua é
vista “como um código, ou seja, como um conjunto de signos que se combinam
segundo regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um
emissor a um receptor” (idem, ibidem).
Essa concepção pode ser vista nos estudos da língua tanto em Saussure
quanto em Chomsky. Nesses estudos, o falante real não era levado em
consideração. Para Saussure (1916, p. 22), “a língua não constitui, pois, uma função
do falante: é o produto que o indivíduo registra passivamente; não supõe jamais
premeditação, e a reflexão nela intervém somente para a atividade de classificação”.
Segundo o linguista Noam Chomsky (1957), o falante de uma língua é capaz de criar
um número infinito de frases gramaticais com base em um número finito de
elementos oferecidos pela estrutura da sua língua. Para Chomsky, a linguagem é
um objeto ideal para a comunicação, porque é a representação da criatividade
individual, em que se desconsidera o ato de linguagem.
Essas duas correntes filosóficas desconsideram o contexto social em que são
produzidos os enunciados, já o Círculo de Bakhtin considera que o indivíduo, ao
usar sua língua, o faz de forma planejada, buscando agir sobre seu interlocutor.
Aqui, a linguagem é entendida como um processo que permite a interação entre os
indivíduos, pois eles estão circunscritos em uma determinada situação de
comunicação
e
em
um
contexto
sócio-histórico
e
ideológico.
Segundo
Bakhtin/Volochinov (1929, p. 117), “a situação social mais imediata e o meio social
mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio
interior, a estrutura da enunciação”.
Pode-se dizer, usando as palavras desses autores (1929, p. 127), que “a
interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua”. Esse
posicionamento em relação à língua(gem) percorrerá toda a obra do Círculo.
Nosso trabalho também está ancorado na teoria enunciativo-discursiva do
Círculo de Bakhtin por acreditarmos que há uma relação estreita entre os diferentes
enunciados e os usos da linguagem, e que a natureza social das interações
evidencia que o sujeito não é uno, ele faz parte de uma coletividade, em que a
complexidade e a multiplicidade das relações sociais fazem com que cada um de
nós, durante nossas diversas interações, sejamos constituídos pelo outro.
A concepção bakhtiniana de linguagem, — como interação verbal —,
18
também pode ser vista em alguns projetos autorais de determinados livros didáticos
de Língua Portuguesa (doravante LDP). Seus autores têm buscado criar condições
didáticas que estejam em diálogo tanto com os critérios de avaliação empregados
pelos pareceristas do Ministério da Educação (MEC) quanto com os documentos
oficiais4.
Por reconhecer a relevância que a teoria do Círculo de Bakhtin assumiu nas
pesquisas acadêmicas, nos documentos oficiais e nos LDP, propomos, na primeira
parte deste capítulo I, revisitar alguns conceitos do arcabouço teórico do Círculo, em
suas diferentes obras, que tiveram repercussão nos livros didáticos e que terão,
ainda, participação teórica em nossa pesquisa.
Na segunda parte, abordaremos a esfera escolar e sua relação direta com o
uso do livro didático e com a história da criação da disciplina Língua Portuguesa. Na
parte final do capítulo, discutiremos o ensino de gramática nas suas diferentes
vertentes.
1.2 Um diálogo com a teoria do Círculo de Bakhtin
Mikhail M. Bakhtin (1952-53/1979), em sua obra Estética da criação verbal, no
texto “Os gêneros do discurso”5, afirma que definir gêneros não é algo tão simples,
pois, desde Platão e Aristóteles, esta temática é investigada. Segundo ele, o
conceito de gêneros esteve associado à noção de gêneros literários (lírica, épica,
dramática). Esses sempre foram estudados, desde a Antiguidade até a época atual,
no sentido artístico-literário. Isso é, a obra literária é vista no limite da literatura, em
que ela é admirada não apenas pela grande eloquência dos autores na transposição
de suas criações para a escrita como também pela magnitude e importância que a
obra assume em um contexto sócio-histórico. Tal noção é ampliada por Bakhtin
(1952-53/1979, p. 262) [grifo do autor], quando considera que “cada campo de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os
4
Em relação aos documentos, ressaltamos que os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio
(PCNEM, 1999) não apresentam, coerentemente, sua concepção de língua(gem). Numa leitura
atenta, percebe-se que os PCNEM acabam reproduzindo todas as concepções de língua(gem) a fim
de estabelecer conexões com as discussões realizadas no período em que esse documento foi
elaborado, precisamente acerca do ensino de língua materna. Em alguns momentos, encontramos o
discurso do Círculo nos documentos, de forma direta e indireta.
5
O título original desse texto, escrito em 1952-1953 e publicado em 1979, é O problema dos gêneros
do discurso.
19
quais denominamos gêneros do discurso.” Não podemos nos esquecer de que
Bakhtin/Volochinov já abordava a questão dos gêneros na obra Marxismo e Filosofia
da Linguagem (1929, p. 44):
Mais tarde, em conexão com o problema da enunciação e o diálogo,
abordaremos o problema dos gêneros lingüísticos. A este respeito
faremos simplesmente a seguinte observação: cada época e cada
grupo social têm seu repertório de formas de discurso na
comunicação socioideológica. A cada grupo de formas pertencentes
ao mesmo gênero, isto é, a cada forma de discurso social,
corresponde um grupo de temas. [grifo nosso]
Observamos que, nesse trecho, os pensadores russos já se mostravam
preocupados em relação à problemática conceituação dos gêneros, como também já
nos alertavam que em qualquer esfera da atividade humana sempre haverá um
conjunto de gêneros, com temas específicos. Rojo (2007) afirma que a elaboração
do conceito “gêneros do discurso” deu-se em uma data anterior a de 1929. Segundo
a pesquisadora, na obra El método formal em los estudios literários: introdución
crítica a uma poética sociológica de Bakhtin/Medvedev (1928), eles tratam dos
gêneros literários ou poéticos, entretanto iniciam uma discussão em torno de outros
conceitos básicos para o entendimento dos gêneros discursivos: campos ou esferas
de circulação, conteúdo temático, a importância da forma, especificamente, do
acabamento e a dupla orientação dialógica dos gêneros, em uma situação
comunicativa:
Um todo artístico de qualquer tipo, isto é, de qualquer gênero,
apresenta uma dupla orientação na realidade e as características
dessa orientação determinam o tipo de todo, isto é, seu gênero.
Em primeiro lugar, a obra se orienta para o ouvinte e receptor e
para condições definidas de atuação e recepção. Em segundo lugar,
a obra orienta-se na vida, de dentro pode-se dizer, por seu conteúdo
temático. [...]
Assim, a obra participa da vida e entra em contato com os
diferentes aspectos da realidade que a circunda, por meio de seu
processo de realização efetiva; como algo produzido, ouvido, lido, em
um determinado tempo, em um determinado lugar e em
determinadas circunstâncias [...] ocupa um lugar definido na vida.
Toma lugar entre a gente organizada de alguma maneira. As
variedades dos gêneros dramáticos, líricos e épicos são
determinadas por essa orientação direta dada pelo mundo como fato,
ou, mais precisamente, pelo mundo como acontecimento histórico da
realidade circundante (BAKHTIN/MEDVEDEV, 1928, pp. 130-131
apud ROJO, 2007, p. 1766) [tradução da autora, ênfase adicionada].
Sendo assim, podemos conceber os gêneros do discurso como práticas de
20
uso da língua(gem) em situações comunicativas orais e escritas, pertencentes a
determinadas atividades humanas, mais ou menos estáveis, com função social. Ao
considerarmos que um gênero possui uma função, estamos partindo do pressuposto
de que ele, ao ser usado como um instrumento de comunicação, tem certo objetivo.
Ilustradamente, na esfera escolar, há vários tipos de atividades, por exemplo,
atividade de ensinar e aprender, a qual, por sua vez, realiza-se por intermédio do
gênero aula. Um exemplo é a aula da disciplina da língua materna, cuja função é
transmitir
saberes
—
leitura,
produção
textual,
análise
linguística
—
institucionalizados pelos currículos.
Bakhtin considera que, qualquer que seja o gênero, ele é constituído por uma
tríade indissociável, a saber: conteúdo temático, estilo e forma composicional. Nas
palavras dele:
O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados
(orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes
desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados
refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido
campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da
linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos
e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção
composicional. Todos esses três elementos — o conteúdo
temático, o estilo, a construção composicional — estão
indissoluvelmente ligados no todo do enunciado (BAKHTIN,
1952-53/1979, pp. 261-262) [grifo nosso].
Quando Bakhtin nos apresenta o tripé que constitui os gêneros do discurso,
ele afirma, categoricamente, que a forma composicional é o primeiro elemento
identificado em um gênero. Como exemplo, nos livros didáticos, temos a estrutura
composicional composta por alguns destes elementos: capa, ficha catalográfica,
sumário, teoria, exercícios etc.
A caracterização do gênero nos permite, de forma análoga, considerar a
forma composicional como a organização do texto em um dado gênero. Não
podemos esquecer que essa estruturação está intrinsecamente direcionada ao
conteúdo temático, uma vez que este, por um lado, acaba por determinar a estrutura
de um gênero, e, por outro, os possíveis interlocutores do gênero e da esfera da
atividade humana.
Sendo assim, todo gênero também é constituído por um conteúdo temático,
segundo Bakhtin (1952-53/1979, p. 282):
21
A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na
escolha de um certo gênero do discurso. Essa escolha é
determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação
discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas),
pela situação concreta da comunicação discursiva, pela
composição pessoal dos seus participantes, etc. [grifo nosso]
Compreendemos que o conteúdo temático é constitutivo dos gêneros, sejam
eles realizados nas formas orais ou escritas, como também ele é direcionado a um
grupo de interlocutores. Estes, por estarem em uma determinada relação discursiva,
são as partes constituintes da situação extraverbal, ou seja, o locutor questiona-se
para quem ou para quais possíveis interlocutores está direcionando seu discurso.
Podemos dizer, também, que o conteúdo temático são as partes dizíveis de um
gênero, isto é, o que será abordado para esses possíveis interlocutores. O nosso
objeto de pesquisa é um exemplo de aplicação para esse conceito, pois
observarmos que há um movimento dialógico, bastante perceptível, quando lemos
algumas partes que compõem o livro didático e isso será apresentado,
detalhadamente, no capítulo de análise.
Fiorin (2006, p. 62) acrescenta que “o conteúdo temático é o domínio de
sentido que se ocupa o gênero”, ou seja, todo e qualquer gênero pertencente a uma
dada esfera é constituído por um conteúdo, que o torna único numa cadeia
comunicativa sócio-histórica.
Analogamente, podemos exemplificar esse conceito com os conteúdos
selecionados para comporem os livros didáticos de Língua Portuguesa. Se
observarmos, cuidadosamente, exemplares do Ensino Médio, perceberemos que
existe certa conformidade quanto à escolha dos objetos de ensino para fazerem
parte desses livros, por exemplo, alguns livros didáticos ainda trazem como objeto
de ensino a teoria da comunicação (elementos da comunicação e as funções da
linguagem), embora alguns de seus autores assumam a concepção de língua
sociointeracionista e/ou enunciativo-discursiva.
Essa padronização em torno dos objetos de ensino nos permite afirmar que
existe um discurso autorizado nas escolhas feitas pelos autores de livros didáticos,
pois eles precisam estabelecer conexões com as ideias difundidas naquele dado
momento sócio-histórico-ideológico no qual estão inseridos.
A título de exemplificação, observamos, em alguns LDP, a presença de
alguns conteúdos que foram inseridos em certo período e que ainda continuam a
22
ser explorados, embora o contexto sócio-histórico seja outro. Isso nos permite que
façamos esta leitura: os autores-criadores acreditam que alguns conteúdos ainda
têm seu espaço e podem contribuir em certa medida para o aprendizado da língua,
por exemplo, a teoria da comunicação. Mudar, talvez, seria um risco, uma vez que
se encontrou uma atitude responsiva positiva de seus interlocutores, precisamente,
daqueles que farão seu uso (professores e alunos).
Para Bakhtin/Volochinov (1929), toda obra está inscrita num dado momento
sócio-histórico, por conseguinte, ela acaba por estabelecer contatos com a ideologia
presente nesse contexto, para ser aceita e, assim, existir.
Dito de outra forma, o autor de livro didático, ao apresentar determinados
conteúdos que, pela óptica dos seus interlocutores atuais, estão ultrapassados, está
em um verdadeiro embate: a tradição versus a mudança. A todo momento, o autor é
interpelado ora pelas pesquisas acadêmicas por meio de suas publicações (tese,
livros, congressos etc.), ora pelos documentos oficiais (PCNEM, PCN+, OCEM), ora
pelos usuários do LDP (professor e aluno). Esse embate afetará sua apreciação
valorativa no que concerne à sua concepção de língua(gem) que sustenta o ensino
de língua materna.
Sendo assim, entendemos que o conteúdo temático é o resultado de uma
situação concreta e histórica, em que os elementos linguísticos e extralinguísticos
também estão inseridos nesse contexto.
Em relação ao estilo, Bakhtin (1952-53/1979, p. 265) afirma que “está
indissoluvelmente ligado ao enunciado e às formas típicas de enunciados, ou seja,
aos gêneros do discurso”. Em outras palavras, todo e qualquer gênero apresenta um
estilo próprio que o caracteriza em uma determinada esfera da atividade humana.
Bakhtin distingue o estilo em estilo de gênero e estilo individual ou de autor.
O estilo de gênero possibilita poucas oportunidades para a impressão da
individualidade, dependendo do gênero escolhido pelo falante, uma vez que há tipos
de enunciados cuja formatação encontra-se padronizada pelos seus usuários em
algumas esferas sociais, por exemplo, um contrato de compra e venda de imóveis.
Se circularmos em outra esfera, perceberemos a estabilidade do estilo do gênero, na
esfera bancária, por exemplo, os clientes recebem documentos com o estilo próprio:
contrato, extrato etc.
Já o estilo individual é marcado, principalmente, nos gêneros literários, pois
23
neles há uma maior abertura para o falante, que pode fazer uso de diversos
recursos linguísticos, como exemplo, os gêneros poéticos.
Fiorin (2006, p. 74) afirma que o estilo individual não está totalmente livre do
gênero, tendo em vista que o propósito comunicativo acaba por direcionar a seleção
de um gênero, “cuja escolha está determinada pela especificidade de uma dada
esfera da troca verbal, pelas necessidades de uma temática, pelas relações entre os
parceiros da comunicação, etc.”
Cabe-nos, então, afirmar que, nesse processo interlocutivo, o sujeito falante,
por ter diferentes interlocutores, acaba assumindo diversos papéis, o que permite
dizer que o estilo individual acaba sendo marcado, construído para um fim
específico.
A tríade bakhtiniana — forma composicional, conteúdo temático e estilo —
constitui todo e qualquer gênero que circula em nosso meio social e não existe a
possibilidade de uma abordagem, em termos bakhtinianos, em que haja a
dissociação desses elementos.
Para Bakhtin (1952-53/1979, p. 269), estudar e compreender os gêneros do
discurso possibilitará aos pesquisadores uma visão mais apurada dos gêneros como
também a “natureza das unidades da língua (enquanto sistema) — as palavras e as
orações”. Desse modo, “os gêneros discursivos são correias de transmissão entre a
história da sociedade e a história da linguagem” (idem, p. 268).
Por estarmos em consonância com as ideias de Bakhtin, apresentaremos, na
próxima seção, características do enunciado, a fim de evidenciar, que, no processo
interlocutivo, há determinados elementos que configuram o movimento dialógico
entre os sujeitos participantes.
1.2.1 Características do enunciado como unidade da comunicação discursiva
Bakhtin/Volochinov (1926, p. 10), no texto Discurso na vida e discurso na
arte, afirma que o enunciado concreto “nasce, vive e morre no processo de interação
social entre os participantes da enunciação”. Sendo assim, não podemos
desconsiderar que a natureza do enunciado está intrinsecamente relacionada às
relações sociais nas quais tomamos parte, ou seja, o falante produz enunciados em
diversas esferas da atividade humana com o objetivo de suscitar respostas do(s)
24
seu(s) interlocutor(es), num dado contexto sócio-histórico.
No texto Os Gêneros do discurso (BAKHTIN, 1952-53/1979), o termo
enunciado é empregado no momento em que se definem os gêneros, a fim de
mostrar a relação existente entre enunciado e as formas de uso da língua, uma vez
que eles podem ser efetivados por meio de enunciados orais ou escritos, concretos
e únicos, os quais estão ligados às mais variadas formas de interação comunicativa,
que abrangem desde o científico a uma conversa informal.
O enunciado é entendido como a efetivação do uso da oração, ou seja, ele
reflete a situação extraverbal, suscitando resposta. Em outras palavras, “todo
enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva. É a posição ativa do
falante nesse ou naquele campo do objeto e do sentido” (BAKHTIN, 1952-53/1979,
p. 287).
O enunciado é marcado pelas relações dialógicas (há um destinatário), é
irrepetível (cada acontecimento discursivo será único) e a cada réplica, haverá um
acento, uma entonação, uma apreciação dos falantes envolvidos nessa interação.
O pensador russo postula que
O falante com sua visão do mundo, os seus juízos de valor e
emoções, por um lado, e o objeto de seu discurso e o sistema da
língua (dos recursos lingüísticos), por outro — eis tudo o que
determina o enunciado, o seu estilo e sua composição (BAKHTIN,
1952-53/1979, p. 296).
Nesse sentido, o querer-dizer do falante dá-se sempre por meio de um
enunciado em um determinado gênero discursivo, o qual está marcado por um estilo
e pela forma composicional, pertencente a uma determinada esfera da atividade
humana.
Não podemos nos esquecer de que, nessa interação, há um conteúdo
temático que perpassa o contexto em que estão inseridos os indivíduos. Segundo os
pensadores russos, “o tema da enunciação6 é concreto, tão concreto como o
6
Enunciação, para Bakhtin, está ligada às condições sócio-históricas, em que a enunciação é
compreendida como um fenômeno social e não individual. Nesse sentido, o pensador russo não vê
distinção entre enunciação e enunciado, uma vez que este é visto não somente como um produto,
mas como um processo, em que o princípio do dialogismo se faz presente. Diferentemente para os
outros estudiosos da linguagem, como Ducrot e Benveniste, a enunciação está no sistema linguístico,
tendo em vista que levam em consideração os pronomes pessoais como categorias de análise. Essas
marcas de enunciação evidenciam que há formas na língua que são definidas somente a partir do seu
uso pelo sujeito. Para Benveniste (1989, p. 82) apud Flores & Teixeira (2005, p. 35), a “enunciação é
este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização.” Esse ato individual
evidencia que o sujeito do discurso apropria-se de sua língua. É a subjetividade que se faz presente.
25
instante histórico ao qual ele pertence” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 134).
Isso é, o tema é único, individual, não reiterável em virtude dessa situação concreta.
Em outro texto, Bakhtin/Volochinov (1926, p. 13) falam-nos da importância
que o herói7 (tema) tem para a forma: “a forma de uma obra poética é determinada,
portanto, em muitos de seus fatores, pelo modo como o autor percebe seu herói — o
herói que funciona como o centro organizador do enunciado”.
Em outro momento, Bakhtin (1934-35/1975), na obra Questões de Literatura
e Estética (A Teoria do Romance), reafirma que a forma e conteúdo são
indissociáveis e são compreendidos como fenômeno social.
Havemos de considerar que
Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros
enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera da
comunicação discursiva. Cada enunciado deve ser visto antes de
tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um
determinado campo (BAKHTIN, 1952-53/1979, p. 297)
Nesse processo comunicativo, não podemos perder de vista, como bem
salientou Fiorin (2006, p. 24), que
as relações dialógicas tanto podem ser contratuais ou polêmicas, de
divergência ou de convergência, de aceitação ou de recusa, de
acordo ou de desacordo, [...] de avença ou de desavença, de
conciliação ou de luta, de concerto ou desconcerto.
Essa oposição de ideias reitera o que Bakhtin afirmou ao enunciar que todo
enunciado não está voltado apenas para seu objeto como também para os discursos
dos outros. A comunicação reflete e refrata diferentes significados e sentidos, cuja
relação dialógica está marcada pela heterogeneidade devido aos conceitos
ideológicos não serem uniformes numa dada esfera da atividade humana. Essa ideia
é corroborada por Fiorin (2006, p. 24): “um enunciado é sempre heterogêneo, pois
ele revela duas posições, a sua e aquela em oposição à qual ele se constrói”.
Bakhtin postula que, para considerarmos o enunciado como unidade real da
comunicação discursiva, devemos partir do pressuposto de que existem elementos
que colaboram para essa discursividade: alternância dos sujeitos do discurso, a
Já para Ducrot (1980, p. 34) a “enunciação é o acontecimento constituído pelo aparecimento do
enunciado” (apud FLORES & TEIXEIRA, 2005). A enunciação está associada a um momento único,
ao presente. Ducrot não leva em consideração a anterioridade para análise do discurso.
7
Na visão de Bakhtin/Volochinov (1926), o herói é o objeto do discurso do autor. Ele representa o
todo da obra. No capítulo 2, discutiremos esse conceito com mais profundidade.
26
conclusibilidade e a expressividade.
O primeiro elemento é a alternância dos sujeitos do discurso, isto é, há um
movimento dialógico entre os falantes, que, em uma atitude responsiva, anuncia
para seu(s) interlocutor(es) o início e o término do que objetiva dizer: “O falante
termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua
compreensão ativamente responsiva” (BAKHTIN, 1952-53/1979, p. 275).
Essa alternância de vozes configura o diálogo, tendo em vista que ele é
marcado pela réplica, cuja enunciação deu-se num certo período de tempo. Os
sujeitos estão situados num dado tempo e espaço.
Fiorin (2006, p. 24) corrobora essa ideia ao afirmar que “[...] o dialogismo é o
modo de funcionamento real da linguagem, é o constitutivo do enunciado. Todo
enunciado constitui-se a partir de outro enunciado, é uma réplica a outro enunciado”.
Não podemos esquecer que há uma relação de interdependência entre os conceitos
diálogo e enunciado (MARCHEZAN, 2006), e por isso, Bakhtin considera o diálogo o
exemplo clássico de comunicação discursiva, para caracterizar, distintamente, as
atuações dos gêneros nas mais diversas esferas da comunicação humana.
Já a conclusibilidade está ligada intrinsecamente ao primeiro elemento,
podendo ser entendida como sendo a representação dos sujeitos do discurso no
interior de um enunciado. Segundo Bakhtin (1952-53/1979), um falante, ao proferir
ou escrever algo, explicita para seu(s) interlocutor(es), imediato(s) ou não, seu
posicionamento, dando pistas de que ele, ao final de sua fala, esperará a atitude
responsiva dele(s).
Segundo Fiorin (2006), recuperando o discurso de Bakhtin (1952-53/1979), o
enunciado se dirige a um destinatário imediato e a um superdestinatário. Esses têm
sua identidade caracterizada conforme o grupo social a qual pertencem, pois estão
inseridos em uma época, em um lugar específico.
E o último dos elementos que colaboram para a discursividade é a
expressividade, compreendida como a apreciação valorativa do falante com seu
objeto de discurso e com seus interlocutores pertencentes a uma determinada
esfera da atividade humana. Bakhtin (1952-53/1979, p. 289) acredita que “a relação
valorativa do falante com o objeto do seu discurso (seja qual for esse objeto)
também determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais do
enunciado”, ideia
reafirmada por Rodrigues (2005, p. 161) quando diz que
“a
27
expressividade é uma característica
do enunciado, não é uma propriedade da
língua (sistema)”, quer dizer, a expressividade está presente em todos os
enunciados, uma vez que não existem enunciados neutros.
Em síntese, nestas seções, foram discutidos dois conceitos básicos para a
nossa pesquisa: gêneros discursivos e as características do enunciado concreto.
Num primeiro momento, objetivamos elucidar o conceito gêneros discursivos
em que o tripé — forma composicional, conteúdo temático e estilo — foi discutido e
relacionado com nosso objeto de pesquisa, a fim de estabelecer proximidade com
os conceitos bakhtinianos.
Retornando aos objetivos de nossa pesquisa, que é analisar as atividades de
análise linguística, foram apresentadas as características do enunciado concreto. Ao
revisitarmos esse conceito bakhtiniano, buscávamos evidenciar que, no movimento
dialógico, há a presença do outro em nossos enunciados.
Pensar o livro didático enquanto gênero discursivo é levar em conta seus
interlocutores imediatos e mais amplos que se fazem presentes no momento da
produção, circulação e recepção desse gênero, bem como também a relação com a
esfera à que pertence. Nesse sentido, abordaremos, na próxima seção, a esfera
escolar e a sua relação com o livro didático (LD).
1.3 A esfera escolar
Para Petitat (1992, p. 144) apud Soares (2002, p. 155-156), o aprendizado
escolar, a partir do século XVI, está marcado pela construção de um prédio único
para repassar conhecimento aos indivíduos. O resultado da criação desse prédio foi
a instituição de um tempo para a aprendizagem, para a sistematização do
aprendizado, que, por sua vez, é marcada pela criação de matérias/disciplinas.
A nosso ver, essa sistematização contribuiu para que houvesse a
padronização em relação aos conteúdos que comporiam essas matérias/disciplinas.
Isso é, ao criar uma disciplina, buscou-se a homogeneização dos conteúdos a serem
ensinados e aprendidos, para facilitar a própria burocracia instaurada pela instituição
escolar.
Dessa forma, podemos dizer que “na escola, o saber para ser ensinado,
aprendido, avaliado, sofre um processo de seleção, segmentação, organização em
28
seqüências progressivas, é, em síntese, didatizado, escolarizado” (SOARES, 1996,
p. 55). Nesse sentido, a materialização do que deve ser ensinado dá-se pela
presença dos currículos, dos programas, dos conteúdos programáticos, dos
materiais didáticos adotados pelas instituições escolares, ou seja, são os lugares
onde os saberes a serem aprendidos estão burocraticamente estabelecidos e
organizados. Para Soares (2002), a escola é o reflexo dessa sistematização que
determina
os
graus
escolares,
as
séries,
as
classes,
o
currículo,
as
matérias/disciplinas e os programas.
Soares (1996) afirma que a escola é uma instituição burocrática e ortodoxa, o
que podemos verificar na organização e categorização dos alunos e professores.
Acreditamos que o objetivo é escolher uma equipe de educadores que possa
trabalhar com os melhores alunos selecionados previamente para uma sala, como
também direcionar o papel do professor. Além disso, o colégio controla o tempo de
entrada e saída das salas de aula; discentes e docentes são regulados não apenas
pelo tempo como também pelas avaliações que devem ocorrer ao longo do ano.
Hutmacher (1992, p. 60) apud Soares (2002, p. 156) acredita que existe uma
atuação por parte daqueles que dirigem a escola, eles sempre trabalharão de forma
antecipada para receber indivíduos no espaço escolar. Isso se dá pela criação de
categorias para os alunos “(idade/grau/seção/tipo de problema etc.)”, determinando
“um tratamento escolar respectivo (horários, gênero e volume de trabalho, saberes a
aprender, competências a adquirir, métodos de enquadramento, processos de
avaliação e de seleção etc.).”
Sendo assim, a esfera escolar é um meio social que possui normas e
diferentes sistematizações em relação aos sujeitos que dela participam, seja direta
ou indiretamente.
1.3.1 A esfera escolar: a disciplina Língua Portuguesa e sua relação com o LD
Faremos um breve retrospecto do processo sócio-histórico-político pelo qual a
disciplina Língua Portuguesa passou ao longo dos séculos: de instrumento para
alfabetização a conteúdo curricular.
Marquês de Pombal foi o responsável pela obrigatoriedade do ensino de
Língua Portuguesa e pelo estudo da gramática nas escolas, nos anos 50 do século
XVIII. Essa implantação deu-se em virtude das reformas que ocorreram nesse
29
período.
Antes desse decreto, a língua portuguesa (do colonizador) não predominava
nas relações sociais nem nos currículos. No período em que o Brasil foi colônia de
Portugal, havia outras duas línguas em uso, a língua geral (língua indígena) e o latim
(língua usada no ensino jesuítico secundário e superior). Em relação a essas três
línguas, a língua geral (portuguesa) teve um espaço maior, porque era a mais usada
no processo de comunicação como também era empregada para evangelizar e
catequizar os povos (SOARES, 2002).
Soares nos apresenta algumas justificativas para que a Língua Portuguesa
não fosse instituída no currículo daquela época. A primeira é o fato de a camada
privilegiada seguir o modelo educacional do período, por isso o estudo do latim, em
que se pretendia fugir do sistema tradicional de ensino. A segunda justificativa é o
fato de o português não ser a língua oficial das interações verbais do período. E a
terceira é o fato do português não ter se constituído como “área do conhecimento
em condições de gerar uma disciplina curricular” (SOARES, 2002, p. 159).
Entretanto, após a reforma instituída por Marques de Pombal, a Língua
Portuguesa tornou-se o principal código linguístico a ser usado pelas pessoas
naquela época, proibindo o uso de outras em nosso país, além da sua
obrigatoriedade na escola.
A reforma pombalina introduziu o estudo da gramática portuguesa e da
retórica. Esses dois conteúdos curriculares permaneceram do século XVIII até o
século XIX. Vale ressaltar que a gramática latina permaneceu até o século XX,
quando perdeu espaço para o ensino de Língua Portuguesa. A disciplina Língua
Portuguesa (LP) foi instituída na escola nas últimas décadas do século XIX, no fim
do Império, em que, num primeiro momento, as disciplinas eram Gramática, Retórica
e Poética. Cada uma delas era estudada de forma separada, para, posteriormente,
abrangerem uma só disciplina, denominada Português (SOARES, 2002).
O ensino da língua materna desde sempre esteve relacionado ao estudo da
Retórica e da Poética (Literatura). Apenas em 1838, a Gramática passa a ser
conteúdo curricular e, consequentemente, a língua é vista como um sistema, não
dando abertura para o estudo das variantes linguísticas. Nesse período, a produção
de várias gramáticas brasileiras contribuiu para impulsionar a gramática do
português como também a instalação da Imprensa Régia em 1808 no Rio de
30
Janeiro.
O estudo dessas disciplinas era feito por meio de gramáticas, antologias,
manuais. Estes seriam os primeiros exemplares de livro didático. Segundo Soares
(1996), além desses materiais, tínhamos os livros religiosos, as seletas de textos em
latim, os abecedários, os livros de leitura8.
Bunzen & Rojo (2005), com base nos estudos realizados por Pfromm et al.
(1974) e Batista et al. (2004), fazem um retrospecto acerca dos materiais usados
pelos professores9 do século passado. Para o estudo de Língua Portuguesa (LP)
nas séries iniciais, adotaram-se cartilhas e livros de leitura e, para as séries
avançadas, antologias (seletas, florilégios), gramáticas e manuais de Retórica e
Poética. Segundo eles, os textos literários, utilizados para ensinar a língua, eram de
autoria de portugueses e brasileiros. Havemos de considerar que, nesse período, os
manuais didáticos forneciam apenas os textos e cabia ao professor comentá-los,
analisá-los e criar exercícios para os alunos. E os autores desses manuais eram
estudiosos autodidatas da língua e da literatura, com sólida formação
humanística, que, a par de suas atividades profissionais (eram
médicos, advogados, engenheiros e outros profissionais liberais) e
do exercício de cargos públicos, que quase sempre detinham,
dedicavam-se também ao ensino (SOARES, 2001, p. 214 apud
BUNZEN & ROJO, 2005, p. 76)
Nos anos 50 e 60, as antologias e a gramática não são mais usadas na
escola, pois se inicia o processo de articulação entre os objetos de ensino: textos
literários e gramática. É importante frisarmos que, nos anos 50, os LDP apresentam
uma parte de gramática e outra de textos, caso de, Português no Ginásio de Raul
Moreira Lellis e, em 60, o texto tornou-se base para as atividades de interpretação e
de tópicos gramaticais, como o livro Português através de textos de Magda Soares.
Nesse período, os manuais didáticos otimizaram o trabalho do professor, ou seja, os
autores faziam todo o encaminhamento metodológico: atividades de vocabulário,
interpretação, redação e gramática. O professor, antes um estudioso da língua,
8
Durante o século XIX e início do século XX, os LD usados no Brasil vinham da Europa, França e
Portugal. A justificativa para usá-los deveu-se a três fatores. O primeiro está relacionado à situação
social e econômica dos alunos, somente os burgueses frequentavam as escolas. O segundo motivo
está pautado na referência cultural que dominava o período, era o primado da Europa,
particularmente, da França. E o último fator é a inexistência de possibilidades para impressão de
livros até o início do século XX, embora a imprensa tenha chegado aqui em 1808 com D. João VI
(SOARES, 1996).
9
O cargo de professor de português foi instituído por decreto imperial em 1871 (PFROMM NETO et
al, 1974, p.191 apud SOARES, 2002, p. 164).
31
passou a depender desses manuais, por conta das alterações sofridas no sistema
educacional — aumento do número de alunos nas salas, inexistência de um
processo seletivo rigoroso para contratar professores, o salário é reduzido, precárias
condições de trabalho, tudo isso colaborou para que os professores transferissem ao
livro didático “a tarefa de preparar aulas e exercícios (SOARES, 2002, p. 167).
A produção de livro didático (LD), em nosso país, inicia-se a partir de 1930,
em virtude de “medidas nacionalizadoras, associadas à expansão da rede de ensino
e à criação das Faculdades de Filosofia”, que favorecem o surgimento de autores e
edições de LD (SOARES, 1996, p. 57).
Neste breve panorama sobre o uso e produção de LD, devemos destacar
que, nos anos 60, ocorre o crescimento e diversificação de produção de LD.
Segundo Soares (1996), há quatro justificativas para o fato.
A primeira é o tempo de permanência de um LD na escola. Antes a
permanência de uma edição, nas salas de aula, era de 40, 50, 70 anos ou mais (A
Antologia Nacional de Fausto Barreto e Carlos de Laet, lançado em 1895, atingiu 43
edições em 1969, foram mais 70 anos de uso nas escolas). Hoje, por conta do
PNLD e do PNLEM, os livros permanecem, aproximadamente, por três anos10.
A segunda está relacionada à autoria. No século XVIII, os autores eram
formados por um grupo de intelectuais que não tinha formação em Letras, por
exemplo, “historiadores, médicos, engenheiros, e letrados que se dedicam ao estudo
e ao ensino da língua, assim como à produção de instrumentos linguísticos e da
literatura, produções que legitimam nossa escrita” (ORLANDI, 2002, p. 204). Na
segunda metade do século XIX, são os cientistas, intelectuais, professores
catedráticos de Universidades e do colégio Pedro II, pedagogos. No século XX, são
os professores do Ensino Elementar e Médio.
Como terceira justificativa, Soares apresenta a edição, cujo aprimoramento
deu-se a partir dos anos 60. Com a democratização do ensino, aumentou-se o
número de alunos, logo cresceu a procura por obras didáticas e, por conseguinte, o
desenvolvimento da indústria gráfica editorial também. Desde os anos 60, os livros
didáticos dominam, em boa medida, o mercado editorial brasileiro. Depois que o
governo iniciou o financiamento da compra e distribuição de LD para as escolas
públicas do país, esse mercado dominou a indústria gráfica.
10
Há editoras que reeditam seus livros, cuja intenção é fazer com que o livro permaneça por mais
tempo nas escolas, após a aprovação dos pareceristas do MEC.
32
E a última justificativa são as sucessivas mudanças que ocorrem nos LD por
conta da inclusão de novos conteúdos e sua didatização. Essas transformações
demonstram que os LD acompanham as sucessivas reformulações sofridas pelo
ensino, por exemplo, os novos parâmetros para o ensino da Língua Portuguesa.
Para Soares (1996, p. 62) [grifo da autora]:
As mudanças, ao longo das décadas, do livro didático, tanto em
seu conteúdo quanto na sua didatização desse conteúdo, são, pois,
determinadas por fatores culturais, sociais e econômicos [...] à
medida que se alteram as demandas sociais e a situação econômica,
as condições de formação e de trabalho que se vão impondo aos
professores.
Na mesma linha de pensamento, Barros-Mendes (2005, p. 25) nos apresenta
o posicionamento de Puech (1999):
[...] o livro didático é também um complexo de representações que
busca refletir, ao mesmo tempo, as necessidades dos alunos, as
atividades a serem desenvolvidas na sala de aula e responder aos
documentos oficiais. E mais, estes diferentes componentes são
intrinsecamente indissociáveis e constituem o prisma dentro do qual
se reflete uma representação de saberes disciplinares, da disciplina
enquanto matéria de ensino e complexidade de conteúdo.
Assim, o livro didático torna-se um material importante para a escola, porque
ele exerce a função social de assegurar a aquisição dos saberes escolares
institucionalizados, em um primeiro momento e, num segundo, de manter diálogo
com os documentos oficiais.
A política do LD, nestes últimos anos, está cada vez mais explícita, uma vez
que ele se tornou uma mercadoria, apesar de possuir uma função social já préestabelecida. As editoras têm investido nas reformulações de suas obras, para que
elas possam ser analisadas pela comissão de especialistas do MEC11 e,
posteriormente, aprovadas, sejam escolhidas pelos professores para, finalmente, o
governo Federal comprá-las e distribuí-las12 às escolas públicas do país.
11
O Ministério da Educação (MEC), a partir dos anos 90, decidiu participar de forma direta e
sistemática das discussões sobre a qualidade do LD. Segundo Batista (2003), em 1993, o MEC
assumiu duas diretrizes. A primeira, por meio do Plano Decenal da Educação para Todos, seria de
capacitar os professores para que eles tivessem competência para avaliar e selecionar seus livros. E
a segunda foi a implantação de uma comissão de especialistas para avaliar os LD e para estabelecer
critérios de avaliação para as futuras aquisições de LD.
12
Vale ressaltar que o MEC instituiu o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) em 1985 para compra
e distribuição de livros para o Ensino Fundamental I e II. A partir de 1996, com base nas análises dos
especialistas, passou a avaliar de forma sistemática e contínua os LD e estabeleceu diálogo com os
agentes envolvidos na elaboração dos LD e no seu consumo. (BATISTA, 2003). No ano de 2004, para
33
Em virtude desse enquadramento que o LD sofre, é necessário colocarmos
que
[...] o que determina a política da escolarização do saber e, portanto,
a política do livro didático é, fundamentalmente, uma política da
cultura, da ciência e das práticas sociais, e que é resultado de lutas e
compromissos sociais e econômicos — um substrato ideológico,
portanto (SOARES, 1996, p. 55).
Na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem de Bakhtin/Volochinov (1929), já
se anunciava que os livros possuem uma importante função social, tendo em vista
que eles sempre foram objetos de análise de outras esferas, por exemplo, a
jornalística, em que há seções específicas para análise e comentários críticos
acerca do conteúdo de determinados livros. O movimento dialógico que cerca as
relações sociais entre o autor do livro e seus interlocutores demonstra que há
atitudes responsivas, muitas vezes conflituosas, porque as respostas nem sempre
coincidem com aquilo que seus autores esperavam receber.
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um
elemento da comunicação verbal, ele é objeto de discussões ativas
sob a forma de diálogo, além disso, é feito para ser apreendido de
maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no
quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas,
institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da
comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influências
sobre os trabalhos posteriores, etc.) (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929,
pp.127-128).
Segundo Rojo (2008, p. 80), com base nas conclusões de Razzini (2000), a
inserção da cultura brasileira na escola secundária leva várias consequências, entre
elas a que citamos é, em razão do nosso objeto de pesquisa:
“[...] o estudo da gramática, na europa medieval ou na escola
brasileira, seja gramática greco-latina, seja gramática do português
antecedeu, nos anos escolares, o uso da língua, seja na poética, seja
na retórica. [ grifo da autora]
Dessa forma, não se pode dissociar dos estudos essa importante
característica das aulas de Língua Portuguesa. Por anos a fio, uma característica
central e constituidora dos currículos e conteúdos.
atender ao Ensino Médio, o governo Federal criou o Programa Nacional do Livro Didático para o
Ensino Médio (PNLEM). Num primeiro momento, atendeu às regiões Norte e Nordeste.
34
1.3.2 O ensino da gramática na disciplina Língua Portuguesa anterior à
publicação dos documentos oficiais
A ideia de que conhecer as regras da nossa língua possibilita aos seus
usuários uma prática textual, seja ela oral ou escrita, superior à daqueles que não as
conhecem, ainda traz muitas discussões para a Academia, e rende pesquisas
científicas. Enfim, esse é um velho assunto ainda não resolvido.
Segundo Soares, a tradição gramatical, juntamente com a tradição da retórica
e poética, persistiu até os anos 40 do século XX. A manutenção dessa tradição
deveu-se aos grupos sociais que frequentavam a escola, neste caso, aqueles
pertencentes à elite. Clare (2005, s/p) assinala que, no século XX, em virtude das,
então, recentes teorias linguísticas, havia ecos de mudança, mas o ensino de Língua
Portuguesa
ainda
estava
voltado
“à
tradição
gramatical,
buscando-se
homogeneidade padronizada e desprezando-se a heterogeneidade dialetal”13.
Essa problemática gerou inúmeras discussões no meio acadêmico-científico.
Nos anos 80 e 90, vários artigos e livros foram publicados a fim de encontrar um
caminho para o ensino da Língua Portuguesa no que tange à gramática. Em relação
a essas discussões, selecionamos algumas obras para balizar nosso trabalho, como
Perini (1985) Para uma nova gramática do português; Travaglia (1995) Gramática e
interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus; Geraldi (1996)
Linguagem e ensino: exercícios de militância; Possenti (1983) Gramática e Política
e (1996) Por que (não) ensinar gramática na escola.
Iniciamos nossa discussão apresentando as ideias de Perini (1985). Esse
linguista, em sua obra, apresenta três pontos problemáticos em relação à gramática
tradicional: “sua inconsistência teórica e falta de coerência interna; seu caráter
predominantemente normativo; e o enfoque centrado em uma variedade da língua, o
dialeto padrão (escrito), com exclusão de todas as outras variantes” (1985, p. 6).
Cada um desses pontos é explorado por ele.
O primeiro problema — inconsistência teórica e falta de coerência — está
relacionado aos conceitos equivocados que a gramática tradicional postula, como
exemplo, a definição de sujeito que não encontra no uso da língua bases sólidas
13
Essa heterogeneidade dialetal ganhou nos anos 90 uma grande importância, pois a Sociolinguística
estava ganhando espaço no cenário acadêmico-científico, tendo como principal representante Marcos
Bagno, que afirma caber à escola apresentar aos seus alunos outras variedades linguísticas que não
a língua padrão.
35
para o conceito clássico, segundo o qual “o sujeito é o termo sobre o qual se faz
uma declaração” ou “o ser que pratica ação”.
O segundo problema — o caráter normativo — está no fato de não permitir a
interferência dos usuários em relação às regras já postas. Para Silva (2003, p. 15),
isso “impossibilita a ação criativa dos usuários”.
E o último é a exclusão de outras variedades em detrimento apenas da
modalidade padrão. As variações que a língua possui são descartadas por essa
gramática tradicional, restringindo-se apenas aos textos escritos, principalmente
aqueles pertencentes ao universo literário14. Para Silva (2003, p. 15) é “uma escolha
movida por uma ideologia dominante, o que resulta na supervalorização da
modalidade escrita da língua, em detrimento da oralidade.” Vale ressaltar que essa
supervalorização acontece desde a Grécia e Roma antiga.
Travaglia (1995) apresenta, em sua obra, uma proposta de ensino para as
aulas de Língua Portuguesa. O linguista, primeiramente, afirma que há dois objetivos
que são preocupação dos professores de Português: “a) levar o aluno a dominar a
norma culta ou língua padrão; b) ensinar a variedade escrita da língua.” (1995, p.
19). E, posteriormente, reitera que são “objetivos importantes a serem alcançados
pelo ensino de Português no 1º e 2° graus” (idem, ibid em).
Esse discurso está sustentado por argumentos que levam em consideração a
natureza estética, elitista ou aristocrática, política, comunicacional e histórica para a
continuidade do ensino prescritivo. Essa argumentação está ligada àquela visão de
que se deve falar e escrever corretamente, cujo pensamento vem desde o período
grego.
Em sua proposta de ensino, Travaglia (1995, pp. 107-08) apresenta cinco
argumentos:
1) que o objetivo do ensino de língua materna é prioritariamente
desenvolver a competência comunicativa;
2) [...] o que se deve fazer é essencialmente um ensino produtivo,
para a aquisição de novas habilidades lingüísticas, embora o
ensino descritivo e o ensino prescritivo possam ter também um
lugar nas atividades de sala de aula, mas um lugar
redimensionado em comparação com aquele que têm habitualmente
tido no ensino de língua materna;
3) que a linguagem é uma forma de interação;
4) que o texto é um conjunto de marcas, de pistas que funcionam
14
Rojo (2008) afirma que privilegiar a poética (os gêneros literários) nos exercícios de uso da língua é
uma das características que marcaram a implantação da Língua Portuguesa no cenário escolar.
36
como instruções para o estabelecimento de efeito(s) de sentido numa
interação comunicativa;
5) que o domínio da linguagem exige alguma forma de reflexão
[...] [grifo nosso]
Notamos que, na argumentação de Travaglia, há ecos do discurso de Geraldi
que também ofereceu aos professores, nos anos 80, uma nova perspectiva para as
aulas de Língua Portuguesa, principalmente quanto a objetos de ensino. O propósito
do linguista é permitir que alunos e professores reflitam acerca dos diferentes usos
da nossa língua. A proposta não desconsidera o ensino metalinguístico, mas que ele
seja pautado por um olhar reflexivo, a partir de um texto de um dado contexto de
produção. Segundo Geraldi, “A perspectiva textual tem a possibilidade de fazer com
que a gramática seja flagrada em seu funcionamento, evidenciando que gramática é
a própria língua em uso” (1996, p. 109).
Geraldi (1996, p. 27) assume a concepção sociointeracionista para
linguagem, “[...] o fenômeno social da interação verbal é o espaço da realidade da
língua, pois é nele que se dão as enunciações enquanto trabalho dos sujeitos
envolvidos nos processos de comunicação social”. Essa concepção baliza toda sua
obra, pois ele acredita que a escola não pode desconsiderar a realidade social dos
seus alunos, tendo em vista que “os processos interlocutivos se dão no interior das
múltiplas e complexas instituições em uma dada formação social” (idem, p. 28).
Nesse discurso, ocorre o revozeamento da concepção bakhtiniana para
linguagem, precisamente, quando o linguista diz que a interação verbal é o espaço
real do uso da língua. Nas palavras de Bakhtin/Volochinov (1929), como
apresentamos no início deste capítulo, “a interação verbal constitui assim a realidade
fundamental da língua” (p. 27).
Sendo assim, a concepção de língua(gem) assumida por Geraldi é de base
bakhtiniana, o que permite afirmar que ele procurava, de certa forma, aplicar essa
concepção de língua(gem) naquele período, em que se buscavam caminhos para o
ensino de língua materna, uma vez que a escola, ainda, mantinha uma visão
instrumentalista para linguagem:
transmitir conhecimentos, sem se preocupar com
os usos da linguagem nas instâncias públicas e privadas.
Para minimizar a questão, em 1986, o Ministério da Educação (MEC) criou
uma
comissão
que
elaborou
as
Diretrizes
para
o
Aperfeiçoamento
do
Ensino/Aprendizagem da Língua Portuguesa, centradas em três atividades: a prática
37
de leitura de textos, a prática de produção de textos e a prática de análise
linguística15. Houve preocupação dos teóricos em delimitar os módulos de ensino
para o professor a fim de possibilitar certa organização e equilíbrio no trabalho com
a língua materna (GERALDI, 1996).
Geraldi, para não deixar que as Diretrizes se tornassem mais um discurso
vazio ou apenas mais um “rótulo de atividades tradicionais”, retoma alguns conceitos
norteadores para o ensino de língua materna, os quais estão ligados às
contribuições da Linguística nesse período, que buscava um redimensionamento
para o ensino da língua.
Primeiramente, o linguista retoma o conceito de concepção de linguagem a
fim de solidificar que é na interação verbal o lugar onde se efetivam os usos da
linguagem (Bakhtin/Volochinov, 1929). Depois busca inserir, como objeto de ensino,
as variedades linguísticas. Segundo Geraldi, embora a variante a ser apreendida
seja a norma padrão, é necessário que sejam apresentadas aos alunos outras
variedades, a fim de que eles possam refletir acerca de sua língua e compreender a
heterogeneidade dialetal que os cerca, como também impedir que novos discursos
preconceituosos possam ser difundidos.
Para Geraldi (1996, p. 69),
No processo pedagógico, não se trata de substituir uma variedade
por outra (porque uma é mais rica do que a outra, porque uma é
certa e outra errada etc.), mas se trata de construir possibilidades
de novas interações dos alunos (entre si, com o professor, com
a herança cultural), e é nestes processos interlocutivos que o
aluno vai internalizando novos recursos expressivos, e por isso
novas categorias de compreensão de mundo. [grifo nosso]
Para que isso se efetive plenamente, o linguista afirma que o texto é um
material eficiente, tendo em vista que ele é produzido e circula em diferentes
contextos.
Já Possenti (1983, p. 49)16, em seu trabalho, apresenta-nos três conceitos
para língua, cada um sustentado pelo correspondente conceito de gramática.
O primeiro conceito é aquele que considera a língua compreendida como
norma padrão ou norma culta. É a forma mais reconhecida pela comunidade
linguística a que pertencemos. Trata-se de um conceito elitista, que vigora desde o
15
Esta expressão será discutida de forma aprofundada nas próximas páginas.
Esse texto foi publicado em novembro de 1983, na revista Novos Estudos Cebrap, v.2, n.3, p. 6469.
16
38
século passado17.
Aqui o conceito de gramática que se faz presente é o da Normativa, cujo
objetivo é regular os usos da língua em diferentes contextos. Para Travaglia (1995,
p. 30), “[...] a gramática Normativa apresenta e dita as normas de bem falar e
escrever, normas para a correta utilização oral e escrita do idioma, prescreve o que
se deve e o que não se deve usar na língua.”
O segundo conceito de língua está relacionado a um “construto teórico,
necessariamente abstrato” (POSSENTI, 1983, p. 49). A língua é vista como sistema
homogêneo, em que as variações no sistema não são previstas e assumidas. Nesse
sentido, a gramática descritiva dá lastro a esse segundo conceito de língua.
O trabalho do linguista é observar como se diz e descrever a língua. Travaglia
(1995, p. 32) afirma que cabe a essa gramática descrever e registrar
para uma determinada variedade da língua em um dado momento de
sua existência [...] as unidades e categorias lingüísticas existentes,
os tipos de construção possíveis e a função desses elementos, o
modo e as condições de uso dos mesmos.
E o último conceito de língua reconhece a variedade linguística existente em
uma determinada comunidade, reconhecida de forma heterônima. A concepção de
gramática internalizada é assumida nesse contexto. O falante enuncia seus
enunciados, segundo a gramática que já conhece. Possenti (1983, p. 48) entende
que um “conjunto de regras lingüísticas que um falante conhece constitui a sua
gramática, o seu repertório linguístico.”
Em outro momento, Possenti (1996, p. 59), em seu livro Por que (não) ensinar
gramática na escola, apresenta vários argumentos a fim de mostrar que é
desnecessário ensinar gramática na escola, se “o objetivo for dominar a variedade
padrão de uma língua e tornar alunos hábeis e autores pelo menos razoáveis.” Para
isso, ele apresenta um conjunto de informações que nos é bastante familiar, como
exemplo, a heterogeneidade dialetal presente nas falas dos alunos, a questão de
que não existem línguas fáceis ou difíceis, uniformes e imutáveis etc.
Ao abordar essas questões, o linguista, de certa forma, está direcionando a
prática do professor, mostrando-lhe os caminhos que deve seguir apoiado em
17
“A primeira forma de construir uma gramática normativa (que certamente tem origens mais antigas)
aparece nos gramáticos de Port-Royal, no século XVII, que vinculavam o bom uso da linguagem à
arte de pensar” (FRANCHI, NEGRÃO, MÜLLER, 2006, p. 17).
39
discurso de renovação para o ensino de língua materna.
Embora exista um novo olhar para o ensino de Língua Portuguesa, com base
nas discussões destes linguistas e das pesquisas realizadas pela comunidade
acadêmica, ainda observamos que todo esse discurso realizado nas décadas
anteriores não foi assumido, plenamente, pelos integrantes da esfera escolar.
1.3.3 A publicação dos documentos oficiais — uma proposta de trabalho para
o ensino de LP: a análise linguística
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) foram elaborados a partir das
discussões que ocorreram, principalmente, no Plano Decenal de Educação para
Todos (1993-2003), em que o intuito era promover o acesso dos alunos à escola e,
consequentemente, lutar para que os alunos permanecessem nela e oferecendolhes ensino de qualidade. Além da influência direta do Plano Decenal, a Secretaria
de Educação Fundamental do Ministério da Educação obedeceu ao artigo 21018 da
Constituição de 1988 (FIGUEIREDO, 2005).
Em 1995, iniciou-se a elaboração dos PCN19, analisando, num primeiro
momento, os currículos de 22 Estados; posteriormente publicou-se um documento
denominado
Propostas
Curriculares
Nacionais,
em
que
“os
pressupostos
construtivistas associados [...] à perspectiva sociointeracionista” norteavam essas
propostas. Outro dado relevante foi a tentativa de resgatar a função social da escola
(FIGUEIREDO, 2005, p. 103). Em relação aos PCN de Língua Portuguesa, deve-se
destacar a influência direta da Proposta Curricular de Ensino de Língua Portuguesa
do Estado de São Paulo20.
Em decorrência dessa influência, o texto inicial dos Parâmetros Curriculares
Nacionais de Língua Portuguesa (PCNLP, 1998) abre-se com a crítica às ideias
difundidas nas décadas de 60 e início de 70 do século XX. Nesse período,
postulava-se que, para reformular o ensino de Língua Portuguesa, bastava valorizar
18
“Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação
básica comum e respeito aos valores culturais, artísticos, nacionais e regionais” (Constituição, 1988,
p. 139).
19
A equipe dessa elaboração era composta por professores, especialistas, técnicos em educação,
consultores nacionais e internacionais e 700 pareceristas (MEC/SEF, 2002, p. 30-31 apud
FIGUEIREDO, 2005, p. 104).
20
Este documento foi elaborado no início dos anos 70, com base nas discussões promovidas pela
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo juntamente com a comunidade Acadêmica (USP,
UNESP, UNICAMP, PUC/SP) e com os professores da rede estadual acerca das reformulações
necessárias para o ensino de Língua Portuguesa. Essa proposta teve quatro versões. A primeira
publicada em 1985 e a última em 1991 (APARÍCIO, 2006).
40
a criatividade dos alunos, a fim de desenvolver sua comunicação e expressão.
A partir de 1980, apresentaram-se várias falhas em relação a essa práxis: a
realidade e os interesses dos alunos eram desconsiderados, o excesso de
atividades de leitura e de produção de texto propostas pelo professor não tinha
significado, logo o texto era usado como pretexto para ensinar tópicos gramaticais e
para disseminar valores morais.
A publicação dos PCNLP instaura, no cenário educacional, redefinições na
prática dos professores. O documento objetiva que o ensino de Língua Portuguesa
seja voltado para o “domínio da competência textual além dos limites escolares, na
solução de problemas da vida como acesso aos bens culturais e à participação
plena no mundo letrado” (FERREIRA, 2001). Rojo (2005) também postula que esses
documentos contribuíram no redimensionamento do ensino de Língua Portuguesa.
No bojo dessas discussões, os PCNLP têm por objetivo oferecer aos
professores um novo olhar para o ensino e aprendizagem de língua materna, os
quais possam buscar uma didática direcionada às práticas sociais da linguagem,
contrapondo-se à noção de que aprender a falar e a escrever somente é possível
segundo regras gramaticais.
Aparício (2006) fala-nos sobre o movimento de renovação do ensino de
Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental ocorrido na década de 80, em que
se questionava a validade do ensino tradicional de gramática até a(s)
concepção(ões) de Gramática a ensinar na escola. Em virtude disso, os PCNLP,
num primeiro momento, absorveram as propostas curriculares de outros Estados, as
quais estavam em consonância com as novas orientações teórico-metodológicas
daquela época, principalmente as contribuições da Linguística. E, num segundo
momento, os PCNLP assumem uma nova prática para a didatização do conteúdo
gramatical, em que o eixo para o ensino de língua materna deve ser: uso – reflexão
– uso para o ensino de linguagem — eixo proposto por Geraldi (1984), comumente
denominado eixo da “reflexão sobre a linguagem” ou da “prática de análise
lingüística”. Esse eixo proposto por Geraldi é, primeiramente, incorporado pelos
documentos oficiais, depois, pelo PNLD, que passa a avaliar esse tratamento nos
livros didáticos de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e, a partir de
2004, os livros direcionados para o Ensino Médio também são avaliados no que
tange a esse tratamento pelo PNLEM.
41
O conceito de “prática de análise linguística” apareceu no texto Unidades do
ensino de português, escrito por Geraldi, em 1981. Em 1984, Geraldi reúne diversos
artigos sobre o ensino de Língua Portuguesa, dentre eles, esse texto com algumas
modificações, no livro intitulado O texto na sala de aula. O título é bastante
sugestivo, pois resgata as
influências das discussões acadêmicas que estavam
ocorrendo nessa época, em que o texto passa a ser um objeto de ensino tanto para
a leitura e produção de texto quanto para os tópicos gramaticais.
Geraldi acredita que o ensino de Língua Portuguesa deve levar em conta o
eixo proposto por ele, assumindo a concepção de linguagem enquanto interação,
articulando as três partes constituintes do ensino de língua materna: a prática de
leitura, a prática de produção de texto e a prática de análise linguística. Em relação a
essas práticas, nós deteremos na análise no último elemento, haja vista ser nosso
objeto de pesquisa.
Geraldi inicia o tópico “a prática de análise linguística” tecendo algumas
considerações sobre o estudo da língua a partir de textos bem escritos, como bem
sabemos, é uma prática constante nas salas de aulas. Para o linguista (1984, p.
74), “o ensino gramatical somente tem sentido para auxiliar o aluno”, por isso, o
estudo dos conteúdos gramaticais deve ser feito a partir dos textos dos alunos.
Dessa forma, num segundo momento, o planejamento das aulas dos professores de
língua materna deve considerar a produção realizada pelos seus alunos, em que um
determinado problema gramatical será levantado, para ser explorado em sala de
aula. Sendo assim, o princípio da prática de análise linguística é “partir do erro para
autocorreção” (idem, ibidem).
Em uma nota de rodapé, Geraldi afirma que o objetivo da prática da análise
linguística é a reescritura do texto do aluno, em que o ensino sistematizado da
língua também possa ocorrer, com outros textos, além da produção do aluno, desde
que ele compreenda os fenômenos linguísticos em estudo e não “decore” as
terminologias.
Segundo Aparício (2006), na segunda edição do livro, Geraldi acrescentou
uma nota de rodapé a fim de esclarecer para seus leitores o que vem ser a prática
de análise linguística:
O uso da expressão “prática de análise lingüística” não se deve ao
mero gosto por novas terminologias. A análise lingüística inclui tanto
o trabalho sobre questões tradicionais da gramática quanto
42
questões amplas a propósito do texto, entre as quais vale a pena
citar: coesão e coerência internas do texto: adequação do texto aos
objetivos pretendidos; análise dos recursos expressivos utilizados
(metáforas, metonímias, paráfrases, citações, discursos direto e
indireto, etc.); organização e inclusão de informações; etc.
essencialmente, a prática de análise lingüística não poderá limitar-se
à higienização do texto do aluno sem seus aspectos gramaticais e
ortográficos, limitando-se a “correções”. Trata-se de trabalhar com
o aluno o seu texto para que ele atinja seus objetivos junto aos
leitores a que se destina (GERALDI, 1984, p. 74) [grifo nosso]
Nessa explicação dada pelo linguista, nota-se que ele não exclui o estudo da
gramática nas salas de aula. Aliás, lembramo-nos que, ao ingressar no curso de
Letras, muito se discutia essa postura que se havia instalado nas aulas de Língua
Portuguesa, pois muitos educadores privilegiaram apenas os dois eixos citados
anteriormente — a prática de leitura e a prática de produção de texto, negando o
ensino da gramática.
Outro dado a assinalar dessa conceituação são as influências de outras
correntes teóricas no estudo de nossa língua, por exemplo, a Linguística Textual, a
Semântica, a Análise do Discurso etc. O propósito é fazer com que os alunos
tenham acesso a diferentes olhares para a sua língua, principalmente, no seu
próprio texto, tomado como foco principal da análise linguística.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNLP, 1998)
destinados ao Ensino Fundamental, encontramos orientações para trabalhar com
gêneros nas salas de aula. Esse conceito bakhtiniano é apontado nesse documento
oficial como o foco das aulas, por reconhecer que são exemplos práticos dos usos
da língua e por considerar que
todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das
intenções comunicativas, como partes das condições de produção
dos discursos, as quais geram usos sociais que os determinam”
(PCNLP, 1998, p. 18)
O discurso não é mais enfocar os textos em sala de aula, mas os gêneros,
com a finalidade de evidenciar a interação, considerando a linguagem como base
para esse processo interlocutivo.
Segundo os PCNLP (1998, p. 23)
Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de
natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam
como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção
43
de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de
ensino.
Embora os gêneros tenham sido tomados como objeto de ensino, nota-se um
discurso conflituoso nos PCNLP, tendo em vista que ora os documentos abordam a
noção de texto, ora abordam a noção de gênero.
Segundo Rojo (2008, p. 93), há um revozeamento tanto das
teorias textuais, como a obra bakhtiniana e a abordagem didática dos
gêneros textuais da Equipe de Didática de Línguas da Universidade
de Genebra (Schneuwly & Dolz), afiliada ao sociointeracionismo
discursivo, dentre outras vertentes [...]
Não privilegiando essa incongruência, ressaltamos que os textos/gêneros a
serem escolhidos e levados para sala de aula devam favorecer
a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais
elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos
artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena
participação numa sociedade letrada (PCNLP, 1998, p. 24).
Em relação à reflexão sobre a linguagem, os PCNLP (1998, p. 27) são
pontuais, quando afirmam que a linguagem é tomada “como atividade discursiva, o
texto como unidade de ensino e a noção de gramática como relativa ao
conhecimento que o falante tem de sua linguagem”.
Segundo esse documento, as práticas discursivas devem ser uma prática
contínua, possibilitando aos alunos, “por meio da análise e reflexão sobre os
múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção de instrumentos que
permitam ao aluno, progressivamente, ampliar sua competência discursiva” (idem,
ibidem).
Nesse sentido, o estudo da gramática deve estar articulado às práticas de
linguagem, numa tentativa de redimensionar o ensino tradicional, que privilegia o
conhecimento da nomenclatura e não faz um trabalho de reflexão sobre o uso de
determinado elemento gramatical numa dada situação, isso é,
o ensino de Língua Portuguesa deve se dar num espaço em que as
práticas de uso da linguagem sejam compreendidas em sua
dimensão histórica e em que a necessidade de análise e
sistematização teórica dos conhecimentos linguísticos decorra
dessas mesmas práticas (PCNLP, 1998, p. 34).
44
Segundos os PCNLP, a partir do momento que texto/gênero é tomado como
objeto de ensino, caberá ao professor sistematizar o ensino dos tópicos gramaticais.
As orientações dadas por esse documento revozeam as contribuições dos linguistas,
precisamente de Geraldi (1984), o qual propôs o eixo para o ensino de Língua
Portuguesa. Ao selecionar os textos/gêneros, o professor deverá mobilizar alguns
conhecimentos linguísticos, a fim de que seus alunos, aos poucos, tornem-se autosuficientes em relação à sua língua.
É importante dizer que, nos procedimentos metodológicos, os PCNLP deixam
claro que o professor selecionará o material que usará em sala de aula. Entretanto,
ao se trabalhar a refacção de textos, a análise linguística deve ser privilegiada:
Tomando como ponto de partida o texto produzido pelo aluno, o
professor pode trabalhar tanto os aspectos relacionados às
características estruturais dos diversos tipos textuais como também
os aspectos gramaticais que possam instrumentalizar o aluno
no domínio da modalidade escrita da língua (PCNLP, 1998, p. 80)
[grifo nosso]
Dessa forma, afirmamos que os PCNLP propõem redimensionamento para o
ensino de Língua Portuguesa sob diversas vertentes teóricas na tentativa de que as
aulas de língua de materna não sejam apenas reprodução de conhecimento,
abordando tão somente a nomenclatura.
Em relação aos Parâmetros Curriculares do Ensino Médio (PCNEM, 1999), os
quais foram elaborados sob a influência do documento anterior (PCN), notamos
algumas semelhanças com o discurso dos PCN, no que tange ao estudo da
linguagem a fim de garantir que os alunos sejam indivíduos participativos no meio
social em que estiverem inseridos:
No mundo contemporâneo, marcado pelo apelo informativo imediato,
a reflexão sobre as linguagens e seus sistemas, que se mostram
articulados por múltiplos códigos, e sobre os processos e
procedimentos comunicativos é mais do que uma necessidade, é
uma garantia de participação ativa na vida social, a cidadania
desejada (PCNEM, 1999, pp. 15-16).
Para atingir esse intento, os PCNEM afirmam que serão selecionados alguns
conteúdos que possam garantir sua participação na vida social. Para isso, o estudo
da Língua Portuguesa será abordado de forma interdisciplinar: “o estudo da língua
materna na escola aponta para uma reflexão sobre o uso da língua na vida e na
sociedade” (PCNEM, 1999, p. 33). Essa ideia de interdisciplinaridade nos
45
documentos é um discurso que não envolve somente a formação intelectual como
também uma formação voltada para o mercado de trabalho, o que foge aos objetivos
deste estudo.
Os PCNEM iniciam o tópico sobre o ensino da gramática, afirmando que até o
momento em que o material foi elaborado, o conhecimento gramatical era o “eixo
principal”, que “descrição e normas se confundem na análise da frase, essa
deslocada do uso, da função e do texto” (PCNEM, 1999, pp. 34-35).
Na tentativa de propor um melhor caminho para o ensino de Língua
Portuguesa no Ensino Médio, adota-se como concepção de língua(gem) o
sociointeracionismo21. Segundo o documento,
O processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa deve
basear-se
em
propostas
interativas
língua/linguagem,
consideradas em um processo discursivo de construção do
pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da
sociedade em geral (PCNEM, 1999, p. 37-38) [grifo nosso]
Considerando que, em boa medida, os documentos assumiram a concepção
sociointeracionista para o estudo da língua(gem), o estudo da gramática deverá
privilegiar esse movimento discursivo, em que as questões gramaticais serão
estudadas junto à produção de texto, pois o “estudo da gramática passa a ser uma
estratégia para compreensão/interpretação/produção de textos” (idem, p. 38)
[ênfase adicionada].
Destaca-se da citação acima que o estudo gramatical recebeu outra função:
“estratégia”. Logo, o sentido que nos é posto é de um ensino “utilitário”, ou seja, se o
propósito é fazer com que os alunos saibam compreender/interpretar um
determinado texto em que o conhecimento gramatical seja fundamental para tal, o
professor trabalhará esse conteúdo para que haja interação entre aluno e o texto.
Embora os PCNEM não abordem a nomenclatura prática de análise
linguística, observamos que há orientações para um ensino direcionado ora a uma
prática reflexiva, ora a uma prática “utilitária/estratégica”, o que em nossa opinião
desconsidera o propósito do eixo de ensino criado por Geraldi (1984).
Em 2000, publicaram-se os PCN+ a fim de eliminar algumas contradições
teóricas que foram apontadas nos PCNEM (1999). Nos PCN+, a proposta de ensino
21
Destacamos que os documentos acabam se contradizendo ao longo do texto, pois adotam diversas
concepções sobre língua(gem), o que acaba não favorecendo a compreensão do propósito do ensino
de LP no Ensino Médio.
46
para a língua materna ganha outros eixos: interativa, textual e gramatical. Esses
eixos permitirão que se desenvolvam competências necessárias para que os alunos
tenham uma participação efetiva no meio social do qual fazem parte. Para isso, os
textos são o objeto de ensino os quais possibilitarão o desenvolvimento das
competências interativa, textual e gramatical.
Em relação à competência gramatical, os PCN+ afirmam que o conceito de
gramática que deverá dar sustentação ao ensino na escola não é o de gramática
normativa, devendo ser estendido “para outras linguagens, além da língua. Assim,
pode-se falar numa gramática da linguagem musical, numa gramática da linguagem
do corpo etc.” (PCN+, 2000, p. 42). A proposta, embora seja inovadora, é
conflituosa, na medida em que ao longo do texto, fala-se da língua(gem) sob óticas
diferentes, o que compromete o texto em si.
Mais uma vez, o conceito de prática de análise linguística é desconsiderado.
Isso fica bastante evidente nas páginas 72 (tabela 1: usos da língua) e 73 (tabela 2:
ensino de gramática: algumas reflexões)22. Essas são sugestões dos PCN+ para se
articular o ensino de Língua Portuguesa em unidades temáticas.
Notamos um discurso orientado para o desenvolvimento de competências e
habilidades e, em relação às duas tabelas, observamos que as orientações dadas
no que tange às competências gerais são as mesmas: a questão sócio-histórica
deve ser levada em consideração no ensino de língua materna.
Já as competências específicas são diferentes no que se referem às unidades
temáticas. Em usos da língua, propõe-se estudar a língua, procurando enfocar seu
uso em diferentes contextos, evidenciando a variedade linguística. E, em ensino de
gramática: algumas reflexões, a proposição é diferenciar a gramática normativa e
descritiva. Inferimos dessas orientações que o trabalho do professor em sala de aula
deverá ser pautado pelo ensino metalinguístico e reflexivo.
Se levarmos em consideração as afirmações de Geraldi (1984) de que a
proposta de reflexão sobre a língua parte do uso dos elementos gramaticais em
diferentes contextos, a proposição dos documentos está, apesar de algumas
lacunas, coerente com as orientações dos estudiosos da linguagem.
Segundo Mendonça (2006, p. 208), o trabalho com a análise linguista é
configurada na
22
Essas tabelas estão, respectivamente, nos anexos 1 e 2.
47
reflexão recorrente e organizada, voltada para a produção
sentidos e/ou para a compreensão mais ampla dos usos e
sistema linguísticos, com o fim de contribuir para a formação
leitores-escritores de gêneros diversos aptos a participarem
eventos de letramento com autonomia e eficiência.
de
do
de
de
No ano de 2006, publicou-se um novo documento para o Ensino Médio a fim
de eliminar as falhas diagnosticadas nos documentos anteriores (PCNEM, 1999;
PCN+, 2000). O novo documento é denominado Orientações Curriculares para o
Ensino Médio (OCEM).
As OCEM mantêm o discurso que permeia todos os documentos anteriores
aqui abordados, tanto do Ensino Fundamental quanto do Ensino Médio, de que o
texto é objeto de ensino a ser trabalhado nas aulas de Língua Portuguesa como
também a reflexão sobre a língua(gem) deve ser realizada:
[...] as ações realizadas na disciplina Língua Portuguesa, no contexto
do ensino médio, devem propiciar ao aluno o refinamento de
habilidades de leitura e de escrita, de fala e de escuta. Isso implica
tanto a ampliação contínua de saberes relativos à configuração, ao
funcionamento e à circulação dos textos quanto ao desenvolvimento
da capacidade de reflexão sistemática sobre a língua e a linguagem.
(OCEM, 2006, p. 18)
No que tange à concepção de língua(gem) assumida pelas OCEM, fez-se
um resgate de forma encadeada e coerente sobre as diferentes concepções que
norteiam o ensino de língua materna. Entendemos que a intenção é eliminar todas
aquelas contradições teóricas que foram diagnosticadas nos documentos anteriores
(PCNEM, PCN+) e, assim, solidificar a concepção de língua(gem) do documento, o
sociointeracionismo.
Observamos que, nesse documento, o módulo de ensino “prática de análise
linguistica” é abordado no eixo denominado eixos organizadores das atividades
de Língua Portuguesa no Ensino Médio – análise dos fatores de variabilidade
das (e nas) práticas de língua(gem). Nesse eixo, a reflexão sobre a língua levará
em conta as contribuições da Linguística Textual, da Análise do Discurso etc.
As OCEM afirmam que o trabalho com a Língua Portuguesa, em sala de aula,
deverá ser feito de forma planejada, operacionalizando conteúdos em eixos
temáticos que sejam pertinentes para aquela série/aquele ano.
[...] os projetos de intervenção didática [...] tomarão como objeto de
ensino e de aprendizagem tanto as questões relativas aos usos da
48
língua e suas formas de atualização nos eventos de interação (os
gêneros do discurso) como as questões relativas ao trabalho de
análise lingüística (os elementos formais da língua) e à análise do
funcionamento sociopragmático dos textos (tanto os produzidos pelo
aluno como os utilizados em situação de leitura ou práticas afins)
(OCEM, 2006, p. 36).
Com base no que aqui foi exposto, afirmamos que trabalhar o módulo de
ensino análise linguística em sala de aula não é uma das tarefas mais fáceis, tendo
em vista que o professor possui uma formação que direciona o desenvolvimento de
suas atividades em sala de aula para uma prática tradicional.
Em um livro didático, tal tarefa torna-se mais complicada, pois seus
autores devem articular os três eixos de ensino proposto por Geraldi de forma que
haja uma progressão nos conteúdos selecionados para o livro daquela série/daquele
ano como também seguir as orientações dos documentos oficiais. E a nossa
pretensão neste trabalho é investigar como os autores de livros didáticos de Língua
Portuguesa têm didatizado a análise linguística.
No próximo capítulo, trataremos da questão da autoria, evidenciando que
esse conceito está atrelado ao estilo, o qual, por sua vez, está marcado no gênero
discursivo livro didático de Língua Portuguesa, cuja conceituação também será
explorada.
49
CAPÍTULO II
O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA E A AUTORIA
2.1 Notas introdutórias
Discorrer sobre autoria é uma tarefa não muito fácil, porque envolve conceitos
que estão no âmbito da Literatura, em que temos dois sujeitos atuando ao mesmo
tempo: o autor-pessoa é o componente da vida social, destituído de uma atividade
criadora, ou seja, ele “é o acontecimento ético e social” (BAKHTIN,1922-1924); e o
autor-criador é aquele que se faz reconhecer pela sua obra, uma vez que ele se
inscreve nela, como diz Bakhtin, “o autor deve ser compreendido, acima de tudo, a
partir do acontecimento da obra, em sua qualidade de participante, de guia
autorizado” (idem, p. 220).
A partir dessas ideias, propomos, neste capítulo, mostrar que esses dois
conceitos são recorrentes em nosso meio social. Para isso, tomaremos o livro
didático de Língua Portuguesa enquanto gênero discursivo, por acreditarmos que, no
processo de elaboração, ele sofre influências dos agentes mais imediatos e dos
mais amplos. Isso acaba sendo representado na atividade textual pelo autor-criador,
precisamente pelo seu estilo individual, em que ele manifesta sua subjetividade, sua
apreciação valorativa, enfim, o autor-criador torna-se único, pelo desenvolvimento de
seu projeto discursivo.
Para compreendermos a constituição do autor-criador nos livros didáticos de
língua materna, primeiramente, apresentaremos a releitura do livro didático de
Língua Portuguesa enquanto gênero do discurso segundo Bunzen (2005, 2007),
Bunzen
&
Rojo
(2005),
Padilha
(2005),
Barros-Mendes
(2005).
Após,
apresentaremos o conceito de transposição didática e didatização, conforme
Chevallard (1985), Canellas-Trevisi (1997); logo em seguida, a questão da autoria e
50
seus principais pensadores: Barthes (1968), Foucault (1969, 1970), Bakhtin (19221924), entre outros.
2.2 Livro didático de Língua Portuguesa: um gênero do discurso
Batista & Rojo (2005), após um estudo sobre o estado da arte no que tange a
pesquisas relacionadas ao livro didático (LD), chegaram a conclusão de que é
necessário que a literatura escolar considere-o como um objeto de investigação,
tendo em vista que ele envolve diferentes dimensões (econômicas, técnicas, sociais,
políticas e educacionais) e não apenas “um meio para o estudo de conteúdos e de
metodologia de ensino” (idem, p. 43). Rangel (2001), em seu artigo Livro didático de
Língua Portuguesa: o retorno do recalcado, cujo título é bastante sugestivo,
considera importantes os novos olhares que têm sido dados ao LD. Segundo ele,
houve um período em que o LD era visto como o “responsável pelos insucessos da
escola em relação a suas funções essenciais” (RANGEL, 2001, p.14). Outro
pensamento a ser superado é o desprestígio que cerca os estudos sobre LD, apesar
das mudanças ocorridas nas abordagens temáticas e do surgimento de linhas de
pesquisas direcionadas para este objeto de investigação.
Considerando as novas abordagens em relação a este “utilitário da sala de
23
aula” , Bunzen (2005) postula que o livro didático de Língua Portuguesa (LDP) é um
gênero discursivo, cuja definição está embasada na teoria enunciativo-discursiva de
Bakhtin e seu Círculo.
Bunzen assume que o LDP é um gênero que pertence a determinadas
esferas da atividade humana, circunscritas a um momento sócio-histórico, nesse
caso, a relação das editoras com as escolas. O gênero LDP procura, na medida do
possível, “refletir as condições específicas e as finalidades de cada uma das suas
esferas de origem e de circulação” (BUNZEN, 2005, p. 27).
Bunzen & Rojo (2005, p. 86), ao argumentarem que LDP é um gênero
23
Esta termologia pertence a uma das classificações postas por Alain Choppin (1922) para distinguir
quatro tipos de livros escolares: “a) os manuais ou livros didáticos — utilitários da sala de aula, obras
produzidas com o objetivo de auxiliar no ensino de uma determinada disciplina [...]; b) os livros
paradidáticos ou paraescolares — obras complementares que têm por função resumir, intensificar ou
aprofundar conteúdos específicos do currículo de uma disciplina [...]; c) os livros de referência —
dicionários, atlas e gramáticas, destinados a servir de apoio aos aprendizados [...]; d) as edições
escolares de clássicos — que reúnem, de modo integral ou sob a forma de excertos, as edições de
obras clássicas [...]” apud Batista & Rojo (2005, pp. 14-15) [grifo dos autores].
51
discursivo, afirmam que ele possui
unidade discursiva, autoria e estilo, proporcionada via fluxos e
alinhamentos do discurso autoral, responsável pela articulação de
textos e gêneros diversos e que tal processo indicia muito mais a
produção de enunciados em um gênero do discurso do que um
conjunto de textos num suporte, sem um alinhamento específico,
sem estilo e sem autoria [grifo dos autores].
Para Barros-Mendes (2005, p. 26), o LDP está constituído por “diferentes
discursos e espaços discursivos imbricados em seus campos de produção e de
circulação.” Aceitamos este posicionamento da pesquisadora, por entendermos,
também, que o LDP assume discursos de outras esferas (jornalística, acadêmica,
científica, escolar etc.) os quais estarão presentes durante a produção e posterior
circulação. Um exemplo é a consideração dos gêneros discursivos como objeto de
ensino, pois a intenção é, na medida do possível, trabalhar a língua materna na
perspectiva dos gêneros. Esse propósito está de acordo com os documentos
oficiais, que acabam por homologar essa prática de ensino nos LDP.
Padilha (2005) acredita que, na elaboração de um livro didático, há três
elementos que atuam de forma indissociável: o autor (autor-criador), o herói (objeto)
e o ouvinte (contemplador). O primeiro elemento é caracterizado como sendo aquele
responsável pelo desenvolvimento do projeto autoral, isto é, “a seleção dos textos,
os recortes, as adaptações a formulação das atividades, a escolha teóricometodológica, as diferentes propostas, o projeto gráfico” (PADILHA, 2005, p. 81).
Seguindo esta linha de pensamento, Padilha (2005, p. 88) considera que
o autor, assim, como no romance, insere outros gêneros, que
servem, no caso do livro didático, ao propósito pedagógico, assim
como cartas e outros gêneros inseridos no romance servem aos
propósitos do enredo, da seqüencialização dos conteúdos, na
narrativa extensa.
O segundo elemento está relacionado aos objetos de ensino que serão
escolhidos e didatizados. Caberá ao autor todo processo de didatização para os
conteúdos selecionados por ele, segundo suas concepções de língua(gem) ou
conforme outras interferências, a saber: os documentos oficiais,
as práticas
escolares já difundidas etc.
A atuação do autor-criador, nesse momento, não é uma das tarefas mais
fáceis, tendo em vista que ele deverá responder a um projeto discursivo autoral pré52
determinado, o qual será materializado por meio dos objetos de ensino priorizados
por ele, a sua didatização, as relações entre esses objetos com a concepção de
ensino do autor e do que é difundido no cenário acadêmico.
E o último elemento, segundo Padilha (2005, p. 83), diz “respeito às formas
de estruturação das obras tendo em vista os seus leitores: os alunos e o professor,
bem como outros interlocutores, como os avaliadores do PNLD”. Esse ponto de vista
é corroborado por Bunzen (2005, pp. 42- 43), quando diz:
[...] podemos afirmar que as formas que o LDP vai adquirindo, se
levarmos em consideração a relação gênero/atividade humana, são
resultantes das concepções sobre as atividades de ensino e
aprendizagem formal e sobre seus agentes (professores e alunos). É
uma relação dialógica que se instaura entre a seleção de objetos de
ensino e sua apresentação, levando em consideração determinados
interlocutores e determinadas concepções de ensino-aprendizagem.
Bakhtin (1952-53/1979, p. 301) fala-nos da importância dos parceiros da
comunicação (destinatários) na interação verbal numa dada esfera:
Todas essas modalidades e concepções do destinatário são
determinadas pelo campo da atividade humana e da vida a que tal
enunciado se refere. A quem se destina o enunciado, como o falante
(ou que escreve) percebe e representa para si os seus destinatários,
qual é a força e a influência do enunciado — disto dependem tanto a
composição quanto, particularmente, o estilo do enunciado. Cada
gênero do discurso em cada campo da comunicação discursiva
tem a sua concepção típica de destinatário que o determina
como gênero. [grifo nosso].
Em virtude disso, é possível fazer uma analogia entre o LDP e o romance, por
percebermos que seus autores orquestram diferentes vozes, buscando estabelecer
conexão entre elas. Assim como o autor do romance, eles procuram deixar que seu
discurso seja notado, como também os discursos dos documentos oficiais, dos
pareceristas do MEC, dos professores, numa clara demonstração de que esses
discursos configuram sua composição.
O LDP, semelhantemente ao romance, possui uma formação híbrida, isso é,
em sua composição, o autor recorre a diferentes gêneros pertencentes a diversas
esferas para constituir o gênero LDP — esse enunciado concreto é resultado das
Antologias, das Gramáticas e das aulas de Língua Portuguesa (BUNZEN, 2005).
Nessa orquestração, o autor, como um maestro, deverá organizar e conduzir,
coerentemente, os diferentes tipos de linguagens pertencentes a esses gêneros que
53
configuram o LDP. Este hibridismo está relacionado ao conceito de plurilinguismo de
Bakhtin (1934-35/1975).
Segundo o pensador russo (idem, p. 73), “o romance, tomado como um
conjunto, caracteriza-se como um fenômeno pluriestilístico, plurilíngue e plurivocal”.
Essa caracterização do romance pode ser tomada para o LDP. Este, assim como o
romance, “é uma combinação de estilos” (idem, p.74). Nessa combinação, cada
autor será reconhecido pelo tratamento didático dado ao seu livro. A questão do
pluriestilístico está relacionada a uma rede textual multimodal24 que configura o livro
didático. Observando atentamente um LDP, notamos que a multimodalidade25 está
presente em todo o livro. Podemos pensar essa questão pelo aspecto gráfico.
O aspecto gráfico do livro é um exemplo pertinente para mostrarmos essa
questão da multimodalidade associada ao pluriestilístico. Em um mesmo LD,
encontramos uma variedade de estilos em relação à disposição gráfica dos objetos
de ensino. Isso pode ter como justificativa o objeto de ensino daquela unidade.
Os exemplos a seguir pertencem à seção denominada Para compreender o
funcionamento da língua26. Os objetos de ensino dessa seção são Verbo – Modo
imperativo e Predicativo do Objeto.
24
Essa designação para o LDP foi dada por Bunzen (2007, p. 84) que considera a multimodalidade
característica essencial do gênero LDP.
25
Segundo Descardesi, multimodalidade deve ser compreendida assim: “qualquer que seja o texto
escrito, ele é multimodal, isto é, composto por mais de um modo de representação. Em uma página,
além do código escrito, outras formas de representação como a diagramação da página (layout), a
cor e a qualidade do papel, o formato e a cor (ou cores) das letras, a formatação do parágrafo, etc.
interferem na mensagem a ser comunicada. Decorre desse postulado teórico que nenhum sinal ou
código pode ser entendido ou estudado com sucesso em isolamento, uma vez que se complementam
na composição da mensagem” (DECARDESI, 2002, p. 20) apud FERREIRA & BORTOLUZZI (2007,
p. 1102).
26
Os exemplos foram extraídos do livro Português: linguagens. São Paulo: Atual, 2003. v. único
escrito por William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães.
54
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p. 156.
55
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p. 272.
56
Os objetos de ensino recebem quase o mesmo tratamento didático.
Primeiramente, coloca-se um texto para ser explorado a fim de evidenciar o
conteúdo gramatical da seção, neste caso, são tira e quadrinhos. A exploração dos
conteúdos dá-se por meio de questões, em que se busca um olhar reflexivo para os
fatos linguísticos dos textos.
Num segundo momento, inicia-se a conceituação teórica. Outro dado
relevante são as cores empregadas, uso de setas para evidenciar a explicação dada
pelos autores, caixas de textos para enfatizar o assunto do capítulo. No primeiro
exemplo, colocou-se um boxe explicativo ao lado das questões, cujo objetivo é
estabelecer conexão com o conteúdo da seção.
Cada gênero transposto para o LDP funciona como objeto de ensino. Nessa
transposição, há alteração do contexto social em que um determinado gênero
circulou, mas, em relação ao uso da língua, existem algumas didatizações que
alteram esse uso, por meio da reescritura do texto, a fim de trabalhar a norma, e há
outras que usam gênero/texto qualquer para ser usado como modelo a ser seguido
ou não.
Um exemplo é o estudo das variantes linguísticas. Seu estudo objetiva que os
alunos tenham noção da diversidade de registro linguístico que ocorre em seu país
como também tenham uma atitude responsiva positiva para esse fato linguístico e
não teçam comentários preconceituosos. E o LDP tem permitido ao aluno acesso a
diferentes gêneros em que o uso da linguagem sofre consideráveis mudanças, em
virtude do contexto sócio-histórico de produção. Isso evidencia que o livro didático é
plurilíngue.
Aliás, os programas de avaliação de LD preveem que haja diversidade
linguística e que seja didatizada, para que diferentes contextos culturais, como o
regional, o urbano, o rural etc. sejam trabalhados, a fim de que haja apresentação de
textos com variáveis registros e variantes linguísticas e, assim, os alunos tenham
contato com diferentes usos da língua, em contextos diversos. Se o LD expuser
essa variedade, a coletânea terá uma avaliação positiva dos pareceristas. Essa
afirmação pode ser comprovada no exemplo a seguir. Selecionamos como objeto de
ensino, o gênero discursivo crítica, presente no capítulo Produção de Texto27.
27
O exemplo foi extraído do livro Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, escrito por
William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães.
57
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p. 301.
58
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p. 302.
59
Em relação ao objeto de ensino desse capítulo, observamos que as questões
propostas pelos autores exploram aspectos relacionados à discursividade, ao estilo
e à forma composicional. No exercício 04, há duas perguntas em que buscam
compreensão em relação ao tipo de linguagem empregado no gênero.
Em relação ao plurivocal, percebemos que o Manual do Professor é um
material didático que deve ser mais bem estudado. Nele, encontramos diferentes
vozes com as quais o livro do professor dialoga. No exemplo a seguir, há outra voz
que perpassa a do autor:
Desse modo, ensinar português é, fundamentalmente, oferecer
aos/às alunos/as a oportunidade de amadurecer e ampliar o
domínio que eles/elas já têm das práticas de linguagem. Em
língua materna, a escola, obviamente, nunca parte do zero: os/as
alunos/as têm uma experiência acumulada de práticas de fala e
de escrita. Cabe-nos, no entanto, criar condições para que esse
domínio dê um salto de qualidade, tornando-se mais maduro e
mais amplo.
Na saída do Ensino Médio é fundamental que nossos/as alunos/as
tenham adquirido efetiva autonomia naquelas práticas de linguagem
que devem ser de domínio comum de todos os cidadãos e cidadãs
[...]
(FARACO, 2003, p. 5) [grifo nosso].
O trabalho discursivo realizado anteriormente coaduna com as orientações
postuladas pelo edital de convocação para seleção de livros didáticos.
Nesse sentido, incumbe ao Ensino Médio — assim como ao livro a
ele destinado — uma tripla missão:
- retomar, ampliar e aprofundar a aprendizagem desenvolvida
pelo aluno nas etapas anteriores de sua formação, garantindo-lhe
as condições intelectuais de prosseguimento nos estudos;
- preparar o aluno para um possível ingresso, ao fim do ensino
básico, no mundo do trabalho, marcado, na atualidade, por rápidas e
profundas mudanças nos processos e relações de produção,
inclusive no que diz respeito a pré-requisitos de escolarização e de
conhecimentos especializados por parte do trabalhador;
- contribuir para o desenvolvimento ético, humano e social do
educando, preparando-o para a vida numa sociedade complexa,
marcada pela transformação nos padrões de convivência e por
graves tensões sociais geradas por persistentes desigualdades, no
que diz respeito ao acesso a serviços e a bens materiais e culturais.
(FNDE, 2003, pp.11-12) [grifo nosso]
Observando as marcas linguísticas do texto do autor e do edital, notamos
que o trabalho discursivo do autor é resultado da interpelação do documental oficial.
O autor revozeia o discurso do documento a fim de que seu livro possa ser
60
aceito. O sentido é construído segundo as condições de produção ditadas por outras
vozes que se fazem superiores neste momento sócio-histórico-ideológico.
Dessa forma, o enunciado posto no manual espera, por parte dos seus
interlocutores, uma atitude responsiva, evidenciando que o autor não escreve
sozinho, porque ele se constitui nas relações sociais, em que o outro é parte
constitutiva de suas ações.
Diante dessas considerações acerca da hibridização, da questão do
pluriestilístico, do plurilíngue e do plurivocal, Bunzen (2005, p. 44) defende que o
LDP é um gênero nos seguintes termos:
Esta reflexão parece indicar que a grande questão para Bakhtin
não é a problemática da "transmutação" dos gêneros, como sugere
Marcuschi (2003), mas do processo de produção de um enunciado
num gênero do discurso que pode perfeitamente trazer para o seu
interior textos em outros gêneros, outras vozes discursivas. Em
outras palavras: estamos diante de uma discussão sobre a
representação declarada ou não do discurso de outrem que deve
ser vista como um procedimento normal também no discurso
cotidiano (Brait, 1994) e didático. [...] Fato que nos fez compreender
a própria estrutura composicional desse gênero do discurso
como multimodal/ imbricada/ múltipla, uma vez que ela é
composta por uma rede em que os textos/enunciados concretos
produzidos pelos autores dos livros didáticos dialogam com outros
textos em gêneros diversos e com textos não-verbais (imagens,
ilustrações, etc.), com a finalidade principal de ensinar determinados
objetos.
É justamente o encaixamento/ a intercalação de textos em
gêneros diversos e imagens com o texto didático produzido
pelos autores que lhe dá um alinhamento, uma unidade
enunciativo-discursiva e que nos possibilita vê-lo como um
gênero do discurso. [grifo nosso]
Acreditamos que essas considerações de Bunzen são contundentes e nos
fazem olhar o livro didático de outra forma, pois nele encontramos diversos gêneros,
os quais foram selecionados para uma determinada função, seja para exemplificar,
para propor atividades de leitura, de gramática. Esse todo heterogêneo configura o
LDP enquanto gênero discursivo.
Outro dado relevante é dizer que o LDP constitui-se enquanto gênero,
testemunhando as mudanças sofridas no ensino de língua materna, por conta das
variadas concepções de língua(gem) que norteiam o cenário educacional de nosso
país. Ao afirmarmos isso, estamos partindo do pressuposto de que os autores de
livros didáticos, na medida do possível, estão redefinindo seus objetos de ensino a
fim de estabelecer diálogo mais estreito com as atuais concepções de ensino61
aprendizagem em relação à língua(gem) como também negando outras com as
quais trabalhavam. Para Bunzen (2005, p. 37),
enfocar o LDP como um gênero do discurso significa dar relevo à sua
própria historicidade, ou seja, compreendê-lo não como um conjunto
de agregados de propriedades sincrônicas fixas, mas observar suas
contínuas transformações que tem uma forte relação com o próprio
dinamismo das atividades humanas.
Assim, o LDP é um gênero discursivo tendo em vista que mantém diálogo
com diferentes interlocutores como também ressoa vozes não apenas dos
interlocutores mais imediatos como também de outros momentos. É um jogo de
forças sociais que faz com que a autoria de um livro didático seja vista como uma
produção conduzida, tendo em vista que o contexto social é um fator preponderante
na elaboração de um LD.
Bakhtin/Medvedev (1928) dizem, em relação ao romance, que o meio externo
é, ao mesmo tempo, interno e externo à obra literária. Segundos os pensadores
russos, essa interação da obra com o meio social acaba por refletir e refratar o meio
ideológico do qual faz parte. E, de forma análoga, podemos pensar que o livro
didático também passa por essa situação, embora saibamos que há diferenças
quanto às proposições e valores de uma obra artística e de uma obra didática.
A obra didática está inscrita na esfera editorial e, ao mesmo tempo, na esfera
oficial e escolar28. Em cada uma dessas esferas, notamos que o LDP não sofre
transmutação como sofre um romance, isto porque o livro didático deve seguir certos
parâmetros para estabelecer e manter contato com as esferas sociais com as quais
pretende dialogar. Esta ligação estreita com as esferas acaba delimitando e
configurando o gênero LDP com seus interlocutores, pois é um enunciado concreto,
pleno de eco e de ressonâncias provenientes da esfera oficial (PCN, PCN+,
PCNEM, PNLEM, OCEM, LDB, DCNEM). Todos esses enunciados estão
subjacentes ao todo do enunciado do LD, configurando sua tríade (forma
composicional, estilo, tema).
Bakhtin (1952-53/1979, p. 297) afirma: “Cada enunciado é pleno de ecos e
ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da
esfera de comunicação discursiva”.
28
Entendemos por esfera Editorial o lugar de produção do livro didático, por Oficial, os agentes
envolvidos na avaliação do livro (pareceristas do MEC) e por Escolar, os interlocutores do livro
didático — professor e alunos.
62
Dessa forma, neste segundo capítulo, reafirmamos que o livro didático de
Língua Portuguesa é um gênero discursivo numa instância pública (esfera editorial e
oficial, escolar) em que os três elementos constitutivos do gênero se fazem
presentes: o conteúdo temático são os objetos de ensino selecionados para as aulas
de língua materna, isso é, a transmissão, explicação e a produção de
conhecimentos e saberes, os quais recebem uma determinada apreciação valorativa
dependendo da concepção de língua(gem) dos autores29.
Já a forma composicional relaciona-se às divisões que o LDP apresenta: texto
de apresentação, sumário, unidades, seções etc.
Em relação ao estilo, dividimo-lo em estilo do gênero e estilo do autor. Este é
reconhecido pela configuração dada pelo autor ao seu LDP, o qual individualizará
sua produção. Por exemplo, um LDP destinado ao Ensino Médio, dependendo do
estilo individual de cada autoria, possui uma configuração diferenciada, em que o
autor pode abordar os objetos de ensino por meio de unidades temáticas, temas
transversais, gramaticais, em relação à prática de leitura e produção de texto na
perspectiva dos gêneros discursivos e/ou textuais.
E o estilo do gênero permite que um enunciado concreto torne-se único,
apresentando um estilo próprio, que o diferenciará de outros gêneros. Por exemplo,
o LD “tem uma finalidade didática de ensinar, instruir, conduzir”, o que justifica a
existência de “ordens, instruções, explicações, exposições” no LDP (BUNZEN &
ROJO, 2005, p. 90), ou seja, é o estilo didático do gênero, que pode ser
transmissivo, dedutivo, indutivo, construtivo, informativo ou injuntivo.
Sendo assim, os autores têm um projeto discursivo autoral e, juntamente com
outros agentes das situações mais próximas (editores, revisores, diagramadores,
leitores críticos etc.) e mais amplas (especialistas do MEC, professores, os alunos
etc.), que estão igualmente, porém de forma indireta, envolvidos
em sua
elaboração, determinarão o processo de edição, seleção, negociação dos objetos de
ensino e de distribuição destes objetos ao longo do livro, determinando a
configuração das unidades didáticas30.
Segundo o pesquisador Bunzen, em virtude desse movimento dialógico, o
29
Reafirmamos o pensamento de Bakhtin/Volochinov (1929), quando diz que há apreciação valorativa
em qualquer produção. Isso é perceptível no projeto autoral dos livros didáticos. Cada autor tem seu
estilo e acredita numa concepção de ensino e aprendizagem de língua materna.
30
Entendem-se por unidades didáticas os capítulos ou lições que compõem o livro (CARBONE, 2003
apud BUNZEN, 2005, p. 27.
63
LDP é um gênero escolar, porque assume uma função social de “re(apresentar) para
cada geração de professores e estudantes o que é oficialmente reconhecido,
autorizado como forma de conhecimento sobre a língua(gem) e sobre as formas de
ensino-aprendizagem” (BUNZEN, 2005, p. 27).
Considerando todos os pontos aqui levantados, abordaremos na próxima
seção o conceito de transposição didática e didatização, a fim de entendermos o
processo pelo qual um determinado objeto do saber passa a ser um objeto de
ensino.
2.3 LDP: Transposição didática e didatização
Todo material didático apresenta a seus interlocutores (professores e alunos)
certo número de conteúdos que deve ser estudado em um determinado ano, seja do
Ensino Fundamental, seja do Ensino Médio. Esses conteúdos pertencem a outra
área do conhecimento e passam a pertencer à esfera escolar. Segundo CanelasTrevisi (1997), o objeto de ensino não é totalmente autônomo, tendo em vista que
ele está integrado ao funcionamento didático, como também não é constituído por
um único objetivo, pois é “résultat d'un ensemble de choix socio-historiques, au fil
desquels des rencontres avec les savoirs théoriques ont lieu.” (idem, p. 16).
Canelas-Trevisi (1997, p. 15) considera que o sistema de ensino abarca tanto
um conjunto de sistemas didáticos, quanto uma variedade de organismos que
buscam “le ‘bon’ fonctionnement du système didactique.” Este é composto por três
elementos: professor – saber – aluno (CHEVALLARD, 1985).
Para Chevallard (1985, p. 19) apud Canelas-Trevisi (1997, p, 15) :
C'est bien le concept de transposition didactique qui vient permettre
l'articulation de l'analyse épistémologique sur l'analyse didactique, et
se fait alors le guide du bon usage de l'épistémologie en didactique.
Percebemos, por essa assertiva, que Chevallard acredita ser a transposição
didática um conceito fundamental para que se possa fazer reflexão epistemológica
acerca dos saberes escolares, os quais caracterizam o funcionamento das
instituições de ensino. Em virtude disso, devemos discutir os conceitos de
transposição didática e didatização.
A terminologia transposição didática foi cunhada, primeiramente, pelo
sociólogo Verret (1975) e depois delineada por um didático da área da Matemática,
64
Chevallard (1985)31.
Dissemos, anteriormente, que os conteúdos previstos em um livro didático
pertencem a uma área do conhecimento, conhecimento elaborado, que está num
plano mais teórico. Por isso, é necessário que haja a transposição didática entre o
saber acadêmico e o saber a ser ensinado, para que o conhecimento possa tornarse acessível a seus interlocutores (alunos e professores). Barbosa (2001, p. 110)
corrobora que a transposição didática implica “numa simplificação dos objetos das
ciências, para que os mesmos possam ser compreendidos pelos alunos”.
Para Chevallard (1985) apud Canelas-Trevesi (1997), o conceito de
transposição didática é necessário, pois permite que haja articulação entre a análise
epistemológica e a análise didática, uma vez que o saber faz parte desses
conceitos.
Chevallard define transposição didática assim:
Un contenu de savoir ayant été désigné comme savoir à enseigner
subit dès lors un ensemble de transformations adaptatives qui vont le
rendre apte à prendre place parmi les objets d'enseignement. Le
travail qui d'un objet de savoir fait un objet d'enseignement est
appelé la transposition didactique" (CHEVALLARD, 1985, p. 39
apud CANELAS-TREVISI, 1997, p. 17) [grifo nosso].
Segundo Barros-Mendes (2005, p. 19), é necessário que compreendamos o
processo de transformação exposto nessa passagem a partir deste esquema:
“objeto de saber → objeto a ensinar → objeto de ensino” [grifo da autora]. Para que
possamos visualizar este esquema, tomamos como exemplo nosso objeto de
pesquisa.
Sabemos que, no livro didático de Língua Portuguesa, há seções didáticas
que privilegiam a prática de análise linguística. Anterior a essa transposição, a
análise linguística era somente discutida no meio acadêmico, era um saber
científico32, sem propostas para sua efetivação.
As ideias dos linguistas eram
31
Yves Chevallard é matemático e, em 1985, publicou o livro La transposition didactique - du savoir
savant au savoir enseigné. Sua obra baseia-se no estudo anterior do sociólogo Michel Verret, Le
temps des études, publicado em 2 volumes pela Librairie Honoré Champion em 1975. Chevallard
denomina transposição didática a passagem do saber acadêmico ao saber ensinado. “A partir da
noção de distância, esse autor, demonstra como esse saber ensinado nas escolas francesas no que
corresponderia as nossas sétimas séries do ensino fundamental ‘possui apenas longínquas relações
com o conceito de distância, tal como surgido no campo das matemáticas universitárias’ (DEVELAY,
1995). Importa observar que as principais idéias contidas nesse conceito já estavam presentes na
tese do sociólogo francês” (GABRIEL, 2001, s/p).
32
Sabemos que a Gramática não é considerada uma Ciência, mas uma doutrina que procura explicar
65
apresentadas em revistas especializadas, livros, artigos, teses. Nesse sentido, a
análise linguística era somente um objeto de saber dos teóricos, não levada para
sala de aula.
Após essas discussões, esse objeto de saber — a análise linguística —
sofreu transformações para que pudesse se tornar um objeto de ensino, quer dizer,
esses linguistas passaram a propor caminhos a fim de que esse objeto de saber
fosse visto como um objeto a ensinar. Essa ideia fica bastante clara quando lemos
os artigos de Geraldi (1984) e Mendonça (2006), em que eles mostram como deve
ser a prática de análise linguística. Com base nas contribuições dos linguistas, os
autores de livros didáticos transpuseram esse conhecimento científico para seus
livros. A prática de análise linguística tornou-se um objeto de ensino.
Nas palavras de Barros-Mendes (2005, p. 19):
Dessa forma, a cada momento, quando o objeto de saber se
constitui em objeto de ensino e, em seguida, em objeto ensinado, o
conteúdo é trabalhado por adaptações sucessivas, ou seja, o
trabalho de transposição é um trabalho que continua após a
introdução didática do objeto de saber.
Essa afirmação evidencia que transpor um saber acadêmico para um saber
escolar exige dos agentes um vasto conhecimento para que não haja falhas nesse
processo de transposição.
As modificações que ocorrem em um conteúdo são
provas de que esse conceito não aprisiona a prática do professor. Sempre é
necessário alteração a fim de que esse conhecimento tenha um sentido para seu
aluno. Isso podemos verificar em relação ao nosso objeto de pesquisa. A prática de
análise linguística é um objeto de ensino que ainda está em processo de
adaptações. Os autores de livros didáticos buscam formatos e caminhos que
possam direcionar a prática do professor como também oferecem aos alunos um
olhar diferente para o ensino de língua materna, a fim de que eles percebam que os
conteúdos apresentados têm alguma relação com a sua vida social.
Barbosa (2001) acredita que a transposição didática busca uma prática mais
sólida, tendo em vista que os objetos de ensino selecionados têm uma característica
peculiar — a praticidade do que está sendo ensinado.
Segundo Barbosa, quando a escola não tem a pretensão de simplificar os
alguns fenômenos da língua. Entretanto, na Academia, discutem-se diferentes saberes, a partir das
Ciências da linguagem, como exemplo, a Linguística, a Semântica, a Pragmática, a Linguística
Textual, a Análise do Discurso, a Sociolinguística etc.
66
objetos de ensino durante a transposição didática, mas apresentar uma redefinição
das dimensões do que se pretende ensinar, ela eliminará o velho pensamento que a
norteia: “não se trata de formar físicos, geógrafos, lingüistas, matemáticos etc. A
partir dessa definição, os objetos teriam que ser decompostos, recortados (e não
simplificados) para que pudessem ser aprendidos” (BARBOSA, 2001, p. 111).
Acreditamos que o conceito de transposição didática nos oferece um olhar
diferenciado para a nossa prática, pois observar um objeto de ensino em um livro
didático de Língua Portuguesa permite verificar se existe pertinência para o que
estiver sendo proposto para um determinado objeto, ou seja, se há direcionamento
prático, de fácil assimilação por parte dos seus interlocutores (professores e alunos)
e, desse modo, promover melhorias não apenas na prática do professor como
também na elaboração das atividades.
Em virtude disso, cabe-nos discutir outro conceito importante para
entendermos o processo de transposição didática: a didatização. Segundo BarrosMendes (2005, p. 21), essas expressões não podem ser tomadas como sinônimos,
tendo em vista que a transposição didática “se ocupa da transformação dos saberes
de referência em saberes a serem ensinados, a didatização seria a maneira de
organizar esses saberes para a compreensão do aluno” [grifo da autora].
A didatização se ocupa da organização interna dos saberes a serem
transmitidos aos alunos. Ilustradamente, nos livros didáticos de Língua Portuguesa,
há uma seleção de conteúdos que sofreram adaptação para se tornarem
compreensíveis para os alunos. Os autores de livros didáticos, por meio de seleção
de textos, de exercícios e atividades, sistematizam os saberes, tentam apresentálos, na medida do possível, de forma espiralada a fim de que os alunos tenham um
aprendizado progressivo, indo do mais simples ao complexo.
Podemos, portanto, dizer que a didatização tem uma visão planificada, tendo
em vista que os objetos de saber são abordados um a um. E o livro didático é o
responsável por esse processo de organização, elaboração de conteúdos,
exercícios e avaliação dos saberes a serem ensinados nas unidades escolares.
Como bem salientamos anteriormente, o livro didático de Língua Portuguesa tornouse um importante instrumento de trabalho para o professor, pois o auxilia no seu
cotidiano escolar. Dessa forma, corroboramos com Barros-Mendes (2005, p. 22),
quando afirma que
67
a disciplina escolar, a transposição didática, a didatização e o livro
didático se relacionam tão fortemente que diríamos se constituírem
no coração do currículo. Pois é, basicamente, através deles que se
coloca aos jovens uma organização, um recorte e uma hierarquia do
campo de saber.
Diríamos, ainda, que o livro didático poderia até ser
considerado como “ator” da transposição didática e da didatização,
pois ele materializa os objetos e opera na construção e cristalização
mesmas desses objetos a serem ensinados, para que passem a
objetos realmente ensinados.
Sendo assim, consideramos que o livro didático de Língua Portuguesa
operacionaliza os conteúdos previstos no currículo escolar, contribuindo, em certa
medida, para com o tempo do professor, uma vez que este não possui
disponibilidade ou formação suficiente para fazer a didatização dos conteúdos a
serem ensinados.
Partindo desses conceitos, abordaremos, na próxima seção, a autoria, a fim
de entendermos o processo de elaboração das atividades de análise linguística, uma
vez que este módulo de ensino, em nossa visão, é de difícil didatização, por
considerarmos que os autores estão envolvidos em um grande embate: a tradição
versus a renovação.
2.4 Os conceitos de autoria e os LDP
Nesta
seção,
nosso
objetivo
é
apresentar
o
conceito
de
autoria,
estabelecendo conexões com nosso objeto de pesquisa.
Os conceitos explorados nas seções anteriores nos ajudarão a compreender
o projeto autoral, na medida em que os autores de livros didáticos tornam-se únicos
na sua atividade textual, em outras palavras, na produção discursiva no LDP.
Sabemos que há um número considerável de teóricos que abordam a questão
da autoria. Por isso, selecionamos alguns nomes com quem pudéssemos dialogar
acerca do nosso objeto de pesquisa e, assim, apresentarmos os vários conceitos
existentes sobre autoria. Nesta seleção, privilegiamos aqueles que são revozeados
em diferentes trabalhos, quando se pensa a questão autoral.
O diálogo que vamos estabelecer, ao longo desta seção, visa tão somente a
compreensão dos conceitos empreendidos pelos teóricos, precisamente aqueles
que abordaram o conceito de autoria depois de Bakhtin (1922-1924), por exemplo,
Barthes (1968), Foucault (1969, 1970).
68
2.4.1 O conceito de autor por Roland Barthes
Roland Barthes em seu artigo “A morte do autor”, publicado em 196833, falanos sobre a perda de identidade que os autores sofrem quando assumem a
função/papel autor. Segundo ele, o autor, ao escrever, destitui-se. Segundo Buescu
(1998), o apagamento do autor é para impedir “a percepção da verdadeira força nele
agente, que Barthes equaciona com a escrita” (idem, p. 15). Tomamos como
exemplo um texto qualquer: quando disseminado, já não é o mesmo. A autoria
original não está presente, pois existem outras vozes que interferem, nesse caso, os
leitores. Cada um a sua maneira dará sua apreciação valorativa a esse texto. Logo,
o autor não tem voz, o que é importante agora são seus textos escritos. Segundo
Barthes (1968, s/p), “[…] a voz perde a sua origem, o autor entra na sua própria
morte, a escrita começa”.
A sua formulação teórica nos coloca que a escrita assume um papel
relevante, por considerar a existência da figura do leitor nesse processo. Depois que
o autor se faz representar pela escrita, o leitor de certa forma o restituirá, pois é
quem vai perpetuar a obra:
Assim se revela o ser total da escrita: um texto é feito de escritas
múltiplas, saídas de várias culturas e que entram umas com as
outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar em
que essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como
se tem dito até aqui, é o leitor: o leitor é o espaço exato em que se
inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que
uma escrita é feita [...] (BARTHES, 1968, s/p.)
Para Buescu, é como se Barthes estivesse diferenciando autor, “o que está
morrendo” e escritor, que é a “imagem autoral, reconstruída a partir da instância da
leitura” (1998, p. 15).
Barthes (1968) afirma que, em nossa sociedade, ser autor é ter prestígio
social. Ele torna-se uma personalidade importante. Isso pode ser comprovado na
vasta literatura em que sua imagem é vista constantemente, por exemplo, as
biografias, as entrevistas, que buscam enaltecer a pessoa do autor. Aqui, de fato, o
autor, ainda, não teve sua morte, pois se busca perpetuar, contemplar a figura
autoral. Ele é o senhor de si. Entretanto, Barthes alerta-nos quanto à perigosa
33
Em português, o texto está publicado no livro intitulado O Rumor da língua (1984), que apresenta
uma coletânea de textos de Roland Barthes.
69
relação que se faz entre autor e sua obra. Para isso, ele apresenta alguns exemplos
de artistas famosos, cujos estudiosos pertencentes a diferentes ramificações da
cultura-artística afirmam, por exemplo, que “a obra de Baudelaire é o falhanço do
homem Baudelaire, que a de Van Gogh é a sua loucura, a de Tchaikowski o seu
vício”, ou seja,
a explicação da obra é sempre procurada do lado de quem a
produziu, como se, através da alegoria mais ou menos, transparente
da ficção, fosse sempre afinal a voz de uma só e mesma pessoa, o
autor, que nos entregasse a sua “confidência”. (BARTHES, 1968,
s/p).
Acreditar que toda obra tem uma relação intrínseca com seu autor, é dizer que
todas as obras lidas ou apreciadas não carregam outro sentido senão aquele que
fora instituído pelo seu autor. Para Padilha (2002, p. 72), Barthes, por estar engajado
a um projeto estruturalista na época da produção e publicação de seu artigo, “está
respondendo, como que num manifesto, à tradição de perspectivas críticas que
encerravam — romântica e equivocadamente — o sentido de um texto à intenção e
à biografia de um Autor-Deus”.
Podemos dizer, então, que o autor torna-se outra persona, em que a autoria
de seu texto não é reconhecida pelo sujeito-autor, mas pela discursividade que se
faz presente.
2.4.2 A autoria para Michel Foucault
Michel Foucault, em uma palestra apresentada à Societé Française de
Philosophie em 22 de fevereiro de 1969 no Collège de France, abordou a autoria e a
noção de autor, com o seguinte questionamento: O que é um autor?
Foucault (1969) considera que a noção de autor está relacionada à questão
da individualização, porque ela pode contribuir para a compreensão daquilo que o
autor escreveu em uma dada época. O processo de individualização é notado
quando, numa dada cultura, inicia-se um estudo sistemático a fim de evidenciar,
sobre um autor,
que estatuto lhe foi atribuído, a partir de que momento, por exemplo,
se iniciaram as pesquisas sobre a autenticidade e a atribuição, em
que sistema de valorização foi o autor julgado, em que momento se
começou a contar a vida dos autores de preferência à dos heróis,
70
como é que se instaurou essa categoria fundamental da crítica que é
“o-homem-e-a-obra” (FOUCAULT, 1969, p. 34) [grifo nosso]
Essa questão de relacionar autor e obra é uma das práticas mais comuns em
nossa sociedade. Estudar uma obra é buscar a vida desse autor, a fim de estreitar
particularidades entre as duas. Aliás, esse é um dos propósitos de Foucault, negar a
concepção biografista. Mas até que ponto essa relação está correta? Tal
questionamento abrange diferentes visões de mundo, gerando dúvidas quanto à
ideia de que tudo que o autor escreve tem relação direta com a sua vida. Esse
pensamento de Foucault está longe de ser resolvido, por exemplo, já assistimos a
aulas em que professores afirmam que uma determinada obra são as experiências
pessoais do seu autor.
Souza (2006, p. 23) acredita que a individualização do autor estaria
“condicionada ao conhecimento de um conjunto de textos de um mesmo autor.” Por
reconhecermos que a compreensão do processo de individualização não é fácil,
uma vez que existem outros conceitos que permeiam o contexto de produção de
uma obra, acreditamos que Foucault buscou a relação texto/autor, cujo objetivo é
verificar “a maneira como o texto aponta para essa figura que lhe é exterior e
anterior, pelo menos em aparência.” (FOUCAULT, 1969, p. 34). Ao buscar o texto do
autor, espera-se compreender esse processo em que sua identidade é,
aparentemente, apagada, para dar à escrita um papel de destaque:
[...] [a] escrita está sempre a ser experimentada nos seus limites,
estando ao mesmo tempo sempre em vias de ser transgredida e
invertida; a escrita desdobra-se como um jogo que vai infalivelmente
para além das suas regras, desse modo as extravasando. Na
escrita, não se trata da manifestação ou da exaltação do gesto
de escrever, nem da fixação de um sujeito numa linguagem; é
uma questão de abertura de um espaço onde o sujeito de escrita
está sempre a desaparecer (FOUCAULT, 1969, p. 35) [grifo nosso].
O apagamento do sujeito pela escrita decreta o segundo tema empreendido
por Foucault — a morte do autor. Apesar de ter existido em outros momentos, a
perpetuação da figura do autor ainda se faz presente por meio das falas dos
personagens. Na narrativa ou epopéia grega, havia preocupação de se perpetuar a
atuação do herói; na narrativa árabe, havia um esforço também de não se apagar a
voz do narrador, papel desempenhado pela personagem Xerazade em Mil e uma
Noites.
71
Mas, hoje, a obra tem mais importância que a figura do seu escritor, nas
palavras do autor, “a obra que tinha o dever de conferir a imortalidade passou a ter o
direito de matar, de ser assassina do seu autor” (FOUCAULT, 1969, p. 36). Furnaleto
(2006, p. 118) considera que esse ponto de vista deve-se à “conseqüência do
emaranhado que fica entre ele [autor] e aquilo que escreve [...]”. Entendemos que
essa afirmação evidencia que a morte do autor não acontece plenamente.
Foucault reconhece que a noção de obra e de escrita contribui para a não
verificação do desaparecimento do autor. Em relação à obra, deve-se não somente à
significação da palavra obra, como também aos elementos que a compõem para
considerá-la uma unidade textual, passando pelo contexto jornalístico, em que os
críticos tecem comentários acerca da sua estrutura, do seu conteúdo, dos elementos
extralinguísticos etc. E a escrita consegue manter viva a figura do autor: “[...] com
subtileza, ela [escrita] preserva ainda a existência do autor.” (FOUCAULT, 1969, p.
39).
Essa noção de escrita traz um paradoxo, tendo em vista que o pensador
francês ao mesmo tempo em que nega a referência ao autor, ainda acentua que a
escrita deveria dar um novo “estatuto à sua nova ausência” (idem, ibidem). Ressalta,
ainda, que essa visão da escrita permite que se localize
o espaço deixado vazio pelo desaparecimento do autor, seguir de
perto a repartição das lacunas e das fissuras e perscrutar os
espaços, as funções livres que esse desaparecimento deixa a
descoberto (idem, p. 41)
ou seja, há sempre marcas que não são apagadas, possibilitando a reapresentação
do autor. Em virtude dessa problemática, Foucault propõe dois questionamentos: O
que é um nome de autor? E como funciona?
Segundo o pensador francês, há uma diferença entre o nome do autor e o
seu nome próprio. Este representa a descrição do conjunto da obra do autor, pelo
qual é reconhecido em uma dada cultura e aquele é a designação. Pensando na
produção de um dado autor, podemos dizer que o nome do autor está ligado a
questões exteriores. Como exemplo, tomemos determinado autor de livro didático,
por exemplo, José de Nicola. Analisando suas produções, percebemos que este
nome de autor remete a vários contextos, tendo em vista seu conjunto de materiais
didáticos. Cada uma de suas obras permite que se identifique a qual viés teórico ele
estava ligado, quando produziu seus livros didáticos. Sendo assim, o nome de autor
72
[...]assegura uma função classificativa; um tal nome permite
reagrupar um certo número de textos, delimitá-los, selecioná-los,
opô-los a outros textos. Além disso, o nome de autor faz com que os
textos se relacionem entre si. (FOUCAULT, 1969, pp. 44-45).
Para Buescu (1998, p.17), a interrogação feita por Foucault evidencia que o
autor
reconhece que o nome de autor não é exactamente um nome próprio
como qualquer outro — o que lhe permite avançar com a proposta
de estudo do discurso não de acordo com os seus “valores
expressivos” mas de acordo com os seus “modos de existência”
(circulação, avaliação, atribuição e apropriação do discurso).
Segundo Foucault (1970), o autor desempenha uma função social de
destaque, porque é o responsável pela veracidade do que é dito/escrito por ele.
Entretanto não são todos que podem ser denominados de autores, por exemplo, nas
relações do cotidiano, como exemplo, um diálogo, decretos ou contratos que
precisam apenas de uma assinatura ou receitas técnicas difundidas no anonimato. E
os verdadeiros autores são aqueles pertencentes à área da Literatura, Filosofia,
Ciência.
Mas, na Idade Média, eram considerados autores, na ordem do discurso
científico, somente se houvesse um valor científico, caso contrário, os autores não
eram indicadores de verdade. Como bem afirma Foucault, para o discurso científico,
o autor tem um efeito simbólico, quer dizer, há a necessidade de um nome para
nomear um teorema, um efeito, uma síndrome.
Em contrapartida, no discurso
literário, o autor exerce sua função primordial: a de ser o fundador do seu discurso.
Nas palavras de Foucault (1970, p. 28), “O autor é aquele que dá à inquietante
linguagem da ficção suas unidades, coerência, sua inserção no real.”
Com base nessas afirmações, Foucault (1969, p. 46) postula a existência da
função-autor, “A função autor é, assim, característica do modo de existência, de
circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade.” E
este tema é estendido em outra obra do filósofo francês, intitulada A ordem do
discurso (1970). Para ele, o autor deve ser entendido como “um princípio de
agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco
de sua coerência.” Em certa medida, busca-se o reconhecimento da sociedade para
o que está sendo produzido.
Souza (2006) acentua que, para compreendermos a função-autor em
73
Foucault e em seus comentadores, devemos acreditar que essa expressão está
situada muito mais em um movimento denominado projeto genealógico do que em
um arqueológico, tendo em vista que é “muito mais a questão de como o sujeito se
constitui na tensão gerada no e com o texto e seus interlocutores do que como o
sujeito se entende e se constitui em si” (idem, p. 22). Aliás, esse ponto de vista está
posto claramente no texto de Foucault, quando ele afirma que seu propósito é
investigar quais são as regras que controlam a produção dos discursos em nosso
meio social. Esse tema foi discutido posteriormente também por Foucault em A
ordem do discurso (1970), em que ele afirma que o discurso está na “ordem das
leis”, isso é, há um enquadramento social em que sujeito do discurso está
circunscrito, sofrendo as coerções sociais:
[...] suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao
mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por certo número de procedimentos que têm por
função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento
aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT,
1970, p. 9) [grifo nosso]
Retornando a nossa discussão acerca da função-autor, cabe-nos apresentar
as quatro características que estão presentes no discurso em que essa função se
materializa:
[...] a função autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que
encerra, determina, articula o universo dos discursos; não se exerce
uniformemente e da mesma maneira sobre todos os discursos, em
todas as épocas e em todas as formas de civilização; não se define
pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas
através de uma série de operações específicas e complexas; não
reenvia pura e simplesmente para um indivíduo real, podendo dar
lugar a vários “eus” em simultâneo, a várias posições-sujeitos que
classes diferentes de indivíduos podem ocupar (FOUCAULT, 1969,
p. 56).
Analisando essas características, podemos dizer que o autor de livro didático
apresenta especificidades, na medida em que a elaboração de um livro envolve
vários agentes indireta e diretamente. Um exemplo são os direitos autorais.
Qualquer texto, imagem que não sejam de domínio público precisam de uma
autorização para que possam ser utilizados. Nesse momento, a questão jurídica se
faz presente, o autor não pode a bel-prazer fazer uso de determinados textos e
imagens, porque pode sofrer punições, por não respeitar à legislação.
74
Em relação à segunda característica da função-autor, o contexto sóciohistórico é determinante para a produção dos discursos, o autor de LD, a partir da
década de 90, com as intervenções do governo (análise dos livros didáticos), das
discussões ocorridas dentro e fora do contexto acadêmico, passou a produzir
discursos que estivessem de acordo com as ideias postas por esses grupos sociais.
Isso pode ser observado nos livros didáticos de Língua Portuguesa, em que o
projeto autoral sofreu alterações consideráveis. Essas mudanças envolvem desde a
concepção de língua(gem) até a didatização dos objetos de ensino.
A terceira característica envolve o processo para compreendermos autoria, já
que seu discurso não é espontâneo, já que há elementos externos que influenciam
uma obra. Segundo Foucault (1969), São Jerónimo criou quatro critérios para
reconhecermos o autor em suas produções: existência de um único nível na
elaboração do livro, coerência conceitual e teórica, unidade estilística, historicidade.
Com base nessas informações, é possível afirmamos que, durante a elaboração de
um LD, o autor, em certa medida, sofre influências de diferentes sujeitos, os quais
pertencem a diversas esferas da atividade humana. A produção de um LD envolve
diferentes agentes: aqueles envolvidos diretamente no contexto imediato (editor,
diagramador, revisor, ilustrador, leitores críticos etc.) e outros que se encontram
afastados da esfera de produção (os especialistas do MEC, os professores, os
alunos etc.). Como bem afirmou Foucault (1969, p. 56), são “operações específicas
e complexas”.
A última característica da função-autor evidencia a pluralidade de “eus” que
autor pode assumir. Foucault (1969, p. 56) diz que o “texto traz sempre consigo um
certo número de signos que reenviam para o autor”, quer dizer, apesar da
pluralidade de “eus”, podemos identificar a posição do autor em um determinado
enunciado. Se pensarmos que o LD envolve diferentes agentes em sua produção,
podemos dizer que o discurso autoral está revestido de vários “eus”, cujas posições
assumidas são várias ao longo do LD. Mas somente é possível reconhecer todos
esses “eus” devido aos signos presentes nesse discurso.
Foucault, por acreditar que a função-autor tem um sentido restrito, apresenta
o conceito denominado “fundadores de discursividade”. Compreende-se que esta
expressão está relacionada a um número restrito de autores, uma vez que eles não
são autores apenas de suas obras, de seus livros, mas porque “produziram alguma
75
coisa mais: a possibilidade e a regra de formação de outros textos.” (1969, p. 58).
Trata-se de um grupo seleto que permite que sua produção seja
reapresentada, em outro espaço e tempo, sob novas perspectivas. Por exemplo,
“Freud não é simplesmente o de Traumdeutung ou o do Mot d’Espirit; Marx não é
simplesmente o autor do Manifesto ou de O Capital: eles estabeleceram uma
possibilidade indefinida de discursos” (idem, p. 58).
Podemos também citar
Saussure, criador da Linguística; Bakhtin, com a teoria enunciativo-discursiva, entre
outros. Se pensarmos nas recentes pesquisas que têm com base a teoria de
Bakhtin, observaremos que cada uma apresenta uma releitura e uma possibilidade
de aplicação daquilo que foi pensando apenas no plano teórico, para um plano
prático. Como bem afirma Foucault (1969, p. 60), “Eles abriram espaço para outra
coisa diferente deles e que, no entanto, pertence ao que eles fundaram”. Para
Furnaleto (2006, p.120), “’os grandes autores’ se dissolvem subjetivamente, em sua
função-autor, em uma infinidade de discursos: é nessa ausência, enfim, que eles
estão presentes, que sua voz ressoa.”
Em direção contrária, Possenti (2002), em seu artigo intitulado “Indícios de
autoria”34, propõe uma redefinição para o conceito de autoria a fim de encontrar
respostas para os textos produzidos por alunos, em que o processo de autoria,
muitas vezes, não é fácil de ser identificado. Segundo ele, a noção de “fundadores
de discursividades” não é interessante, porque a produção de um “vestibulando (um
escolar, de maneira mais ampla) nem tem uma obra nem fundou uma
discursividade” (POSSENTI, 2002, s/p).
Possenti postula que a autoria está relacionada à ordem do discurso. Para
ele, o texto ou as marcas gramaticais não dão conta de perceber a verdadeira
autoria. Para que alguém se torne autor é necessário que ele assuma duas atitudes:
“dar voz ao outros enunciadores e manter distância em relação ao próprio texto”
(2002, s/p).
Para reconhecer a primeira categoria, Possenti afirma que o léxico de um
texto apresenta a voz do autor e outras vozes, em que a avaliação do autor fica
bastante evidente. Segundo ele, quando se analisa um texto, nota-se que o discurso
do autor é atravessado por outros discursos, ou seja, “o discurso do autor não lhe
pertence, pertence a toda uma comunidade cultural. Para usar um lugar comum, seu
34
Esse texto foi publicado na Revista do Centro de Ciências da Educação da UFSC, Florianópolis
(SC), v. 20, n. 1, p. 105-124, 2002.
76
discurso é atravessado pelo do outro” (2002, s/p).
No entanto, há algo do autor, é o jeito, o como” (2002, s/p). É esse ‘como’ que
permite que o autor mantenha-se distante em relação a seus interlocutores. Isso é
conseguido por meio das categorias gramaticais, pois reconhece a posição
avaliativa do autor pelas palavras empregadas em seu discurso.
A ampliação dada por Possenti em relação à noção de autoria de Foucault
nos mostra que autoria ocorre na ordem do discurso, entretanto cada um assume
um viés teórico para conceber o autor. Não podemos perder de vista que são
categorias que buscam encontrar respostas para esse sujeito empírico que se torna
um sujeito-autor.
Esse resgate que fizemos acerca do conceito de autoria nesta seção e na
anterior nos mostra que os discursos proferidos ou escritos são a base para
podermos compreender a autoria. Isto é, a discursividade é chave para que
possamos encontrar os possíveis caminhos para entender o processo de criação
dos autores empíricos.
Na próxima seção, apresentamos a autoria para Bakhtin, cujo conceito será
utilizado por nós durante a análise dos dados de nosso objeto de pesquisa.
2.4.3 Tripartição autoral da teoria bakhtiniana nos LDP
Iniciamos esta seção com esta fala de Bakhtin (1922-1924, p. 37):
Na vida, depois de vermos a nós mesmos pelos olhos de outro,
sempre regressamos a nós mesmos; e o acontecimento último,
aquele que parece-nos resumir o todo, realiza-se sempre nas
categorias de nossa própria vida.
Sabemos que ler as obras do Círculo de Bakhtin é enveredarmos num plano
teórico em que se consideram as relações sociais, ou, como bem colocou, “nossa
própria vida” em sociedade. Esse outro que se faz presente em todas as instâncias
públicas e privadas, por onde nossos discursos circulam, são revozeados, em se
tratando de Bakhtin, é “uma concepção de linguagem, uma concepção que
pressupõe também uma concepção de homem e de mundo” (TEZZA, 2007, p. 234).
Considerando esse movimento dialógico, trazemos para discussão o conceito
de autoria de Bakhtin, um tema que foi pensado para a produção artística, e com o
qual buscaremos dialogar, a fim de estabelecer vínculos com o nosso objeto de
77
pesquisa.
O autor e herói (1922-1924) de Bakhtin é um texto inacabado, em que se
encontram trechos “mutilados” desde a parte inicial. Além disso, o texto conta “com
vários trechos ilegíveis ou suprimidos e, o menos importante, não ter sequer um
título” (TEZZA, 2007, p. 231). Apesar dessa problemática, buscaremos transpor aqui
nossa compreensão acerca da autoria para Bakhtin. Para isso, nosso objeto de
pesquisa será apresentado em conjunto com a terminologia usada por Bakhtin para
designar os elementos constituintes na autoria, cujo propósito é facilitar a
compreensão desse tema emblemático. Em vista disso, corroboramos a afirmação
de Tezza (2007, p. 234) e tomamos para nós também, quando diz que “O autor e
herói é uma bela viagem teórica — e certamente difícil, de modo que nossa primeira
leitura, diga-se desde já, não tem a mais remota pretensão de esgotá-la.”
Após essa breve contextualização, discutiremos a seguir a tripartição autoral35
na obra bakhtiniana.
Bakhtin (1922-1924) no texto O autor e herói critica aqueles que insistem em
relacionar o assunto da obra com a vida do autor. Essa visão biografista é
estabelecida quando são extraídos “trechos que pretendem ter um sentido e, com
isso, esquece-se completamente o todo do herói e o todo do autor, o que faz que se
escamoteie o essencial: a forma da relação com o acontecimento, a forma como
este é vivido no todo constituído pela vida e o mundo” (BAKHTIN, 1922-1924, p. 30).
Com base nessa afirmação de Bakhtin, nosso objetivo é compreender a
autoria nos livros didáticos de Língua Portuguesa e nos seus respectivos Manuais,
tendo em vista que o autor (pessoa física) é reconhecido muito mais pelos seus
interlocutores (professores e alunos), pela sua atividade textual, pelo todo da sua
obra didática. Portanto, há de se considerar o autor-criador.
Podemos dizer que essa atitude responsiva dos interlocutores coloca em
evidência o dialogismo, conceito amplamente discutido nas obras do Círculo de
Bakhtin. Segundo Clark e Holquist (2004, p. 91),
Bakhtin concebe a outridade como fundamento de toda a existência
e o diálogo como a estrutura primacial de qualquer existência
particular, representando uma constante troca entre o que é e o que
não é ainda.
35
Essa expressão foi empregada por Padilha (2005).
78
Bakhtin postula que o todo de uma obra está relacionado à reação que esse
todo suscita no autor, englobando tanto o objeto quanto a reação do herói ao objeto.
Em virtude disso, o autor-criador assume diferentes perspectivas para seu herói. O
que interessa ao autor-criador não é todo do homem, mas seus atos isolados que,
em boa medida, nos permitem confrontá-los, uma vez que eles nos pertencem
também. Para Bakhtin (1922-1924, p. 34),
[...] o autor sabe e vê mais que ele, não só na direção do olhar de
seu herói, mas também nas outras direções, inacessíveis ao próprio
herói; é esta precisamente a postura que um autor deve assumir a
respeito de um herói [...]
Cabe-nos, então, reapresentar a tripartição autoral, pois, na primeira seção
deste capítulo, abordamos este conceito quando falamos da elaboração do livro
didático: autor-criador (autor), autor-herói (objeto) e autor-ouvinte (contemplador).
Esse conceito teórico sobre autoria foi produzido levando em conta as obras
literárias. Mas reconhecemos que é possível transpô-lo para um livro didático.
Segundo Padilha (2005), a tripartição na obra didática é visível, na medida em que o
autor-criador é o responsável diretamente pelo projeto autoral de uma determinada
editora, pois caberá a ele a responsabilidade de transpor e didatizar diferentes
objetos de ensino, desde a seleção dos objetos a escolha teórico-metodológica, que
norteará o desenvolvimento do seu trabalho. Bakhtin (1922-1924, p. 28) acredita que
o autor é “a única fonte da energia produtora das formas, a qual não é dada à
consciência psicologizada, mas se estabiliza em um produto cultural significante”. O
trabalho do autor-criador, neste caso, a obra didática, será transformado em um
produto que remeterá a ele.
Em relação ao autor-criador, Bakhtin (1922-1924, p. 28) assinala:
[...] a reação ativa do autor se manifesta na estrutura, que ela mesma
condiciona, de uma visão ativa do herói percebido como um todo, na
estrutura de sua imagem, no ritmo de sua revelação, na estrutura de
entonação e na escolha das unidades significantes da obra.
O excerto acima nos evidencia que, no processo de elaboração de uma obra
didática, o autor-criador pode ser visualizado ao longo de sua obra, seja no projeto
gráfico adotado, na divisão dos capítulos, na disposição dos conteúdos, na
concepção de língua(gem) assumida etc.
O autor, durante a produção, pensa apenas no acabamento da sua obra. O
79
processo para o autor não interessa, o que é importante é o produto criado, o que
colabora para que remetamos à sua obra. O herói como vemos está no todo da
obra. Segundo Bakhtin (1922-1924, p. 32),
O autor é o depositário da tensão exercida pela unidade
de um todo acabado, o todo do herói e o todo da obra, um todo
transcendente a cada um de seus constituintes considerado
isoladamente [...] [grifo nosso].
Conforme Padilha (2005), a expressão autor-herói está relacionada ao ponto
de vista da estética, em que existe um “eu” e um “outro”, elementos fundamentais
para se compreender a autoria no LDP.
O autor-herói é reconhecido quando se procura dar mais importância ao
objeto de criação, procurando “discutir o herói como se tratasse de um autor, como
se fosse possível discutir ou aprovar o que existe e ter-se-á esquecido a refutação
estética” (BAKHTIN, 1922-1924, p. 30).
Em vista disso, dizemos que autor-herói são os objetos de ensino a serem
escolhidos, transpostos e didatizados. É importante dizer que há um imbricamento
entre autor-criador e autor-herói, uma vez que este está diretamente ligado ao
primeiro. Para Tezza (2007, p. 239), “[...] o discurso do herói sobre si mesmo está
impregnado do discurso do autor-criador sobre o herói.”
Acreditamos que se não houvesse a figura do autor-criador, não teríamos a
formatação que o LDP adquiriu ao longo de sua história, pois como bem afirmou
Bakhtin (1922-1924), o autor-criador é quem determina os valores que serão
assumidos pelos heróis.
Corroboramos com Padilha ao dizer que
a obra pedagógica será constituída e acabada pela força motriz que
é a posição valorativa do autor e todos os elementos que a compõem
estarão alinhavados e intermediados pelo discurso autoral
(PADILHA, 2005, p. 81).
O último elemento, autor-contemplador, são os interlocutores representados
pelos professores, alunos, avaliadores do PNLEM. Além deles, os pesquisadores da
Academia.
Segundo Bakhtin (1922-1924), é necessário que o autor busque o outro, a fim
de que possa ter um todo na sua obra. Para isso, Bakhtin busca em situações na
vida em sociedade exemplificar a presença do outro para que assim o autor80
contemplador possa ter atitude responsiva em relação à sua produção.
Analogamente, dizemos que o autor-ouvinte se faz presente em toda obra didática.
Entretanto, no Manual do Professor e no texto de Apresentação no livro do aluno,
visualiza-se o autor-criador de forma mais nítida e explícita e, em cada um desses
textos, o discurso do autor-criador põe em evidencia seu autor-contemplador.
No Manual do Professor, o autor-contemplador são os professores como
também os avaliadores do PNLEM. Isso porque há um movimento discursivo que os
projeta. Quando se observa atentamente o Manual, precisamente na sua estrutura,
há uma sequência de informações que são colocadas, como exemplo, a concepção
de ensino-aprendizagem de língua(gem), a metodologia, a avaliação, a organização,
a bibliografia etc. Já, no texto de apresentação direcionado para os alunos, o diálogo
é direto com os discentes, usuários do livro didático, em que se busca conquistá-los,
dizendo que o livro didático está atento às mudanças que tem sofrido o ensino de
língua materna36.
Os três elementos expostos ao longo desta seção evidenciaram que a autoria
para Bakhtin está no todo arquitetônico, em que autor-criador, autor-herói e autorcontemplador permitem a atividade artística tanto uma visão ética quanto estética38.
Nesse sentido, reconhecemos que o conceito de autoria de Bakhtin será
importante para nós durante a análise dos nossos dados. Assumir sua concepção de
autoria é enveredar por mundos dialógicos, já que para ele, nossos enunciados são
sempre dialógicos, em que o outro nos constitui.
36
38
No capítulo 4, discutiremos essa alternância de vozes com mais profundidade.
A visão ética e a estética são elementos intrínsecos à obra literária. Entendemos que a visão ética
são os valores sociais que mediam as ações do artista e a visão estética é o trabalho de
ressignificação do artista para um determinado tema que ele queira retratar em sua obra. Por
exemplo, se pensarmos na questão social que assola nosso país, cada um de nós tem um ponto
de vista, uma visão de mundo, para essa problemática (visão ética). Quando essa questão é
retratada do ponto de vista artístico, ela recebe toda a apreciação valorativa do artista, tornando-se
única, um todo acabado. Um bom exemplo são as fotografias de Sebastião Salgado. Cada
imagem retratada, cada manifestação particular é fundamental para caracterizar “esse todo como
elemento da obra” (BAKHTIN, 1922-1924, p. 4).
81
CAPÍTULO III
METODOLOGIA DE PESQUISA
3.1 Breves considerações
Salientamos, nos capítulos anteriores, que nosso intento é investigar o
discurso autoral nos livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Médio e nos
seus respectivos Manuais do Professor em relação à didatização dos conteúdos
gramaticais.
Esse módulo de ensino — segundo as orientações dos Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Médio (1999), as Orientações Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (2006), o Programa Nacional do Livro Didático de Língua
de Portuguesa (2004) — deve considerar o eixo: uso – reflexão – uso, para o ensino
de linguagem, eixo proposto por Geraldi (1984), comumente denominado eixo da
reflexão sobre a linguagem ou da prática de análise linguística.
Para compreender os caminhos percorridos pela nossa pesquisa, deter-nosemos na descrição dos aspectos essenciais. Primeiramente, caracterizaremos nosso
trabalho em relação à base teórica que o sustenta, a teoria enunciativo-discursiva de
Bakhtin e seu Círculo, relacionando com os objetivos e com as perguntas de nossa
pesquisa. Logo em seguida, abordaremos a metodologia de coleta de dados — o
tipo de pesquisa adotado, os critérios de escolha e descrição dos livros, os corpora.
Ao final, trataremos da metodologia empregada em nossa análise de dados.
3.2 A teoria enunciativo-discursiva na pesquisa em Ciências Humanas
A nossa pesquisa é de base enunciativo-discursiva, em que são consideradas
as diversas formas de interação que ocorrem em uma dada esfera da atividade
humana. Nessas interações, a consciência individual acaba assumindo ou negando
os valores ideológicos que são difundidos nesse meio social, numa atitude
82
responsiva.
Bakhtin, no texto Metodologia das Ciências Humanas38, postula que esse
outro ao qual o eu responde caracteriza o movimento dialógico. Por acreditar nisso,
ele afirma que o objeto da pesquisa na metodologia das Ciências Humanas é o “ser
expressivo falante39. Esse ser nunca coincide consigo mesmo e por isso é
inesgotável em seu sentido significado” (1974, p. 395). Devemos considerar que
esse ser falante não se resume apenas ao ser que fala em um diálogo oral, mas
também ao ser que escreve.
Para que possamos compreender esse ser falante de quem Bakhtin trata, é
importante dizermos que, no momento da interação, cada um de nós, ao
assumirmos um papel social para enunciar nossos discursos, buscamos, em certa
medida, que nossos enunciados estejam em consonância ou discordância com os
outros enunciados já proferidos.
E o pesquisador precisa estar atento a esses discursos que são revozeados
nas diversas esferas da atividade humana para que possa compreender o
dialogismo ali inerente.
Bakhtin (1974) nos coloca que o pesquisador precisa manter um
distanciamento para com seu objeto de pesquisa, tendo em vista que, nessa
interação entre o eu e outro, há duas consciências que se fazem presentes. Desse
modo, o pesquisador poderá compreender, reelaborar, completar o horizonte desse
outro com qual esteve em contato. Nas palavras do pensador russo,
[...] urge que o excedente de minha visão complete o horizonte
do outro indivíduo contemplado sem perder a originalidade
deste. Eu devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver
axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê,
colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu
lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que
desse meu lugar se descortina fora dele, convertê-lo, criar para ele
um ambiente concludente a partir desse excedente da minha visão,
do meu conhecimento, da minha vontade e do meu sentimento
(BAKHTIN, 1922-1924, p. 23) [grifo nosso].
Paes de Barros (2005) considera que devemos, quando estivermos analisando
os dados de uma pesquisa, “ouvir as vozes” que compõem o campo de
38
Segundo Paulo Bezerra (2003), Bakhtin o teria escrito entre os fins dos anos 30 e início dos anos
quarenta (40) com o título Os fundamentos filosóficos das ciências humanas. Posteriormente, esse
texto foi publicado em 1974 como um artigo pela revista Kontekst sob o título Para uma metodologia
dos estudos literários. Em 1979, recebeu o título Para uma metodologia das ciências humanas.
39
Ênfase do autor.
83
investigação. De forma análoga, dizemos que nossos dados também ecoam vozes,
em que há o ”encontro do eu e do outro, que se constituem dialogicamente através
das e nas interações” (PAES DE BARROS, 2005, p. 99).
Considerando que há um outro com o qual esse ser dialoga e que, em certa
medida, essa é uma relação tensa, nosso objetivo é investigar como se dá o diálogo
entre o autor (ser falante) com as outras vozes que se fazem presentes na
elaboração das atividades de análise linguística no livro didático.
Nesse sentido, podemos dizer que
toda compreensão plena real é ativamente responsiva e não é senão
uma fase inicial preparatória da resposta (seja qual for a forma em
que ela se dê). O próprio falante está determinado precisamente
a essa compreensão ativamente responsiva: ele não espera uma
compreensão passiva, por assim dizer, que apenas duble o seu
pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma
concordância, uma participação, uma objeção, uma execução,
etc. (os gêneros discursivos pressupõem diferentes diretrizes de
objetivos, projetos de discurso dos falantes ou escreventes)
(BAKHTIN, 1952-1953/1979, p. 272) [grifo nosso].
Bakhtin postula que, no movimento dialógico, pergunta e resposta supõem
uma distância recíproca, ou seja, na medida em que um ser falante recebe uma
resposta, em seguida, gera-se uma outra pergunta. Evidencia-se, assim, que “toda
compreensão é prenhe de resposta” (BAKHTIN, 1952-1953/1979, p. 271).
Compreender como o outro se faz presente em nossos enunciados é de
fundamental importância para nosso estudo, tendo em vista que, no processo de
elaboração de um livro didático de Língua Portuguesa, há diversos agentes
envolvidos. Buscar essas vozes no discurso do autor-criador é colocar em evidência
aquilo que Bakhtin já havia dito há muito tempo em suas obras,
[...] [em] qualquer enunciado, quando estudado com mais
profundidade em situações concretas de comunicação discursiva,
descobrimos uma série de palavras do outro semilatentes e
latentes, de diferentes graus de alteridade. [...] (BAKHTIN, 19521953/1979, p. 299) [grifo nosso].
Por acreditarmos que o outro tem um papel relevante na atuação da
consciência individual do autor-criador, delimitamos como objetivo analisar dois livros
didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Médio e seus respectivos Manuais do
Professor para desvelar a constituição da autoria discursiva em relação à análise
84
linguística.
A fim de compreendermos esse objetivo, lançamos mão das seguintes
perguntas de pesquisa:
1. Como se constitui o discurso autoral nos livros didáticos de Língua
Portuguesa do Ensino Médio em relação à análise linguística?
2.
O livro do aluno coloca em prática as orientações dadas pelo
Manual do Professor em relação à análise linguística?
Essas perguntas de pesquisa ao serem respondidas, estarão atingindo os
seguintes objetivos:
a.
Desvelar a constituição do discurso autoral nos livros
didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Médio no que
tange à análise linguística.
b.
Comparar as atividades de análise linguística no livro didático
do aluno aos pressupostos metodológicos apontados no
Manual do Professor.
3.3 Metodologia de coleta de dados
Dissemos, anteriormente, neste capítulo, que nossa pesquisa está subsidiada
na teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu Círculo, a qual guiará a nossa
análise de dados.
Sendo assim, cabe a nós apresentarmos o tipo de pesquisa em relação aos
procedimentos metodológicos que foram usados por nós para a coleta de dados.
A abordagem para a seleção e análise dos dados de nossa pesquisa é de
natureza qualitativa.
Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 48), na investigação qualitativa, quando
se privilegia a descrição, os pesquisadores “tentam analisar os dados em toda a sua
riqueza, respeitando, tanto quanto o possível a forma em que estes foram
85
registrados ou transcritos.” Dito de outra forma, o registro escrito é algo valioso para
abordagem qualitativa, pois nele, o pesquisador poderá, de forma minuciosa, captar
uma série de informações que delineará seu objeto de pesquisa. Eles ainda afirmam
que
a abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja
examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem potencial
para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma
compreensão mais esclarecedora do nosso objecto de estudo (idem,
p. 49).
Com base nessa afirmação, acreditamos que nosso objeto de pesquisa
exigirá de nós um olhar bastante minucioso para que possamos recolher dados que
possam nos ajudar a compreender a constituição do discurso autoral nas atividades
de análise linguística nos livros didáticos de Língua Portuguesa e nos seus
respectivos Manuais do Professor.
Outra característica do tipo de pesquisa adotado por nós é a fonte de dados
documental, neste caso, visamos os livros didáticos de Língua Portuguesa do
Ensino do Médio e seus respectivos Manuais do Professor, bem como o Catálogo do
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio e os PCNEM (1999).
A pesquisa documental possibilitar-nos-á um trabalho rico em informações,
levando em consideração que temos três documentos para serem analisados, a fim
de buscarmos respostas para nossas perguntas de pesquisa.
3.4 Critérios de escolha para nível de ensino e para os livros didáticos
A opção livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Médio deu-se, num
primeiro momento, pela nossa experiência profissional enquanto docente e, num
segundo momento, por sermos autora de material didático para essa etapa de
ensino.
Durante o período em que estávamos exercendo a docência e elaborando
materiais para o Ensino Médio, sempre buscávamos uma base teórica que pudesse
dar sustentabilidade à nossa prática na sala de aula, como também dirigisse os
caminhos que adotávamos para escrever um material que seria destinado a um
grande número de alunos do nosso Estado, pertencentes à rede privada.
Nessa busca, deparamo-nos com um número reduzido de pesquisas
86
relacionadas ao Ensino Médio. E isso fez com que nós nos perguntássemos várias
vezes por que não se investiga o Ensino Médio? Qual é a razão? São questões que
consideramos ainda não respondidas, apesar de haver em desenvolvimento
algumas pesquisas e publicações de artigos para esse nível de ensino.
Impulsionadas por esses motivos, decidimos que investigaríamos os livros didáticos
de Língua Portuguesa que fossem destinados ao Ensino Médio, tendo em vista que
queremos dar nossa contribuição para essa etapa de ensino.
A escolha dos livros Português: linguagens de William Roberto Cereja e
Thereza Cochar Magalhães (LDP1) e Português: língua e cultura de Carlos Alberto
Faraco (LDP2) deu-se, porque o LDP1 está presente nas salas de aulas das escolas
estaduais da região central de Cuiabá, em que há um número considerável de
alunos fazendo uso dele. Esse dado foi levantado em conversas informais que nós
tivemos com os professores da rede pública estadual.
O LDP2 foi escolhido após a leitura das resenhas do Catálogo do PNLEM.
Segundo a avaliação dos pareceristas, esse livro apresenta uma “proposta teóricometodológica inovadora”. Dentre todas as resenhas lidas, chamou-nos atenção a
apreciação valorativa dada ao LDP2 e, em virtude disso, fizemos uma pré-análise a
fim de verificar se as afirmações contidas no Catálogo se concretizavam no livro do
aluno. Nessa análise, observamos que, de forma geral, o livro atendia ao discurso
posto pelos pareceristas, mas havia situações em que isso não acontecia. Dessa
forma, decidimos que faríamos análise desse livro considerado “inovador” versus o
livro adotado pelos professores da escola, cujo formato, a nosso ver, está mais
próximo da prática dos docentes.
Havemos de considerar que esses livros foram avaliados no último PNLEM
(2004), e que essa avaliação foi a primeira para os livros didáticos de Língua
Portuguesa e de Matemática para o Ensino Médio.
Em relação aos objetivos de nossa pesquisa, decidimos que nosso objeto
seriam as atividades de análise linguística, por considerarmos que há dificuldades
de didatização deste módulo de ensino, uma vez que os autores estão procurando
romper com o discurso da Gramática Tradicional — historicamente, presente tanto
nos LDP quanto nas aulas de Português — para a implantação de uma proposta de
ensino que postula reflexões acerca dos elementos e fenômenos linguísticos e das
estratégias discursivas, focalizando os usos da linguagem.
87
3.4.1 Os livros selecionados
Com base nos critérios delimitados anteriormente, apresentamos breves
informações dos livros selecionados por nós. Os dados são apresentados na tabela
abaixo.
Tabela 1 Informações gerais sobre os LDP analisados
Nome do livro
Autores
Editora
Português:
William Roberto Cereja e
linguagens (LDP1) Thereza Cochar Magalhães
Atual
Português: língua Carlos Alberto Faraco
e cultura (LDP2)
Base
Editora
Ano de
publicação e
edição
2003
1ª edição
2003
1ª edição
Formato
Volume único
Volume único
3.4.2 Descrição do LDP1 selecionado
O livro intitulado Português: linguagens está organizado em 9 unidades
temáticas, que versam sobre a periodização literária:
Unidade 01 – A comunicação. A literatura da Idade Média ao Quinhentismo;
Unidade 02 – História social do Barroco;
Unidade 03 – História Social do Arcadismo;
Unidade 04 – História social do Romantismo;
Unidade 05 – História social do Realismo, do Naturalismo e do
Parnasianismo;
Unidade 06 – História social do Simbolismo;
Unidade 07 – História social do Modernismo;
Unidade 08 – A Segunda Fase do Modernismo – a prosa e a poesia;
Unidade 09 – A Literatura Contemporânea.
Cada unidade temática é constituída por 4 a 7 capítulos. Os nomes dos
capítulos estão atrelados aos objetos de ensino, previstos para o Ensino Médio:
Língua: uso e reflexão, Literatura e Produção de Texto. Para cada módulo de ensino,
foi destinado um número variável de capítulos: Língua: uso e reflexão (09), Literatura
(24) e Produção de Texto (16). Notamos que a divisão dos capítulos segue a
fragmentação que ocorre no ensino de língua materna.
Cada capítulo está organizado em seções relacionadas ao estudo dos
88
movimentos literários, à produção de texto e à abordagem de conhecimentos
linguísticos.
A parte destinada ao estudo da Literatura apresenta, para cada unidade
temática, uma introdução sobre o contexto social a qual o movimento literário estava
ligado como também dá sugestões de leitura, de vídeo, áudio, por meio da seção
Fique ligado!Pesquise. Em seguida, inicia-se o estudo da escola literária, cujas
seções são denominadas: Leitura, Do texto ao contexto histórico, Boxes.
A parte destinada à Produção de Texto está direcionada para o trabalho com
os gêneros. Para isso, há três seções: Trabalhando o gênero, Produzindo o gênero
em estudo e Para escrever com e Para escrever e falar com (os conteúdos
selecionados para compor estas subseções têm como propósito capacitar os alunos
para uma produção de texto sem erros).
O capítulo destinado ao ensino dos aspectos gramaticais recebe a
denominação Língua: uso e reflexão. Os conteúdos previstos giram em torno da
Linguística Textual, da Semântica, da Análise do Discurso, das regras postuladas
pela Gramática Normativa. Os conhecimentos linguísticos são explorados nestas
seções, conforme esta ordem: Construindo o conceito, Conceituando, Exercícios, A
categoria gramatical na construção do texto, Semântica e interação, Para
compreender o funcionamento da língua, boxes.
O livro ainda apresenta uma seção chamada de Intervalo em que se propõe
que os alunos leiam outras obras, observem imagens e desenvolvam um projeto
relacionado aos conteúdos desenvolvidos nos capítulos anteriores a essa seção. E a
última seção Em dia com o Vestibular e o ENEM está posta ao final do último
capítulo da unidade 09.
O Manual do Professor está inserido em um encarte localizado após a
apresentação da bibliografia. O MP objetiva apresentar o projeto autoral40 do livro,
desde a metodologia adotada a sugestões de trabalho para os módulos de ensino de
cada capítulo.
3.4.3 Descrição do LDP2 selecionado
40
Ao empregarmos a expressão projeto autoral, estamos fazendo referência ao todo da obra didática,
desde a organização interna do livro à didatização dos objetos de ensino.
89
O livro Português: língua e cultura destina-se às três séries do Ensino Médio,
cabendo ao professor agrupar os conteúdos previstos para esse ensino de acordo
com a sua prática pedagógica, em virtude de ser um volume único, em que não
existe, em princípio, tanta rigidez para apresentação dos conteúdos aos alunos.
De acordo com o texto presente no Manual do Professor, cujo encarte está
nas páginas iniciais, o livro está dividido em 35 capítulos para o ensino de Língua
Portuguesa, em que há capítulos destinados à Literatura, à Produção de Texto e a
Tópicos Gramaticais e mais dois Apêndices (um sobre Acentuação e outro sobre
Pontuação).
Os 35 capítulos estão organizados em cinco blocos: Bloco dos textos, A
Enciclopédia da Linguagem, O Almanaque Gramatical, O Guia Normativo, A História
da Literatura.
Sua divisão foge do modelo tradicional para a apresentação dos
conteúdos previstos para essa etapa de ensino. Cada um desses blocos aglutina um
módulo de ensino, que é trabalhado conforme o título do capítulo.
No bloco denominado Bloco dos textos, há 17 capítulos destinados ao estudo
dos gêneros discursivos pertences à esfera literária, jornalística, publicitária. Nesse
bloco, há duas seções intituladas: De Olho na Língua e Observando os aspectos
gráficos. Essas seções apresentam conceitos gramaticais, em que o ensino
“intuitivo” (palavras do autor) se faz presente.
Na seção De olho na língua, o autor seleciona alguns recursos linguísticos
dos textos vistos na unidade, para trabalhá-los. O objetivo é fazer com que o aluno,
após a observação desses recursos apreenda as regras, já que o autor propõe o
ensino baseado na comparação e reconhecimento desses recursos. Notamos que a
proposta visa ao desenvolvimento de habilidades de uso da língua, privilegiando a
reflexão sobre esse uso. Já em Observando aspectos gráficos o estudo está
centrado nas questões de grafia.
O bloco A Enciclopédia da Linguagem objetiva “lançar uma alternativa
inovadora para sustentar uma das dimensões importantes do ensino de Língua
Portuguesa, qual seja a reflexão sobre a linguagem” (2003, p. 17). Nessa reflexão,
propõem-se leituras acerca da variedade dialetal, buscando romper com o
preconceito linguístico. Há 05 capítulos com esse intento.
No bloco intitulado Almanaque Gramatical, o autor procura trabalhar os
conceitos gramaticais de forma intuitiva. Os 04 capítulos são denominados assim:
90
Palavras, palavras, palavras: o léxico da língua; Classificando as palavras;
Construindo sentenças simples: um pouco de sintaxe; Construindo sentenças
complexas. Há mais duas seções intituladas Atividade de Estudo e Apontamento, as
quais apresentam conteúdos já vistos, cuja intenção é aplicar o conhecimento
anterior.
O bloco Guia Normativo apresenta 02 capítulos destinados ao estudo da
língua padrão, denominados de Tópicos da língua padrão.
O último bloco A História da Literatura contempla 7 capítulos, em que o foco
são os movimentos literários do Brasil, de Portugal e da África.
Além disso, há outra seção denominada Apêndices para o estudo da
pontuação e acentuação.
O Manual do Professor
deste livro didático objetiva apresentar o projeto
autoral do livro, desde a concepção de língua(gem) adotada para trabalho até as
sugestões bibliográficas.
3.4.4 Os corpora
Constituem-se como corpora da nossa pesquisa as atividades de análise
linguística presentes em capítulos/seções destinados(as) à reflexão da língua dos
livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Médio selecionados para nosso
processo investigativo.
Acreditamos que nossa investigação esteja em consonância com esta
afirmação de Bakhtin (1974, p. 404):
Trata-se de fazer o meio material, que atua mecanicamente sobre o
indivíduo, começar a falar, isto é, descobrir nesse meio a palavra em
potencial e o tom, de transformá-lo no contexto semântico do
indivíduo pensante e atuante (e também criador) [ênfase do autor].
Dessa forma, esperamos que os objetivos delineados e as questões de
pesquisa sejam evidenciados durante a análise dos dados.
3.5 Metodologia de análise de dados
Para selecionarmos as atividades de análise linguística, fizemos a
catalogação sobre o conteúdo teórico das questões gramaticais e respectivas
91
atividades de análise linguística presentes nos livros didáticos selecionados a fim de
entendermos os projetos autorais.
Com base no levantamento realizado, verificamos que a reflexão sobre a
língua(gem) não ocorria em um capítulo específico, ela se deu ao longo do livro. Em
virtude disso, decidimos que faríamos análise somente das atividades presentes em
capítulos/seções destinados à reflexão linguística, por ser o foco de nossa pesquisa.
Em virtude disso, decidimos selecionar algumas atividades de análise
linguística, que mantinham o mesmo padrão adotado pelos seus projetos autorais,
como também aquelas que fugiram do propósito estabelecido pelos seus autores,
precisamente no discurso do Manual do Professor.
As atividades de análise linguística versam sobre conteúdos gramaticais
ligados à Gramática Tradicional como também a diversas correntes, como já
dissemos anteriormente, à Linguística Textual, à Análise do Discurso etc.
Os Manuais do Professor (MP) também são objetos de nossa pesquisa. Cada
MP foi analisado a fim de evidenciar uma de nossas perguntas de pesquisa e, assim,
confrontar o que foi dito pelos seus autores nesses Manuais com as atividades
desenvolvidas ao longo do livro do aluno.
No que tange às categorias de análise, cabe-nos explicitá-las a fim de
elucidar o processo da nossa análise.
Na coleta de dados, identificamos quais abordagens de gramática os autores
adotaram para transpor os conhecimentos linguísticos. Em nosso caso, observamos
que foram assumidas duas — descritiva e normativa.
Entendemos que a abordagem normativa é aquela em que o ensino das
regras gramaticais dá-se de forma transmissiva, em que não existe preocupação em
apresentar uma situação de uso para os usuários do livro. Já a abordagem descritiva
privilegia o uso de determinados fatos linguísticos em uma dada situação e procura
explicar esse uso para que os usuários do livro compreendam suas regras.
No que concerne às atividades de análise linguística, localizamos dois tipos
de abordagem e, em boa parte, ocorriam ao mesmo tempo, o que fez com que a
denominássemos de abordagem mesclada, pois era de caráter reflexivo e
metalinguístico.
Caracterizamos a abordagem metalinguística como sendo aquela em que os
usuários do livro serão levados a fazerem exercícios estruturais, de fixação do
92
conteúdo visto no capítulo. Nesse tipo de atividade, há grande ocorrência destes
verbos: identifique, classifique, reescreva, copie, transcreva, substitua. Nos
exemplos41 a seguir, fica claro que o propósito é fixar o conteúdo, ou seja, é uma
atividade mecânica, que visa à memorização e/ou mecanização de usos linguísticos.
41
O exemplo foi extraído do livro de FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino médio. v.
único. Curitiba: Base Editora, 2003.
93
FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino Médio. v. único. Curitiba: Base Editora, 2003, p. 322.
94
Na primeira atividade, pede-se aos alunos que reescrevam as sentenças
adjetivas reduzidas em sentenças desenvolvidas. O propósito é fazer com que os
alunos entendam o processo de subordinação por meio da reescritura das frases.
São frases modelos que permitem aos alunos a modificação. E, na segunda, os
alunos deverão fazer o exercício oralmente, substituindo os pronomes em destaque
por “cujo ou por uma de suas variantes”.
Na mesma página, encontramos dois verbos “reescrever” e “substituir”. Em
cada uma das atividades, solicita-se aos alunos que façam o registro do conteúdo
gramatical por escrito e oralmente. Entretanto os dois mantêm o mesmo propósito,
os alunos devem reescrever as sentenças a fim de fixar os conteúdos gramaticais —
oração subordinada adjetiva e uso do pronome relativo cujo.
Por outro lado, a abordagem reflexiva é aquela em que o objetivo é fazer com
que os usuários apliquem o conhecimento que já fora dado numa perspectiva
reflexiva, isso é, eles deverão compreender e saber explicar como aquelas
ocorrências linguísticas dão-se em um determinado texto/gênero. A seguir,
apresentamos um exemplo desse tipo de abordagem.
95
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p. 362.
96
Com base nessa reflexão mesclada (transmissiva e reflexiva), inferimos que
existe certa tensão no que tange à didatização dos conteúdos gramaticais no livro
didático de Língua Portuguesa.
As categorias de análise que balizarão nossa pesquisa são: compreensão
ativa e responsiva, interação, alternância de vozes e plurilinguismo. Além dessas,
durante a análise, outras categorias surgiram, a saber: dialogismo, forças
centrípetas, forças centrífugas, gêneros intercalados.
97
CAPÍTULO IV
ANÁLISE DE DADOS
4.1 Considerações iniciais
O foco deste capítulo é a análise dos dados em relação ao nosso objeto de
estudo. Primeiramente, apresentaremos a análise dos Manuais dos Professores dos
respectivos livros selecionados para nossa investigação, posteriormente serão
analisadas as seções e as atividades de análise linguística no livro destinado a
alunos.
4.2 O Manual do Professor
O Manual do Professor (doravante MP), inserido nas páginas iniciais ou finais
do livro ou distribuído separadamente, é um material disponibilizado pelas editoras
para que os professores tenham acesso a determinadas informações não presentes
no livro do aluno, por exemplo, os pressupostos teóricos adotados pelos autores na
elaboração do livro didático, o conteúdo de cada seção, a indicação de bibliografia, o
plano de curso e de aula, a resolução das atividades propostas etc. Entretanto, é
bom salientar que não existe uniformidade quanto aos elementos presentes no MP.
Segundo Gerard & Roegiers (1998, pp. 15/89) apud Marchuschi (2005, p.
141), o objetivo dos manuais é de contribuir com instrumentos que permitam aos
professores um melhor desempenho do seu papel profissional no processo de
ensino-aprendizagem. Para esses autores (idem, ibidem) o MP como instrumento de
formação tem as seguintes funções: a) informação científica e geral; b) formação
pedagógica ligada à disciplina; c) ajuda na aprendizagem e na gestão das aulas; d)
ajuda na avaliação das aquisições.
Essas funções definidas por Gerard & Roegiers mostram que o MP não é
98
apenas o livro que contém as respostas das atividades, mas a base teórica para a
prática dos professores.
Outro dado a salientar é o fato do Manual do Professor sofrer interferências
externas, quer dizer, o discurso constitutivo do Manual é resultado, em boa medida,
das forças coercitivas com quem o material dialoga.
Sabemos que, em decorrência do edital de convocação para a seleção de
livros para serem pré-analisados por uma comissão instituída pelo MEC e da
escolha do livro pelos professores e alunos, os autores de livros, juntamente com
seu editor, sabem quem são seus interlocutores imediatos (pareceristas) e mais
amplos (professor e alunos). E, para cada um deles, há contra-respostas não
somente a esses enunciados como também a anteriores, isso é, o querer dizer dos
autores de livros é uma compreensão ativa a esses enunciados, numa clara
demonstração de que os discursos ditos e/ou afirmados pelos autores são resultado
das interações vivenciadas por eles,
no contexto atual e em outros momentos
anteriores a esse, o que pode ser comprovado quando lemos algumas das partes
que compõem o livro didático.
Comecemos pelo texto de apresentação42, o qual é direcionado a professores
e alunos. Lá, o querer dizer do autor mostra-se diferente do que é enunciado no
Manual do Professor e no livro do aluno.
No Manual do Professor, esse texto tem por objetivo mostrar que o autor,
possivelmente, está inteirado das recentes discussões em relação ao ensino da
língua materna e, por isso, é importante que ele demonstre para seus interlocutores
que está buscando uma compreensão ativa e responsiva a essas recentes
discussões, como também está procurando abordar de forma diferenciada os
conteúdos previstos para aquela série/aquele ano à que o livro se destina. Além
disso, o autor preocupa-se em apresentar a sua concepção de língua(gem), a
configuração do livro em relação à distribuição dos conteúdos nas seções, as
respostas dos exercícios etc. Observemos esse discurso no exemplo43 a seguir:
42
No livro do aluno, essa seção antecede ao sumário, já no livro do professor é o texto introdutório do
Manual do Professor.
43
FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino médio. v. único. Curitiba: Base Editora, 2003.
99
FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino Médio. v. único. Curitiba: Base Editora, 2003, p.03.
100
Já no texto de apresentação para o aluno, busca-se conquistá-lo por meio
de um discurso envolvente, em que o autor declara que o livro foi pensado nele, fala
da
importância da linguagem, dos conteúdos selecionados para o volume etc.
Segundo Baião (2007, p. 43), os textos de apresentação “têm certas afinidades de
estilo, que se caracteriza por uma tentativa, por parte do autor, de criar um clima
amistoso e cordial para cativar a atenção do leitor”. Observemos este exemplo44:
44
FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino Médio. V. único. Curitiba: Base Editora, 2003.
101
FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino Médio. v. único. Curitiba: Base Editora, 2003, p.03.
102
No texto anterior, notamos um tom avaliativo muito diferente do que fora
usado com o professor. Sobre isso, a seleção vocabular do texto em questão é
bastante evidente, desde o título ao conteúdo apresentado. Adota-se uma postura
de reflexão, cujo objetivo é mostrar a importância de estudar a língua a fim de ter
“segurança e desenvoltura no uso do português” (FARACO, 2003, p. 03).
Com base nesses dois exemplos, dizemos que o movimento dialógico dá-se a
partir do momento em que autor e editor tiveram preocupação em escrever um
enunciado que pudesse ser compreendido pelos seus interlocutores, como também
é uma resposta a questionamentos já feitos e a futuras indagações.
Bakhtin (1952-53/1979, p. 275) fala-nos da importância que a alternância de
vozes representa em um diálogo, pois cada sujeito do discurso envolvido nessa
interação possui “natureza diferente e assume formas várias”, e isso pôde ser visto
nos exemplos anteriores, em que o autor-criador assumiu, para seus interlocutores,
papéis diversos.
Para os professores, além de ser o autor-criador45 do conteúdo apresentado
em seu livro, ele também representa a autoridade no que tange ao conhecimento
exposto em seu livro didático46. Já para os alunos, ele é o mediador do
conhecimento. É por meio das atividades e dos textos que foram selecionados pelo
autor-criador, que os alunos poderão aperfeiçoar seu conhecimento sobre a língua.
De fato, o discurso do autor é marcado pela presença dos seus interlocutores.
Pensando nos pareceristas, os agentes produtores do livro didático tentarão atender
coerentemente às imposições postas no edital de seleção, em que cada item
estabelecido pela comissão será contemplado, a fim de deixar claro que o livro
didático de Língua Portuguesa assume seu papel de transmitir, explicar e produzir
conhecimento e saberes no que tange ao ensino-aprendizagem da língua materna.
Além disso, podemos dizer também que a contra-palavra dos autores revela sua
visão de mundo para o ensino de língua materna.
Dessa forma, analisar o MP é colocar em evidência o discurso instituído pelos
autores e, assim, observar se tudo que foi posto por eles se realiza no livro do aluno.
Aliás, nosso objetivo em analisar o MP é responder a uma das perguntas de
45
Autor-criador é uma denominação de Bakhtin para o sujeito que se inscreve em sua obra. E, ao
longo de nossa análise, faremos uso dessa expressão para referência ao autor discursivo.
46
Rojo (2008, p. 88) afirma que “os autores de livros didáticos e os editores passam, portanto, a ser
atores decisivos na didatização dos objetos de ensino e, logo, na construção dos conceitos a serem
ensinados.”
103
pesquisa: O livro do aluno coloca em prática as orientações dadas pelo Manual do
Professor em relação à análise linguística?
A seguir, apresentamos a análise dos Manuais. Para isso, manteremos a sigla
adotada no capítulo anterior para substituir o nome dos livros, LDP1 representa
Português: linguagens e LDP2, Português: língua e cultura.
4.2.1 Manual do Professor do LDP1
No capítulo anterior, apresentamos a distribuição dada pelos autores aos
conteúdos previstos para a etapa de ensino à qual seus livros se destinam47.
O livro apresenta a Língua Portuguesa fragmentada em: Língua: uso e
reflexão, Literatura e Produção de texto.
No que tange ao módulo de ensino Língua: uso e reflexão, localizamos, no
Manual, o momento em que os autores comentam sua proposta de trabalho.
O trabalho com a gramática privilegia os conteúdos essenciais para
a leitura e a produção de textos. Conceitos novos e indispensáveis
são introduzidos, tais como variedades lingüísticas, discurso,
intencionalidade discursiva e polifonia discursiva, entre outros.
Procura-se tratar esses conteúdos com uma abordagem teórica
nova, apoiada na semântica, na lingüística textual e na análise
do discurso.
(CEREJA & MAGALHÃES, 2003, p. 3) [grifo dos autores]
Desse discurso, percebemos que a didatização dos conteúdos gramaticais
busca ser feita numa perspectiva inovadora, pois os conteúdos serão relacionados à
produção textual e às teorias linguísticas, por exemplo: à Linguística Textual, à
Pragmática, à Semiótica, à Análise do Discurso etc.
Essa proposição será evidenciada no capítulo intitulado Língua: uso e reflexão,
em que os títulos das seções comprovam a nossa afirmação anterior acerca da
influência das diversas teorias sobre a linguagem: Construindo o conceito,
Conceituando, semântica e interação, Para compreender o funcionamento da língua.
Reiteramos que essas denominações para as seções são influências das
discussões ocorridas nos tempos atuais e anteriormente sobre o ensino de língua
materna.
Sabemos que, nas décadas 80 e 90, houve movimentos que buscavam
47
O Manual do Professor do LDP1 está localizado no anexo 3.
104
caminhos possíveis para o ensino da língua materna, em nossa visão, a fim de dar
uma identidade a essa disciplina. Em decorrência disso, várias propostas foram
apresentadas, dentre elas destacamos o surgimento dos documentos oficiais (PCN,
PCNEM) na década de 90, que reúnem um aglomerado de teorias, cujos autores
são os pesquisadores da área da Linguística Aplicada. Entretanto, reunidos em
único livro, esses autores não puderam dar sua contribuição de forma satisfatória,
devido às diferentes correntes filosóficas a que estão ligados. Isso porque, as
diversas teorias que subsidiam os documentos concebem a língua sob diferentes
ópticas. No fragmento abaixo, fica evidente essa articulação conflituosa.
Relacionar os discursos com contextos sócio-históricos,
ideologias, simulacros e pensar os discursos em sua
intertextualidade podem revelar a diversidade do pensamento
humano (PCNEM, 1999, p. 40).
Apesar dessa problemática, os documentos oficiais afirmam que o estudo da
língua(gem) deve privilegiar a interação social, pois a idéia de que a língua é um
sistema abstrato, destituído do contexto sócio-histórico não é verdadeira. Isso pode
ser observado nas ideias difundidas nos PCNLP (1998) e nos PCNEM (1999):
Linguagem aqui se entende, no fundamental, como ação
interindividual orientada por uma finalidade específica, um processo
de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos
diferentes grupos de uma sociedade, nos distintos momentos de sua
história (PCNLP, 1998, p. 20).
Não há linguagem no vazio, seu grande objetivo é a
interação, a comunicação com um outro, dentro de um espaço social,
como, por exemplo, a língua, produto humano e social que organiza
e ordena de forma articulada os dados das experiências comuns aos
membros de determinada comunidade lingüística (PCNEM, 1999, p.
14).
Com base nessas informações, dizemos que os títulos das seções são uma
tentativa de articular as orientações dadas pelos documentos oficiais com o projeto
autoral, ou seja, trata-se de uma nova “roupagem” para abordar os diversos
conteúdos gramaticais. E é isso que tentaremos verificar em nossas análises das
atividades.
Embora os autores digam que o ensino da língua será feito a partir de novas
perspectivas, observamos que a palavra “gramática” ainda faz parte do seu projeto
autoral. Se no texto de introdução do Manual do Professor notamos que os autores105
criadores possuem dois movimentos discursivos: um de querer romper com o ensino
gramatical e outro de manter essa terminologia para ficar mais próximo dos seus
futuros usuários (professores e alunos), considerando que o vocábulo “gramática” é
mais familiar a eles, afirmamos, então, que os sujeitos discursivos que se fazem
presentes no texto do MP não é uno, ou seja, seu discurso está atravessado por
diferentes vozes, é um jogo polifônico conflituoso, já que os autores buscam uma
aproximação a fim de penetrar no discurso do outrem e, assim, conquistá-lo por um
determinado tempo.
Dessa forma, consideramos que a proposição feita por Bakhtin à obra literária
(1934-35/1975) no texto O discurso na poesia e o Romance pode ser aplicada à
obra didática, precisamente no MP, em que os autores têm a função de orientar o
professor quanto ao uso do livro didático. Segundo Bakhtin,
O falante tende a orientar o seu discurso, com o seu círculo
determinante, para o círculo alheio de quem compreende, entrando
em relação dialógica com os aspectos deste âmbito. O locutor
penetra no horizonte alheio de seu ouvinte, constrói a sua
enunciação no território de outrem, sobre o fundo aperceptivo do seu
ouvinte. (1934-35/1975, p. 91)
No texto Arte e responsabilidade, Bakhtin (1919) nos afirma que o indivíduo
pode ser visto enquanto artista e homem. Segundo ele, esse homem, em alguns
momentos da sua vida, torna-se autor-criador. Ao assumir essa nova função social
no seu cotidiano, ele está nos dizendo que “quando o homem está na arte, não está
na vida e vice-versa” (ibidem, p. XXXIII).
Sendo assim, consideramos que os autores de livros didáticos, num dado
instante de seu cotidiano, também se tornam autores-criadores, considerando que a
sua obra não se assemelha à proposição de uma obra literária48.
É certo que a obra artística, nesse caso o romance, busque imitar a vida, nas
palavras de Bakhtin (1922-1924, p. 4) [grifo nosso]: “na vida, não interessa o todo
do homem, apenas alguns dos seus atos com os quais operamos na prática e
que nos interessam de uma forma ou de outra.” Já nos livros didáticos, ao
48
Salientamos que faremos uso dos conceitos empreendidos por Bakhtin acerca do romance a fim de
fazermos analogia com nosso objeto de estudo: o livro didático de Língua Portuguesa. Sabemos que
a obra artística tem função diferente da obra didática. Esta objetiva (re)apresentar aos seus usuários
os conhecimentos sobre a língua(gem) que foram instituídos pelos currículos escolares. Enquanto
aquela objetiva imitar a vida e seu discurso, fazendo com que o romance seja visto sempre novo e
velho ao mesmo tempo.
106
direcionarem seu discurso, observamos que o eu dos autores-criadores pode ser
identificado pelos seus interlocutores, tendo em vista que eles se veem nesse
discurso autoral (PONZIO, 2008).
Ainda no texto de introdução do MP, percebemos que os autores-criadores
deixam explícito que seu livro didático dialoga com os documentos oficiais (LDB e
PCNEM). No discurso dos autores, observamos que há certa preocupação em
“atender às necessidades do estudante de ensino médio de hoje e aos novos
desafios lançados pela Lei de Diretrizes e Bases e pelos Parâmetros Curriculares
do Ensino Médio” (CEREJA & MAGALHÃES, 2003, p. 3) [grifo nosso].
As diretrizes têm como referência a perspectiva de criar uma escola
média com identidade, que atenda às expectativas de formação
escolar dos alunos para o mundo contemporâneo.
(PCNEM, 1999, p. 9) [grifo nosso]
Analisando o discurso das Diretrizes, que os PCNEM tomam para si,
reiteramos que os autores querem que seu discurso seja aprovado, por isso criaram
uma identidade discursiva para dizerem que conhecem e aplicam as orientações dos
documentos oficiais. Entendemos, assim, que se trata de uma relação tensa, pois
seus autores esperam respostas positivas tanto dos pareceristas quanto dos
professores e alunos. A nosso ver, isso reflete “a distância e a tensão entre as
vozes e instâncias que estão na base da construção do sentido” (AMORIM, 2004,
p. 163) [grifo nosso].
Em uma entrevista concedida ao pesquisador Bunzen (2005), os autores de
livros didáticos de Língua Portuguesa falam sobre a influência que recebem dos
vários agentes envolvidos no processo de elaboração, por exemplo, o editor, os
pareceristas (professores ou acadêmicos), que fazem leitura crítica da obra antes de
sua publicação. A seguir, apresentamos a fala da autora Maria Luiza, cujo
comentário é sobre essas influências externas, o que configura, a nosso ver, a
relação tensa frisada anteriormente:
“Maria Luiza: [...] Agora o nível de interferência se dá num outro
momento..na verdade não é na determinação do conteúdo...não diria
mesmo que seja na linha.. porque aí.. ou você tem de fato uma
proposta teoricamente fundamentada de maneira que ::: a editora
acha que é algo adequado ou não tem.. então aí o projeto era
recusado de uma vez só.. não é? Mas no texto final. Por quê?
107
Porque aí.. você é autor do texto. E espera-se que cada autor tem
um estilo ((risos)). MAS como a editora sabe aqui que entre aspas o
que é o leitor que está posto do outro lado.. seja o aluno seja o
professor.. o teu texto e o teu estilo são agora submetidos às
alterações que se fazem pra facilitar. Isso é uma das coisas mais...
FRUSTRANTES em termos autorais Clecio. (BUNZEN, 2005, p. 85)
[ênfase do autor]
A ênfase dada pela autora na palavra “frustrantes” nos mostra que os autores
sofrem quando precisam fazer alterações no seu livro, pois a autoria acaba sendo
não somente de uma voz mais de múltiplas, como bem enfatizado pela autora,
“FRUSTRANTES em termos autorais”.
Podemos dizer ainda que a apreciação dada pelos leitores críticos interfere no
todo da obra didática, pois os autores são “obrigados” a reverem os pontos
assinalados. Dizemos que é uma obrigação por conta do contexto em que circulam
os autores, pois eles foram contratados por uma editora para produzir livros
didáticos que visam a lucros.
Em nosso entendimento, à medida que a avaliação dos leitores críticos
começa a fazer parte do discurso autoral, o estilo individual é marcado pelos
discursos de outrem. Isso é, os autores-contempladores (leitores críticos) fundir-seão com os autores-criadores, dando à obra didática um acabamento único,
irrepetível, marcado pelo estilo do autor. Segundo Bakhtin (idem, ibidem),
Relacionar o que se viveu ao outro é a condição necessária de uma
identificação e de um conhecimento produtivo, tanto ético quanto
estético. A atividade estética propriamente dita começa
justamente quando estamos de volta a nós mesmos, quando
estamos no nosso próprio lugar, fora da pessoa que sofre, quando
damos forma e acabamento ao material recolhido mediante a
nossa identificação com o outro, quando o completamos com o
que é transcendente à consciência que a pessoa que sofre tem
do mundo das coisas, um mundo que desde então se dota de uma
nova função, não mais de informação, mas de acabamento [...] [grifo
nosso]
Reiteramos com a voz de Bakhtin a questão do outro no discurso do eu,
nesse caso, dos autores-criadores. A interferência externa atua de forma
contundente no discurso autoral, fazendo com que os autores saibam assimilar e, ao
mesmo tempo, tornarem-se únicos em seus discursos a fim de evitar duplicidade de
vozes. Para isso, como bem afirma Bakhtin (idem, ibidem),
Para mim, o outro está inteiro no objeto, e seu eu não passa de
objeto para mim. Posso recordar-me de mim mesmo, posso
108
perceber-me parcialmente através de um sentimento externo, posso
converter-me em meu próprio objeto de desejo e de sentimento, ou
seja, converter-me em meu próprio objeto. Mas, nesse ato de autoobjetivação não coincidirei comigo: meu eu-para-mim estará no ato
de objetivação e não no produto; estará no ato da minha visão,
da minha sensação, do meu pensamento, e não no objeto visto
ou sentido. [grifo nosso]
Dissemos que a duplicidade de vozes é evitada pelo discurso autoral. Mas
isso acaba não se concretizando, porque há momentos em que nos é revelada outra
voz, neste caso, que faz parte do eu dos autores e dos seus contempladores,
conforme os próximos dados.
Ao assumirem sua concepção de língua, inferimos com base nos discursos
dos autores que o ensino da língua pautar-se-á pela concepção enunciativodiscursiva, mas é curioso o título “Gramática” da seção do MP que se opõe ao título
da seção do livro do aluno “Língua: uso e reflexão”. O título “Gramática” reporta ao
eu dos autores como também ao dos seus contempladores (professores, alunos). A
palavra gramática, em boa medida, faz parte do cotidiano, da formação e da prática
pedagógica dos autores-criadores e contempladores. Vale ressaltar que, ainda, há
livros didáticos de Língua Portuguesa que apresentam a terminologia “Gramática”
para suas seções didáticas49.
Em relação ao enunciado posto pelos autores acerca de sua proposta didática
para a Gramática, destacamos este excerto:
Nesta abordagem da gramática, a língua não é vista como sistema
de comunicação ou conjunto de leis combinatórias, mas como
processo dinâmico de interação social, isto é, como forma de
realizar ações, agir e atuar sobre o outro por meio da linguagem.
(CEREJA & MAGALHÃES, 2003, p. 24) [grifo nosso]
Nesse fragmento, reconhecemos que o discurso autoral está perpassado pela
voz de Geraldi (1991) no que tange à sua proposta para o trabalho com língua(gem).
Segundo o linguista, quando se adota a abordagem social, privilegiando o contexto,
deve-se privilegiar estes eixos: historicidade da linguagem, o sujeito e suas ações
linguísticas e o contexto social das interações verbais. Dentre esses eixos,
reconhecemos que o segundo se faz presente no discurso autoral.
49
Em nossa pesquisa documental, encontramos exemplos de LDP que denominam sua unidade
didática de “Gramática”: Português: literatura, gramática, produção de texto (SARMENTO &
TUFANO, 2004); Português: de olho no mundo do trabalho (NICOLA & TERRA, 2003); Novas
Palavras (AMARAL et al., 2004).
109
Em relação ao segundo eixo — o sujeito e suas ações linguísticas —, Geraldi
(1991, p. 17) afirma que “a aprendizagem da linguagem já é um ato de reflexão
sobre a linguagem”. Por isso, quando pensamos no segundo eixo, devemos
assegurar que haverá diversas atividades — linguísticas, epilinguísticas e
metalinguísticas, as quais estarão relacionadas com as ações linguísticas. Essas
são denominadas do seguinte modo: as ações que se fazem com a linguagem, as
ações que se fazem sobre a linguagem e ações da linguagem. Cada ação
linguística deverá está ligada ao tipo de atividade empreendida pelo professor em
sala de aula para se trabalhar a língua(gem).
A nosso ver, essas considerações caracterizam o conceito de dialogismo,
uma vez que as relações dialógicas constituem o discurso autoral. No fragmento
supracitado, as expressões destacadas são indícios de que os autores elaboraram
seus discursos apreendendo uma voz social, neste caso, o reconhecido pesquisador
Geraldi.
Bakhtin/Volochinov (1929) nos diz que há três conceitos para o dialogismo —
o outro é parte constitutiva de nossos enunciados; o outro é absorvido pelo eu por
meio do discurso direto, indireto ou indireto livre; a subjetividade é inerente à relação
dialógica.
Esses dados iniciais evidenciam que podemos fazer uso dessa categoria de
análise, pois os enunciados já analisados mostram que o discurso autoral está
atravessado por outras vozes, as quais podem ser
reconhecidas, por exemplo,
pelas marcas linguísticas dentro do enunciado.
Para uma melhor compreensão dessas categorias, reportamos-nos a Fiorin
(2006) que nos dá uma visão didática para aplicá-las ao nosso objeto de análise.
O primeiro conceito de dialogismo está relacionado à premissa maior que
rege a teoria bakhtiniana de que todo enunciado constitui-se a partir de outro já
existente, é uma réplica a esse ou a outros enunciado(s). Para Fiorin (2006, p. 24),
nesse novo enunciado “ouvem-se sempre, ao menos, duas vozes. Mesmo que elas
não se manifestem no fio do discurso, estão aí presentes.” Na visão bakhtiniana,
“cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados” (195253/1979, p. 291).
O segundo conceito caracteriza o discurso do outro pela inserção de formas
que o marcarão em um determinado enunciado. Bakhtin/Volochinov (1929) fala-nos
110
sobre o reconhecimento do discurso de outrem, em que se apresenta o discurso
direto, indireto e o indireto livre, como categorias que podem nos ajudar a diferenciar
o discurso do falante do discurso citado. Fiorin (2006), com base nessas categorias,
explica-nos essas formas de absorção do discurso do outrem, como ele diz, do
alheio. Segundo ele, há duas maneiras de inserir o discurso de outrem em nossos
enunciados:
a) uma, em que o discurso alheio é abertamente citado e nitidamente
separado do discurso citante, é o que Bakhtin chama discurso
objetivado;
b) outra, em que o discurso é bivocal, internamente dialogizado, em
que não há separação muito nítida do enunciado citante e do citado
(FIORIN, 2006, p. 33).
No primeiro caso, enquadram-se o discurso direto e o indireto, como também
aspas, negação e, no segundo, são reconhecidos pela paródia, pela estilização, pela
polêmica clara ou velada, pelo discurso indireto livre.
O terceiro conceito para dialogismo entende que “a subjetividade é constituída
pelo conjunto de relações sociais de que participa o sujeito” (FIORIN, 2006, p. 55).
Dito de outra forma, as relações dialógicas que o sujeito vivencia marcará seus
enunciados, uma vez que eles são construídos nas diversas relações sociais,
situadas historicamente, quer dizer, “o sujeito vai constituindo-se discursivamente,
apreendendo as vozes sociais que constituem a realidade em que está imerso, e, ao
mesmo tempo, suas inter-relações dialógicas” (idem, ibidem).
Após apresentarmos os conceitos que envolvem essas categorias de análise,
buscaremos, a partir do enunciado dos autores-criadores, evidenciá-las.
Dissemos, anteriormente, que o discurso dos autores-criadores está
perpassado pela voz de Geraldi, conforme as pistas textuais sinalizadas por nós. Em
nosso entendimento, essa outra voz caracteriza o terceiro conceito do dialogismo —
o sujeito apreende as vozes sociais, as quais são inerentes ao contexto e ao
momento sócio-histórico do qual faz parte.
Segundo Fiorin (2006), quanto mais um enunciado for construído com vozes
persuasivas, mais dialógico será. Os autores-criadores, ao incorporarem a voz do
linguista em seu discurso, evidenciam que a posição assumida por eles é
perfeitamente possível, na medida em que seu enunciado é uma resposta ativa à
voz de Geraldi, fazendo com que as ideias do pesquisador sejam materializadas em
111
seu LDP.
Levando em consideração as ideias de Geraldi, isso é, se cada ação está
direcionada a um tipo de atividade, mais uma vez fica claro que se deve assumir
uma concepção de língua(gem) e/ou de gramática, seja o professor, seja o autor de
livro didático. Aliás, nosso intento é saber se a posição dos autores operacionalizase nas atividades de análise linguística no livro do aluno.
Ao longo do texto do MP, os autores asseveram que o ensino de Língua
Portuguesa, em seu livro, será pautado em diferentes gramáticas, conforme o trecho
abaixo:
Assim, o estudo da língua contempla aspectos que pertencem tanto
à gramática normativa — em seus aspectos prescritivos
(normatização a partir de parâmetros da norma culta: ortografia,
flexões, concordâncias, etc.) e descritivos (a descrição das classes e
categorias: substantivo, sujeito, predicado, número, pessoa, modo,
etc.) — quanto à gramática de uso (que visa ampliar por meio de
exercícios a gramática internalizada do falante) ainda à gramática
reflexiva (que explora aspectos ligados à semântica, ao discurso e à
estilística).
(CEREJA & MAGALHÃES, 2003, p. 25) [grifo nosso]
Sabemos que o trabalho com a língua(gem) em sala exige a adoção de uma
gramática que subsidie nossa prática no cotidiano da sala de aula. A respeito, diznos Silva (2003, p. 65):
Acredito que a contemplação das diferentes concepções
de gramática apresentadas pelos autores seja uma forma encontrada
para evitar o conflito entre a prática pedagógica da tradição
gramatical e as novas orientações para o ensino de gramática
pautadas nos pressupostos teóricos da lingüística teórica e aplicada.
A posição de Silva pode ser questionada, pois, na medida em que os autores
assumem uma concepção de língua(gem), espera-se que haja a seleção de uma
gramática que norteará seu trabalho. Apresentar diferentes concepções de
gramática é dizer que há um conjunto de informações que julgamos ser paradoxal,
pois cada uma das gramáticas que ele citou vê a língua por uma óptica. Se
contrastarmos a concepção de língua(gem) dos autores com as diferentes
gramáticas, observaremos que sua posição ficará comprometida, pois não haverá
argumentação suficiente para validar seu posicionamento.
Talvez essa postura paradoxal aconteça em virtude da atuação das forças
sociais em nosso cotidiano. De um lado, está o estudo gramatical tradicional,
112
atuando fortemente nas salas de aulas, como também está presente em publicações
impressas e virtuais em revistas, jornais, manuais, em que o discurso é ensinar os
falantes da Língua Portuguesa aprenderem a falar e a escrever corretamente. A
nosso ver, é a segunda concepção de linguagem — linguagem instrumento de
comunicação — que se faz presente na valoração dada à língua pelos professores
que atuam como autores de livros didáticos, consultores da língua.
Do outro, estão as inovações no que tange ao tratamento didático para se
ensinar o conteúdo gramatical, principalmente, na perspectiva sociointeracionista.
Aliás, os autores de LDP têm procurado novos formatos para didatizar as regras
gramaticais. Para atingirem isso, eles têm direcionado seus olhares para diferentes
abordagens a fim de possibilitar aos seus contempladores (professores e alunos) um
novo olhar para a gramática, cuja finalidade é acabar com aquela visão monológica,
estrutural, que vem sustentado o ensino de língua ao longo dos séculos.
Segundo ainda os autores, a intenção não é repetir a regra pela regra, mas
que os alunos compreendam todo o processo de uso da língua. É interessante
dizermos que essa visão está apoiada, em boa medida, na concepção de
língua(gem) do Círculo de Bakhtin.
Inferimos desses discursos que os autores-criadores estão preocupados em
oferecer aos usuários do LDP uma nova visão para o ensino da língua materna, em
que haja uma compreensão ativa e responsiva a seus enunciados, quer dizer, os
autores refletem e refratam uma concepção de língua que esteja próxima àquilo que
eles acreditam ser o melhor caminho para se estudarem os conteúdos gramaticais.
Ainda sobre o fragmento anterior dos autores-criadores, percebemos que há
alternância dos sujeitos falantes, tendo em vista que se pode localizar, nesse
discurso autoral, respostas a outros enunciados já proferidos, como também àqueles
que serão formulados pelos seus interlocutores. Isso fica bastante evidente quando
os autores dizem que seu livro atende a diversas concepções de Gramática,
precisamente quando fazem uso da expressão “tanto... quanto...”. Eles se antecipam
quanto aos questionamentos que poderão ser feitos, quando um professor ou um
pesquisador de posse do seu enunciado começasse a questionar
seu projeto
autoral.
A referida expressão “tanto...quanto...” atesta que os autores-criadores já
asseguram para si uma defesa, em virtude das forças sociais que agem ao mesmo
113
tempo em seu discurso, pois estão cientes de que, ao assumirem a concepção
enunciativo-discursiva para um trabalho reflexivo no ensino da língua, espera-se
deles que
escolham uma gramática pertinente para subsidiar seu trabalho. Em
nosso ponto de vista, o outrem sempre está presente em nossos enunciados. Esse
outro marca o acabamento da obra didática.
Além da alternância dos sujeitos falantes, que marca esse movimento
dialógico, afirmamos ainda a presença do segundo conceito de dialogismo,
conforme Fiorin (2006), a polêmica clara.
O fragmento em que os autores apresentam várias concepções de gramática,
como já dissemos, é contraditório entre si. Se relacionarmos esse fragmento com o
segundo movimento dialógico, perceberemos que há um jogo de vozes que
“polemizam abertamente entre si, cada uma delas defendendo uma idéia contrária à
da outra” (FIORIN, 2006, p. 40).
Nesse sentido, concordamos com as ideias de Amorim (2004), quando nos
coloca que o conceito de dialogismo é complexo. Não se pode restringi-lo apenas às
interações, mas devemos pensar que a “relação dialógica é uma relação de sentido
que se estabelece entre as diferentes enunciações num mesmo enunciado”
(AMORIM, 2004, pp. 151-152).
Os autores, em outro momento no MP, colocam-nos que os conteúdos
selecionados buscam “atender às necessidades dos alunos”.
Esse ponto de vista está em consonância com as orientações dos PCNEM
(1999, pp. 40-41): “Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de
acordos e condutas sociais e como representação simbólica de experiências
humanas manifestas nas formas de sentir, pensar e agir na vida social.”
Essas necessidades são elucidadas, principalmente para os leitores que
desconhecem o conteúdo dos PCNEM, na seção Metodologia, em que seus autores
dialogam com os documentos oficiais:
A concepção geral deste trabalho parte do princípio de que o ensino
de português, no ensino médio, deve estar voltado para a formação
de um cidadão autônomo, capaz de interagir com a realidade do
novo milênio.
(CEREJA & MAGALHÃES, 2003, p. 3) [grifo nosso]
Acreditamos que ao reportarem seu discurso ao documento oficial, seja uma
estratégia que traz solidez às afirmações dos autores. No trecho em destaque,
114
observamos coesão com as ideias difundidas nos PCNEM. Não podemos
desconsiderar o contexto social do qual os alunos fazem parte. O ensino da Língua
Portuguesa deve dar aos alunos autonomia necessária para que eles sejam
usuários competentes de sua língua e, assim, conquistarem seu espaço no mercado
de trabalho. Sabemos que o discurso posto para o Ensino Médio pelos documentos
oficiais prioriza uma dupla formação. Segundo Kuenzer (2000, p. 25),
os textos oficiais e os elaborados pelos especialistas têm
indicado ser a ambiguidade de um nível de ensino, que ao
mesmo tempo tem de preparar para o mundo do trabalho e para
a continuidade dos estudos, a raiz dos males do Ensino Médio
[grifo nosso].
A existência dessa ambiguidade não é contestada pelo discurso autoral, como
bem destacamos, pois há uma preocupação por parte dos autores em evidenciar as
vozes
dos
documentos
oficiais
(PCNEM,
DCNEM,
LDB)50.
Segundo
Bakhtin/Volochinov (1926, p. 8), “a comunhão de julgamentos básicos de valor
presumidos constitui a tela sobre a qual a fala humana viva desenha os contornos
da entoação.” Quer dizer, o enunciado dos autores reelabora os discurso oficiais,
apresentando-os de forma diferente, mas buscando diálogos estreitos com as vozes
de tais documentos.
É esse movimento dialógico que nos assegura que o discurso autoral não é
uno, ele está interligado a outros, constituindo uma teia em que diversos pontos de
vista se entrecruzam, e que ora se aproximam, ora se distanciam.
4.2.2 Manual do professor do LDP2
O autor-criador do LDP2 inicia seu texto afirmando que, no ensino de Língua
Portuguesa, o professor tem diferentes práticas, as quais são realizadas conforme a
concepção de linguagem que ele adotar51. Logo em seguida, ele nos apresenta, de
forma sintética, algumas das concepções que percorrem o ensino de língua
materna:
Entre nós, as concepções mais tradicionais tendem a reduzir a
linguagem ora a um conjunto de regras (a uma gramática); ora a
50
51
DCNEM são as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio e LDB é a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional.
O Manual do Professor do LDP2 está no anexo 4.
115
um monumento (a um conjunto de expressões ditas corretas); ora a
um mero instrumento de comunicação e expressão (a uma
ferramenta bem-acabada que os falantes usam em certas
circunstâncias).
Podemos observar que todas essas concepções têm algo em
comum: elas entendem a linguagem como realidade em si (um
sistema gramatical, um monumento, um instrumento); como se ela
tivesse vida própria, despregada de seus falantes, da dinâmica
das relações sociais, dos movimentos da história.
(FARACO, 2003, p. 5) [grifo nosso].
No fragmento acima, nota-se que o autor-criador não está apenas
apresentando as concepções de linguagem, ele está procurando evidenciar que
existe uma prática contestada pela maioria dos estudiosos da língua, principalmente
por aqueles que entendem a linguagem como uma prática sociointeracionista, como
também pelos documentos oficiais (PNLEM, PCNEM). Isso é comprovado por meio
das escolhas lexicais realizadas pelo autor: “reduzi-la” a “um conjunto de regras, ora
a um monumento, ora um mero instrumento de comunicação e expressão” (idem,
ibidem).
Analisando o discurso expresso pelo autor-criador no seu manual a respeito
dessas diferentes concepções, percebemos que há um jogo discursivo que busca
incluir seus interlocutores preferenciais — os pareceristas do MEC e os professores,
cuja finalidade é torná-los co-autores do que está sendo dito, por conseguinte, tornar
esse enunciado verdadeiro, porque parte do pressuposto de que esse enunciado faz
parte do cotidiano dos seus interlocutores.
O autor-criador, para apresentar a sua concepção de língua, primeiramente
mostra que há outras concepções que permeiam o cenário linguístico, para em outro
momento dizer explicitamente que se “recusa” a ver a linguagem destituída de sua
prática social, e, em seguida, expor sua concepção de língua(gem):
Nossa concepção recusa esses olhares que alienam a linguagem de
sua realidade social concreta. Nós a concebemos como um conjunto
aberto e múltiplo de práticas sociointeracionais, orais ou escritas,
desenvolvidas por sujeitos historicamente situados.
(FARACO, 2003, p. 5) [grifo nosso]
De acordo com Geraldi (1991, p. 83), “para se acercar ao ensino a partir do
foco da linguagem é preciso antes, delimitar o próprio foco, assumindo uma
concepção do próprio objeto da lingüística.” Ao assumir sua concepção de
116
língua(gem), o autor-criador revela-nos que seu trabalho é resultado também de
suas reflexões acerca do ensino como também, de certa forma, toma a voz de
outros em seu discurso.
Nessa estratégia discursiva, percebemos que, primeiramente, retoma e nega
as concepções de língua(gem) que não consideram a língua(gem) enquanto
processo e produto de uma interação. Como bem sabemos,
a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através da
enunciação ou das enunciações (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929,
p. 127) [grifo nosso]
Dito de outra forma, há um jogo discursivo no enunciado dos autores, o qual
se dá por meio dos verbos “recusar”, “alienar” e “conceber”.
O verbo “alienar” denota uma apreciação valorativa bastante negativa, isso é,
a
de
que
os
professores
que
não
assumem
a
concepção
de
língua
sociointeracionista estão desconsiderando a questão social da língua, como também
não permitem que seus alunos tenham acesso a outro olhar para sua língua, pois
somente a veem enquanto estrutura, o que colabora para que se perpetue o velho
discurso “não sei português”.
Já “recusar” é usado para contestar as diferentes concepções de língua(gem)
apresentadas pelo autor-criador, como também para anunciar a sua concepção para
seus interlocutores. Isso é feito quando ele faz uso do verbo “conceber”. De certa
forma, ele faz com que seu discurso seja visto como algo novo. Isso porque,
segundo o Dicionário Houaiss “conceber” pode ter como acepção, no sentido
figurativo, “formar uma (idéia) na mente, inventar, criar, idealizar” (2001, p. 783).
Quer dizer, dá a entender que o autor estaria apresentando uma nova concepção
para se deixar trabalhar a língua(gem) em sala de aula, como se não houvesse um
discurso fundante (FOUCAULT, 1968). E isso é recorrente no Manual do Professor.
O discurso autoral não apresenta de forma direta as contribuições de outros
estudiosos, apesar de reconhecermos o discurso bakhtiniano ao longo das
informações que são dadas aos professores, por exemplo, “compreensão
responsiva”, “sujeitos historicamente situados”, “interação”, “presença do outro”,
“interlocução”,
“gêneros
discursivos”.
Surpreendentemente,
nas
referências
117
bibliográficas, não é citada nenhuma obra bakhtiniana, principalmente, a do
Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929) e da Estética da Criação Verbal (195253/1979).
No manual, quando assume sua concepção de língua, o autor-criador
assegura que sua proposta é de que os alunos tenham a oportunidade de
amadurecer e ampliar seu domínio em relação às práticas de linguagem.
Ele afirma, também, que o trabalho desenvolvido em seu livro leva em conta o
contexto de produção. Esse procedimento é reconhecido quando o autor escolhe
alguns elementos linguísticos dos textos estudados nas unidades para apresentar o
conteúdo gramatical. Essa proposição aparece na seção De olho na língua. Nela, o
autor deixa explícito que caberá aos alunos observarem os fenômenos linguísticos
para descrevê-los de forma intuitiva. Essa abordagem será evidenciada ou não nas
análises das atividades de práticas de análise linguística.
Além da abordagem intuitiva, o LDP2 apresentará “abordagem mais
sistematizada” e caberá ao professor “integrar as duas abordagens (intuitiva e
sistematizada)” (FARACO, 2003, p. 17).
Para que esse objetivo maior tenha melhor compreensão, é necessário o
conhecimento da teoria gramatical. Nas palavras do autor-criador,
Ao mesmo tempo essa compreensão ampla precede um estudo mais
detalhado de fenômenos gramaticais específicos do português (que
se fará no Almanaque Gramatical e no Guia Normativo) (FARACO,
2003, p. 18) [grifo do autor].
A divisão posta por ele é para mostrar que há duas formas de se estudar a
teoria gramatical. Entretanto os exercícios e a parte teórica revelam que existe
abordagem desarticulada entre uma e outra, conforme os dados iniciais da nossa
tabela:
118
Fonte: FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino Médio. v. único. Curitiba: Base Editora, 2003.
Tabela 2 Informações sobre o projeto autoral do LDP2 para a análise linguística
119
As marcas linguísticas aqui levantadas nos permitem afirmar que, em boa
medida, esses procedimentos lingüísticos dos autores-criadores configuram-se
como uma resposta a seus autores-contempladores, neste caso, os pareceristas
do MEC, que avaliam tantos os livros do aluno quanto seus respectivos Manuais,
pois são os ouvintes mais imediatos da obra didática, depois de finalizada; como
também é uma resposta aos próprios questionamentos feitos pelo autor-criador,
pois ele reflete e refrata uma concepção de língua que está em consonância com
sua visão de mundo no que se refere ao ensino de Língua Portuguesa.
Em suma, de acordo com o nosso referencial teórico bakhtiniano, todo
discurso remete a outro discurso. E isso ficou evidente nas análises
apresentadas. A fala do autor-criador é perpassada por várias vozes. Seu
discurso não é neutro, nem o primeiro.
4.3 O discurso autoral nas atividades de análise linguística no LDP1 e LDP2
Nesta seção, nosso objetivo é responder às questões de nossa pesquisa
apresentadas no capítulo de metodologia. Para isso, apresentaremos algumas
atividades selecionadas dos dois livros escolhidos para esta investigação
documental.
Iniciamos nossa análise retomando a segunda pergunta de pesquisa: O
livro do aluno coloca em prática as orientações dadas pelo Manual do Professor
em relação à análise linguística?
Com base nos primeiros dados levantados (tabelas 2 e 3), inferimos que as
orientações do MP não se concretizam de forma satisfatória no livro dos alunos.
Para uma melhor apresentação dos dados, as análises de cada livro serão
expostas separadamente para em seguida respondermos plenamente a nossa
questão de pesquisa. Inicialmente, apresentaremos a análise das seções em que
a reflexão da língua deve ocorrer.
4.3.1 Compreendendo as seções do LDP1 destinadas à reflexão linguística
Em relação à distribuição dos módulos de ensino, nota-se que o enfoque
dos autores está na Literatura, conforme a quantidade de unidades destinadas a
esse módulo. Dissemos, anteriormente, que os autores buscam uma “nova
120
roupagem” para o ensino dos tópicos gramaticais, procurando estabelecer
conexões com diferentes gramáticas como também com as teorias linguísticas.
É interessante acrescentar que os autores tentam romper com o ensino da
gramática tradicional, nomeando suas seções de forma diferenciada e tratando os
diversos conteúdos gramaticais ora com olhar reflexivo, ora metalinguístico. Essa
alternância no tratamento do conteúdo gramatical demonstra que não existe
inovação, tendo em vista que há situações em que o ensino dos tópicos
gramaticais ocorre na perspectiva tradicional e funcionalista da língua.
Esse dado está evidente em nossa tabela na próxima página, em que a
quantidade de atividades de reflexão ocorre em número reduzido.
121
Fonte: CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003
Tabela 3 Informações sobre o projeto autoral do LDP1 para a análise linguística
122
Há uma desproporção numérica quando se pensa no tipo de atividades
propostas ao longo do livro. De acordo com a nossa análise, há mais atividades
mescladas (metalinguística e reflexiva) do que propriamente reflexivas. Isso
acaba por evidenciar que há duas forças atuando ao mesmo tempo: a inovação
versus a tradição. A atuação dessas duas forças faz com que a afirmação dos
autores em relação à concepção de língua(gem) assumida por eles fique
comprometida, contradizendo, em boa medida, algumas das propostas didáticas
que foram enunciadas no MP.
Segundo as orientações do MP, o capítulo Língua: uso e reflexão é o
espaço ideal para se estudar a língua, pois garantirá a “autonomia
metodológica, maior espaço e importância” (CEREJA & MAGALHÃES, 2003,
p. 35) [grifo nosso].
A primeira expressão destacada nos reporta ao discurso da fragmentação
que foi instaurado desde que se iniciou o estudo da língua em instâncias
escolares. Cada módulo de ensino deve ter seu “espaço”, a fim de que os
usuários do livro compreendam cada objeto de ensino destinado a esse espaço.
Mas será que esse espaço é de fato ideal? Será que ele possibilita a “autonomia
metodológica”? Os usuários sabem identificar que esse espaço é o “maior” e o
mais “importante”? Como os usuários operacionalizam a divisão dos módulos de
ensino no livro didático? Para algumas dessas perguntas, já temos as respostas.
Se considerarmos os dados descritos no capítulo III de nossa dissertação,
esse espaço não é o maior, pois o livro possui 47 capítulos, em que se nota que
há um número maior deles destinados à Literatura (24) e para Língua: uso e
reflexão, apenas 08.
A palavra “importância” também nos chama atenção, porque inferimos
desse discurso autoral que o estudo da língua é fundamental e ter um espaço a
ele destinado é relevante para o aprendizado da Língua Portuguesa. Dessa
forma, afirmamos que há preocupação dos autores em evidenciar para seus
interlocutores que eles estão empenhados em operacionalizar os conteúdos
gramaticais que sejam pertinentes e que permitam aos seus usuários autonomia
no que se refere à apreensão dos conteúdos como também à metodologia
adotada por eles para esse livro didático.
Em relação à autonomia metodológica, acreditamos que o livro não oferece
algo surpreendente, nem algo que seja diferente do que existe em outros livros
123
didáticos, pois o estudo dos conteúdos gramaticais dá-se em uma abordagem
tradicional, apesar de existir num primeiro momento uma abordagem reflexiva
para introduzir os conteúdos, conforme veremos nas próximas análises.
Acreditamos que os usuários do livro consideram normal a divisão dos
módulos de ensino nos livros didáticos, pois a política da fragmentação é algo
inerente ao Ensino Médio, principalmente nas instituições privadas, como bem
sabemos. Sendo assim, estudar a língua materna em seções específicas não
será motivo para que os usuários contestem, haja vista que isso já lhes é familiar.
Em relação à primeira pergunta — se o capítulo Língua: uso e reflexão é o
espaço ideal — a resposta é negativa. Isso porque, conforme os dados da nossa
tabela, o tipo de atividade predominante é o mesclado (metalinguístico e
reflexivo). Nesse sentido, o propósito do capítulo não é atingido plenamente, pois
a idéia de que haverá um trabalho diferente para os conteúdos gramaticais não é
operacionalizada segundo as orientações teóricas dos autores-criadores.
No projeto autoral, cada seção do capítulo denominado Língua: uso e
reflexão desempenhará uma função. Mas essas seções não se repetem em todos
os capítulos. Consideramos isso um dado relevante, porque notamos que, em
alguns tópicos gramaticais, os autores trabalham o conteúdo na perspectiva
tradicional, embora coloquem um enunciado que aparenta fugir do tratamento
didático transmissivo.
Segundo Cereja e Magalhães, na seção “Construindo o conceito”, o aluno
é levado a “construir (se já não o fez no ensino fundamental) ou a inferir o
conceito em questão, revendo-o agora de outro ângulo” (2003, p. 35). Essa
reflexão é feita por meio de textos verbais e não-verbais. Apesar de os autores
enfocarem a produção de texto em um capítulo específico, observamos que os
textos a que eles se referem são exemplos de vários gêneros discursivos (tira,
notícia, poema, canção, anúncio publicitário etc.).
A cada texto/gênero, segue-se um roteiro de questões que objetiva
direcionar a leitura do aluno para o fato linguístico que é objeto de ensino naquela
unidade. Em um mesmo capítulo, os alunos são levados a refletirem sobre
diversos conteúdos gramaticais. Há uma tentativa dos autores de estabelecerem
conexões entre eles.
Após a reflexão conduzida, chegou o momento de elaborar o conceito na
seção “Conceituando”: “nesta seção, o conceito construído é formulado e
124
posteriormente
ampliado
com
exemplos,
explicações
complementares,
observações, etc.” (idem, ibidem).
Em relação a essas duas seções, chamam-nos a atenção os verbos
escolhidos — construindo e conceituando. Ambos foram usados no gerúndio.
Como sabemos, essa forma nominal indica que as ações estão em curso, é algo
contínuo. Dessa forma, essa nominalização no uso dos verbos corrobora a
pretensão dos autores de trabalhar os conhecimentos linguísticos em uma
abordagem reflexiva. Ainda, afirmamos que ao selecionarem os verbos
“construir”, os autores dão indícios de que a sua proposta é que tanto os alunos
quanto os professores elaborem os conhecimentos linguísticos por etapas. O
saber não será dado de forma transmissiva, mas reflexivamente.
Entretanto, nessa reflexão, os autores acabam não explorando o uso na
interação, ou seja, não se foca porque tal texto/gênero faz uso de determinados
elementos linguísticos. O texto/gênero acaba sendo um pretexto para abordar a
teoria gramatical, embora a proposta seja de fazer com que os alunos comecem a
refletir acerca dos usos linguísticos. No exemplo a seguir, isso está posto
explicitamente.
125
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p. 359.
126
Consideramos que a proposta dos autores é interessante, mas acaba se
esvaziando, porque o gênero discursivo escolhido é tomado apenas como recurso
para apresentar o conteúdo gramatical. Acreditamos que os autores-criadores
poderiam, desde o início, fazer algumas considerações acerca do gênero e das
regras gramaticais que são levantadas, não deixando apenas para seções
específicas, como veremos.
Após construir e conceituar, os alunos farão exercícios em que se busca
operar
o conceito trabalhado a partir de textos, situações e estratégias
diversificados, como criação e emprego do fato linguístico
observado,
construção
de
orações,
emprego
de
complementos nominais, de substantivos, de conjunções com
valores semânticos específicos, etc.
(CEREJA & MAGALHÃES, 2003, p. 35) [grifo nosso]
Após a realização dos exercícios, apresenta-se uma nova seção, em que o
conteúdo enfocado no início é retomado a fim de evidenciar seu uso em um texto
específico. Para isso, o nome da seção sofre alteração conforme o conteúdo
gramatical daquele capítulo, por exemplo, “A acentuação na construção do texto”.
O objetivo dessa unidade é aprofundar “o estudo das relações entre a
categoria gramatical estudada e o texto, isto é, busca-se compreender em que
medida o emprego de tal categoria é responsável pela construção do sentido
do texto” (idem, ibidem) [grifo nosso].
Havemos de considerar que o projeto autoral está, em certa medida, em
consonância com a voz dos PCNEM, pelo menos nas orientações destinadas aos
professores no que se refere ao processo de didatização, em que a língua é
explicada a partir de um contexto, quer dizer, de uma situação de uso.
Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal,
relacionando textos/contextos, mediante a natureza, função,
organização, estrutura de acordo com as condições de produção,
recepção (intenção, época, local, interlocutores participantes da
criação e propagação das idéias e escolhas, tecnologias
disponíveis) (PCNEM, 1999, p. 47) [grifo nosso]
Nesse sentido, cabe-nos reafirmar as ideias de Bakhtin/Volochinov (1929,
p. 155):
Pode ser que o discurso de outrem seja recebido como único
bloco de comportamento social, com uma tomada de posição
127
inanalisável do falante — e nesse caso apenas o “o quê” do
discurso é apreendido, enquanto o “como” fica fora do
campo de compreensão. [grifo nosso]
Esse dialogismo que se opera no discurso dos autores nos mostra que há
tentativas de colocar em prática as orientações dos documentos oficiais, apesar
das lacunas que foram localizadas. Esse “o quê” dito pelos pensadores russo,
para nós, na obra didática, corresponde à didatização dos conteúdos gramaticais,
isso é, o projeto autoral desse livro responde, em boa medida, às orientações,
organizando seu livro em seções nas quais se poderia visualizar o trabalho
reflexivo com a linguagem. Entretanto o “como” ainda está distante do que foi
pensado nos documentos oficiais.
Isso é mais evidente nas justificativas que os autores dão acerca de outras
seções presentes em seu livro didático. Além das seções já apresentadas, há
mais duas seções, que contemplam o capítulo “Língua: uso e reflexão”:
Semântica e interação e Para compreender o funcionamento da língua. Esta
privilegiará conteúdos da morfologia e sintaxe, segundo os autores, em “caráter
de revisão”, tendo em vista que “atividades da seção voltam-se para o uso prático
e cotidiano de certos conteúdos, de acordo com a variedade padrão” (2003, p.
36) [grifo nosso].
A revisão faz parte dos projetos autorais dos livros didáticos analisados
como também de outros. Todo conceito gramatical é exposto por inteiro, apesar
de alterarem os nomes dos títulos internos para inserir os conteúdos. Mendonça
(2006, pp. 202-203) corrobora nosso ponto de vista quando fala-nos sobre a
questão da revisão no Ensino Médio (EM):
Na seleção de objetos de ensino da área de língua materna, o EM
tem privilegiado, em geral, uma revisão/repetição do que foi
visto no EFII, o que se restringe, primordialmente, a uma
revisão de gramática e de técnicas de redação, especialmente
para as dissertações escolares, com a novidade da introdução do
estudo da literatura. [grifo nosso]
Semântica e interação mantém o mesmo objetivo da seção anterior, em
que se escolhe o tópico gramatical estudado no capítulo em um texto, cuja
denominação é alterada conforme o conteúdo do capítulo, por exemplo, “A
acentuação na construção do texto”. Em Semântica e interação, os autores dizem
que
128
os conteúdos gramaticais trabalhados no capítulo são retomados
e ampliados, sendo vistos agora pela perspectiva do discurso, isto
é, das circunstâncias em que se deu a produção dos enunciados e
dos textos. Além disso, aprofundam-se os valores semânticos da
categorial gramatical em estudo e, normalmente, também são
observados os recursos da estilística responsáveis pela criação de
sentido.
(CEREJA & MAGALHÃES, 2003, p. 36) [ênfase dos autores]
O discurso aqui posto pelos autores acaba sendo um desdobramento do
que afirmaram na seção “A acentuação na construção do texto”. Como dissemos,
as duas seções mantêm o mesmo objetivo, trabalhando o conteúdo gramatical na
perspectiva discursiva. Para isso, os autores fazem questionamentos sobre o
contexto de produção, como também levam em consideração fatores semânticos
e estilísticos.
Entretanto, os gêneros selecionados não são levados em
consideração, o que faz com que assinalemos que os gêneros acabam sendo
explorados como um pretexto para se focalizar conteúdos gramaticais. No
exemplo a seguir, isso está evidente.
129
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p. 22.
130
Acreditamos que os autores primeiramente expõem os conteúdos, para
num segundo momento, aprofundarem o conhecimento gramatical já estudado,
em seção específica. Isso ocorre porque, no projeto autoral, optou-se por
apresentar a Língua Portuguesa de forma fragmentada, já que há capítulos
específicos para ensinar cada um dos módulos de ensino designados para o
Ensino Médio: Literatura, Gramática e Produção texto.
Todos os pontos aqui levantados sobre o discurso dos autores para as
seções que criaram evidenciam que há uma sobreposição de vozes. Os autores
almejam inovar no ensino da gramática, mas ainda encontram alguns obstáculos
para sua efetivação.
O primeiro obstáculo, a nosso ver, é desconstruir a relevância que o ensino
da gramática normativa tem para nossa sociedade. Como vimos ao longo desta
dissertação, o ensino da norma é algo muito antigo e, a partir do momento que os
autores tomam para si a responsabilidade de repassar o conhecimento gramatical
que fuja do ensino transmissivo, sua proposta didática poderá ser marcada pela
mesclagem: reflexivo e metalinguístico.
O segundo obstáculo é o fato de querer satisfazer a todas as teorias
linguísticas existentes em nossa língua. Cada uma delas tem uma visão de
mundo e o olhar para o ensino de língua e as atividades formuladas devem
atender a essas teorias. No LDP1 e no seu MP, observamos que há um discurso
em direção a algumas correntes.
Nesse sentido, apresentamos a análise dos pareceristas que comungam
com o nosso ponto de vista:
Quanto aos conhecimentos linguísticos, o livro transita
entre o ensino tradicional e o renovado: ao lado da gramática
tradicional, recorre-se à “Lingüística Textual,” à “Análise do
Discurso” e à “Semântica enunciativa”, principalmente para
atualizar a teoria dos gêneros discursivos que, de acordo com o
livro do professor, fundamenta a proposta didático-pedagógica do
livro. A sistematização se faz em capítulos específicos, Língua:
uso e reflexão; mas também aparece em Produção de texto. No
entanto, a própria segmentação dos respectivos capítulos em
seções como Para compreender o funcionamento da linguagem e
Para escrever e falar com adequação, por exemplo, revela-se
pouco adequada à perspectiva teórica perseguida, à (sic) na
medida em que tende a dissociar a reflexão do uso. A seção
Construindo o conceito também se distancia, parcialmente, de
suas intenções declaradas: apesar do nome, ela não se
131
caracteriza por conduzir o aluno a uma reflexão, mas a dirigir mais
didática e metodicamente a exposição da matéria.
Por outro lado, com exceção do tratamento atribuído a
alguns fenômenos de natureza discursiva, as categorias descritas
seguem as postulações da gramática tradicional, nem sempre
articulando uma e outra abordagens (PNLEM, 2004, pp. 61-62)
[grifo dos autores].
Afirmamos que a produção do material didático tem por objetivo atender às
expectativas avaliativas dos pareceristas do MEC num primeiro momento e,
posteriormente, às dos seus usuários, professores e alunos, e, por que não, dos
próprios autores-criadores. Nesse sentido, a autoria do material acaba não sendo
apenas de duas vozes, mas de várias, pois o projeto autoral dos autores precisa
dialogar com seus interlocutores e com suas próprias concepções de ensino no
que se refere à língua(gem).
A seguir, apresentamos as atividades e sua respectiva análise. Para
compreendermos o projeto autoral dos autores, selecionamos um capítulo em que
os objetos de ensino são diversificados, ou seja, em uma mesma unidade didática
são apresentados dois ou mais objetos como conteúdos.
Para melhor apresentação da análise dos dados coletados no LDP1,
dividimos esta seção em três subseções, cujos módulos de ensino são diferentes.
4.3.1.1 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise
linguística: Conceito de Língua(gem)
O capítulo a ser analisado é o capítulo 1, cujo título é Linguagem,
comunicação e interação. Nele, os alunos serão levados a refletirem sobre o
conceito de língua(gem), as variantes linguísticas e a regra do plural dos
substantivos e dos adjetivos compostos.
132
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p. 14.
133
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p. 15.
134
A primeira atividade introduz o conteúdo do capítulo, pois está localizada
na seção Construindo o conceito. Essa metodologia de trabalho segue a proposta
do projeto autoral, o qual está subsidiado pelo discurso dos PCNEM (1999, p. 36):
O caráter sócio-interacionista da linguagem verbal aponta para
uma opção metodológica de verificação do saber linguístico
do aluno, como ponto de partida para a decisão daquilo que
será desenvolvido, tendo como referência o valor da linguagem
nas diferentes esferas sociais. [grifo nosso]
Esse procedimento marca que a autoria dessa seção dialoga diretamente
com a voz do documento oficial. A disposição das seções, suas denominações, o
projeto gráfico configuraram o estilo individual. Isso mostra que os autores têm um
estilo próprio e não estão apenas revozeando o discurso de outrem. Se
contrapusermos esse projeto autoral com um outro, observaremos que há
diferenças, como bem salientamos no capítulo anterior e como será posto neste.
Em nossa visão, a obra didática segue as ideias preconizadas pelo Círculo
de Bakhtin, na medida em que o projeto autoral são os dados concretos desse
movimento dialógico, em que autores de livros didáticos precisam da
compreensão e da resposta ativa dos seus autores-contempladores.
A respeito das questões, os autores tomam o gênero discursivo “tira” para
trabalharem tão somente os conteúdos selecionados para esse capítulo — o
conceito de língua(gem), as variantes linguísticas, o plural dos substantivos e os
adjetivos compostos.
As primeiras questões têm como propósito fazer com que os alunos
compreendam o sentido do texto. Para isso, os autores elaboraram perguntas
bastantes pontuais, a fim de que os alunos focalizem seu olhar naquilo que está
sendo discutido na tira.
A leitura dos alunos é induzida para se chegar à
conclusão pretendida pelos autores, pois há preocupação com o aspecto
discursivo, o sentido do enunciado, vejamos:
1. A tira nos mostra as personagens Hagar e Helga, marido e
mulher.
a) O que eles estão fazendo?
b) Em resumo, qual é o assunto da conversa de Hagar nos três
primeiros quadrinhos?
2. A reclamação de Hagar provoca uma reação em Helga, que
lhe diz: “Estou grávida”. Considerando a situação, qual foi a
intenção dela ao dizer isso ao marido?
135
Inferimos que o discurso autoral sinaliza para uma ação sobre a linguagem,
em que o princípio da atividade é tão somente de “localização”, apesar do verbo
“localizar” não ser usado diretamente. Esse procedimento didático reafirma a
nossa idéia de que a proposta reflexiva não ocorre satisfatoriamente, pois os
enunciados das questões levam os alunos à localização de informações que
estão evidentes no texto, por exemplo, “O que eles estão fazendo?”.
Na questão 03, reconhecemos que os autores fazem uso de determinadas
palavras que nos remetem à Teoria da Comunicação e à Teoria da Enunciação.
Isso está marcado pelas palavras locutor e locutário (Teoria da Enunciação) e
emissor e receptor (Teoria da Comunicação). Notamos que o enunciado dos
autores marca quais os papéis desenvolvidos por cada um dos sujeitos
envolvidos na interação. Esse procedimento didático revela que o enfoque dado à
situação comunicativa é reconhecer se houve interação entre os participantes do
diálogo e, assim, compreender qual foi a intenção da personagem Helga com sua
fala.
3. Numa situação de comunicação, há, pelo menos, duas pessoas
interagindo por meio da linguagem: o locutor ou emissor, aquele
que fala, e o locutário ou receptor, aquele com quem se fala. Para
que a comunicação se realize com sucesso, é necessário que
cada um deles compreenda bem o que o outro diz. Pelo
comportamento de Hagar, é possível dizer que ele ouviu o que
Helga lhe disse. Entretanto teria compreendido a intenção dela?
Por quê?
Ainda sobre a questão 03, o objeto de ensino do capítulo fica marcado
explicitamente, para estabelecer conexão com a próxima seção Conceituando.
Nas atividades destinadas a esse objeto de ensino delimitado na questão
03, observamos que os autores selecionaram dois anúncios para que os alunos
leiam e identifiquem os conhecimentos linguísticos trabalhados no capítulo 1 —
variedade linguística, níveis de formalismo. Entretanto, somente o formal é
especificado no livro do aluno, os demais (informal e coloquial) não receberam
tratamento didático na parte teórica. Os alunos farão reflexão desse objeto de
ensino sem ter tido contato anteriormente com a teoria. Essa situação torna-se
incoerente, porque a proposta dos autores é que os alunos operacionalizem o
conteúdo visto anteriormente nos exercícios.
Acreditamos que essa lacuna seja reflexo daquilo que os próprios
documentos oficiais sugerem: o ensino da língua materna não deve retomar todo
136
conteúdo já estudado nas séries anteriores do Ensino Fundamental, mas deve
existir um aprofundamento, ampliação desse conhecimento linguístico.
No Edital de Convocação para inscrição de livros didáticos para serem
submetidos ao processo de avaliação e seleção para inclusão no Catálogo de
Escolha do Livro Didático direcionado ao Ensino Médio (2003, p. 12), há uma
orientação para que a didatização dos conteúdos colabore para que os alunos
revejam os diferentes módulos de ensino já estudados, procurando ampliar e
aprofundá-los:
retomar, ampliar e aprofundar a aprendizagem desenvolvida
pelo aluno nas etapas anteriores de sua formação, garantindo-lhe
as condições intelectuais de prosseguimento nos estudos. [grifo
nosso]
Ao reconhecermos que há um diálogo com os documentos oficiais, o que é
feito de forma indireta, apresentamos esta afirmação de Bakhtin (1970-1971, p.
379), em que ele fala da representação do outro em nossos discursos:
[...] todas as palavras (enunciados, produções de discurso e
literárias), além das minhas próprias, são palavras do outro.
Eu vivo em um mundo de palavras do outro. E toda a minha vida
é uma orientação nesse mundo; é a reação às palavras do
outro (uma reação infinitamente diversificada), a começar pela
assimilação delas (no processo de domínio inicial do discurso) e
terminando na assimilação das riquezas da cultura humana
(expressas em palavras ou em outros materiais semióticos). [grifo
nosso]
A compreensão ativa e responsiva da palavra do outro sempre fará parte
de nossas vidas, pois a obra didática não pode desconsiderar o mundo social, por
ser em si uma obra dialógica. Não é possível conceber um livro didático sem levar
em conta as influências exteriores, os autores-contempladores (pareceristas,
professores, alunos). O outro está marcado no projeto autoral do LDP1.
4.3.1.2 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise
linguística: Variantes Linguísticas
Por concebermos que outro se faz presente no discurso dos autorescriadores, analisemos as atividades 01 e 02 da seção Exercícios.
137
.
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p.19.
138
Nas questões 01 e 02, a proposta é reconhecer as variantes
linguísticas no contexto de produção e compreender esse uso linguístico nos
anúncios.
O reconhecimento da variante ocorre facilmente, pois a forma como as
questões foram redigidas direcionam os alunos a localizarem/identificarem-na:
a) Além da variedade padrão, de que outra variedade lingüística o
anunciante fez uso no anúncio? (Atividade 1)
b) Qual é o modo dessa variedade: oral ou escrito? Justifique com
elementos do texto. (Atividade 2)
c) Quanto ao grau de formalismo, a variedade lingüística
empregada pode ser considerada formal, informal ou coloquial?
(Atividade 2)
Analisando os enunciados acima, percebemos que o foco do projeto
autoral não está direcionado para os elementos envolvidos na comunicação, mas
para
a variedade linguística. Isso porque somente nessa seção denominada
Exercícios, os alunos terão contato com as variedades. Ao longo do livro,
conforme nossa tabela da página 122, não haverá outro momento para se
discutirem as variedades linguísticas.
Segundo as orientações dos PCNEM (1999, p. 47), o trabalho com a
variedade linguística será investigativo, a fim de que os alunos compreendam a
diferença existente nos usos da nossa língua: “Articular as redes de diferenças e
semelhanças entre a língua oral e escrita e seus códigos sociais, contextuais e
linguísticos.”
Na proposição dos exercícios supracitados, busca-se essa articulação. Ao
abordar as variedades, os autores tentam responder, em certa medida, também
ao discurso da Sociolinguística.
Por um longo período no ensino de Língua
Portuguesa, a variedade padrão era tida como a única e todas aquelas que não
estivessem de acordo com ela eram desprestigiadas. Hoje esse desprestígio
ainda ocorre ora explicitamente, ora implicitamente.
Nos exercícios acima, observamos que o plurilinguismo se faz presente, na
medida em que o gênero LDP traz outro gênero — o anúncio — a fim de abordar
outras variedades linguísticas existentes em nossa língua. Essa idéia está
baseada na afirmação de Bakhtin (1934-35/1975) segundo a qual os gêneros
intercalados são exemplos de plurilinguismo. Conforme Bakhtin (idem, p. 125), o
romance admite em sua composição diferentes gêneros, os quais “[...] introduzem
139
nele as suas linguagens e, portanto, estratificam a sua unidade lingüística [...]”. De
forma análoga, dizemos que o plurilinguismo presente na obra didática pode ser
resultado da proposta do projeto autoral ou pode ser que, durante a escritura do
livro, os autores resolveram didatizar as variedades linguísticas, tornando-se um
acontecimento discursivo, integrando-se à obra didática.
Em princípio, qualquer gênero pode ser introduzido na estrutura
do romance, e de fato é muito difícil encontrar um gênero que não
tenha sido alguma vez incluído num romance por algum autor. Os
gêneros introduzidos no romance conservam habitualmente a
sua elasticidade estrutural, a sua autonomia e a sua
originalidade lingüística e estilística (BAKHTIN, 1934-35/1975,
p. 124) [grifo nosso].
Segundo Bakhtin (1934-35/1975), o conceito de plurilinguismo está
relacionado à entrada dos gêneros intercalados no gênero romance como
também à diversidade linguística presente nas diferentes esferas e que são
levadas ao romance. Para compreendermos estas duas categorias de análise,
que nos foram dadas pelo nosso objeto de pesquisa, apresentamos,
primeiramente, o conceito de plurilinguismo e, posteriormente, o de gêneros
intercalados.
Para Bakhtin (1934-35/1975, pp. 74-75),
O romance é uma diversidade social de linguagens
organizadas artisticamente, às vezes de línguas e de vozes
individuais. A estratificação interna de uma língua nacional única
em dialetos sociais, maneirismos de grupos, jargões profissionais,
linguagens de gêneros, fala das gerações, das idades, das
tendências, das autoridades, dos círculos e das modas
passageiras, das linguagens de certos dias e mesmo de certas
horas (cada dia tem sua palavra de ordem, seu vocabulário, seus
acentos), enfim, toda estratificação interna de cada língua em
cada momento dado de sua existência histórica constitui
premissa indispensável do gênero romanesco. E é graças a
este plurilingüismo social e ao crescimento em seu solo de
vozes diferentes que o romance orquestra todos os seus
temas, todo seu mundo objetal, semântico, figurativo e
expressivo. O discurso do autor, os discursos dos
narradores, os gêneros intercalados, os discursos das
personagens não passam de unidades básicas de
composição com a ajuda das quais o plurilingüismo se
introduz no romance. [grifo nosso]
140
Considerando
o
conceito
empreendido
por
Bakhtin
acerca
do
plurilinguismo, afirmamos que as atividades 01 e 02 constituem-se como exemplo
para explorarmos esse conceito-chave da teoria bakhtiniana para o romance.
Salientamos ainda que o romance e o LDP são gêneros distintos. Mas é possível
tomar essa categoria de análise desenvolvida por Bakhtin para o romance, na
medida em que observamos que há semelhanças nos objetos — romance e livro
didático de Língua Portuguesa. A nosso ver, podemos aplicar essa categoria
porque o LDP também é um exemplo de gênero intercalado assim como o
romance, pois o livro didático é uma formação de vários gêneros. Esta proposição
fora feita por Bunzen (2005), que se baseou na teoria do romance de Bakhtin
(1934-35/1975).
Segundo
Bakhtin
(1934-35/1975,
p.
124),
os
gêneros
intercalados são “uma das formas mais importantes e substanciais de introdução
e organização do plurilinguismo.”
Sendo assim, os autores têm buscado levar outros gêneros para o LDP a
fim de possibilitar aos seus usuários que eles tenham contato com a diversidade
de registro linguístico que ocorre em nosso país, como também com outros
gêneros pertencentes a diferentes esferas da atividade humana. Nas atividades
01 e 02, em que as variantes linguísticas foram didatizadas, reconhecemos o uso
do gênero discursivo “anúncio”.
Na proposição dos exercícios, observamos que os autores partem das
ocorrências
linguísticas
apresentadas
nos
anúncios
para
inserir
outras
variedades, além da variedade padrão.
Para a atividade 01, o anúncio traz duas variedades: a padrão versus a
regional. Já na atividade 02, há apenas a gíria, variante que está “na dimensão da
idade” (TRAVAGLIA, 1995, p. 46). Segundo Bagno (2002, p. 75),
Uma das tarefas de ensino de língua nas escolas seria, então,
discutir os valores sociais atribuídos a cada variante lingüística,
enfatizando a carga de discriminação que pesa sobre
determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de
que sua produção lingüística, oral ou escrita, estará sempre
sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa.
O discurso autoral presente nas atividades 01 e 02, em certa medida, tenta
trabalhar as variantes numa perspectiva que leve os alunos a terem outro olhar
para sua língua, observando seus diferentes usos em diferentes contextos para,
assim, romper com o discurso da tradição, denominado por Bakhtin (1934141
35/1975) de variedade sócio-ideológica.
Nos enunciados presentes na atividade 02, notamos que os autores
apresentam outras variedades, nesse caso, a variação de registro, em que se
foca a distinção entre língua oral e escrita e grau de formalismo (formal, informal e
coloquial).
Esses dados nos dizem que, ao focalizar outras variedades, o discurso dos
autores contribui pouco ou quase nada para que haja um olhar reflexivo dos
alunos para a questão das variedades linguísticas, uma vez que o objetivo das
atividades foi apenas de localização e classificação das variedades presentes no
anúncio, apesar de os autores fazerem uso de outras estratégias discursivas para
negar esse tipo de procedimento. Observamos isso nos enunciados abaixo.
a) Além da variedade padrão, de que outra variedade lingüística
o anunciante fez uso no anúncio? (Atividade 1)
b) Qual é o modo dessa variedade: oral ou escrito? Justifique
com elementos do texto. (Atividade 2)
c) Quanto ao grau de formalismo, a variedade lingüística
empregada pode ser considerada formal, informal ou coloquial?
(Atividade 2)
Os enunciados destacados evidenciam que há uma tentativa dos autores
em fazer com que os alunos identifiquem e, ao mesmo tempo, tenham uma
atitude reflexiva para com o objeto de ensino transposto para essas questões. Os
alunos são levados a lerem novamente o anúncio para responderem às
perguntas.
Em nosso entendimento e de outros pesquisadores (ROJO, 2007;
BUNZEN, 2005), essa abordagem revela que, no discurso autoral, atuam duas
séries de forças, denominadas por Bakhtin de centrífugas e centrípetas.
As forças centrípetas constituem-se no discurso da tradição, que objetiva a
manutenção de uma única variedade no ensino, neste caso, a padrão. Sobre essa
questão, Bakhtin afirma que “a categoria da linguagem única é uma expressão
teórica dos processos históricos da unificação e da centralização lingüística, das
forças centrípetas da língua” (1934-35/1975, p. 81) [ênfase adicionada]. Já as
forças centrífugas estão presentes no discurso dos documentos oficiais, bem
como, em grande parte, dos discursos pesquisadores, dos professores, dos
autores de LD. Todos querem que haja o reconhecimento de outras variedades,
142
dando a elas a mesma importância quando forem exploradas em uma situação
de ensino. Para Bakhtin (1934-35/1975, p. 82),
[...] ao lado das forças centrípetas caminha o trabalho contínuo
das forças centrífugas da língua, ao lado da centralização
verbo-ideológica e da união caminham ininterruptos os
processos de descentralização e desunificação. [grifo nosso]
Sendo assim, consideramos que os referidos exercícios apenas justificam a
entrada da Sociolinguística no LDP. Isso é, um saber que pertence a essa área de
estudo foi transposto para o livro didático, consequentemente evidenciamos que,
no projeto autoral do LDP1, as variedades linguísticas foram didatizadas.
Em relação aos gêneros presentes nas atividades de análise linguística do
LDP1, observarmos que são tomados como meio para se trabalhar tão somente
tópicos gramaticais, precisamente no capítulo Língua: uso e reflexão.
.A respeito do ensino de Língua Portuguesa, os PCNEM (1999, p. 45)
trazem como orientação que os alunos devam ser levados a compreender os
usos da língua e os diferentes contextos de produção: “Compreender e usar a
Língua Portuguesa como língua materna, geradora de significação e
integradora da organização do mundo e da própria identidade” [grifo dos
autores].
A nosso ver, os autores-criadores, ao didatizarem esse saber linguístico,
estão procurando seguir essa orientação dos PCNEM e, ao mesmo tempo,
responder às ideias postas em seu projeto autoral. Entretanto isso não é
assegurado plenamente nas atividades, em virtude do que foi exposto.
Tudo isso nos permite dizer que, nessas atividades, o terceiro conceito de
dialogismo se faz presente, na medida em que os autores trazem para seu LDP
dois objetos de ensino: gênero discursivo e variedade linguística, que, até certo
período, não tinham espaço nos materiais didáticos. Isso é, a apreciação
valorativa dada pelos autores é uma resposta às discussões ocorridas na esfera
acadêmica por meio de seus eventos (palestras, seminários, artigos, resenhas,
pesquisas etc.); às ideias difundidas nos documentos oficiais (PCNEM, PNLEM);
aos próprios questionamentos dos autores. Essa compreensão ativa e responsiva
demonstra que os autores acreditam que eses objetos de ensino podem, de
algum modo, ressignificar o ensino de língua materna. Disso, concluímos que as
respostas evidenciam a reflexão dos autores, e a concordância ideológica com a
143
vozes sociais, o refratar, isto é, os autores, ao assumirem essas vozes, refletem
essas contribuições de acordo com aquilo que eles acreditam ser viável em seu
material didático.
4.3.1.3 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise
linguística: Plural dos substantivos e dos adjetivos compostos
Em outra seção, do capítulo 1, cuja denominação é Para compreender o
funcionamento da língua, há outro conhecimento linguístico explorado pelos
autores – plural dos substantivos e dos adjetivos compostos. Em relação às
atividades propostas sobre esse objeto de ensino, verificamos que a abordagem
foge daquilo que havia sido apresentado nas primeiras atividades do capítulo.
Os autores-criadores desconstroem o ensino reflexivo e apresentam aos
seus leitores um enfoque tradicional, conforme a sequência de exercícios
mostrados a seguir.
144
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo: Atual, 2003, p. 23
145
Nos enunciados dos exercícios anteriores, verificamos que, mais uma vez,
os autores buscam procedimentos linguísticos que não identifiquem uma
abordagem tradicional na proposição das atividades referentes ao objeto de
ensino priorizado nessa seção:
1. Suponha que você tivesse que empregar no plural os
substantivos e adjetivos a seguir. Como ficariam?
2. Como ficariam os seguintes adjetivos compostos no plural?
3. Forme os adjetivos pátrios compostos para os seguintes
substantivos.
Nos dois primeiros enunciados, destacamos que os autores, apesar de
tentarem um viés diferente para abordar a questão gramatical, ainda mantém
uma abordagem textual e normativa para a questão do plural dos substantivos e
adjetivos. Os autores, para fugirem da visão tradicional, fazem uso do período
subordinado (exercício 1), em que o modo subjuntivo colabora para que o
enunciado não remonte aos exercícios estruturais.
Entretanto o formato dos
exercícios põe em evidência uma prática bastante antiga, cujo verbo era bastante
presente nesse tipo de atividade “Passar”, cujo enunciado pode ser retomado
assim: “Passe para o plural os substantivos e adjetivos”. Sendo assim, há apenas
uma roupagem nova para uma velha prática.
O enunciado do exercício 3 reafirma nosso ponto de vista, embora os
autores tenham buscado outro verbo, neste caso, “Formar”. Mais uma vez,
podemos dizer que as forças sociais podem ser inferidas nos enunciados dos
exercícios. A força centrífuga é a voz da mudança, da inovação e a força
centrípeta é a voz da tradição.
Os autores inserem seu discurso, sua voz, num formato que esteja próximo
da concepção sociointeracionista da língua, por meio da estratégia linguísticotextual. Contudo a estrutura dos exercícios refuta toda essa concepção, pois
neles não se consegue apagar a postura conservadora quantas às questões
gramaticais.
A reformulação dada a essa voz tradicional indica que houve um
movimento dialógico, os autores dão às atividades uma apreciação diferente,
buscam romper com a voz da tradição que reflete na sua vida autoral.
Inferimos disso que os autores têm responsabilidade frente ao papel social
que desempenham, pois devem se pautar no que está sendo discutido/posto no
146
cenário educacional atual, pois, a nosso ver, eles, através de sua obra didática e
através do amplo alcance dela, auxiliam na promoção de uma formação cidadã.
Percebemos que os autores-criadores têm uma tarefa árdua em relação à
didatização dos objetos de ensino que sempre tiveram uma abordagem
tradicional. Compreender os caminhos teóricos e transpô-los para um material
didático exige deles uma alteração em suas concepções de língua(gem) como
também encontrar caminhos para uma didatização satisfatória, tendo em vista
que a prática de análise linguística está articulada com outros módulos de ensino,
leitura e produção de texto.
4.3.2 Compreendendo as seções do LDP2 destinadas à reflexão linguística
O discurso do autor é bastante incisivo quanto à concepção de língua(gem)
assumida em seu livro didático. No trecho a seguir, observamos discurso
favorável ao trabalho reflexivo com a linguagem, envolvendo diversos módulos de
ensino: conhecimento linguístico (relação fala/escrita) e leitura. Além disso,
objetiva-se fazer com que os alunos tenham um olhar reflexivo para a linguagem.
Para isso, é preciso evidenciar a questão social durante a exposição desses
saberes linguísticos.
Entendemos que não cabe ao ensino de português concentrar-se
exclusivamente numa dimensão prática, ou seja, oferecer aos/às
alunas o domínio das atividades sociointeracionais de fala, de
leitura, de escrita. Junto com esse importante trabalho, é
necessário realizar sempre uma ação reflexiva sobre a própria
linguagem, integrando as práticas socioverbais e o pensar
sobre elas.
(FARACO, 2003, p. 12) [grifo nosso]
Essa voz que estimula a reflexão sobre a linguagem é encontrada também
nos PCNEM (1999, pp. 15-16):
No mundo contemporâneo, marcado pelo apelo informativo
imediato, a reflexão sobre as linguagens e seus sistemas, que
se mostram articulados por múltiplos códigos, e sobre os
processos e procedimentos comunicativos é mais do que
uma necessidade, é uma garantia de participação ativa na
vida social, a cidadania desejada. [grifo nosso]
Em nosso entendimento, o discurso do autor-criador é uma resposta a
147
essas orientações dos PCNEM. Isso é feito de forma sutil, a fim de garantir um
discurso homogêneo.
Acreditamos que a concepção de língua assumida pelo autor está bem
posta no MP, na medida que ele reflete e refrata as orientações dos documentos,
já que delimitou de forma clara sua concepção não deixando dúvidas para seus
interlocutores. Tentaremos verificar se essa concepção se realiza na parte dos
exercícios e dos textos explicativos concernentes à análise linguística.
Conforme os dados preliminares de nossa tabela, localizada na página
119, o autor adotou uma abordagem descritiva para a apresentação dos
conteúdos teóricos da Gramática e notamos que essa abordagem não se
operacionalizou de forma contínua nas atividades linguísticas propostas para o
conteúdo explorado no capítulo e nas respectivas seções.
Esse dado nos revela que o autor não desconstruiu, plenamente, a
abordagem tradicional. Talvez a refutação não tenha se dado completamente,
porque seu discurso está atravessado pelo discurso da tradição, que subjaz às
práticas pedagógicas de uma grande parcela dos professores, os quais entendem
que os exercícios estruturais permitem que haja fixação e assimilação dos
conteúdos trabalhados nas unidades didáticas.
Bakhtin (1970-1971, p. 383) nos diz que “o eu se esconde no outro e nos
outros, quer ser apenas outro para os outros, entrar até o fim no mundo dos
outros como outro, livrar-se do fardo do eu único (eu-para-si) no mundo.” É nessa
composição de imagem que o autor-criador se vê. O eu-criador não quer ser uma
voz solitária, pois ele quer dialogar com outros (por exemplo, professores) a fim
de ser também um outro que está ligado a sua realidade e que se solidariza com
sua prática pedagógica, mas não de forma espontânea.
Como bem já salientamos, o discurso autoral está inserido em um contexto
mercadológico, isso é, suas relações dialógicas se fazem para atender, em boa
medida, os critérios de avaliação do PNLEM, as orientações dos documentos
oficiais bem como o contrato de trabalho que autor tem com a editora, pois se
deve seguir o projeto autoral que fora discutido e acertado com o editor.
O projeto autoral do livro busca articular os diferentes módulos de ensino
em cada capítulo. Segundo o autor,
Em vários desses capítulos, além de fornecer meios para o/a
estudante perceber as especificidades de cada tipo de texto e de
148
analisar seu conteúdo e estrutura, aproveitamos para
desenvolver, a partir daquilo que ocorre nos textos, um estudo
intuitivo de fenômenos lingüísticos (na seção De olho na
língua) e de aspectos da grafia (na seção Observando aspectos
gráficos).
(FARACO, 2003, p. 12) [grifo nosso]
No fragmento anterior, notamos que a aplicação do conhecimento
linguístico é realizada via exploração da diversidade textual, Em cada capítulo,
inferimos que há uma tentativa de trabalhar diferentes tipos de textos.
Ao fazer uso desta expressão “fornecer meios”, os alunos serão levados a
compreenderem e apreenderem os elementos constitutivos dos textos por meio
de estratégias didáticas. A principal estratégia empregada ao longo do livro é
elaborar questões de compreensão que direcionem o olhar dos alunos para o foco
que o autor quer naquele momento. No exemplo abaixo, o autor explora o eixo
temático da crônica Mar de Rubem Braga:
1. Observe que o texto de Rubem Braga trata de um grande
tema (a relação do autor com o mar) e pode claramente
ser dividido em três subtemas. Identifique esses
subtemas.
2. Na construção do terceiro e do quarto parágrafos, o autor
se utiliza do recurso da repetição. No terceiro, ele organiza
suas sentenças de forma muito semelhante (diríamos que
há um certo paralelismo entre elas); no quarto, ele repete
várias vezes a palavra-chave do texto. Como poderíamos
justificar essas escolhas composicionais do autor,
considerando o todo do texto?
(idem, ibidem) [grifo nosso]
Quanto ao conhecimento linguístico, o autor disse que “aproveitará” o texto
para trabalhar as questões gramaticais. Esse verbo denota que o texto será base
para a exploração dos conteúdos previstos no livro. Isso é defendido por ele,
quando diz que “o objeto linguístico central em todos os capítulos é o texto. E isso
porque é por meio dele que as práticas sociointeracionais se concretizam, dando
vida efetiva à linguagem” (idem, p.16).
Desse enunciado, podemos tirar duas conclusões. A primeira é reconher
que o autor, após estudo e compreensão do que já foi escrito e/ou proferido pelos
estudiosos da linguagem, acredita que a sua concepção de língua e sua proposta
teórico-metodológica seja uma das saídas para o ensino da língua materna. A
segunda é dizer que o autor-contemplador se faz presente nessas escolhas do
149
autor-criador.
Esse discurso autoral revozea às ideias preconizadas pelos PCNEM,
quando afirmam que
A unidade básica da linguagem verbal é o texto, compreendendo
como a fala e o discurso que se produz, e a função comunicativa,
o principal eixo de sua atualização e a razão do ato lingüístico.
[...]
O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social
e cultura, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre
os interlocutores que o produzem e entre os outros textos que o
compõem. (PCNEM, 1999, p. 38)
Os discursos de outrem que são evidenciados em nossa análise mostram
que, conforme as ideias de Bakhtin, acerca do outro em nossos enunciados, isso
é inerente à nossa constituição enquanto sujeitos do discurso.
Brait (2006, p. 60) afirma que
Ao apropriar-se de um tema um autor vai trabalhá-lo de acordo
com a sua atividade, com a esfera de produção em que está
inserido, dialogando com outros autores, atividades e discursos,
da mesma época ou de tempos e espaços diferentes.
Quando descrevemos o LDP2 no capítulo de metodologia, dissemos que o
autor busca um ensino “intuitivo”, conforme as informações do MP, mas isso não
se efetiva por inteiro, pois os exercícios não estão de acordo com a proposta
desenvolvida ao longo da explanação teórica acerca dos conteúdos gramaticais
segundo os dados da nossa tabela.
Em outro momento, o autor-criador diz:
Os temas tratados intuitivamente nessas seções recebem, nos
capítulos do Almanaque Gramatical (para os temas da língua) e
nos Apêndices (para os temas de grafia), uma abordagem mais
sistematizada. Como dissemos antes, é importante integrar as
duas abordagens (intuitiva e sistematizada). No entanto, não há
aqui uma regra infalível: cabe ao/à professor/a determinar
momento para isso e o modo de fazê-lo, conforme vai se
desdobrando a programação das séries.
(FARACO, idem, ibidem) [grifo nosso]
Do discurso ecoado acima, depreendemos que o autor-criador não nega a
normatização,
apesar
dele
se
filiar
à
concepção
de
língua(gem)
sociointeracionista. A abordagem sistematizada é reforçada no projeto autoral
apresentado pelo livro do aluno. Nas seções Almanaque gramatical e Guia
Normativo, a normatização é defendida. Nos trechos a seguir, isso está explícito:
150
Almanaque gramatical
O objetivo deste bloco é apresentar sistematicamente
tópicos da gramática do português.
Na entrada dos respectivos capítulos, apresentaremos
as bases conceituais do Almanaque. Aqui, basta dizer que um
capítulo trata do léxico; outro, da classificação das palavras; e os
dois últimos, da sintaxe da sentença simples e das sentenças
complexas.
(FARACO, 2003, p. 12) [grifo nosso]
Guia Normativo
Destinamos dois capítulos para tratar de quatro
grandes temas relacionados com as características da língua
padrão. Você vai notar — caro/a professor/a — que investimos
bastante numa discussão gramatical e uma discussão normativa.
(FARACO, 2003, p. 12) [grifo nosso]
Retomando a discussão por nós instaurada acerca da mescla de
abordagem (intuitiva e sistematizada), o autor-criador delega ao professor o poder
de decidir em que momento optará por uma das vertentes e como fará isso.
Nesse sentido, podemos inferir também que as forças centrífugas e centrípetas
estão perpassando o discurso autoral.
Ao evidenciarmos mais uma vez as forças sociais, cabe-nos dizer que os
LDP são “um produto de consumo [que pode] ser transformado em um signo
ideológico” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 32).
Em nosso entendimento, o LDP é signo ideológico que reflete e refrata as
diferentes realidades com as quais ele dialoga. Segundo Bakhtin/Volochinov
(idem, ibidem),
Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto
é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio
do ideológico coincide com o domínio dos signos: são
mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra,
encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui
um valor semiótico.
Para os pensadores russos, a ideologia é o produto da realidade (natural
ou social), em que o movimento de reflexão e refratação dá-se a partir de outra
realidade. Por isso afirmamos que o LDP é um produto ideológico na medida que
ele, ao longo dos séculos, sofreu várias modificações a fim de estabelecer contato
com as diferentes concepções de língua(gem) que circunscrevem o ensino de
língua materna.
A outra seção denomina-se A Enciclopédia da linguagem que objetiva uma
151
abordagem inovadora no tratamento linguístico, a fim de solidificar o propósito do
projeto autoral “reflexão sobre a linguagem”.
Notamos que o discurso empreendido pelas seções orienta a explorar ora
o ensino reflexivo, ora o metalinguístico. Fato recorrente ao longo das atividades.
Cabe-nos ainda comentar sobre as palavras Almanaque, Guia e
Enciclopédia. Cada uma dessas palavras denota um sentido particular e nos
permite que façamos alguns questionamentos acerca da escolha dessas e não de
outras para nomear as seções em que se enfocará o ensino sistematizado.
Segundo o Dicionário Houaiss (2001), Almanaque, Guia e Enciclopédia têm estas
acepções:
Almanaque s.m. 1. calendário com os dias e os meses do ano, os
feriados, as luas, as festas etc.; folhinha 2. folheto ou livro que,
além do calendário do ano, traz diversas indicações úteis,
poesia, trechos literários, anedotas, curiosidades etc. (p. 161)
Enciclopédia s.f. 1. conjunto de todos os conhecimentos humanos
2. obra que reúne todos os conhecimentos humanos ou apenas
um domínio deles e os expõe de maneira ordenada, metódica,
seguindo um critério de apresentação alfabético ou temático 3. p.
ext. obra que reúne considerável soma de conhecimentos.
(p.1136)
Guia s.m. 21. livro, manual, publicação contendo instruções,
ensinamentos, conselhos de diversas naturezas (p. 1496).
As três acepções mantêm semelhanças quanto ao propósito, quer dizer,
são publicações em que haverá informações importantes para o usuário do livro
didático.
Almanaque Gramatical é constituído por quatro capítulos, em que os
objetos de ensino estão relacionados à Morfologia e à Sintaxe. O autor nomeia os
capítulos diferentemente dos autores-criadores do LDP1, mas os objetos de
ensino continuam os mesmos, conforme a tabela a seguir:
152
Tabela 4 Objetos de ensino pertencentes à Morfologia e à Sintaxe no LDP2
Capítulo
Título do Capítulo
Objeto de Ensino
Capítulo 18
Palavras, palavras, palavras: o léxico da Formação de palavras
língua
Capítulo 19
Classificando as palavras
Classes de palavras
Capítulo 20
Construindo sentenças simples
Predicado (verbal, nominal); elipse
(sujeito det. desin.); circunstâncias (Adj.
Adv.)
Capítulo 21
Construindo sentenças complexas
Coordenação
e
Subordinação;
Estruturas
complexas
sinônimas
(aspecto semântico)
O autor-criador nos afirma que, nessa seção, o objetivo é falar de assuntos
relacionados à “gramática do português”. A voz que ressoa aqui é aquela que não
recusa a norma, pois não se pode desconsiderá-la em virtude das forças
centrípetas que ainda fazem parte do contexto de produção e circulação de uma
obra didática. Assim a elaboração de um livro didático está presa a determinadas
forças atuantes em nosso meio social. Para Bakhtin/Volochinov (1929, p. 33),
“Cada signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas
também um fragmento material dessa realidade.”
O linguista Britto (1997, p. 253) nos propõe a seguinte reflexão:
Os livros didáticos funcionariam, então, como antenas da
sociedade, incorporando para si a tarefa de estabelecer uma
ponte entre as instâncias produtoras do conhecimento e o
processo pedagógico, sistematizando e didatizando os saberes
que a cada momento histórico se definem como necessários.
Numa perspectiva ingênua, seus conteúdos manifestariam uma
espécie de consenso social daquilo que todo cidadão deve saber.
Para a seção Enciclopédia da linguagem, foram destinados cinco capítulos,
conforme os dados da tabela.
Tabela 5 Objetos de ensino destinados à reflexão sobre a língua(gem) no LDP2
Capítulo
Título do Capítulo
Objeto de Ensino
Capítulo 8
Linguagem e linguagens
Linguagem
Capítulo 9
A origem da linguagem
Linguagem
Capítulo 10
A complexidade das línguas
Língua
Capítulo 11
A flexibilidade das línguas
Língua
Capítulo 12
A variação lingüística
Variação lingüística
A seção denominada de Enciclopédia, cuja significação atribuída pelo
dicionário é um livro de consulta sobre uma área do conhecimento, tem por
153
objetivo propor discussão acerca da dicotomia língua x linguagem e inserir nessas
discussões a variedade linguística, o que, segundo o autor, é uma abordagem
inovadora. Se pensarmos no significado, a idéia é interessante e poderia ter um
melhor resultado, se houvesse um diálogo com as demais seções.
Esses objetos de ensino nos revelam que o plurilinguismo também faz
parte deste discurso autoral. Como se vê, a questão da diversidade linguística é
também explorada no LDP2. Se compararmos a didatização deste objeto de
ensino em relação ao LDP1, notaremos que, no LDP2, o tratamento didático dado
a questão da variedade, para nós, é diferente e se realiza numa proposta que
busca que os alunos reflitam acerca da diversidade linguística.
Este projeto autoral difere do projeto do LDP1, por apresentar temas
recorrentes da área da linguística, bem fundamentados. Segundo os pareceristas,
Mais do que um livro didático, trata-se de uma obra que traz uma
proposta cientificamente embasada de estudos da linguagem. Há
uma seleção de temas, teóricos e normativos, relevantes — e,
portanto, úteis — para o uso efetivo da língua, preenchendo-se
uma antiga lacuna entre o conhecimento linguístico produzido na
universidade e o aplicado pela escola no ensino de língua
portuguesa (Catálogo do PNLEM, 2004, p. 54).
Em Guia Normativo, há dois capítulos denominados Tópicos de língua
Padrão, cujos objetos de ensino didatizados são: concordância verbal; uso do
infinitivo flexionado; conjugação dos verbos, regência verbal; uso dos pronomes
pessoais e possessivos (capítulo 23). Levando em consideração a afirmação feita
pelo autor-criador para esta seção, julgamos que alguns conteúdos presentes
nesta seção e na seção Almanaque Gramatical pertencem à língua padrão, não
se pode dizer, assim, que somente os objetos de ensino presentes na seção Guia
Normativo caracterizam a língua padrão.
As considerações feitas por nós evidenciam a tensão de que falamos no
início deste capítulo, pois, em nossa investigação, temos observado que os
autores-criadores estão divididos, porque de um lado está a tradição gramatical,
de outro, estão as influências da linguística e as novas proposições para se
abordar os conhecimentos linguísticos. Aqui, também as forças centrífugas e
centrípetas se fazem presentes.
O projeto autoral é inovador, no sentido em que se percebe um diálogo
direto e indireto com as outras vozes sociais (documentos oficiais, pesquisas
154
acadêmicas correntes acerca de ensino-aprendizagem da língua materna),
demonstrando as forças centrífugas. E as forças centrípetas são visualizadas nos
exercícios, apesar da proposta do autor estar baseada na gramática descritiva.
Essas duas vozes dialogam constantemente com o autor-criador.
Analogamente tomamos para nosso objeto de pesquisa o pensamento
bakhtiniano elaborado para a obra artística. Segundo Bakhtin (1922-1924, p. 183),
No todo do artístico há dois poderes e duas ordens criadas por
esses poderes, as quais se condicionam mutuamente; cada
elemento é determinado em dois sistemas de valores e em
cada momento esses dois sistemas de valores se encontram
numa inter-relação semântica essencial e tensa — é um par
de forças que criam o peso axiológico de acontecimento de
cada elemento e do todo. [grifo nosso]
A seguir, apresentamos dois capítulos em que se explora o conhecimento
linguístico.
A primeira atividade proposta no capítulo 1, intitulado Histórias que a vida
conta, apresenta duas seções didáticas — De olho na língua e Observando
aspectos gráficos. No capítulo 19, Classificando as palavras, pertence à seção
Almanaque Gramatical (2), cujos conteúdos gramaticais não são focados em
seções específicas.
O projeto autoral deste livro é diferente do estilo didático do LDP1. Isso
pode ser visto na distribuição dos módulos de ensino previstos para o Ensino
Médio. O autor-criador optou por abordá-los ao longo da obra didática,
diferentemente do LDP1, em que cada módulo tem sua seção específica e a
fragmentação é mais perceptível aos usuários do livro, conforme os dados de
nossa tabela.
4.3.2.1 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise
linguística: Enumerações e uso do verbo haver.
A primeira seção De olho na língua objetiva a reflexão sobre a língua. Os
conhecimentos linguísticos explorados nela são as enumerações e o uso do verbo
haver. Estes são introduzidos a partir de trechos selecionados de textos
trabalhados anteriormente no capítulo.
Primeiramente, essas considerações iniciais acerca da seção podem ser
visualizadas nas próximas páginas:
155
FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino Médio. v. único. Curitiba: Base Editora, 2003, p.17.
156
FARACO, C.A. Português: língua e cultura. Ensino Médio. v. único. Curitiba: Base Editora, 2003, p.18
157
FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino Médio. v único. Curitiba: Base Editora, 2003, p.19
158
Conforme os dados de nossa tabela, a abordagem proposta é a descritiva,
em que os alunos são levados a observarem um determinado uso linguístico em
uma dada situação, para em seguida, responderem a uma atividade a fim de fixar
os conhecimentos linguísticos explorados.
Localize alguns outros exemplos em cada um dos textos e
compare as diferentes maneiras que os autores usaram para
apresentar suas enumerações. Em seguida, discuta com os/as
colegas e com o/a professor/a a função das enumerações num
texto.
Diante desses exemplos de uso do verbo haver, o que dizer
quanto a seu funcionamento na nossa língua?
Aplique esse princípio completando as sentenças abaixo com
uma forma do verbo haver.
Na mesma seção, há oscilação quanto à abordagem do conteúdo. Na
primeira atividade, pede-se aos alunos que eles “localizem” e depois “discutam” e,
na segunda, “expliquem” o fato linguístico e, em seguida, completem. Os verbos
“localizar” e “completar” indicam que o desenvolvimento da atividade é de fixação,
isto é, a reflexão posta é a metalinguística.
Já os verbos discutir e dizer contrapõem essa reflexão. O ideal objetivado é
despertar no alunado um procedimento investigativo, fazer com que ele busque
explicações e compreenda o fato linguístico.
Para os conteúdos gramaticais, enumerações e verbo haver, não houve a
proposição de exercícios após a abordagem teórica. Isso ficou restrito apenas
durante o estudo dos conteúdos.
4.3.2.2 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise
linguística: Sinais de pontuação
O mesmo estilo didático apontado na subseção anterior foi empregado na
didatização dos conteúdos explorados na seção Observando aspectos gráficos.
Após uma breve explicação sobre a seção, são apresentados os sinais de
pontuação: reticências, dois-pontos e parênteses. Nas três atividades, o autorcriador apenas propõe atividades reflexivas:
Para começar, volte ao texto de Rubem Braga e observe que ele
usa reticências (...) várias vezes. Procure perceber intuitivamente
159
a função deles no texto e formule um princípio que dê conta de
seu uso.
Observe, agora, a seguintes construções retiradas do texto de
Cecília Meireles.
Nessas construções, a autora faz uso dos dois-pontos (:). O que
este sinal de pontuação está “anunciando”?
Os parênteses e os travessões podem ser sinais de pontuação
equivalentes (podemos optar por usar uns ou outros). Observe os
exemplos retirados da crônica de Carlos Drummond de Andrade e
descreva a função desses sinais de pontuação (o que eles
sinalizam no texto?).
Nos três enunciados, repete-se o verbo “observar”. Ao fazer uso desse
elemento linguístico, o autor-criador está estabelecendo conexões com a
gramática descritiva, que, num primeiro momento, observa para depois descrever
o fenômeno da língua. Entendemos que esta proposta tem por finalidade um
trabalho diferente para o ensino dos conceitos gramaticais. Aliás, somente nessa
seção, conseguimos visualizar a abordagem reflexiva.
Consideramos que a didatização dos conteúdos e sua abordagem está em
consonância com a voz de Perini (1995, p. 31). Segundo o linguista,
O estudo da gramática pode ser um instrumento para exercitar o
raciocínio e a observação; pode dar a oportunidade de formular
e testar hipóteses; e pode levar à descoberta de fatias dessa
admirável e complexa estrutura que é uma língua natural. [grifo
nosso]
O ponto de vista de Perini é seguido pelo autor-criador do LDP2, pois os
verbos destacados anteriormente mostram que existe preocupação do autor em
fazer com que os alunos construam seu saber linguístico por meio de
investigação e formulação de hipóteses para o fenômeno linguístico estudado.
Apesar de reconhecermos a voz de Perini no discurso autoral nas atividades,S
nas referências, seu nome não aparece. Como dissemos anteriormente, este
discurso não dialoga explicitamente com os outros autores, que trataram da
temática empreitada pelo autor.
Esse
procedimento
na
transposição
do
conteúdo
gramatical
é
interessante, embora saibamos que não há novidade nesse tratamento didático,
pois, nos últimos anos, os autores de livros didáticos têm feito isso. Isto é,
apropriar-se de um texto/gênero discursivo a fim de trabalhar algum conteúdo
gramatical e são poucos os que trabalham na perspectiva assumida em seus
160
respectivos Manuais do Professor, pois há uma grande parte de obras didáticas
que usa o texto apenas como pretexto para o ensino de tópicos gramaticais.
Essa lacuna indica a atuação das forças sociais, como bem afirmamos
anteriormente.
4.3.2.3 Compreendendo o discurso autoral nas atividades de análise
linguística: Verbos e Transitividade verbal
A segunda atividade a ser analisada pertence ao capítulo 19 Classificando
as palavras, cujo conteúdo pertence à seção Almanaque Gramatical.
161
FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino Médio. v único. Curitiba: Base Editora, 2003, p. 288
162
Numa primeira leitura, diríamos que todos os exercícios têm uma
abordagem reflexiva, devido à escolha lexical que compõe os enunciados das três
atividades propostas:
1. Lembrando que o infinitivo é a forma verbal que usamos para
designar o conjunto das demais formas de um verbo, diga a que
verbo pertencem as seguintes formas: meço, faria, puderam,
pusesse, teve, manteve, veio, intervalo, coubesse, trouxe, éramos
diríamos, puser, repuser;
[ênfase do autor]
2. Como dissemos acima, um verbo pode pertencer a mais de
uma subclasse52. Em pequenos grupos, consultem, no dicionário,
os verbetes correspondentes aos verbos beber, lavar, partir,
pintar, fazendo um levantamento das subclassificações de cada
um deles.
Havendo alguma classificação diferente daquelas que vimos aqui,
tentem deduzir seu significado do(s) exemplos(s) dado(s) pelo
próprio dicionário. Depois, discutam os resultados com toda a
turma.
[ênfase do autor]
3. Vamos, agora, fazer uma visita à gramática. Novamente em
pequenos grupos, localizem o capítulo que trata dos verbos. Em
seguida, consultem os quadros das conjugações para observar
como as formas são distribuídas em termos de pessoa, número,
tempo e modo. Por fim, digam a forma que corresponde a cada
uma das seguintes descrições.
Os enunciados mantêm um tom intimista com os alunos, como se
estivessem conversando face a face, comentando cada atividade proposta. Esse
tom é assegurado por estes verbos — “lembrando”, “usamos”, “dissemos”,
“vamos fazer”.
Além disso, destacamos que os exercícios deste capítulo assemelham-se
ao que foi apresentado anteriormente, pois o conceito gramatical trabalhado é
revisto por meio de atividades investigativas, procurando desenvolver nos alunos
um olhar reflexivo para os fenômenos linguísticos destacados em cada atividade,
como bem apontam estas marcas discursivas — “consultem”, “fazendo
levantamento”, “tentem deduzir”, “discutam”.
Em relação a estas marcas “digam” e “localizem”, afirmamos que uma
indica um direcionamento metalinguístico, enquanto a outra, reflexivo. Na análise
do LDP1, dissemos que a forma como o enunciado foi elaborado era suficiente
52
A terminologia subclasse refere-se à transitividade do verbo.
163
para afirmamos que o verbo “localizar” estava posto implicitamente. Na atividade
03, ele está explícito e sua função não se restringe a encontrar o fenômeno
linguístico, mas sim a dar continuidade a um olhar reflexivo que está sendo
desenvolvido pelo autor-criador.
Já o verbo “dizer” denota um tom metalinguístico, pois os alunos deverão,
na primeira atividade, classificar os verbos e, na terceira, observar os fenômenos
linguísticos e classificar.
Ainda sobre os enunciados anteriores, queremos registrar que o
conhecimento linguístico estudado anteriormente é retomado por meio de um
discurso obscuro, isto é, os alunos teriam certa dificuldade para desenvolver a
atividade 1, devido à maneira como ela está redigida.
No enunciado da atividade 1, não fica claro para os alunos o que se pede
para eles fazerem: “diga a que verbo pertencem as seguintes formas”, por sua
vez, a parte teórica não auxiliaria os alunos, pois não existe o mesmo enfoque.
Na atividade 2, o autor-criador fez uso da palavra “subclasse”, para referirse à transitividade dos verbos. Essa palavra não é usual para os alunos, pois no
Ensino Fundamental, empregava-se “transitividade”.
Outro enunciado que nos chama atenção é “Vamos, agora, fazer uma visita
à gramática.” Inferimos, desta proposição, que tudo que é estudado pelos alunos
não está posto de forma prescritiva como em uma gramática, e cabe, nesse
momento, “visitá-la”. A abordagem sistematizada é necessária, a nosso ver, para
que os alunos observem como se dão as conjugações dos verbos para os
diferentes modos e tempos verbais, e como a estrutura do verbo fica, à medida
que se muda o tempo e o modo verbal.
Por tudo isso, dizemos que a abordagem dessas atividades é mesclada,
pois a reflexão posta oscila entre a metalinguística e a reflexiva.
Conforme já dissemos, é a relação tensa que circunscreve as obras
didáticas analisadas por nós, pois a voz da tradição gramatical ainda se faz
presente. Negá-la ao extremo é desconsiderar todo um saber gramatical que fora
estudado e prescrito. A grande inquietação está em como fazer uso desse
discurso em uma abordagem sociointeracionista.
Os documentos oficiais apregoam que o ensino de Língua Portuguesa
deva ser pensado por esse viés teórico e por outros, embora não exista ainda um
modelo didático que dê conta dessa abordagem.
164
Todos os dados aqui levantados nos mostram que
as orientações
dadas nos Manuais do Professor, em boa medida, não se operacionalizam por
completo no livro do aluno, tendo em vista a tensão vivenciada pelos autorescriadores durante a didatização dos conteúdos gramaticais.
Em relação ao nosso propósito maior, o discurso autoral está constituído
por uma variedade de autores-contempladores, em que o autor-herói sofre
diferentes apreciações valorativas por parte do seu autor-criador.
Bakhtin (1970, p. 364) nos diz que “o autor é um prisioneiro de sua época,
de sua atualidade. Os tempos posteriores o libertam dessa prisão, e os estudos
literários têm a incumbência de ajudá-lo nessa libertação.”
Com base nessa afirmação de Bakhtin, acreditamos que os discursos aqui
revozeados nos mostram que o contexto sócio-histórico é determinante para a
produção e circulação dos sentidos tanto pela “autora-pesquisadora” quanto pelos
autores-criadores das obras didáticas.
165
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva enunciativo-discursiva do Círculo de Bakhtin assumida em
nosso trabalho nos levou a analisar as condições concretas de realização de
enunciados e as formas assumidas por estes. Em virtude disso, pudemos verificar
as relações sociais entre a realização dos enunciados produzidos na esfera
editorial e aqueles que são ditos na esfera oficial e escolar.
Considerando que uma das funções principais da esfera escolar é a
atividade de ensinar e esta é realizada por intermédio de inúmeros gêneros
discursivos, decidimos tomar como objeto de pesquisa o gênero LDP.
Esse gênero circula nas aulas da disciplina Língua Portuguesa e, a nosso
ver, é um dos principais artífices do processo de ensino-aprendizagem de língua
materna que, por sua vez, torna-se um objeto de ensino dos participantes de tal
esfera e da disciplina LP. E, por conseguinte, acaba-se por transformar em um
objeto de discurso sujeito a um momento sócio-histórico-ideológico e às
posteriores avaliações apreciativas sobre os objetos de ensino e discurso.
Por isso, nos capítulos I e II, ao assumirmos que o LDP é um gênero e um
objeto de discurso, acabamos, em nossa análise, por compreendê-lo como um
objeto carregado de discursos tensos, dissonantes em torno do ensino de Língua
Portuguesa, precisamente a análise lingüística (objeto de ensino).
Os discursos dos autores talvez sejam os que mais sofrem influências,
pois, nos seus projetos autorais, observamos que buscam responder aos
enunciados proferidos de outras esferas, nesse caso, os interlocutores
pertencentes à esfera federal (os pareceristas do MEC) e, ao mesmo tempo, os
participantes da esfera escolar (professores e alunos). Nesse sentido, ao
buscarmos uma melhor compreensão ativa e responsiva dos discursos autorais
nos LDP, recorremos ao conceito de autoria. E foi desafiador investigar autoria de
um ponto de vista bakhtiniano, pois há poucos trabalhos nesse sentido. A nossa
atitude responsiva para esta temática foi início de uma discussão que não se
166
pretende esgotar nesta pesquisa.
Bakhtin (1970-1971, p. 389) nos fala que “a forma de autoria depende do
gênero do enunciado”. Essa afirmativa pôde ser reconhecida ao longo de nossa
pesquisa, em que os projetos autorais, em boa medida, mostraram-se diferentes
no que tange ao tratamento didático para a análise linguística. E se pensarmos na
autoria no gênero livro didático de Língua Portuguesa, observaremos que cada
autor-criador apresenta um estilo autoral no tocante à didatização dos conteúdos
gramaticais. Dessa forma, cabe a nós discorrer sobre as respostas evidenciadas
durante a análise dos dados para nossas questões de pesquisa.
Queremos dizer, inicialmente, que o segundo objetivo por nós construído
foi elaborado para justificar a segunda questão de pesquisa. Entretanto os dados
de nossa pesquisa nos mostraram que o objetivo e a questão foram a base para a
coleta de nossos dados. Para atingirmos a primeira questão como também seu
objetivo, não tínhamos como não passar por eles, já que constituíram-se como “a
ponte” para chegarmos às nossas conclusões.
Sendo assim, apresentamos, primeiramente, a segunda pergunta de
pesquisa:
2. O livro do aluno coloca em prática as orientações dadas pelo
Manual do Professor em relação à análise linguística?
As orientações dadas pelos autores-criadores nos seus respectivos
manuais não se operacionalizaram plenamente nos livros dos alunos, conforme
os dados apresentados na análise.
Cada Manual do Professor (MP) apresentou um conjunto de informações
que levava seus usuários a ter um olhar reflexivo para língua(gem). Entretanto
esse olhar reflexivo aconteceu de forma incipiente nos livros didáticos.
As atividades de análise linguística, a nosso ver, são tentativas iniciais para
se didatizar os conteúdos gramaticais. Todos os autores-criadores estão
propondo caminhos diversos para abordar o conteúdo gramatical. Ao propor um
caminho, lacunas poderão ser vistas, pois elaborar atividades que estejam em
consonância com o conceito da análise linguística é um trabalho dificílimo, não
obstante todos estão buscando formatos que representem uma atividade em que
a reflexão sobre a linguagem seja vista. Isso pôde ser observado nos projetos
autorais, em que cada enunciado e/ou nome de seção objetivavam um tratamento
167
diferenciado para o ensino da gramática nos livros didáticos.
Sendo assim, os autores, apesar de explicitarem no Manual do Professor
que o ensino da língua pautar-se-á pela prática sociointeracionista discursiva,
ainda elaboram atividades em que a reflexão proposta apresenta-se mesclada,
ora é
transmissiva, ora é metalinguística. Em virtude disso discordamos da
apreciação dada pelos pareceristas ao LDP2. Segundo eles, o
[...] o livro do professor expõe, com clareza e adequação, os
objetivos e a organização da obra, sugerindo algumas formas de
articular as atividades de cada bloco. Além disso, explicita a
concepção de linguagem que adota, seus fundamentos teóricometodológicos e o significado pedagógico da avaliação. (PNLEM,
2004, p. 58)
Em nossa visão, a concepção de língua assumida pelo autor está bem
posta, entretanto não vemos essa concepção sendo realizada na parte dos
exercícios. A defesa para as seções apresentam alguns pontos divergentes, que
acabam por comprometer seu projeto autoral, segundo os dados de nossa análise
do livro do aluno. Ou seja, a proposta de análise linguística não ocorre conforme
o explorado na apresentação dos conteúdos gramaticais, em que havia uma
abordagem intuitiva, apoiada na gramática descritiva. Esse dado nos mostra que
os critérios de avaliação do PNLEM devem apresentar um afinamento nos seus
discursos para que não haja incoerências nas suas afirmações, uma vez que se
parte do pressuposto de que os professores leem as resenhas para fazerem a
escolha do seu livro didático.
Essa mesclagem na abordagem no que se refere à questão gramatical
evidencia que, em nosso meio social, há uma cobrança para se ensinar a
gramática, principalmente nos moldes tradicionais. Aliás, nós vivenciamos isso
em nossa prática, na sala de aula. Os alunos acreditam que as frases
segmentadas é o melhor caminho para se compreender as regras da gramática.
Essa visão para língua deve-se à atuação das forças centrípetas. Elas estão
instauradas em grande parte das salas de aulas, nos discursos dos pais, da
sociedade em geral, que acreditam que o papel da escola é ensinar à gramática.
Romper com essa tradição não é uma tarefa fácil, pois, a partir do momento que
entramos na escola, ela se tornou a voz oficial de nossas falas.
Entendendo que o LDP é um gênero discursivo, apresentamos outra
168
questão de pesquisa, que está subsidiada por esses dados.
Como se constitui o discurso autoral nos livros didáticos de
Língua Portuguesa do Ensino Médio em relação à análise
linguística?
Durante a análise dos dados levantados nas análises dos MP e dos livros
dos alunos, observamos que os discursos autorais nos manuais postulavam uma
concepção de língua(gem) enunciativo-discursivo (LDP1) e sociointeracionista
(LDP2). Ao assumirem tais concepções, a proposta didática era privilegiar um
trabalho reflexivo com a língua(gem).
Entretanto, à medida que analisávamos cada atividade proposta nos
corpora dos dois livros didáticos e cada enunciado nos seus respectivos Manuais
do Professor, isso foi se esvaziando a cada discurso proferido.
O discurso dos autores-criadores revestia-se de uma pluralidade de vozes.
De um lado, os autores buscavam dialogar com as recentes discussões acerca do
ensino de língua materna, bem como com os documentos oficiais (PCNEM,
PNLEM, DCNEM, Edital do PNLEM); de outro, mantinham a voz da tradição em
seus discursos. O discurso da reflexão estava constituído por diferentes vozes,
que mantinham entre si uma relação tensa.
Em virtude disso, consideramos que o discurso autoral presente nas
atividades de análise linguística é perpassado por vozes conflitantes, que buscam
fixar seu espaço no material didático, e isso pôde ser visto na coleta dos dados.
A nosso ver, os documentos oficiais são os responsáveis diretos por essa
multiplicidade de vozes no discurso didático. Os autores-criadores estão tentando
assimilar todas as orientações dadas nos documentos a fim de que seus
interlocutores imediatos (pareceristas e professores) percebam que o livro
didático que eles têm em mãos está dialogando com a voz oficial. Além dos
documentos, conforme as nossas análises, a produção acadêmico-científica, os
interlocutores do LDP (professores e alunos) também são responsáveis por essa
multiplicidade de vozes. Esse diálogo fará com que os autores, ao assumirem sua
concepção de língua, reflitam e refratam conforme sua visão de mundo.
Esse movimento discursivo evidencia que os autores-criadores, na medida
do possível, atendem a duas práticas pedagógicas: uma que acredita na
169
concepção de língua(gem) sociointeracionista e/ou enunciativo-discursiva; e outra
que
não
abre
mão
do
ensino
sistematizado,
direcionado
ao
ensino
metalinguístico.
Os dados aqui apresentados nos mostram que os autores-criadores são
seres dialógicos, que estão buscando novas abordagens para a didatização do
conteúdo gramatical nos livros didáticos. Como bem sabemos, os livros didáticos
ganharam novamente seu espaço na pesquisa, embora alguns tenham um olhar
negativo para quem se aventura a desvendar este objeto de investigação
multifacetado (BUNZEN, 2005, 2007).
Consideramos que as forças centrífugas e centrípetas se fazem presentes
nos projetos autorais, demonstrando que elas são indícios de que o processo de
ensino-aprendizagem de língua materna, no que se refere à análise linguística
ainda reflete e refrata essas duas forças.
Em consequência, nossa análise evidenciou que o discurso da inovação,
apoiada na visão sociointeracionista para língua(gem), está ligado a diferentes
vozes revozeadas em diferentes esferas da atividade humana, seja na Academia,
através das publicações de suas pesquisas, de seus artigos; no governo Federal,
por meio dos documentos oficiais (PNLEM, PCNEM, PCN+, OCEM, DCEM), na
escola, pelos usuários do livro didático, professor e aluno.
Isso demonstra que o momento sócio-histórico que estamos vivenciando
está marcado por um discurso de mudança no que tange ao ensino da gramática.
Considerar outros discursos na elaboração de um LDP, demonstra que os
autores-criadores estão repensando a didatização dos conteúdos gramaticais e
estão buscando o melhor caminho.
Tudo isso colabora para que nossa pesquisa tenha uma relevância social,
porque ela possibilitará que outros pesquisadores, professores e até mesmo os
agentes envolvidos na elaboração do livro didático (autor e editor) possam
re(pensar) sobre os discursos que são produzidos em diferentes contextos sóciohistóricos e como eles são difundidos e absorvidos tanto pelos acadêmicos
quanto pelos autores e,
assim, compreender os projetos autorais dos livros
didáticos.
170
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMORIM, M. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. São
Paulo: Musa Editora, 2004.
APARÍCIO, A. S. M. A produção da inovação em aulas de gramática do Ensino
Fundamental II da escola pública estadual paulista. Campinas, SP: UNICAMP,
2006. (Doutorado em Estudos da Linguagem), do Instituto de Estudos da
Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2006.
BAGNO, M. Variação lingüística: a doutrina do erro. In: BAGNO, M.; GUILLES, G.;
STUBBS, M. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo:
Parábola, 2002.
BAIÃO, J. G. P. O gênero apresentação nos livros didáticos de língua portuguesa.
Brasília, DF: UNB, 2007. (Mestrado em Linguística), do Departamento de
Linguística, Língua Portuguesa e Línguas Clássicas, Universidade de Brasília,
2007.
BAKHTIN, M. M. ([1952-53]/1979). Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da
criação verbal. Traduzido por Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
BAKHTIN, M. M.; VOLOCHINOV, V. N. (1926). Discurso na vida e discurso na arte
(sobre poética sociológica). Traduzido por Carlos Alberto Faraco e Cristóvão
Tezza. Circulação restrita, Mimeo.
BAKHTIN, M. M. (1934-1935). O discurso no romance. In: _____(1975).
Questões de Literatura e Estética (A Teoria do Romance). Traduzido por Aurora
Fornoni Bernadini et al. São Paulo: Editora da UNESP, 2002.
_______(1922-1924). O autor e o herói. In:_____ (1979). Estética da criação
verbal. Traduzido por Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
_______(1922-1924). O autor e o herói. In:_____ (1979). Estética da criação
verbal. Traduzido por Maria Ermantina G. Pereira. 2.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
_______(1970-1971). Apontamentos. In:_____ (1979). Estética da criação verbal.
Traduzido por Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
_______(1961-1963). Reformulação do livro sobre Dostoiévski. In:_____ (1979).
Estética da criação verbal. Traduzido por Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
_______(1974). Metodologia das ciências humanas. In:______ (1979). Estética
da criação verbal. Traduzido por Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
171
BAKHTIN, M. M. (1959-1961). O problema do texto. In: ______. Estética da
criação verbal. Traduzido por Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
______(1919). Arte e responsabilidade. In:____ (1979). Estética da criação verbal.
Traduzido por Paulo Bezerra. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
______; VOLOCHINOV, V. N (1929). Marxismo e filosofia da linguagem.
Traduzido por Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12.ed. São Paulo: Hucitec,
2004.
BAKHTIN, M. M.; MÉDVEDEV, P. N. (1928). El método formal en los estudios
literários - introductión crítica a una poética sociológica. Madrid: Alianza Editorial,
1994.
BARBOSA, J. P. Trabalhando com os gêneros do discurso: uma perspectiva
enunciativa para o ensino de língua portuguesa. São Paulo, SP: PUC 2001.
(Doutorado em Linguística Aplicada ao Estudo de Línguas), do Programa de PósGraduação em Linguística Aplicada ao Estudo de Línguas da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2001.
BARTHES, R. A Morte do autor. Disponível em
<http://www.facom.ufba.br/sala_de_aula/sala2/barthes1.html>. Acesso em 07 jun.
2008.
BARROS-MENDES, A. N. N. A linguagem oral nos livros didáticos de língua
portuguesa do Ensino Fundamental – 3º e 4ª ciclos: algumas reflexões. São
Paulo, SP: PUC 2005. (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem), do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos
da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.
_____; PADILHA, S. J. Metodologia de análise de livros didáticos de língua
portuguesa: desafios e possibilidades. In: COSTA VAL, M. G.;MARCUSCHI, B.
(orgs.). Livros didáticos de língua portuguesa: letramento e cidadania. Belo
Horizonte: CEALE, Autêntica, 2005.
BATISTA, A. A. G. A avaliação dos livros didáticos: para entender o programa
nacional do livro didático (PNLD). In: ROJO, R. H. R.; BATISTA, A. A. G. (orgs.).
Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura da escrita. Campinas,
SP: Mercado de Letras, 2003.
_____; ROJO, R. H. R. Livros escolares no Brasil: a produção científica. In:
COSTA VAL, M. G.; MARCUSCHI, B. (orgs.). Livros didáticos de língua
portuguesa: letramento e cidadania. Belo Horizonte: CEALE, Autêntica, 2005.
BIZZOCCHI, A. O fantástico mundo da linguagem. In: Ciência Hoje, v. 28, n.164,
setembro de 2000.
BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S.K. Investigação qualitativa em educação. Uma
introdução à teoria e métodos. Porto: Porto Editora, 1994.
172
BRÄKLING, K. L. A gramática nos Lds de 5ª a 8ª séries: “Que rio é este pelo qual
corre o gânges?”. In: ROJO, R. H. R.; BATISTA, A. A. G. (orgs.). Livro didático de
língua portuguesa, letramento e cultura da escrita. Campinas, SP: Mercado de
Letras, 2003.
BRAIT, B. Estilo, dialogismo e autoria: identidade e alteridade. In: FARACO, C.;
TEZZA, C.; CASTRO, G. Vinte ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2006.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para 3º e 4º ciclos do Ensino
Fundamental – Língua Portuguesa, Brasília, DF: MEC/SEF, 1998.
BRASIL/SEMTEC. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília,
DF:MEC/SEMTEC, 1999.
BRASIL/SEMTEC. PCN+ Ensino Médio: orientações educacionais
complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Linguagens, códigos e
suas tecnologias. Brasília, DF: MEC/SEMTEC, 2002.
______.Orientações curriculares para o ensino médio. volume 1, Brasília, 2006.
BRASIL. Lei nº 9394/96. Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional. In:
BRASIL/SEMETEC, Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília,
DF:MEC/SEMTEC, 1996.
BRASIL/SEMTEC/FNDE (PNLEM 2005) Catálogo Nacional do livro didático para
o ensino médio, língua portuguesa. Brasília, DF: MEC, 2004.
BRITTO, L. P. L. A sombra do caos: ensino de língua portuguesa x tradição
gramatical. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1997.
BUESCU, H.C. Em busca do autor perdido. Histórias, concepções, teorias.
Lisboa: Edições Cosmos, 1998.
BUNZEN, C. Livro didático de língua portuguesa: um gênero do discurso.
Campinas, SP: UNICAMP, 2005. (Mestrado em Estudos da Linguagem), do
Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2005.
_______. O ensino de “gêneros” em três tradições: implicações para o ensinoaprendizagem de língua materna. Disponível em
<http://www.letramento.iel.unicamp.br/publicacoes/artigos.html>. Acesso em 10
nov. 2008.
_______; ROJO, R. H. R. Livro didático de língua portuguesa como gênero do
discurso: autoria e estilo. In: COSTA VAL, M. G.; MARCUSCHI, B. (orgs.). Livros
didáticos de língua portuguesa: letramento e cidadania. Belo Horizonte: CEALE,
Autêntica, 2005.
173
CANELAS-TREVISI, S. (1997). La transposition didactique dans les documents
pédagogiques et dans les interactions en classe? Thèse de doctorat en Sciences
de l’éducation, Université de Genève, 1997.
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. v. único. São Paulo:
Atual, 2003.
CHOMSKY, N. Aspectos da teoria da sintaxe. Tradução de Armando Mora
d’Oliveira. Coimbra: Massachusetts, 1965.
CLARK, K.; HOLQUIST, M. Mikail Bakhtin. Traduzido por J. Guinsburg. São
Paulo: Perspectiva, 2004.
CLARE, N. A. V. 50 anos de ensino de língua portuguesa (1950-2000). Disponível
em <http://www.filologia.org.br/vicnlf/anais/caderno06-05.html>. Acesso em 01
nov. 2006.
FARACO, C. A. Português: língua e cultura. Ensino médio. V. único. Curitiba:
Base Editora, 2003.
FERREIRA, N. S. A. Ainda uma leitura dos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa. Revista IBEP. O ensino de Língua Portuguesa. jul 2001.
FERREIRA, J. C.; BORTOLUZZI, V. I. Estudos em multimodalidade: a
multimodalidade em capas de revista de auto-ajuda. In: Simpósio Internacional
de Estudos dos Gêneros Textuais, 4, 2007, Tubarão-SC. Anais. Tubarão:
UNISUL, 2007. CD-Rom.
FIGUEIREDO, L. I. B. Gêneros discursivos/textuais e cidadania: um estudo
comparativo entre os PCN e os Parâmetros em ação. São Paulo, SP: PUC 2005.
(Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem), do Programa de
Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2005.
FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
FOUCAULT, M. (1969). O que é um autor? Trad. António Fernando Cascais e
Eduardo Cordeiro. 6.ed. Lisboa: Vega Passagens, 2006.
________(1970). A ordem do discurso. Aula inaugural no Collège de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Traduzido por Laura Fraga de Almeida
Sampaio. 10.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
FLORES, V. N.; TEIXEIRA, M. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo:
Contexto, 2005.
FRANCHI, C.; NEGRÃO, E. V.; MÜLLER, A. L. Mas o que é mesmo “gramática”?.
São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
FURNALETTO, M. M. Função-autor e interpretação: uma polêmica revisitada. In:
174
FURNALETTO, M. M.; SOUZA, O. (orgs.). Foucault e autoria. Florianópolis:
Insular, 2006.
GABRIEL, C. T. Usos e abusos do conceito de transposição
didática.Considerações a partir do campo disciplinar da história. Disponível em
< http://www.ichs.ufop.br/perspectivas/anais/GT0509.htm>. Acesso em 13 maio
2008.
GERALDI, J. W. (1991). Portos de Passagem. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
______(1984). Unidades básicas do ensino de português. In:______. O texto na
sala de aula. 3.ed. São Paulo: Ática, 2002.
______.Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas,
SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1996. (Coleção Leituras
no Brasil).
KUENZER, A (org.). Ensino Médio: Construindo uma proposta para os que vivem
do trabalho. São Paulo: Cortez, 2000.
MARCUSCHI, A. Os destinos da avaliação no manual do professor. In: DIONÍSIO,
A. P.; BEZERRA, M. A. (orgs.). O livro didático de português: múltiplos olhares.
3.ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
MARCHEZAN, R. C. Diálogo. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitoschave. São Paulo: Contexto, 2006.
MENDONÇA, M. Análise lingüística no ensino médio: um novo olhar, um outro
objeto. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (orgs.). Português no ensino médio e
formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
PADILHA, S. J. Os gêneros poéticos em livros didáticos de língua portuguesa do
ensino fundamental: uma abordagem enunciativa discursiva. São Paulo, SP: PUC
2005. (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem), do
Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005.
______. O autor entre autores. In: Revista Polifonia. Instituto de Linguagens [da]
Universidade Federal de Mato Grosso. Ano 5, n° 04. Cu iabá: Editora Universitária,
2002.
PAES DE BARROS, C. G. “Compreensão ativa e criadora”: uma proposta de
ensino-aprendizagem de leitura do jornal impresso. São Paulo, SP: PUC 2005.
(Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem), do Programa de
Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2005.
175
PERINI, M. A. (1985). Para uma nova gramática do português. 10.ed. São Paulo:
Ática, 2000. (Série Princípios).
______(1995). Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1995.
PONZIO, A . A revolução baktiniana: o pensamento de Bakhtin e a ideologia
contemporânea. Coord. e traduzido por Valdemir Miotello. São Paulo: Contexto,
2008.
POSSENTI, S. (1983). Gramática e Política. In: GERALDI, J. W. O texto na sala
de aula. 3.ed. São Paulo: Ática, 2002.
______. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas, SP: Mercado de
Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1996. (Coleção Leituras no Brasil).
______. Indícios de autoria. Perspectiva: Revista do Centro de Ciências da
Educação da UFSC, Florianópolis SC, v. 20, n. 1, p. 105-124, 2002.
ORLANDI, E. P. O conhecimento sobre a linguagem: mercado e interesse.
In:_____. Língua e conhecimento lingüístico: para uma história das idéias no
Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.
RANGEL, E. Livro didático de língua portuguesa: o retorno do recalcado. In:
DIONÍSIO, A. P.; BEZERRA, M. A. (org.). O livro didático de português: múltiplos
olhares. 3.ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da
linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTAROTH, D. (orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola
Editorial, 2005.
ROJO, R. H. R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e
aplicadas. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (orgs.). Gêneros:
teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
______. Gêneros do discurso no Círculo de Bakhtin: ferramentas para a análise
transdisciplinar de enunciados em dispositivos e práticas didáticas. In: Simpósio
Internacional de Estudos dos Gêneros Textuais, 4, 2007, Tubarão-SC. Anais.
Tubarão: UNISUL, 2007. CD-Rom.
______. Habilidades e competências. Registro de uma aula ministrada na pós
Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
______.Gêneros de discurso/texto como objeto de ensino de línguas: um
retorno ao trivium?. In: SIGNORINI, I. (org.). [Re]discutir texto, gênero e
discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
176
ROJO, R. H. R.; CORDEIRO, G. S. Apresentação: gêneros orais e escritos como
objetos de ensino: modos de pensar, modo de fazer. In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ,
J. (cols.). Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e org. Roxande Rojo e Glaís
Sales Cordeiro. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.
SAUSSURE, F. (1916). Curso de lingüística geral. Trad. Antonio Chelin, José
Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix.
SILVA, W. R. Gramática no texto injuntivo: investigando o impacto dos PCN.
Campinas, SP: UNICAMP, 2003. (Mestrado em Estudos da Linguagem), do
Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2003.
SOARES, M. Português na escola. História de uma disciplina curricular. In:
BAGNO, M. (org.). Lingüística da Norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
_______. Um olhar sobre o livro didático. In: Revista Presença Pedagógica, v. 2,
n.12, nov./dez. 1996.
SOUZA, O. A função-autor numa heterogeneidade teórica. In: FURNALETTO, M.
M.; SOUZA, O. (orgs.). Foucault e autoria. Florianópolis: Insular, 2006.
TEZZA, C. Sobre o autor e o herói – um roteiro de leitura. In: FARACO, C. A.;
TEZZA. C.; CASTRO, G. (org.). Diálogos com Bakhtin. 4.ed. Curitiba: UFPR,
2007.
TRAVAGLIA, L.C. (1995). Gramática e interação: uma proposta para o ensino de
gramática no 1º e 2º graus. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2000.
177
ANEXOS
178
ANEXO 1
179
ANEXO 2
180
ANEXO 3
181
ANEXO 3
182
ANEXO 3
183
ANEXO 3
184
ANEXO 3
185
ANEXO 3
186
ANEXO 3
187
ANEXO 3
188
ANEXO 3
189
ANEXO 4
190
ANEXO 4
191
ANEXO 4
192
ANEXO 4
193
ANEXO 4
194
ANEXO 4
195
ANEXO 4
196
ANEXO 4
197
ANEXO 4
198
ANEXO 4
199
ANEXO 4
200
ANEXO 4
201
ANEXO 4
202
Download